O MÉTODO SOB A ONTOLOGIA DO SER SOCIAL: A CONTRIBUIÇÃO DA CATEGORIA TRABALHO NO PROCESSO DE INVESTIGAÇÃO E EXPOSIÇÃO

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Transcrição:

O MÉTODO SOB A ONTOLOGIA DO SER SOCIAL: A CONTRIBUIÇÃO DA CATEGORIA TRABALHO NO PROCESSO DE INVESTIGAÇÃO E EXPOSIÇÃO Liana Brito de C. Araújo UECE / IMO Susana Jimenez UECE / IMO Introdução A questão do método sob a ótica marxiana ainda parece bastante atual e necessária, principalmente quando se observa o avanço do pensamento pós-moderno marcado pelo reducionismo e fragmentação do real e do conhecimento. Embora não se possa deixar de considerar que os processos sociais se apresentem aos homens na sua imediaticidade sob a forma aparente micro-social, é necessário que não se perca de vista que esses processos sociais são constituídos de múltiplas relações e que, em última instância, compõem a totalidade social, como complexo de complexos (LUKÁCS, SD b). A argumentação seguida neste trabalho tem como pressuposto a perspectiva de totalidade social constituinte dos complexos sociais (sejam eles processos micro ou macro-sociais). Além disso, reconhecemos que o conhecimento sob a ontologia social parte da tese de que a essência dos fenômenos sociais é engendrada como processo histórico, dialético e contraditório (MARX, 1997). Partimos da análise de Lukács (SD a) acerca da categoria trabalho (como ato teleológico objetivado numa causalidade posta/ dada) apresentada como nosso ponto de partida para a percepção dos processos de investigação e exposição na produção do conhecimento científico, construídos a partir de escolhas estabelecidas pelo sujeito que investiga e pela complexa relação que este estabelece com o objeto investigado. Essas relações objetivam a própria atividade investigativa demarcando que, tanto o sujeito como as particularidades do real são elementos essenciais no processo de investigação e exposição do objeto conhecido. As categorias de análise - prioridade ontológica e momento predominante - são referendadas no texto com a preocupação de demonstrar que são processos que vão se explicitando na investigação. Lukács, ao lançar mão dessas categorias, pretendia enfatizar e clarificar a questão das inter-relações entre os complexos sociais presentes na totalidade do real e o papel que cada complexo assume na unidade dos complexos de complexos, construindo o caminho de ida e de volta (MARX, 1997). O trabalho, como uma atividade de intercâmbio dos homens com a natureza, objetivado pela mediação da teleologia, causalidade, objetivação e exteriorização, é a

protoforma da atividade humana (LUKÁCS, SD a; LESSA, 1996). Dessa forma, o por teleológico, ou seja, as escolhas que os sujeitos estabelecem em toda atividade são postas a partir de determinadas condições objetivas e materiais (causalidade), que se materializam, no final do processo, como objeto externalizado que se põe diante dos próprios homens 1. A função primeira do trabalho é a busca da satisfação de determinadas necessidades (imediatas ou não). Essa atividade já imprime nos sujeitos que a realizam um processo de aprendizagem, de desenvolvimento de habilidades humanas e de conhecimento da realidade em que atuam (do próprio processo de mediação - sujeito/objeto, e do conhecimento de si e do outro). Trata-se de uma atividade que, de uma maneira ou de outra, põe o homem em relação consigo e com o outro. O resultado do trabalho (externalizado/ materializado/ objetivado) retroage sobre os homens, sobre o próprio trabalho, o que permite a própria humanização dos homens, pela mediação da consciência. Portanto, trata-se de um processo que provoca o desenvolvimento do novo, de uma nova realidade com novas necessidades. Isto é, um processo que se desencadeia no próprio desenvolvimento social e histórico da vida dos homens, o que se realiza pela mediação da prática social dos homens, criando assim um campo de possibilidades e de novas condições objetivas. Nessa perspectiva, compreende-se o trabalho como categoria fundante do ser social, pois é pela sua mediação que o processo de hominização/ humanização (LEONTIEV, 1978) se realiza. Além disso, estamos diante de uma categoria central no processo de análise das relações sociais, de compreensão da própria sociedade, pois é por intermédio do trabalho que os homens garantem a sua existência enquanto seres sociais. Como bem afirmou Marx (1985 a, p. 50) como criador de valores de uso, como trabalho útil, é o trabalho, por isso, uma condição de existência do homem, independente de todas as formas de sociedade, eterna necessidade natural de mediação do metabolismo entre o homem e a natureza e, portanto, da vida humana. Além de toda essa riqueza presente no trabalho, Lukács (SD a) afirma ainda que, enquanto ato teleológico dentro de um campo de possibilidades postas por uma 1 Embora as escolhas sejam próprias dos sujeitos, elas não podem ser entendidas e estabelecidas como algo apenas do sujeito que escolhe. Por isso, em última instância, são os seus responsáveis imediatos. De fato, as escolhas são postas pelos sujeitos em relação e interação com o mundo objetivo, e são engendradas a partir da complexa relação homem e mundo. Como afirmou Marx (1985 b) os homens fazem sua história, porém não pela sua própria vontade imediata, mas sob circunstâncias dadas e postas, com as quais estão diretamente se confrontando. 2

