PARECERES Conselho Distrital de Lisboa da Ordem dos Advogados
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- Luiz Guilherme Beppler Corte-Real
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1 CONSULTA N.º 8/2009 Conflito de Interesses QUESTÃO O Senhor Dr. A vem solicitar que o emita parecer sobre uma situação de eventual conflito de interesses. O enquadramento factual, tal como exposto pelo Dr. A é, em síntese, o seguinte: a) Entre de e de, o Senhor Advogado consulente prestou os seus serviços jurídicos ao Senhor B, numa questão que o opunha ao fisco do país 1. b) Os serviços jurídicos foram sempre prestados, única e exclusivamente, ao Senhor B (e não a qualquer dos seus familiares). c) Em de de, o Senhor Advogado consulente assumiu o patrocínio da Sociedade X, SA., numa acção contra ela proposta pela sociedade...y, Lda. d) A Sociedade, Autora, tem como sócias as Senhoras D e F e como gerentes estas duas sócias e os seus pais, a saber, Srs.... e o referido B, a quem o Senhor Advogado consulente prestou serviços jurídicos entre e. e) A acção actualmente pendente no... Juízo Cível do Tribunal..., sob o n.º..., incide sobre um contrato promessa de cessão de direito de utilização de estabelecimento comercial... f) Tem como pedido, a condenação da Sociedade X, SA a construir um parqueamento subterrâneo, prestar serviços de segurança e limpeza, efectuar a promoção da Marina, redução do preço acordado, pagamento de uma indemnização e, 304
2 alternativamente, resolução do contrato promessa, devolução das prestações efectuadas, pagamento de uma quantia relativa a obras e pagamento de uma quantia diária. g) Tem como pedido reconvencional, o pagamento à Sociedade X de uma quantia relativa a taxas em dívida, notificação para capitalização de juros, execução específica do contrato promessa, pagamento de uma quantia e litigância de má fé. h) Trata-se, em suma, de um litígio entre a sociedade Y, na qualidade de titular de uma loja... e a Sociedade X, concessionária..., em que ambas as partes se acusam de incumprimento do contrato. ENTENDIMENTO DO CONSELHO DISTRITAL DE LISBOA A Deontologia é o conjunto de regras ético-jurídicas pelas quais o advogado deve pautar o seu comportamento profissional e cívico. (...) O respeito pelas regras deontológicas e o imperativo da elevada consciência moral, individual e profissional, constitui timbre da advocacia. António Arnaut, Iniciação à Advocacia História Deontologia Questões Práticas, p. 49 e 50, 3ª Edição, Coimbra Editora, O Advogado, no exercício da sua profissão está vinculado ao cumprimento escrupuloso de um conjunto de deveres consignados no Estatuto e ainda àqueles que a lei, os usos, os costumes e as tradições profissionais lhe impõem. O cumprimento escrupuloso e pontual de todos esses deveres garante a dignidade e o prestígio da profissão. O Título III do Estatuto trata da Deontologia Profissional, fixando no Capítulo I, os Princípios Gerais e abordando no Capítulo II, a questão das relações entre o advogado e o cliente. É neste último Capítulo e, mais especificamente no seu artigo 94º, que se encontra regulado o denominado Conflito de Interesses. 305
3 Aí estão plasmadas várias situações em que existe uma situação de incompatibilidade para o exercício do patrocínio. Esta norma tem em vista evitar a existência de conflito de interesses na condução do mandato por Advogado e assume a uma tripla função 1 : a) Defender a comunidade em geral, e os clientes de um qualquer Advogado em particular, de actuações menos lícitas e/ou danosas por parte de um Colega, conluiado ou não com algum ou alguns dos seus clientes; b) Defender o próprio Advogado da possibilidade de, sobre ele, recair a suspeita de actuar, no exercício da sua profissão, visando qualquer outro interesse que não seja a defesa intransigente dos direitos e interesses dos seus clientes. c) Defender a própria profissão, a Advocacia, do anátema que sobre ela recairia na eventualidade de se generalizarem este tipo de situações. Da factualidade descrita pelo Senhor Advogado consulente, entendemos que está em causa a correcta interpretação do disposto no número 1 do artigo 94º do Estatuto da Ordem dos Advogados, que transcrevemos: 1. O Advogado deve recusar o patrocínio de uma questão em que já tenha intervindo em qualquer outra qualidade ou seja conexa com outra em que represente, ou tenha representado, a parte contrária. No presente caso, verifica-se que, no passado, o Senhor Advogado consulente teve como cliente o Senhor B. Esta relação profissional estabelecida entre ambos já cessou, mais precisamente em 11 de Fevereiro de A particularidade existente reside no facto de, agora, o Senhor Advogado consulente estar a litigar contra uma sociedade em que um dos gerentes (não sócio) é o seu antigo cliente, o Senhor B. 1 Cfr. Processo de Consulta do C.D.L. n.º 6/02, aprovado em , e no qual foi relator o Dr. João Espanha. 306
