Perceber a diferença faz diferença

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Transcrição:

Entrevistas PARTICIPAÇÃO, DIREITOS E CIDADANIA Perceber a diferença faz diferença 13 DE OUTUBRO DE 2010 Fernando Capovilla, coordenador do Laboratório de Neurolinguística Cognitiva Experimental (Lance) do Instituto de Psicologia da USP, nos fala um pouco a respeito da educação inclusiva de alunos com deficiência no Brasil, tendo em vista os vários tipos de deficiência existentes. Além disso, explica, em linhas gerais, as pesquisas e programas desenvolvidos no Lance, como o método fônico de alfabetização. M o b i l i zad o r es C OEP Go star i a d e q u e vo c ê exp l i c asse u m p o u c o o s p r o j eto s e p esq u i sas d esenvo l vi d o s p el o In sti tu to d e P si c o l o gi a d a USP r ef er en tes à temáti c a d a d efic i ên c i a. http://www.mobilizadores.org.br/entrevistas/perceber-a-diferenca-faz-diferenca/ 1/6

R. Coordeno o Laboratório de Neuropsicolinguística Cognitiva Experimental (Lance) do Instituto de Psicologia da USP. Nele temos desenvolvido pesquisas e programas de computador voltados para avaliação do desenvolvimento e distúrbios de comunicação e linguagem oral, escrita e de sinais, bem como de intervenção para prevenção e remediação desses distúrbios. Trabalhamos com distúrbios de linguagem de etiologia neurossensorial (surdez congênita), neuromotora (paralisia cerebral, esclerose lateral amiotrófica), e neurolingüística (dislexia, alexia, afasia). Publicamos o Dicionário enciclopédico ilustrado trilíngüe da Língua de Sinais Brasileira (Libras), cuja 3ª. edição foi distribuída pela Secretaria de Educação Especial do MEC com recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) via Programa Nacional do Livro Didático a 33.500 alunos surdos e deficientes auditivos de 8.500 escolas de todos os estados da federação. Publicamos também a Enciclopédia da Língua de Sinais Brasileira (Libras), em 19 volumes (19 mil páginas). Além disso, temos inúmeras publicações na área de alfabetização, com livros como Problemas de leitura e escrita: como identificar, prevenir e remediar numa abordagem fônica (4ª. ed.); Alfabetização: método fônico (3ª. ed.); Alfabetização fônica: construindo competência de leitura e escrita? (2ª ed.), Alfabetização fônica computadorizada, dentre muitos outros. Com o método fônico somos capazes de prevenir e remediar dislexia do desenvolvimento, alfabetizar crianças com persistentes dificuldades de aquisição de leitura e escrita, alfabetizar crianças e jovens com paralisia cerebral, alfabetizar surdos com implante coclear, e assim por diante. M o b i l i zad o r es C OEP Em l i n h as gerai s, em q u e c o n si ste o méto d o f ô n i c o? R. O método fônico consiste na combinação entre ensino fônico de correspondências entre grafemas e fonemas e exercícios metafonológicos para aumentar a consciência de que o fluxo da fala é composto de uma sucessão de um número limitado de fonemas que se combinam e recombinam segundo regras previsíveis. O método fônico de alfabetização é o método recomendado oficialmente pelo Observatório Nacional da Leitura da França, pelo National Institute of Mental Health and Child Development dos Estados Unidos, pelo Ministério da Educação da Inglaterra, pelo Ministério da Educação da França, pela Comissão Internacional de Especialistas em Alfabetização Infantil (que apresentou seu relatório ao Congresso Nacional em 2003), dentre outros. É usado por todos os países recordistas mundiais de competência de leitura, e incompreendido por todos os países recordistas de incompetência, como o Brasil, o Peru, o México e a Argentina. M o b i l i zad o r es C OEP N a ár ea d a ed u c aç ão, q u ai s f o ram o s mai o r es avan ç o s o b ti d o s p o r vo c ês em ter mo s tec n o l ó gi c o s e p ed agó gi c o s p ara a i n c l u são d e al u n o s c o m d efic i ên c i a? R. Em termos tecnológicos, um dos maiores avanços para inclusão de alunos com deficiência diz http://www.mobilizadores.org.br/entrevistas/perceber-a-diferenca-faz-diferenca/ 2/6

