PARECERES Conselho Distrital de Lisboa da Ordem dos Advogados
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- Manoel Leão Esteves
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1 CONSULTA N.º 52/2008 Artigo 91º do Estatuto da Ordem dos Advogados QUESTÃO A Senhora Dra.... vem solicitar que o emita parecer sobre uma questão relacionada com o âmbito de aplicação do dever consagrado no artigo 91º do Estatuto (EOA). O enquadramento factual, tal como exposto pela Dra.... é, em síntese, o seguinte: a) A Senhora Advogada Consulente foi incumbida por um constituinte de apresentar requerimento de constituição de assistente em procedimento criminal instaurado por aquele contra um Colega. b) A Senhora Advogada consulente, por considerar que se está perante um procedimento de carácter sigiloso até ser proferido despacho de acusação ou de arquivamento, quando subscreveu o requerimento para a constituição como assistente do seu cliente no processo em causa, não deu cumprimento ao artigo 91º do EOA. 238
2 ENTENDIMENTO DO CONSELHO DISTRITAL DE LISBOA A análise da questão suscitada pela Senhora Advogada Consulente pressupõe, como questão prévia, uma pequena incursão pelo regime legal do segredo de justiça fixado na lei processual penal, o que faremos de seguida, ainda que de forma sintética. Vejamos então. Um dos objectivos do legislador com as alterações introduzidas ao Código de Processo Penal, por força da Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, foi o de consagrar com maior amplitude o princípio da publicidade do processo penal. Com o novo regime, a dicotomia entre o segredo de justiça e a publicidade do processo inverteu-se. Até então o segredo era a regra e a publicidade só era admissível a partir de determinadas fases processuais, e agora a publicidade ganhou o estatuto de regra. Assim, o Código de Processo Penal actualmente em vigor (desde 15 de Setembro de 2008), estatui no número 1 do seu artigo 86º que o processo penal é, sob pena de nulidade, público ressalvadas as excepções previstas na lei. As excepções ao princípio-regra da publicidade do processo penal, estão contidas nos números 2 e 3 do artigo 86º do CPP. Assim, durante a fase de inquérito, pode ser determinada a aplicação ao processo do segredo de justiça, nas seguintes situações: - Sempre que o Ministério Público entender que os interesses da investigação ou os direitos dos sujeitos processuais o justifiquem, ficando essa decisão sujeita a validação pelo juiz de instrução. - Mediante requerimento do arguido, do assistente ou do ofendido, o juiz de instrução pode, ouvido o Ministério Público, determinar, por despacho irrecorrível, a sujeição 239
3 do processo a segredo de justiça, quando entenda que a publicidade prejudica os direitos daqueles sujeitos ou participantes processuais. Ainda que o processo esteja sujeito a segredo de justiça, nos termos mencionados, o Ministério Público, oficiosamente ou mediante requerimento do arguido, do assistente ou do ofendido, pode determinar o seu levantamento em qualquer momento do inquérito. Se o arguido, o assistente ou o ofendido requererem o levantamento do segredo de justiça, mas o Ministério Público não o determinar, os autos são remetidos ao Juiz de Instrução que decide por despacho irrecorrível. O número 8 do artigo 86º do Código de Processo Penal, veio ainda esclarecer que quando vigore o segredo de justiça, este vincula tanto as pessoas que tenham tomado contacto directo com o processo como as pessoas que tenham tido conhecimento de elementos do processo. Traçado, em linhas gerais, o regime do segredo de justiça, olharemos, de seguida, para o dever plasmado no artigo 91º do EOA, tentando ver como um e outro se devem articular. Estatui o artigo 91º do EOA que O advogado, antes de intervir em procedimento disciplinar, judicial ou de qualquer outra natureza contra um colega ou um magistrado, deve comunicar-lhes por escrito a sua intenção, com as explicações que entenda necessárias, salvo tratando-se de procedimentos que tenham natureza secreta ou urgente. Segundo o Dr. Fernando de Sousa Magalhães 1, o dever específico de comunicação escrita previsto nesta disposição resulta da constatação de que a vida judiciária, pela especial tensão que gera no plano do relacionamento profissional, exige particulares cuidados na preservação de regras de cordialidade e urbanidade e, além disso, que o princípio da solidariedade profissional deve estar presente quando um Advogado disponibiliza a sua prestação profissional contra interesses de outros Advogados ou Magistrados. 1 In Estatuto Anotado e Comentado, 2005, pág
4 Acrescenta este autor que a solidariedade profissional constitui valor deontológico relevante, como resulta do artigo 106º do EOA, estando ainda expressamente consagrado no Código de Deontologia dos Advogados Europeus 2. Da leitura do artigo 91º do EOA retiramos as seguintes ideias. A obrigação aí contida só existe no âmbito do patrocínio contra advogados e magistrados, tal como decorre da sua epígrafe Patrocínio contra advogados e magistrados. E o conceito de patrocínio impõe e pressupõe o agir no interesse de terceiro, o que não acontecerá quando, por exemplo, o Advogado actuar em causa própria. Ou seja, neste caso, o Advogado que, em causa própria, promova qualquer procedimento contra um Colega, não está obrigado a dar cumprimento a este dever específico de comunicação escrita. O dever de comunicação ocorre antes da intervenção em procedimento disciplinar, judicial ou de qualquer natureza. Tanto quanto se alcança do pedido objecto do presente parecer, a primeira intervenção da Senhora Advogada Consulente no processo-crime instaurado pelo seu cliente contra um Colega terá sido a entrega em juízo do requerimento de constituição de assistente do seu cliente. E estaria a Senhora Advogada Consulente obrigada a dar cumprimento ao disposto no artigo 91º do EOA? A resposta a dar reveste-se, a nosso ver, de manifesta simplicidade. Primeiro, deixaremos duas notas que nos parecem importantes: 2 Cf. ponto