4 Nos termos do disposto no artigo 94º do E.O.A., é vedado ao Advogado, nomeadamente, intervir, sob qualquer forma, em questão (processo judicial ou não) que seja conexa com outra em que represente a parte contrária, mas também lhe está vedado intervir em questão que seja conexa com outra em que tenha representado a parte contrária. E, no presente caso, existe uma conexão entre as acções? Parece-se-nos que não. Tal como foi entendido no Parecer do Conselho Geral n.º E-14/00, aprovado em , e no qual foi relator o Dr. Carlos Grijó, conexão significa relação evidente entre várias causas, de modo que a decisão de uma dependa das outras ou que a decisão de todas dependa da subsistência ou valorização de certos factos. Em nossa modesta opinião, os serviços jurídicos prestados anteriormente pelo Senhor Advogado consulente ao Senhor B, serviços esses relacionados com uma questão que opunha o seu cliente ao fisco do país 1, não são conexos com a acção actualmente pendente no... Juízo Cível do Tribunal de..., onde o que está em causa é um litígio entre a sociedade Y, na qualidade de titular de uma loja... e a X, concessionária da..., em que ambas as partes se acusam de incumprimento de um contrato promessa de cessão de direito de utilização de estabelecimento comercial.... Não nos parece que o facto do Senhor Advogado consulente litigar contra a Sociedade Y, Lda., da qual é gerente o Senhor B, seu antigo cliente: 1. Coloque o Senhor Advogado consulente numa posição de duvidosa independência ou liberdade no exercício da sua actividade enquanto Advogado. 2. Ou mesmo que haja um sério risco de violação do segredo profissional a que o Senhor Advogado consulente está vinculado por força da relação profissional estabelecida com o seu antigo cliente. E não nos esqueçamos de outro aspecto fulcral que importa mencionar: 307
5 À luz dos mais elementares princípios jurídicos que regem o nosso direito, as sociedades comerciais, em si mesmo, são uma pessoa jurídica distinta dos sócios ou gerentes e com os quais não se confundem. Os sócios, considerados, em regra, os titulares ou proprietários de participações sociais, ou gerentes (ainda que não sócios) das sociedades, não se confundem, em termos jurídicos, com a pessoa colectiva em si. Ou seja, o cliente do Senhor Advogado consulente foi sempre o Senhor B, e não a Sociedade Y, Lda. Ora, partindo do princípio que, e como aparenta ser, o Senhor Advogado consulente não terá prestado, em nenhum momento, serviços de Advocacia à sociedade Y, Lda., individualmente considerada, mas sim e apenas ao Senhor B, não nos parece existir qualquer conflito de interesses que impeça o Senhor Advogado consulente de continuar a actuar em juízo. Apesar de entendermos que o patrocínio assumido pelo Senhor Advogado consulente não constitui violação dos deveres previstos no artigo 94º do E.O.A., isto não significa que o dever de segredo profissional, autonomamente protegido pelo artigo 87º do E.O.A., não deva permanecer protegido. CONCLUSÕES 1. Nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 94º do Estatuto da Ordem dos Advogados, o Advogado deve recusar o patrocínio de uma questão em que já tenha intervindo em qualquer outra qualidade ou seja conexa com outra em que represente, ou tenha representado, a parte contrária. 2. No caso concreto, os serviços jurídicos anteriormente prestados pelo Senhor Advogado consulente ao Senhor B, serviços estes relacionados com uma questão que opunha o seu cliente ao fisco do país 1, não são conexos com a acção actualmente pendente no...juízo Cível do Tribunal de..., onde o que está em causa é um litígio entre a sociedade Y, na qualidade de titular de uma loja... e a X, 308
6 concessionária..., em que ambas as partes se acusam de incumprimento de um contrato promessa de cessão de direito de utilização de estabelecimento comercial. 3. O Senhor Advogado consulente prestou sempre, única e exclusivamente, os seus serviços de Advocacia ao Senhor B, e não à Sociedade Y, Lda., individualmente considerada. 4. Assim sendo, o patrocínio assumido pelo Senhor Advogado consulente não constitui, atentos os fundamentos invocados, violação do disposto no artigo 94º do E.O.A. 5. Não obstante, se no decurso do patrocínio em causa, ocorrem outros factos ou aspectos que possam, nomeadamente, alterar o juízo de conexão atrás formulado, deverá o Senhor Advogado consulente cessar o mandato assumido, nomeadamente, para salvaguarda do dever de sigilo profissional. Lisboa, 2 de Março de 2009 A Assessora Jurídica do C.D.L. Sandra Barroso Concordo e homologo o despacho anterior, nos precisos termos e limites aí fundamentados, Lisboa, 3 de Março de 2009 O Vice-Presidente do C.D.L. Por delegação de poderes de 4 de Fevereiro de 200 Jaime Medeiros 309
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