PRINCÍPIOS, TÉCNICA E D A D O S SEMIOLÓGICOS DA M IC R O SC O PIA ESPECULAR DE CÓRNEA

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Transcrição:

3 PRINCÍPIOS, TÉCNICA E D A D O S SEMIOLÓGICOS DA M IC R O SC O PIA ESPECULAR DE CÓRNEA Fernando Cesar Abib Marcia Reis Guimarães PRINCÍPIOS DA MICROSCOPIA ESPECULAR DE CÓRNEA A modalidade semiológica mais objetiva para a avaliação endotelial na clínica oftalmológica é a Microscopia Especular de Córnea, que se baseia na reflexão de um feixe luminoso incidente sobre o endotélio da córnea, possuidor de comportamento de superfície regular. Desta forma, parte do feixe luminoso incidente sobre o endotélio corneano reflete de forma especular (ângulo do raio luminoso incidente igual ao ângulo do raio luminoso refletido, quando considerados em relação a normal) e é captado pelo microscópio especular, que apresenta a imagem endotelial magnificada (Figs. 3-1 e 3-2). Para isso, alguns aparelhos podem ser utilizados, desde uma lâmpada de fenda até um microscópio especular propriamente dito. A imagem endotelial, a partir da biomicroscopia, possui menor magnificação dificultando a análise das células endoteliais. Córneas que se julgavam normais pela biomicroscopia, quando examinadas histologicamente, apresentavam anormalidades. Com a evolução dos meios semiológicos oculares surgiu o microscópio especular de grande ampliação, que posteriormente passou a utilizar análise computadorizada para os dados endoteliais. A partir destes, o estudo do endotélio tornou-se mais freqüente e viabilizou exames rotineiros na clínica oftalmológica. Fig. 3-1. Reflexão em uma superfície entre dois meios transparentes. Reflexão especular: ângulo do raio incidente (0i) é igual ao ângulo do raio refletido (0'1); o ângulo de refração (02) depende dos índices refrativos dos meios. Existem vários tipos de Microscópio Especular disponíveis no mercado, que podem ser classificados quanto à existência ou não de contato com a córnea em análise: 1. Microscópio Especular de Contato: faz-se necessária a presença de contato físico entre a córnea e a lente objetiva. 2. Microscópio Especular de Não-Contato: não existe a necessidade de contato da córnea em análise com a parte óptica da objetiva do aparelho. 19

20 MICROSCOPIA ESPECULAR DE CÓRNEA Fig. 3-2. Representação gráfica da reflexão especular do raio luminoso incidente sobre a superfície endotelial (LAING, R. Specular microscopy. In: KRACHMER, J. K. et al. Córnea: fundamentais of córnea and externai disease. St. Loius: Mosby, 1997. cap. 19). As vantagens e desvantagens de cada um destes aparelhos serão abordadas no Capítulo 6 Microscopia Especular de Córnea de Contato e Não-Contato: Vantagens e Desvantagens. Quanto ao modo de análise dos dados, os microscópios especulares podem ser classificados como: 1. Microscópio Especular Não-Automatizado: o equipamento não oferece recursos para a análise endotelial, a qual fica a cargo do operador, por meio de comparação com grades pré-determinadas, que fornecem padrões de densidade endotelial, pleomorfismo e polimegatismo. 2. Microscópio Especular Semi-Automatizado: oferece recursos para a análise endotelial, porém necessita que o operador do equipamento interaja com o software e a imagem endotelial captada para fornecer o valor estimado da densidade endotelial, pleomorfismo e polimegatismo. 3. Microscópio Especular Automatizado: oferece recursos para a análise endotelial, sem que haja necessidade do operador interagir com o software do aparelho ou com a imagem endotelial captada para fornecer a estimativa da densidade endotelial, pleomorfismo e polimegatismo. TÉCNICA PARA REALIZAÇÃO DO EXAME COM MICROSCÓPIO ESPECULAR DE CÓRNEA Aparelho de Contato 1. Realizar preferencialmente o exame em ambos os olhos pois, em determinadas situações da clínica, necessita-se conhecer o comportamento do endotélio do olho contralateral para auxílio da análise endotelial. Nos casos onde existem alterações significativas monoculares, o olho contralateral pode fornecer parâmetros de normalidade, possibilitando, desta forma, a comparação do endotélio alterado com o endotélio normal. Esta comparação é mais precisa do que a que toma como parâmetro de normalidade os valores médios da população. Nas alterações monoculares, a falta do achado no olho contralateral alerta-nos para a possibilidade de etiologia secundária e não primária, por exemplo olho direito com excrescências da membrana de Descemet e olho esquerdo sem, deve-se ponderar a possibilidade deste endotélio ter sido submetido a qualquer ação lesiva. Nos casos com alterações em ambas as córneas, a ocorrência do achado no olho contralateral corrobora a hipótese diagnóstica, por exemplo: distrofia endotelial de Fuchs. 2. Instilar colírio anestésico. 3. Posicionar o paciente confortavelmente no aparelho. 4. Deslizar a objetiva sobre a superfície corneana e verificar a regularidade do mosaico endotelial nas várias regiões da córnea. 5. Escolher a(s) área(s) corneana(s) específica(s) a ser(em) examinada(s), caso seja a central, um artifício é solicitar ao paciente que olhe na fonte luminosa. Realizar, então o exame o mais breve possível, devido a possibilidade de lesão retiniana pela alta intensidade desta. Para a análise do endotélio em área paracentral ou periférica, solicitar ao paciente que olhe fixamente para o ponto que possibilita o contato da lente objetiva com a área a ser examinada. Esta fixação deve ocorrer com o olho que não está sendo analisado, pois o olho em análise só terá condições de manter a fixação caso se esteja examinando uma área corneana periférica que deixe a pupila livre da intensidade luminosa. 6. Captar a imagem e, antes de proceder sua análise, armazená-la no disco rígido, o que agiliza a realização do exame. 7. Proceder a análise endotelial após a execução do exame propriamente dito, pois existe risco da anestesia corneana diminuir e do paciente apresentar piora da cooperatividade.