5 Se a queixa-crime tivesse sido subscrita pela Senhora Advogada Consulente, a Senhora Advogada Consulente estaria obrigada a dar cumprimento ao disposto no artigo 91º do EOA, pois que, nesta fase, não existe ainda segredo de justiça. Só assim não seria se quaisquer circunstâncias concretas do caso e do patrocínio daquela questão em especial impusessem comportamento diverso, conforma também se dispõe na parte final do artigo 91º do EOA. Se a Senhora Advogada Consulente tivesse junto procuração forense ao processo-crime, com o objectivo de mera consulta do processo para poder avaliar o mesmo e decidir sobre a aceitação ou não do patrocínio, não estaria abrangida pelo dever fixado no artigo 91º do EOA. Se, por exemplo, com o pedido de constituição como assistente se requeresse também uma medida de protecção ou de garantia patrimonial, que se pretendesse manter secreta, não se estaria abrangida pelo dever fixado no artigo 91º do EOA. Quanto ao caso concreto: Se, quando da entrada em juízo do requerimento de constituição de assistente, o processocrime estava em segredo de justiça, nos termos do regime legal atrás enunciado, então o acto praticado pela Senhora Advogada Consulente estava sujeito ao segredo de justiça, pelo que se encontrava obrigada a não dar publicidade ao mesmo, nos termos do número 8 do artigo 86º do CPP. Por outras palavras, o acto praticado pela Senhora Advogada Consulente assume a natureza de acto secreto, nos termos da parte final da norma contida no artigo 91º do EOA, pelo que a Senhora Advogada Consulente não se encontrava obrigada a dar cumprimento ao artigo 91º do EOA. Se o processo-crime não estava, nos termos da lei processual penal, sujeito a segredo de justiça, quando a Senhora Advogada Consulente apresentou, em juízo, o requerimento de constituição de assistente, então, neste caso, estava obrigada a dar cumprimento ao dever específico de comunicação contido no artigo 91º do EOA. 242
6 Só assim não seria se in casu se verificassem em concreto quaisquer circunstâncias adicionais de relevo que justificassem a manutenção do requerimento secreto até à sua notificação ao arguido. E isso pressupõe um juízo casuístico que só deve ser feito em sede própria, nunca em parecer. CONCLUSÕES 1. O Código de Processo Penal em vigor, desde 15 de Setembro de 2008, estatui no número 1 do seu artigo 86º que o processo penal é, sob pena de nulidade, público ressalvadas as excepções previstas na lei. 2. As excepções ao princípio-regra da publicidade do processo penal, estão contidas nos números 2 e 3 do artigo 86º do CPP. 3. Se a queixa-crime tivesse sido subscrita pela Senhora Advogada Consulente, a Senhora Advogada Consulente estaria obrigada a dar cumprimento ao disposto no artigo 91º do EOA, pois que, nesta fase, não existe ainda segredo de justiça. 4. Só assim não seria se quaisquer circunstâncias concretas do caso e do patrocínio daquela questão em especial impusessem comportamento diverso, conforma também se dispõe na parte final do artigo 91º do EOA. 5. Se a Senhora Advogada Consulente tivesse junto procuração forense ao processocrime, com o objectivo de mera consulta do processo para poder avaliar o mesmo e decidir sobre a aceitação ou não do patrocínio, não estaria abrangida pelo dever fixado no artigo 91º do EOA. 6. Se, quando da entrada em juízo do requerimento de constituição de assistente, o processo-crime estava em segredo de justiça, então o acto praticado pela Senhora Advogada Consulente estava sujeito ao segredo de justiça, pelo que se encontrava obrigada a não dar publicidade ao mesmo. 7. Por outras palavras, o acto praticado pela Senhora Advogada Consulente assume a natureza de acto secreto, nos termos da parte final da norma contida no artigo 91º do EOA, pelo que a Senhora Advogada Consulente não se encontrava obrigada a dar cumprimento ao artigo 91º do EOA. 243
7 8. Se o processo-crime não estava, nos termos da lei processual penal, sujeito a segredo de justiça, quando a Senhora Advogada Consulente apresentou, em juízo, o requerimento de constituição de assistente, então, neste caso, estaria em abstracto obrigada a dar cumprimento ao dever específico de comunicação contido no artigo 91º do EOA. 9. Só assim não seria se in casu se verificassem em concreto quaisquer circunstâncias adicionais de relevo que justificassem a manutenção do requerimento secreto até à sua notificação ao arguido. 10. E isso pressupõe um juízo casuístico que só deve ser feito em sede própria, nunca em parecer. Notifique-se. Lisboa, 31 de Março de 2009 A Assessora Jurídica do C.D.L. Sandra Barroso Concordo e homologo o despacho anterior, nos precisos termos e limites aí fundamentados, Lisboa, 7 de Abril de 2009 O Vice-Presidente do C.D.L. Por delegação de poderes de 4 de Fevereiro de 2008 Jaime Medeiros 244
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