causalidade e movido por necessidades objetivas, ele é a protoforma de toda atividade humana. Isto significa dizer que as atividades humanas, imediatas ou não, por mais diversas que possam parecer, são realizadas através de atos teleológicos de seus sujeitos, a partir de necessidades sentidas, sempre dentro de um espaço histórico-social. A concepção ontológica do trabalho nessa direção apresenta a estrutura básica das atividades humanas em geral e, por sua vez, a estrutura interna de reprodução social dos homens (pois é síntese de processos sociais complexos), com toda a complexidade que representa. Nas palavras do autor: Através dele [o trabalho] realiza-se, no âmbito do ser material uma posição teleológica que dá origem a uma nova objetividade. Assim, o trabalho se torna o modelo de toda práxis social, na qual, de todo modo mesmo que através de mediações às vezes muito complexas sempre são transformadas em [...] posições teleológicas, em termos que, em última análise, são materiais. [...] O fato simples de que no trabalho se realiza uma posição teleológica é uma experiência elementar da vida cotidiana de todos os homens, tornando-se isto um componente ineliminável de qualquer pensamento; desde os discursos cotidianos até a economia e a filosofia. Nesta altura a questão não é tomar partido pró ou contra o caráter teleológico do trabalho, antes, o verdadeiro problema consiste em submeter a um exame ontológico autenticamente crítico a generalização quase ilimitada e novamente: desde a cotidianidade até o mito, a religião e a filosofia - deste fato elementar. (LUKÁCS, SD a, p. 4). A contribuição teórica lukasciana acerca do trabalho e a afirmação de que ele é a protoforma da atividade humana 2 nos leva a afirmar que estamos de posse de uma ferramenta básica para a compreensão do método como processo de investigação e de exposição do seu resultado. A questão do método explicitada por Marx (1997) aponta o ato de investigação como uma objetivação posta a partir da relação do sujeito que investiga um objeto dado. Este, como concreto real (imediato e caótico), o verdadeiro ponto de partida de todo conhecimento, vai sendo descoberto pela investigação na medida em que se supera a sua aparência imediata 3. Trata-se de um caminho permanente de ida e volta, no qual o sujeito vai se deparando com categorias complexas que, para serem explicitadas e compreendidas dependem de outras categorias, chegando a estas o 2 No desenvolvimento desta concepção teórico-metodológica é fundamental a leitura de Lukács (SD b; 1979), assim como os estudos de Lessa (1996, 2001). 3