respeito aos sistemas computadorizados que desenvolvemos para permitir alfabetização e comunicação de crianças e jovens com paralisia cerebral, bem como dos sistemas de multimídia com sinais falantes e acionados pelo piscar que temos desenvolvido para permitir a alunos surdos traduzir da Libras para o Português falado e escrito (e vice-versa), para permitir telecomunicação de surdos, e para permitir a surdos resgatar diretamente qualquer sinal da Libras mesmo sem saber a palavra (correspondente ao sinal da Libras) em Português. Embora tenhamos desenvolvido programas e publicações extremamente úteis para a educação nos últimos 18 anos, só mais recentemente é que eles vêm sendo empregados de maneira crescentemente mais ampla pelos governos. M o b i l i zad o r es C OEP A ed u c aç ão i n c l u si va é u m tema b astan te p o l êmi c o atu al men te. Par te d a p o p u l aç ão ac r ed i ta q u e n ão sej a p o ssí vel a al o c aç ão d o s al u n o s c o m d efic i ên c i a n as esc o l as r egu l ar es p o r c o n ta d a esc assez d e r ec u r so s h u man o s e mater i ai s p ara vi ab i l i zar o ac esso d estes. Ou tr o s ac r ed i tam q u e f r eq ü en tar a esc o l a r egu l ar é u m d i r ei to d o s al u n o s c o m e sem d efic i ên c i a, e q u e se d eva c u mp r i r a l ei c o n c o mi tan te c o m mu d an ç as q u e p er mi tam o ac esso d as c r i an ç as c o m d efic i ên c i a. Qu al su a o p i n i ão so b r e a esc o l a i n c l u si va? R. Antes de tudo, é preciso distinguir entre os diversos tipos de deficiência. Para casos de deficiências de natureza neuromotora (como na paralisia cerebral), de maneira geral quando a educação inclusiva e a educação especial são combinadas em contra-turno, somam-se as vantagens de ambas. Na educação especial pode-se preparar a criança para enfrentar e vencer as dificuldades naturais de uma escola comum. A educação regular comum pode servir de campo de prova do grau de adequação dos ganhos obtidos na educação especial. Desse modo, as duas experiências se completam para amparar e preparar (na educação especial) e, ao mesmo tempo, desafiar (na educação inclusiva) a criança. Por outro lado, no caso da educação de surdos e de deficientes auditivos, tem-se um quadro bastante distinto. Conduzimos uma pesquisa ampla de avaliação de 7.500 crianças e jovens surdos de 1ª série do ensino fundamental até a última série do ensino superior de 15 estados brasileiros. Cada um dos avaliandos foi submetido a uma ampla bateria de testes por cerca de 12 horas. Além disso, obtivemos, também, dados de prontuários de cada avaliando, incluindo grau e idade da perda auditiva, etiologia, acesso a Libras e a atendimento fonoaudiológico, etc. Como um grande número de escolas bilíngües para surdos vêm sendo desmontado sistematicamente para implementar política radical de inclusão, decidimos avaliar quais serão as conseqüências futuras desse desmonte antes que ele se consume por completo. Assim, comparamos competências como leitura de palavras, compreensão de textos, qualidade da escrita, vocabulário em sinais e em Português, etc., de crianças e jovens surdos e deficientes auditivos como função do tipo de escola (bilíngüe versus comum). Os achados são reveladores: crianças e jovens surdos (i.e., com perda http://www.mobilizadores.org.br/entrevistas/perceber-a-diferenca-faz-diferenca/ 3/6