PRINCÍllOS, TÉCNICA E DADOS SEMIOLÓGICOS DA MICROSCOPIA ESPECULAR DE CÓRNEA 21 8. A presença de edema de córnea ou qualquer outra Forma de dim inuição da transparência corneana pode dificultar a reflexão especular, piorando a qualidade da imagem de forma diretamente proporcional à intensidade da dim inuição da transparência corneana. 9. Caso se queira utilizar uma área com algum tipo de irregularidade epitelial para a realização do exame, poderá não ser possível efetuá-lo neste local por falta de condições técnicas, pois o feixe luminoso incidente não penetra com regularidade na córnea. Para viabilizá-lo, então, deve-se proceder à utilização de uma área próxima, com regularidade da superfície corneana. 10. A ocorrência de lesões de córnea, tipo abrasão ou desepitelização, provocada pelo contato da lente sobre a superfície corneana, é pouco freqüente, porém, inversamente proporcional à experiência do operador do equipamento. 11. Na presença de desconforto após o exame, caso exista desepitelização, proceder à simples oclusão com pomada antibiótica e curativo oclusivo. Lembrar ao paciente de que estará com visão monocular e deverá tomar as precauções restritivas para tal. 12. A assepsia da lente objetiva do equipamento pode ser feita com álcool a 70%, sempre entre um exame e outro. 13. Nos casos em que o examinado possuir pouca idade e/ou não cooperar com a realização do exame, dar preferência para o equipamento de não-contato. Aparelho de Não-Contato 1. Realizar, preferencialm ente, o exame em ambos os olhos, como no aparelho de contato, pois, em determinadas situações da clínica, necessita-se conhecer o comportamento do endotélio do olho contralateral para auxílio da análise endotelial. Nos casos onde existem alterações significativas monoculares, o olho contralateral pode fornecer parâmetros de norm alidade, possibilitando, desta forma, a comparação do endotélio alterado com o endotélio norm al. Esta comparação é mais precisa do que a que toma como parâmetro de normalidade os valores médios da população. Nas alterações monoculares, a falta do achado no olho contralateral alerta-nos para a possibilidade de etiologia secundária e não prim ária, por exemplo olho direito com excrescências da membrana de Descemet e olho esquerdo sem, deve-se ponderar a possibilidade deste endotélio ter sido submetido a quadro severo de uveíte, giaucoma ou qualquer ação lesiva. Nos casos com alterações em ambas as córneas, a ocorrência do achado no olho contralateral corrobora a hipótese diagnóstica, por exemplo distrofia endotelial de Fuchs. 2. Posicionar o paciente confortavelmente no aparelho. 3. Captar três ou mais imagens de cada córnea com o objetivo de verificar a regularidade do mosaico endotelial na área corneana central e em área paracentral, quando o microscópio especular permitir. 4. Uma forma de suprir parcialmente a falta de versatilidade deste tipo de microscópio especular, procedendo à análise em áreas corneanas periféricas, é solicitar ao paciente que mova os olhos no sentido oposto à periferia corneana que se deseja examinar. Esta manobra pode ser bem-sucedida em alguns casos, porém, sem a precisão do equipamento de contato, com o qual posiciona-se a lente objetiva exatamente sobre a área desejada. 5. Se possível, armazenar a imagem no disco rígido para posterior análise, o que agiliza a realização do exame. 6. A presença de edema de córnea ou qualquer outra forma de diminuição da transparência corneana certamente dificulta a realização do exame, na maioria das vezes impossibilitando a aquisição da imagem pelo equipamento. Nestes casos, é preferível a realização do exame em aparelho de contato, pois pode-se focar o endotélio em uma área corneana que não esteja tão edemaciada. 7. Caso se necessite utilizar uma área com algum tipo de irregularidade epitelial, não será possível a realização do exame por falta de condições técnicas. 8. Nos casos em que o examinado possuir pouca idade e/ou não cooperar com a realização do exame de contato, deve-se preferir utilizar este equipamento, pois poder-se-á evitar procedimento anestésico inalatório de curta duração. DADOS SEMIOLÓGICOS DO ENDOTÉLIO CORNEANO A avaliação do endotélio corneano baseia-se na estimativa da densidade endotelial, no estudo do tamanho e forma de suas células, na presença de estruturas depositadas da superfície endotelial e no estudo das alterações dismórficas do endotélio corneano e/ou membrana de Descemet. DENSIDADE ENDOTELIAL: é avaliada mediante a estim ativa da quantidade de células contidas em 1 mm2. Outra forma de apresentação deste dado semiológico é o tamanho médio da célula endotelial (u m2). Estes valores devem ser sempre comparados com os valores de normalidade para a idade do paciente em exame. A área celular média pode ser calculada pela aplicação da seguinte fórmula. Área celular média = --------- : r i Densidade endotelial POLIMEGAT1SMO: P0LIM EGATISMO: é o termo utilizado para denotar heterogeneidade no tamanho das células endoteliais com formato hexagonal preservado (Fig. 3-3).