pesquisados vai se apropriando das categorias mais simples. Estas permitem a apropriação da totalidade do real como síntese do objeto investigado. Nesse momento é possível tomar o concreto (o ponto de partida) como concreto pensado, pois este se apresenta por inteiro, isto é, não mais na sua aparência caótica imediata. Nesse percurso, o pesquisador constrói o seu caminho fazendo escolhas dentro do campo de possibilidades concretas presentes no real e percebidas pela sua capacidade de análise e síntese. Capacidade acumulada anteriormente e ampliada na própria atividade de pesquisa que está realizando. Tanto o real (complexo de complexos) quanto o pesquisador são parte constitutivas da totalidade social, e este fato não pode ser desprezado. Nesse sentido, a ontologia marxiana com o aporte de Lukács (SD b) pressupõe que os fenômenos sociais, como complexos, representam uma totalidade complexa, síntese de muitos processos, os quais, ao mesmo tempo, são objetivados a partir de uma cadeia complexa de atos teleológicos singulares que o compõem. Aqui está, do nosso ponto de vista, uma das grandes contribuições deste autor, no processo de pesquisa, ou seja, a possibilidade de superação de uma visão macro-estrutural de caráter determinante e economicista que, muitas vezes tem sido atribuída ao pensamento de Marx. Lukács reafirma a perspectiva marxiana na sua contínua e ineliminável relação entre o singular e o universal, entre o micro e o macro social, entre a economia e a prática social dos homens. É importante destacar outro elemento fundamental no processo de investigação que diz respeito à percepção das interações entre os complexos sociais ou processos sociais, como um recurso para entendermos sua processualidade histórica. A interação que se estabelece entre os complexos sociais, como bem lembra Lukács (SD b) é muito mais rica do que este conceito pode sugerir. [...] a simples interação conduz a um arranjo estacionário, definitivamente estático; se queremos dá expressão conceitual à dinâmica viva do ser, ao seu desenvolvimento, devemos elucidar qual seria, na interação da qual se trata, o momento predominante. É este, com efeito, não simplesmente sua ação, mas também as resistências contra a qual se choca, que ele próprio desencadeia, etc. - que dá uma direção, uma linha de desenvolvimento à interação que, não obstante todo o seu movimento parcial, seria de outro modo estática. (LUKÁCS, SD b, p. 118). 3 A questão do método foi anteriormente abordado pela autora. Conferir Araújo (2003). 4

No processo de interação presente na totalidade social, Lukács identifica dois processos sociais: a prioridade ontológica e o momento predominante, considerados categorias ontológicas. O que se observa, em primeiro lugar, é que a prioridade ontológica em Lukács corresponde, na contribuição dos escritos de Marx, à tese da centralidade do trabalho, presente na categoria de relações sociais de produção, como básico para a compreensão da história dos homens. Não é possível se chegar à essência dos fenômenos sociais sem que se tenha como pressuposto as condições materiais e objetivas em que tais fenômenos estão fundados. A base material da economia e da história não pode ser desprezada em momento algum, embora, muitas vezes, alguns fenômenos sociais investigados possam apresentar complexas mediações que se colocam entre a base material e o fenômeno em si. Cabe ao pesquisados ir se apropriando das mediações que constituem a totalidade social em que se insere o seu objeto de estudo, o que não significa afirmar a completa independência do fenômeno observado da totalidade mais ampla. Nesse sentido afirmamos que o processo de investigação imprime, portanto, escolhas necessárias e postas pelo pesquisador, que são direcionadas e embasadas pelo referencial teórico por ele adotado. A casualidade posta, da qual o objeto é parte, e a causalidade em que o pesquisador se encontra inserido (que não precisam ser coincidentes) vão ter um papel essencial nos processos de investigação e nas escolhas do pesquisador. No entanto, o que irá predominar no encaminhamento da pesquisa será a própria determinação do real (com sua história e processualidade) que será melhor apreendida quanto maior for o tempo de maturação da relação sujeito/ objeto e do amadurecimento do pesquisador diante do ato investigativo. Na prática investigativa, é possível que o sujeito se depare com algum elemento surpresa, inesperado (por exemplo, encontra por acaso um informante fundamental), o que será fundamental para uma apropriação mais consistente do objeto investigado. Este elemento novo, aparentemente casual, pode permitir que o pesquisador estabeleça diversas e novas conexões que, ao serem desdobradas vão constituir parte fundamental do caminho de ida e de volta. Nesse percurso, Marx (1997) afirma que as categorias mais complexas vão nos levando a outras categorias até que encontramos as categorias mais simples. Somente aqui é possível ao pesquisador ter maior clareza da síntese que o objeto investigado representa na sua totalidade. Este processo é definido por Lukács (SD b) como o momento predominante. A síntese de múltiplas determinações (MARX, 1997) que engendram o real concreto, 5

