- Dispensa de Segredo Profissional nº 116/ Requerimento
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- Marisa Amado Amaral
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1 - Dispensa de Segredo Profissional nº 116/ Requerimento O Exmo. Sr. Dr. ( ), advogado com escritório ( ), ( ), no ( ), veio solicitar ao Presidente do Conselho Distrital do Porto da Ordem dos Advogados a dispensa de segredo profissional, para depor como testemunha no processo nº ( ), que corre termos no 2º Juízo de Competência Cível do Tribunal Judicial ( ). Para o efeito informa que, a propósito deste processo judicial, foi requerido a este Conselho Distrital, no ano de 2007, levantamento de segredo profissional para junção de documentos (correspondência entre mandatários), o qual foi deferido e que, agora foi ele, Requerente, arrolado como testemunha naqueles autos. Junta cópia da Decisão proferida no processo SP nº 213/ 07 do Conselho Distrital do Porto, pelo qual se alcança que o pedido de levantamento de sigilo em causa foi feito simultaneamente pelo agora Requerente e pelo Sr. Dr. ( ), colega que integra a Sociedade de Advogados a que o Requerente pertence, conforme consta do intróito do requerimento de levantamento de sigilo; cópia do requerimento de prova e do despacho saneador. 2. Enquadramento Determina o artigo 87º nº 1º do Estatuto da Ordem dos Advogados que o advogado é obrigado a guardar segredo profissional no que respeita a todos os factos cujo conhecimento lhe advenha do exercício das suas funções ou da prestação dos seus serviços. Com efeito, o dever de guardar segredo profissional é uma regra de ouro da advocacia e um dos mais sagrados princípios deontológicos. (Arnaut, 1993:64). Tal dever não assenta apenas no vínculo de confiança que a relação advogado-cliente deve estabelecer mas, sobretudo, na natureza social da função que o advogado exerce, enquanto interveniente na administração da justiça. Por tal ordem de razões é que a natureza do segredo não é contratual mas antes de carácter social ou de ordem pública (Arnaut, 1993:65), o que significa que não basta a desvinculação do segredo por parte do cliente e se torna necessária a competente autorização por parte do Presidente do Conselho Distrital.
2 Aliás, atento o significado primordial que o segredo tem para a advocacia, o causídico pode, mesmo, escusar-se à revelação de factos sigilosos, ainda que o seu cliente queira que ele revele tais factos. (Cardoso, 1997: 61) Do citado artigo 87º resulta, ainda, que só em circunstâncias muito excepcionais pode o advogado ser autorizado a revelar factos sujeitos a sigilo profissional e tal autorização apenas pode ocorrer quando seja absolutamente necessário para a defesa da dignidade, direitos e interesses legítimos do próprio advogado, ou do cliente ou seus representantes. Esta possibilidade de dispensa está prevista no Regulamento de Dispensa de Segredo Profissional 1 e está sujeita, ela própria, a apertados pressupostos e requisitos a saber: -essencialidade, actualidade, exclusividade e imprescindibilidade do meio de prova sujeito a segredo. 3. Apreciação a) Da natureza dos factos cuja revelação é pretendida O Colega Requerente pede o levantamento do segredo profissional para depor sobre a matéria constante nos artigos 56 e 57 da Base Instrutória, a saber: 56) Tendo sido a ré Companhia de Seguros ( ), S.A, quem desde o início, tomou conta da ocorrência, solicitou a realização de avaliações de danos; avançou com uma proposta para acordo com os autores, assumindo a postura de ser a entidade responsável pela regularização do sinistro aludido em 1) 57) Criando nos autores a real confiança de estarem a negociar com a entidade competente para regularizar a situação? Da leitura dos citados artigos bem como de toda a documentação junta constata-se que o Advogado Requerente, pela sua condição de advogado de uma das partes, trocou correspondência com a parte contrária com vista à resolução do diferendo, o que lhe granjeou o conhecimento dos factos constantes dos artigos da Base Instrutória. 1 Regulamento nº 94/2006 OA 2ª série, de 25 de Maio de 2006, aprovado pelo Conselho Geral da Ordem dos Advogados e publicado no Diário da República, 2ª série, nº 113 de 12 de Junho de 2006