MICROSCOPIA ESPECULAR DE CÓRNEA Fig. 3-3. Endotélio com importante polimegatismo. O formato hexagonal básico das células endoteliais é mantido, alterando-se somente seu tamanho. Encontra-se aumentado em idosos e também como consequência de dano endotelial devido a trauma, infecção ou hipóxia. Acredita-se que o aumento do tamanho das células endoteliais e a variação de sua forma (pleomorfismo) reflitam a perda da capacidade de reserva do endotélio corneano. Reconhece-se o polimegatismo como um importante indicador do estado funcional do endotélio corneano. Afirma-se que seu aspecto anatômico normal é indicador de saúde endotelial. PLEOMORFISMO: é o termo utilizado para denotar a variação do formato hexagonal das células endoteliais da córnea (Fig. 3-4). Pode ser também chamado de polimorfismo. Acredita-se que o pleomorfismo e o polimegatismo refletem a perda da capacidade de reserva do endotélio. A avaliação do pleomorfismo pode ser realizada pela razão do círculo inscrito à célula pleomórfica pelo circunscrito à mesma célula. Fig. 3-5. Mosaico endotelial com moderada quantidade de depósitos endoteliais inflamatórios. Outra forma de análise é a determinação do percentual de células hexagonais existentes em cada imagem. A literatura mundial é carente de estudos comparativos quanto sensibilidade e especificidade destes métodos. Infelizmente, o modo pelo qual a análise da conformação celular endotelial é realizada em cada um dos diferentes tipos de microscópios especulares disponíveis, não é demonstrado em sua íntegra, o que dificulta a análise mais aprimorada da objetividade e rigor destes equipamentos em sua avaliação. DEPÓSITOS ENDOTELIAIS DE NATUREZA INFLAMA TÓRIA E PRECIPITADOS CERÁTICOS: devem ser analisados quanto a sua forma, tamanho, aspecto e natureza. São encontrados em uveítes, de etiologia clínica ou cirúrgica, em pós-operatório de cirurgia de segmento anterior, principalmente na de catarata e transplante de córnea. À microscopia especular, apresentam-se como estruturas branco-acinzentadas (Figs. 3-5,3-6 e 3-7), de tamanho pequeno, médio ou grande, piguementadas ou não. Fig. 3-4. Endotélio com importante pleomorfismo. O formato hexagonal básico das células endoteliais encontra-se bastante alterado; visualiza-se células de quatro, cinco, e até sete lados, e, como se não bastasse, de tamanhos variados. Fig. 3-6. Mosaico endotelial com moderada quantidade de depósitos endoteliais inflamatórios. Porém, em imagem com menos luminosidade, ressaltam-se os referidos depósitos.