verdadeiro ponto de partida, será o ponto de chegada do pesquisador, construído à medida que encontra as relações que assumem um papel de determinação ou de momento predominante em sua totalidade. O objeto factual, como complexo de complexos, representa uma totalidade social engendrada por relações diversas. Um dos complexos sociais que o compõe assume a posição de momento predominante no tempo em que a pesquisa se realiza. Isto significa afirmar que o objeto investigado, que é historio e dialético, pode em outro momento apresentar outra relação social que assumirá o papel de momento predominante. Nessa direção, encontramos na análise de Heller (1970) uma contribuição importante. A autora, analisando a estrutura da vida cotidiana, destaca como característica a heterogeneidade de seu conteúdo. Isto é percebido através dos múltiplos processos que compõem a vida cotidiana, dentre os quais a autora destaca: a organização do trabalho e da vida privada, o tempo livre, as atividades sociais, o intercâmbio e a purificação. A vida cotidiana, também síntese de múltiplas determinações, se apresenta aos indivíduos como heterogênea. Esta heterogeneidade, constituída pelos processos sociais diversos, complexos sociais, encerra, contudo, uma relação hierárquica pois, em determinados momentos, um dos seus processos ou relações pode assumir uma posição de maior peso que os outros, ou seja, uma predominância em relação aos outros que, por sua vez, passam a assumir uma posição de subordinação. Esta relação de subordinação não representa, nem uma relação de anulação total nem de valor. Portanto a heterogeneidade muda conforme as estruturas econômico-sociais (HELLER, 1989, p.18). Entendemos que esta dimensão hierárquica observada na vida cotidiana, essencialmente heterogênea, está presente nos fenômenos sociais e pode ser compreendida a partir do que Lukács (1984) define, na sua análise acerca do processo histórico-dialético das relações sociais, de momento predominante. Portanto, o conceito de momento predominante utilizado por Lukács referese àquela categoria que, dentro das múltiplas relações que compõem a totalidade de um complexo social, assume a posição de determinação (uma relação superior/ hierárquica em relação às outras determinações). É a categoria que nos possibilita compreender a posição das diversas categorias, ou complexos, presente na totalidade social. Em outros termos, a categoria determinante é aquela que imprime uma relação decisiva na constituição de outras categorias (determinadas). Embora os complexos estabeleçam relações reflexivas uns sobre os outros, aquele que tem o papel de momento 6