3 Tais factos, porque respeitam a tentativas de acordo feitas entre advogado (no exercício da sua actividade e por causa dela) e a parte contrária, para pôr fim a um diferendo, traduzem-se em matéria sujeita a sigilo o que preenche a previsão do artigo 87º, nº 1 alínea e) do E.O.A. segundo o qual, o advogado é obrigado a guardar segredo profissional relativamente a factos de que tenha tido conhecimento no âmbito de quaisquer negociações malogradas, orais ou escritas, em que tenha intervindo. Em face desta constatação há que ponderar, com Augusto Lopes Cardoso e desde logo, que em fase negocial as partes Mostram-se dispostas a ceder. Aparentam, porventura, uma tese que noutras circunstâncias seria muito diferente. Pautam-se por critérios de conveniência e não estritamente jurídicos, seguindo na prática o brocardo de que mais valerá um mau acordo do que uma boa demanda. (Cardoso, 1997: 86) Donde resulta que a regra, nestes casos, é a da não revelação e que, a excepção tem que ser especialmente ponderada. É o que iremos fazer. b) Do preenchimento dos requisitos para dispensa do segredo profissional Uma vez que estamos perante factos sujeitos a sigilo, cumpre-nos averiguar se estão preenchidos os requisitos de que o Estatuto faz depender o levantamento do mesmo. Ou seja, vamos verificar se estamos perante um caso de excepção em que é absolutamente necessário para a defesa da dignidade, direitos e interesses do cliente ou do próprio advogado a revelação de factos sujeitos a sigilo profissional. I. Resulta da exposição feita que os interesses que estão em causa e que suscitam o requerimento de levantamento de sigilo são os do cliente do Colega Requerente, porquanto pretende aquele, com o depoimento do advogado, demonstrar a sua tese. Contudo, em momento algum da exposição e fundamentação este invoca ou aduz factos que justifiquem a absoluta necessidade da revelação da matéria sigilosa. E, como afirma o Colega, Dr. Carlos d Almeida A expressão «meio absolutamente necessário» tem sido pacificamente entendida no seu sentido estrito, isto é, como meio sem o qual aqueles interesses podem ficar em crise. 2 2 Despacho CDE nº E-57/2006, de 12 de Dezembro de 2006, publicado em
4 Por outro lado, não invoca nem justifica em que medida é que o seu depoimento é essencial, imprescindível, exclusivo e actual para a defesa dos interesses do seu constituinte. Na verdade, o requerimento parece assentar no pressuposto de que uma vez deferido o pedido de levantamento de sigilo quanto à correspondência trocada, o levantamento de sigilo para o advogado testemunhar será uma consequência lógica, sem necessidade de qualquer explicação ou fundamentação. II. A este propósito há que referir que a dispensa de sigilo para que um advogado possa depor como testemunha obriga a especiais cuidados. Desde logo, Deverá deixar-se bem claro que é inaceitável autorizar a depor um Advogado para prestar depoimento em processo no qual esteja constituído. É que, embora não haja disposição expressa que o proíba, afigura-se-nos que isso seria completa subversão do próprio sistema processual, em que o Advogado, entre nós, se não pode nunca confundir com simultânea testemunha. E seria outrossim altamente desprestigiante para a Advocacia. (Cardoso:1997, 82) No caso, não nos é dada a conhecer a procuração junta aos autos, e não sabemos, por isso, se o Requerente é simultaneamente mandatário constituído, porém constatamos que o mandatário nos autos, Sr. Dr. ( ), é membro da sociedade de advogados que o Requerente integra, além do que conhecemos o facto de o Requerente ter representado o cliente em fase extrajudicial. Mas ainda que assim não fosse, nunca é demais relembrar que, uma sociedade de advogados e demais sócios estão sujeitos aos princípios deontológicos decorrentes da aceitação do mandato por um advogado da sociedade (Magalhães, 2008), o que significa que o Exmo. Advogado Requerente está em pé de igualdade relativamente à sociedade de que é associado, e aos advogados que integram a mesma, no que respeita aos deveres deontológicos atinentes a essa acção judicial e, designadamente às questões de sigilo profissional 3 Daqui decorre uma impossibilidade de o Requerente ser testemunha, pois que é inaceitável que deponha como testemunha um advogado constituído. 3 Cfr. Decisão proferida pelo Colega, Dr. João Mariz, no processo 115/SP/2008-P deste Conselho Distrital.