profunda ou severa e pré-lingual) desenvolvem-se muito melhor no ensino bilíngüe em escolas bilíngües e em meio a seus colegas surdos; ao passo que crianças e jovens deficientes auditivos (i.e., com perda pós-lingual) desenvolvem-se melhor na educação regular comum. Então: para cada um conforme suas necessidades e de cada um, conforme suas possibilidades. Quem acha que toda criança é igual perde a criança no processo. Descobrimos que perceber a diferença faz diferença. M o b i l i zad o r es C OEP - A l gu mas teo r i as so b r e esc o l as i n c l u si vas ac r ed i tam q u e o f ato d e i n c l u i r al u n o s c o m d efic i ên c i a n ão n ec essar i amen te p r essu p õ e o d esap ar ec i men to d as esc o l as esp ec i ai s, e si m o c o nví vi o en tr e as i n sti tu i ç õ es. Sen d o a esc o l a esp ec i al u m ap o i o d u ran te a vi d a esc o l ar e esc o l a r egu l ar c o mo u m D i r ei to Un i ver sal. C o mo vo c ê p er c eb e o ac esso e d esenvo l vi men to d o s al u n o s n estas d u as i n sti tu i ç õ es? R. Para casos como a paralisia cerebral, a experiência de contra-turno é a mais produtiva, desde que o objetivo da educação especial seja o de desenvolver na criança as habilidades necessárias para que prospere na educação inclusiva. Para surdez, é absolutamente essencial recuperar, multiplicar e expandir as escolas bilíngües que ministram o ensino ao vivo por meio da Libras e fazem o registro por meio do Português. No Brasil cerca de 80% dos surdos em idade escolar estão fora das escolas porque não há escolas bilíngües capazes de recebê-los e educá-los, e o desmonte das escolas bilíngües só vai tornar o quadro ainda mais difícil. No país, os cerca de 300 municípios com mais de 300 mil habitantes deveriam ter pelo menos uma escola bilíngüe modelo para servir de pólo avançado e oferecer treinamento regionalizado para os municípios menores circundantes e aumentar a penetração e conferir a capilaridade no ensino bilíngüe de surdos. É isso que os dados do maior estudo do mundo sobre educação de surdos revelam. Impor um ensino comum massificado, em que as crianças com surdez congênita profunda são roubadas de seus ambientes de ensino especializado e pulverizadas em ambientes pedagogicamente despreparados para recebê-las, viola sua individualidade e seu direito a uma educação efetiva. E isso é tão mais trágico quando feito a pretexto de garantir um direito universal. M o b i l i zad o r es C OEP Em ter mo s q u an ti tati vo s, vo c ê tem i d éi a d e q u an tas p esso as j á f o ram b en efic i ad as p el o s p r o j eto s d e ac essi b i l i d ad e d esenvo l vi d o s p o r vo c ês? R. Dezenas de milhares de crianças com problemas de aprendizagem, muitos milhares de surdos, centenas de crianças com paralisia cerebral e dislexia, dezenas de pessoas com afasia e esclerose lateral amiotrófica, dentre outros. Mobilizadores COEP Explique um pouco sobre os sistemas de multimídia portáteis e falantes para a comunicação e linguagem de estudantes com distúrbios de comunicação e linguagem decorrente de danos neuromotores que impossibilitam articular a fala e escrita, como na tetraplegia por paralisia http://www.mobilizadores.org.br/entrevistas/perceber-a-diferenca-faz-diferenca/ 4/6