predominante, apesar das interferências a que também está sujeito, assume uma função de comando, de determinação, de hierarquia, o que representa a garantia da continuidade dos processos sociais que compõe o todo. Nesse sentido, temos que as relações hierárquicas, observadas por Heller, nos auxiliam a entender as relações de determinação presente na sociedade, sob o materialismo histórico dialético. Isto não significa afirmar uma relação direta de causa e efeito, mas de relações mediadas, dialética e contraditoriamente engendradas; relações engendradas na dinâmica social que vão compor as esferas (ou graus) inferiores 4 da totalidade da vida social e que terão que ser desdobradas no processo de investigação. Portanto, o processo de investigação, como atividade humana, pressupõe a relação teleologia e causalidade, cujo foco central é o objeto de investigação, embora o sujeito que investiga esteja, o tempo todo, presente no processo. Nessa mesma direção, afirmamos que o trabalho, como protoforma de toda atividade humana, também representa uma rica ferramenta no processo de investigação dos processos sociais. Isto porque observamos que a dinâmica dos fenômenos sociais encerra em última instância a síntese de atos teleológicos objetivados num tempo histórico determinado e sob condições históricas e objetivas também determinadas. Ou seja, teleologias que se põem em movimento numa causalidade posta e dada, e que são externalizadas de forma objetiva e histórica. Nessa direção, podemos na nossa exposição apresentar o real, como concreto pensado, constituído a partir das diversas atividades humanas (que encerram a tendência histórica posta pelas escolhas de seus sujeitos) dentro do campo de possibilidades de cada época. Assim, o pesquisador pode ir apresentando as condições sócio-históricas em que o seu objeto de encontra (a sua causalidade), a participação dos sujeitos nesses processos através das escolhas estabelecidas e os desdobramentos que foram sendo engendrados dentro dessa relação teleológica (que inevitavelmente passa pelo médium da coletividade) e a causalidade postas. Uma síntese que vai se delineando de maneira particular em cada momento histórico investigado 5. 4 Chamamos aqui de inferiores por assumirem uma função de subordinação em relação à totalidade social, por exemplo, inferior/ e subordinada à sociabilidade burguesa. 5 O texto de J. Paulo Netto Ditadura e Serviço Social, o autor faz o tempo todo a sua exposição dentro dessa perspectiva, considerando as escolhas estabelecidas pelos profissionais de Serviço Social, dentro das condições históricas (causalidade posta) e objetivando um fazer profissional próprio de cada época, com suas particularidades, com limites e possibilidades. 7

Em síntese, o trabalho, como categoria ontológica apresentada por Lukács (SD a, SD b) objetivada pelas mediações teleologia, causalidade, objetivação e exteriorização, que se configura como protoforma de toda atividade humana, no nosso ponto de vista, se apresenta como uma importante ferramenta de percepção e análise do processo de investigação (quando não podemos negar a participação direta do pesquisador, como sujeito que faz escolhas) e de exposição dentro da perspectiva materialista dialética, na medida em que nos permite contemplar os processos subjetivos (do sujeito) e objetivos (do real concreto) como partes da totalidade social. Bibliografia: ARAÚJO, L.B C. A Questão do Método em Marx e Lukács: o desafio da reprodução ideal de um processo real. IN. MENESES e FIGUEIREDO (org). Trabalho, Educação e Sociabilidade. Uma crítica à ordem do Capital. Fortaleza-Ce: Ed. UFC, 2003. HELLER, A. O Cotidiano e a História. S.Paulo: Paz e Terra, 1970. LEONTIEV, A. O Desenvolvimento do Psiquismo. Lisboa: Livros Horizontes, 1978. LESSA, Sérgio. A Ontologia de Lukács. Maceió: EDUFAL, 1996. O Método. Fortaleza: UFC, 2001. (Mímeo). LUKÁCS, G. Trabalho (Per una Ontologia dell Essere Sociale. Vol. I. Trd. di Alberto Scarponi. Roma: Editori Riuniti, 1984). Texto traduzido em português por Ivo Tonet, texto digitado, SD a). A Reprodução. (Per una Ontologia dell Essere Sociale. V.II. Trd. di Alberto Scarponi. Roma: Editori Riuniti, 1984). Texto traduzido em português por Sérgio Lessa- texto digitado, SD b. Ontologia do Ser Social. Os Princípios Ontológicos Fundamentais de Marx. S. Paulo: Liv. Ed. Ciências Humanas, 1979. MARX, K. O Capital. Crítica da Economia Política. Vol. 1. Tomo. 1. S. Paulo: Nova Cultural, 1985a. 18 Brumário de Luiz Bonaparte. S.Paulo: AbrilCultural, 1985. O Método da Economia Política. S.Paulo: IFCH/ UNICAMP, 1997. 8