5 É, também, entendimento pacífico deste Conselho que não pode ser concedido o levantamento de sigilo profissional a um Advogado para depor como testemunha num processo em que já interveio como mandatário, por incompatibilidade com a dignidade do mandato forense enquanto participante na administração da justiça (cfr. Artigo 6º da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais - Lei nº 3/99, de 13/01). Nas palavras do Colega, Dr. Augusto Ferreira do Amaral, não parece compatível a função da testemunha no processo com a do Advogado de alguma das partes. Com efeito, a testemunha tem como função e como dever a comunicação ao tribunal de todos os factos sobre que seja interrogada e de comunicá-los em termos totalmente isentos e objectivos. O Advogado tem deveres processuais algo diferentes. É certo que ele é um participante na realização da Justiça. Mas é-o duma forma especial. Há algo de deliberadamente artificial na actuação que a lei prevê para o Advogado. Ele não é um simples observador isento, imparcial e objectivo. Ele é um activo e militante defensor dos interesses do representado, ainda quando a este faltem sólidas razões para essa defesa. 4 Destarte, a possibilidade de um advogado vir a depor como testemunha em processo no qual já foi constituído, ainda que em fase extrajudicial ou em que são mandatários advogados da sociedade de advogados de que ele é sócio, terá um carácter excepcionalíssimo, sendo certo que a jurisprudência e a doutrina rejeitam essa possibilidade, na sua maioria. III. Ainda assim, cumpre verificar se, no caso concreto estão preenchidos os requisitos da essencialidade, imprescindibilidade, exclusividade e actualidade previstos no Regulamento de Dispensa de Segredo Profissional. Da fundamentação feita, ou da falta dela, bem como da documentação junta, constatamos que o depoimento não é imprescindível, na medida em que não é indispensável mas apenas útil face ao objectivo que a parte se propõe; não é essencial, na medida que, tratando-se de uma acção emergente de acidente de viação, mais do que a assumpção da responsabilidade por parte da seguradora é determinante a prova dessa responsabilidade; 4 Parecer CG n.º E-950/1993, publicado em
6 não é exclusivo, na medida em que os factos de que o Advogado tem conhecimento já estarão vertidos na correspondência que mereceu o levantamento de sigilo, além de que o processo está informado com outra prova testemunhal. Quanto ao requisito da actualidade, entendemos que se verifica na medida em que o depoimento pedido não se trata de uma necessidade hipotética ou que aconteceu no passado mas antes de uma necessidade do tempo presente. 4. Decisão Da apreciação feita resulta que: a) O Exmo. Colega Requerente não invocou nem fundamentou a absoluta necessidade da revelação do segredo profissional para a defesa da dignidade direitos e interesses do seu cliente ou dele próprio; b) Não se encontram invocados ou demonstrados os pressupostos de essencialidade, imprescindibilidade e exclusividade de que o Regulamento de Dispensa de Segredo Profissional faz depender a concessão do levantamento do sigilo; c) O Requerente e o mandatário nos autos são sócios da sociedade de advogados ( ), ( ), ( ), ( ) e aquele representou o mesmo cliente em fase extrajudicial; Em conformidade, com o acima vertido, indefere-se o pedido e não se autoriza o Sr. Dr. ( ) a depor como testemunha no processo nº ( ), que corre termos no 2º Juízo de Competência Cível do Tribunal Judicial ( ). Notifique. Chaves, 12 de Maio de 2009 A Vogal, com competência delegada pelo Presidente do Conselho Distrital. Lia Araújo
7 -Nota Bibliográfica - Arnaut, António, Iniciação à Advocacia, 1993,Coimbra Editora - Cardoso, Augusto Lopes, Do Segredo Profissional na Advocacia, 1997, CELOA - Magalhães, Fernando Sousa, Estatuto da Ordem dos Advogados, Anotado e Comentado, 4ª Edição, 2008, Almedina
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