- Dispensa de Segredo Profissional nº 203/2008 Decisão Convidada a aperfeiçoar o seu requerimento de dispensa de sigilo profissional, esclarecendo os factos que o S/ cliente pretende provar e juntando os documentos necessários à apreciação do pedido, veio a requerente Dra. ( ) indicar qual a matéria de facto que pretende infirmar com a pretendida junção de documento e apresentar todas as pertinentes peças processuais, bem como cópia dos documentos. Estamos assim em condições de decidir o pedido. Vejamos Numa injunção para cobrança duma dívida no montante de 3.282,29, que remonta a 2006, veio a empresa requerida impugnar a existência da dívida, alegando no que ao caso interessa que efectuou um pagamento de 3.000 em Novembro de 2006. Pretende a requerente da injunção, patrocinada pela requerente deste pedido de dispensa de sigilo profissional, defender os seus interesses através da junção aos autos, como meio de prova, duma carta, remetida pelo Advogado mandatário da requerida ao Solicitador que representava a sociedade requerente, em 25/07/2007. Nessa carta, o Advogado da empresa requerida afirmava que a sua constituinte efectuaria o pagamento da dívida reclamada em prestações. Começa a Advogada requerente por formular o entendimento segundo o qual tal carta não estaria sujeita a dever de sigilo. De seguida solicita autorização para a junção da mesma, caso se entenda que está abrangida pelo dever de sigilo, por se afigurar indispensável para a defesa dos interesses da sua patrocinada. Importa pois averiguar preliminarmente se a missiva em apreço está ou não abrangida pelo sigilo profissional dos advogados. A questão comporta algumas dificuldades de análise, mas propendemos a considerar que a referida carta se integra na reserva de sigilo profissional. Afirma a requerente que «o que está aqui em causa é uma mera comunicação de um advogado ao representante da parte contrária para cumprimento duma obrigação que a mesma reconhece, sem que para tal tenha havido quaisquer negociações prévias» e ainda que «Considera a aqui requerente ter havido uma confissão de dívida através da carta de 25/07/2007»
Ora, a carta em apreço é resposta a uma interpelação feita à devedora para efectuar o pagamento do saldo duma conta-corrente relativa a várias facturas. Nessa resposta, o Advogado da devedora, afirmando que responde em representação da sua constituinte, afirma que a quantia em dívida, no valor de 3.677,50, será paga em 4 prestações, cujos montantes e datas indica. Termina dizendo que fica a aguardar uma resposta. Embora a redacção da carta seja imperfeita, e contenha sem dúvida o reconhecimento da existência duma dívida, que quantifica, da mesma ressalta uma intenção de pagamento em prestações, que obviamente poderá ou não ser aceite pela parte contrária (por isso se esperando uma resposta). Não se trata assim duma declaração de confissão de dívida, pura e simples, mas antes duma proposta de pagamento da dívida em prestações. É esse o sentido que se extrai da comunicação, tanto mais que estamos perante uma declaração em que declarante e declaratário são profissionais forenses, cuja missão não é confessar, mas sim negociar e resolver litígios. O sentido que um observador retira dessa carta embora imperfeitamente expresso é o de que se pretende um acordo para diferir o pagamento da dívida, para cuja liquidação imediata o constituinte foi interpelado. Nem faria sentido o Advogado dirigir-se por carta à parte contrária apenas para confessar a dívida reclamada. Porém, qualquer que seja o sentido com que se interprete o conteúdo dessa carta, sempre o mesmo cai na alçada do nº 1 do artº 87º do E.O.A., seja por força da sua alínea e), seja por via da sua alínea f), mas sempre nos termos do corpo desse mesmo nº 1 do artº 87º. Não se ignora que a redacção deste normativo pode inculcar a ideia de que só o mandatário está obrigado ao sigilo, mas já não aquele que lhe sucede no patrocínio. Contudo, na linha do defendido pelo Sr. Dr. Sousa Magalhães na anotação 10 ao artº 87º do seu Estatuto da Ordem dos Advogados Anotado e Comentado, 4ª edição, 2008, entendemos que o princípio da igualdade de armas, conjugado com o dever de interpretação restritiva do normativo em apreço, não permitem que se tire outra conclusão que não seja a de o sigilo se estender àqueles que anteriormente patrocinaram os interesses do cliente e, dentre estes, também aos solicitadores, quanto mais não seja por via do preceituado no artº 87º nº 7 do E.O.A..