PRIN )S, TÉC N IC A E D A D O S SEM IO LÓ G ICO S DA M ICROSCOPIA ESPECULAR DE CÓRNEA 23 Fig. 3-7. Olho com panuveíte em fase aguda e moderado edema de córnea. Grande quantidade de depósitos endoteliais inflamatórios. Precipitado cerático no canto superior direito do mosaico. A análise do mosaico endotelial está prejudicada pelo edema e pela quantidade dos depósitos. Fig. 3-9. Nota-se pequena parte de uma dobra da membrana de Descemet. Muitas vezes, ao focaliza-la, perde-se o foco do mosaico endotelial pois estas estruturas, dobra e mosaico, encontram-se em profundidades distintas. Podem ter naturezas distintas: fibrina e células sanguíneas da linhagem branca, ou serem mistos. Os de natureza fibrínica, são os menores e mais delicados, os compostos por células da linhagem sangüínea branca, podem coalecer e tornarem-se grande, arredondados. São os chamados precipitados ceráticos (Figs. 3-7 e 3-8). Estes geralmente são maiores e de bordos mais regulares que os depósitos entoteliais de natureza pigmentar. Os depósitos de natureza pigmentar são menores, mais densos, geralm ente de bordos mais irregulares, embora, às vezes, confluentes e não formam precipitados ceráticos. ALTERAÇÕES DISMÓRFICAS DO ENDOTÉLIO E MEMBRANA DE DESCEM ET: nesta categoria de estruturas encontramos as dobras da membrana de Descemet (Figs. 3-9 e 3-10), excrescências da membrana de Desce- met da córnea gutatta e distrofia endotelial de Fuchs, ICE cells na síndrome endotelial iridocorneana e alterações diversas da distrofia polimorfa posterior, estas últimas descritas e fotodocumentadas nos capítulos específicos. EDEMA DE CÓRNEA: a córnea sem edema à microscopia especular apresenta imagem endotelial com bordos nítidos (Fig. 3-11 A), nela ocorre reflexão especular em quantidade suficiente para gerar a imagem do mosaico endotelial com bordos celulares nítidos. A córnea com edema leve a moderado apresenta imagem endotelial com bordos celulares pouco nítidos (Fig. 3-11B), nesta ocorre dispersão luminosa e a reflexão não especular ocorre em maior quantidade, em detrimento da transm issão luminosa de forma regular e da reflexão especular. Na córnea com edema severo não se visualiza o mosaico endotelial (Fig. 3-11C), pois o predomínio é da dispersão luminosa e da reflexão não especular. F'g 3-8. O lh o de portador de uveíte por toxoplasmose, tratado e fora de atividade. A imagem evidencia, à direita, o aspecto de um precipitado cerático, parcialmente reabsorvido (reliquat), com relativo grau de pigmentação. Nota-se a mudança do aspecto do mosaico endotelial e a forma arredondada da estrutura. Fig. 3-10. Nota-se duas dobras da membrana de Descemet paralelas. Evidencia-se uma pequena porção de mosaico endotelial entre elas.

MICROSCOPIA e s p e c u l a r DECORNEA Fig. 3-11A. Córnea sem edema: apresenta bordos celulares nítidos. B. Córnea com edema moderado: alguns dos bordos celulares que compõem o mosaico endotelial são vistos com mais dificuldade. C. Córnea com edema severo: os bordos celulares são praticamente ou mesmo imperceptíveis, não se conseguindo visualizar o mosaico endotelial. O microscópio especular capta o feixe luminoso que emerge da córnea, composto por raios luminosos, alguns dispersos e alguns com reflexão especular, para apresentar a imagem no monitor do equipamento. Desta forma, conclui-se que a imagem endotelial de boa qualidade é indicativo de ausência de edema corneano. Quanto maior o edema de córnea, pior a qualidade da imagem, sendo então o edema de córnea fator limitante do princípio físico que viabiliza a microscopia especular. A realização da microscopia especular, na presença de edema de córnea, só é viável com equipamento de contato, para tanto, é importante que durante o exame se procure, ao deslizar a lente objetiva sobre a superfície corneana, uma área com a m enor quantidade de edema possível, consequentemente nela existe maior possibilidade de conseguir reflexão especular suficiente para identificar o mosaico endotelial, mesmo que com dificuldade. OPACIDADE DE CÓRNEA: córneas com opacidade, seja em qualquer uma de suas camadas, terão a mesma limitação técnica causada pelo edema, pois no local da opacidade ocorre dispersão do raio luminoso incidente, prejudicando a reflexão especular e, consequentemente a qualidade da imagem do mosaico endotelial. É outro fator limitante do princípio físico que viabiliza o exame.