cerebral ou esclerose lateral amiotrófica. R. São sistemas de multimídia que apresentam de modo combinado fala digitalizada e sintetizada, texto, figuras e sinais com animação gráfica, e que podem ser acionados por diferentes meios (mouse, tela sensível ao toque, acionadores de pressão, detectores de movimento) para permitir a comunicação por parte de pessoas com severos distúrbios de comunicação e linguagem decorrentes de impedimentos de natureza neurossensorial (deficiência visual ou surdez congênita, e surdocegueira), neuromotora (paralisia cerebral, tetraplegia, esclerose lateral amiotrófica), e/ou neurolingüística (dislexia, alexia, afasia). Funcionam como próteses cognitivas e lingüísticas. Temos desenvolvido e adaptado tais sistemas a pessoas com os mais variados quadros nos últimos 18 anos, e nosso trabalho tem merecido reconhecimento internacional. M o b i l i zad o r es C OEP Em r ec en te estu d o d a ON U, f o i c o mp r ovad o q u e p el o men o s 80% d a p o p u l aç ão mu n d i al c o m d efic i ên c i a vi vem ab ai xo d a l i n h a d a p o b r eza. Vo c ê p er c eb e u m movi men to d o s gover n o s e so c i ed ad e c i vi l em to r n ar as tec n o l o gi as mai s ac essí vei s p ara a p o p u l aç ão d e b ai xa r en d a? R. Ao longo desses 18 anos, fizemos diversas campanhas com este objetivo. Propusemos a doação de computadores obsoletos a pacientes com esclerose lateral amiotrófica para poder servir de meio de comunicação para melhoria da qualidade do atendimento clínico, da qualidade de vida, e da expectativa de vida desses pacientes terminais. Em troca doávamos softwares de comunicação. O objetivo era ter um número significativo de sistemas nos domicílios dos pacientes, de modo a poder avaliar cientificamente a significância estatística de uma série de indicadores de qualidade de vida desses pacientes relacionados à qualidade aumentada do atendimento clínico que então passou a poder ser oferecido. Campanhas desse tipo podem e devem ser empreendidas por órgãos dos três setores (empresas, governos, ONGs), de preferência articulados. A universidade pública é um campo ideal de articulação dos esforços dessas três importantes instâncias. É preciso que haja mais demanda induzida de cooperações dessa natureza por órgãos de fomento federal como CNPq, Finep, Capes e estadual como as fundações de amparo à pesquisa; bem como por ONGs, e por empresas concessionárias de serviços públicos, especialmente na área de telecomunicações, empregando recursos como o Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (Fust). Gl o ssár i o* D i stú r b i o s d e c o mu n i c aç ão d e eti o l o gi a n eu r o ssen so r i al e d e eti o l o gi an eu r o mo to ra constituem quadros de significativa dificuldade de comunicação oral, escrita ou de sinais que podem ser atribuídos à combinação entre variáveis biológicas do comunicando (como em quadros de surdez congênita profunda no caso neurossensorial e paralisia cerebral no caso neuromotor) e variáveis do http://www.mobilizadores.org.br/entrevistas/perceber-a-diferenca-faz-diferenca/ 5/6

ambiente em que deve ocorrer a comunicação (como a ausência de conhecimento de Libras pelos interlocutores da criança surda em escolas comuns não preparadas para incluir a criança surda, e a ausência de sistemas de comunicação falantes e acionáveis por meios alternativos das mesmas escolas comuns não preparadas para incluir a criança com paralisia cerebral). Esc l er ose l ateral ami otr ófic a: doença neurodegenerativa fatal e, até o presente, incurável, caracterizada pela morte dos neurônios motores, ocasionando paralisia da musculatura esquelética dos membros e dos sistemas responsáveis pela deglutição, fala e respiração, sendo que, nos estágios adiantados da doença, o paciente passa a necessitar de alimentação parenteral, comunicação assistida computadorizada acionada pela direção do olhar, e aparelhos externos para insuflar o ar nos pulmões via traqueostomia. D i sl exi a: transtorno neurolinguístico do desenvolvimento caracterizado pela dificuldade de adquirir competência de leitura e escrita, e pela presença de severas dificuldades de discriminação fonêmica, e redução da memória de trabalho fonológica e da velocidade de recuperação lexical e de processamento fonológico. Embora seja um dos fatores mais comuns subjacentes ao fracasso escolar, há evidências de que a dislexia do desenvolvimento pode ser prevenida pela aplicação do método fônico antes do início da escolarização e alfabetização. A l exi a: transtorno neurolinguístico caracterizado por perda da competência de leitura. A fasi a: transtorno neurolinguístico caracterizado por perda da competência linguística, quer de expressão da fala (como na afasia de Broca), quer de compreensão da fala (como na afasia de Wernicke), quer de repetição da fala(como na afasia de condução), quer de todas as três competências (como na afasia global) e usualmente acompanhada de perdas paralelas de linguagem escrita. Em surdos congênitos sinalizadores, caracteriza-se por perdas homólogas das competências linguísticas de expressão ou compreensão ou repetição de sinais. C ontra- tur no: turno complementar. Por exemplo, ensino matutino em escolabilíngüe e ensino vespertino em escola comum. * O Glossário foi elaborado pelo entrevistado. http://www.mobilizadores.org.br/entrevistas/perceber-a-diferenca-faz-diferenca/ 6/6