Aqui chegados, concluindo que a missiva em apreço está abrangida pelo segredo profissional, teremos de analisar se estão ou não verificados os requisitos de excepção previstos no artº 87º nº 4 do E.O.A.. Na resposta ao convite a aperfeiçoamento, veio a Advogada requerente informar que se trata da defesa de interesses legítimos do seu cliente, e que perfilha entendimento segundo o qual a apresentação em juízo da carta em apreço é necessária para contra-prova dos factos alegados no artº 7º da oposição. Afirma que pretende provar que a empresa requerida não efectuou o pagamento que alega ter feito e que litiga de má-fé. Como afirmámos já no despacho inicial, só em circunstâncias muito excepcionais pode o advogado ser autorizado a revelar factos sujeitos a sigilo profissional. Tal consentimento apenas pode ocorrer quando seja absolutamente necessário para a defesa da dignidade, direitos e interesses legítimos do próprio advogado, ou do cliente ou seus representantes. O artº 4º do Regulamento de Dispensa de Segredo Profissional acentua que a dispensa do segredo profissional tem carácter de excepcionalidade e determina que o Presidente do Conselho Distrital deve aferir da essencialidade, actualidade, exclusividade e imprescindibilidade do meio de prova sujeito a segredo, analisando para tal os elementos de facto trazidos aos autos pelo requerente da dispensa. Num pedido dentre os muitos que apreciou, o Dr. Fragoso Marques afirmava que a necessidade consiste «... na essencialidade do emprego do meio (revelação do segredo) para atingir (e proteger) um fim considerado prevalecente. A revelação tem de ser imprescindível (e não meramente conveniente); exclusiva (o que implica a inexistência, em termos razoáveis de meios alternativos); e actual o que exclui a necessidade hipotética ou conjectural» Ora, o interesse da empresa requerente da injunção radica na cobrança do crédito que alega existir. É esse o objecto da injunção, na se pretende apor fórmula executória no requerimento, logrando o reconhecimento da existência da dívida, para permitir ulterior cobrança coerciva. A dívida emerge de fornecimentos, documentados em facturas. Tais fornecimentos e facturas não foram impugnados na oposição. A empresa requerida defende-se, invocando o pagamento da dívida. Logo, defende-se por excepção. Assim sendo, é à requerida que compete fazer a prova dos factos que alega, ou seja, é a requerida quem tem de produzir prova, e não a requerente. Para obstar à procedência da injunção, deve a empresa requerida forçosamente comprovar o pagamento que alega. Se o lograr fazer, a injunção
procede e o interesse da patrocinada da Requerente fica acautelado. Daí que a Advogada requerente afirme pretender produzir contra-prova sobre a matéria do item 7º da oposição. É à luz desta análise conjugada, do interesse processual concreto e das regras do ónus da prova, que deveremos fazer a apreciação do requisito de imprescindibilidade do meio de prova, para a defesa do interesse do cliente da Advogada requerente. E a conclusão só pode ser no sentido de que, neste momento, com os elementos de que dispomos, tudo leva a crer que a junção do documento em causa não será necessária para a defesa dos interesses da cliente da Advogada requerente. Até porque, se a empresa requerida não pagou a dívida, não possuirá certamente documento comprovativo desse pagamento, para efectuar a necessária prova em juízo. Não podemos olvidar que, no juízo de prognose que o Presidente do Conselho Distrital tem de fazer para poder aferir do preenchimento dos requisitos da dispensa, deve estar sempre presente o carácter excepcionalíssimo da dispensa de sigilo profissional, atentos os valores que este visa salvaguardar - como refere o Dr. Sousa Magalhães, loc. cit., nota 14, «Tendo em vista uma adequada interpretação do nº 4 do artº 87º, deve ter-se em consideração que, em regra, deve manter-se a obrigação de segredo, sendo por isso excepcional a autorização para a revelação do sigilo.» Não ressalta assim provável a necessidade de produção de contra-prova, salvo se no decurso da audiência viesse porventura a surgir uma prova apresentada pela contra-parte que só pudesse ser infirmada pela junção aos autos da carta em apreço, subscrita pelo mandatário da parte contrária. Mas, nessa hipótese - que suscitaria uma reapreciação da questão à luz desses factos novos - sempre poderia a mandatária, no decurso da audiência, informar o Tribunal de que pretenderia produzir contra-prova, ou contraditar a prova, que houvesse sido produzida, através da junção dum documento em seu poder, mas sujeito a sigilo profissional. Solicitaria para o efeito a suspensão da audiência pelo tempo necessário à obtenção da autorização para sua junção e, nessa conformidade, concitando nova intervenção do Presidente do Conselho Distrital para - aí sim - ser autorizada a junção. É certo que a Advogada requerente invoca ainda a necessidade de exibir esse documento para prova de litigância de má-fé. Porém, valem aqui as mesmas considerações relativas à actualidade da necessidade da junção.
Por um lado, a litigância de má-fé ainda não foi requerida nos autos, e pode mesmo nem sequer chegar a sê-lo, bastando que o cliente da Advogada requerente não o pretenda fazer até encerramento da audiência. Por outro lado, pode a parte contrária, antes do final da audiência, vir a reconhecer a dívida e a confessá-la, ou chegarem as partes a transigir sobre o objecto do pedido. Atenta a fragilidade da defesa formulada, já parcialmente indeferida pelo julgador, tais cenários não são de excluir, bem pelo contrário. Ora, implicando o levantamento do sigilo sempre uma devassa de matéria que deve ser reservada, este só deve ser autorizado quando for mesmo imprescindível e não perante meras hipóteses ou possibilidades ainda não concretizadas. Isto não obstante o comportamento da parte contrária possa ser reprovável eticamente ou configurar postura processualmente inadmissível. O levantamento do sigilo só pode ser autorizado mediante a análise dos elementos factuais, tal como eles existem actualmente, e não para prever hipóteses ou possibilidades ainda não concretizadas. Valem assim para a questão da má-fé as considerações de oportunidade acima expendidas quanto à necessidade da contra-prova, outrossim sendo pertinentes as soluções adiantadas para o caso de se mostrar necessário, durante a pendência da audiência, formular o pedido de litigância de má-fé. Assim e em conclusão: 1) considera-se que o documento em causa está abrangido pelo dever de sigilo profissional; 2) considera-se que não estão preenchidos, no momento actual, os requisitos de essencialidade, exclusividade e actualidade do meio de prova que permitem a dispensa de sigilo profissional; 3) admite-se reponderar a necessidade de quebra de sigilo, se surgirem no processo situações novas, que tornem premente a junção do documento, de modo a constituir o único meio de fazer valer os interesses do cliente da Advogada requerente. Termos em que se indefere o pedido de levantamento de sigilo profissional. Notifique. Póvoa de Varzim, 17 de Junho de 2009 O Vice-Presidente do Conselho Distrital, com competência delegada pelo Presidente do Conselho Distrital, ao abrigo do nº 3 do artº 2º do Regulamento de Dispensa de Segredo Profissional, João Mariz