O uso de língua materna na aprendizagem de inglês como língua estrangeira. The use of the mother tongue in learning English as a foreign language



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Transcrição:

O uso de língua materna na aprendizagem de inglês como língua estrangeira The use of the mother tongue in learning English as a foreign language Isis da Costa Pinho 1 Resumo: Este trabalho pretende discutir o uso do português como língua materna (LM) na aprendizagem de inglês como língua estrangeira (LE) a partir dos dados de dois estudos sobre tarefas colaborativas. A análise dos dados sugere que os alunos fazem uso da LM na mediação da interação em LE a fim de preencher lacunas linguísticas, negociar forma e sentido, fomentando o processo de andaimento em situações em que o léxico limitado impedia o prosseguimento da interação. Palavras-chave: aprendizagem; tarefa colaborativa; língua materna; língua estrangeira. Abstract: This paper aims to discuss the use of Portuguese as a mother tongue (MT) in the English as a foreign language (EFL) learning from the data of two studies on collaborative tasks. Data analysis suggests that students make use of Portuguese in the foreign language interaction mediation in order to fill linguistic gaps, negotiate meaning and form, promoting the scaffolding process in situations of which the limited vocabulary hindered the continuation of the interaction. Key words: learning, collaborative task, mother tongue, foreign language. Introdução O presente artigo parte da teoria sociocultural vygotskiana e da pesquisa em aquisição de línguas a fim de investigar o uso do português como língua materna (LM) na aprendizagem de inglês como língua estrangeira (LE) em tarefas colaborativas mediadas pela interação oral. Pressupostos Teóricos Este trabalho parte da importância de estudos sobre tarefas (BYGATE ET AL., 2001; ELLIS, 2003) que promovem a interação colaborativa entre alunos, em duplas ou em grupo, podendo gerar ocasiões para a aprendizagem de LE através do compartilhamento da produção, da negociação e reflexão sobre a língua produzida. A interação, conforme a teoria sociocultural vygotskiana (1978, 1987) é um meio essencial para que a coconstrução e apropriação de conhecimento aconteçam dentro de um grupo com o crescimento de um maior domínio sobre o comportamento e sobre a própria aprendizagem. Assim, é na interação com o outro que o potencial para a aprendizagem dos indivíduos, chamado de zona de desenvolvimento proximal (ZDP), é fomentado. A zona de desenvolvimento proximal (ZDP) vem a ser a distância entre o que o indivíduo já sabe fazer sozinho, nível de desenvolvimento real, e o que consegue fazer 1 Licenciada em Letras Português-Inglês na Universidade Federal do Rio Grande do Sul em 2006 e mestre em Estudos da Linguagem também na UFRGS no ano de 2009, tendo atuado como bolsista PIBIC/CNpQ/UFRGS e CAPES/UFRGS. Atualmente, é doutoranda em Linguística Aplicada na UNISINOS sob a orientação da Profa. Dra. Marília dos Santos Lima e faz especialização em Informática na Educação na UFRGS. E-mail: isis.letras@yahoo.com.br

em colaboração com um colega, professor ou adulto mais experiente, nível de desenvolvimento proximal (VYGOTSKY, 1978; VYGOTSKY, 1987). A partir da ZDP, observa-se a importância não só da interação social para a construção de conhecimento, mas também a necessidade de se promover tarefas que possam desafiar os alunos dentro de suas potencialidades a partir de conhecimentos prévios. À Zona de Desenvolvimento Proximal, soma-se o conceito de andaimento de Wood, Bruner e Ross (1976), entendido como um processo colaborativo de apoio mútuo entre aprendizes na solução de problemas linguísticos e comunicativos que surgem durante a tarefa de produzir na LE. Swain e Lapkin (1995, 2000) discutem a importância da natureza colaborativa da produção compartilhada entre alunos no contexto de aprendizagem de línguas, criando o conceito de diálogo colaborativo. O diálogo colaborativo é considerado a interação de apoio que se estabelece entre os aprendizes durante a realização de uma tarefa, em que a língua e a interação medeiam a aprendizagem da segunda língua (SL)/LE durante a resolução de deficiências na produção. Durante essa relação de compartilhamento da produção e de conhecimentos prévios, os significados são coconstruídos, apropriados pelos indivíduos e reutilizados em futuras tarefas. A aprendizagem da língua é vista aqui como um processo de interação social colaborativo na busca da comunicação de sentido na LE, em que a negociação e o conflito podem desencadear ocasiões de aprendizagem. Com relação ao uso da língua materna na aprendizagem de uma língua adicional, pesquisas na área de aquisição de SL (ANTÓN; DICAMILLA, 1998; TURNBULL; ARNETT, 2002) apontam a mediação da LM na interação, oportunizando a aprendizagem em SL, principalmente entre aprendizes com baixa proficiência na SL e que compartilham a mesma LM. Essa relação entre uso da LM e nível de proficiência aparece reforçado na observação de que quando a tarefa não oferece nenhum desafio cognitivo para os aprendizes, a interação se dá diretamente na SL. A LM pode ser vista como recurso para a aprendizagem de SL/LE, pois os falantes podem traçar associações com o que já conhecem da língua (estrutura e funcionamento), comparando tanto o que é similar quanto o que é diferente. Na interação com tarefas desafiadoras, a LM pode aparecer para preencher uma lacuna, permitindo que a conversa flua e diminuindo o grau de dificuldade e frustração na realização de uma tarefa em SL/LE. Além disso, pode atuar como meio de análise da LE enquanto produto na busca de estratégias para a solução de problemas. 2. Dados referentes a dois estudos sobre tarefas colaborativas A partir dos conceitos discutidos anteriormente, são explorados os dados de dois estudos sobre tarefas colaborativas: o estudo da tarefa Carrossel do poster (PINHO, 2006; PINHO; LIMA, 2010b), em que alunos do Ensino Médio elaboraram e apresentaram pôsteres sobre países falantes de inglês, e o estudo Quebra-cabeça (PINHO, 2009; PINHO; LIMA, 2010a), em que os alunos tiveram que criar uma narrativa em língua estrangeira com base em uma série de figuras. Na tarefa Carrossel do Pôster (adaptado de LYNCH e MACLEAN, 2001) os alunos em duplas deveriam construir e apresentar o gênero pôster sobre oito países falantes de inglês da América Central, Caribe e Atlântico Sul. Na apresentação dos pôsteres, cada aluno participou em 14 ciclos sucessivos de interação: 7, no papel de apresentador e 7, no de visitante, totalizando ao todo 99 interações gravadas. Os participantes desse estudo são 16 alunos do terceiro ano do Ensino Médio Federal com idades entre 16 e 17 anos, que compartilham a mesma língua materna,

português brasileiro, e comunidade discursiva, na sala de aula de inglês como LE. As duplas foram identificadas com relação aos papéis de apresentador e visitante de cada membro, ou seja, A e B, além do número da dupla, 1, 2, 3, 4, formando a partir daí as duplas A1 B1, A2 B2, A3 B3, A4 B4, A5 B5, A6 B6, A7 B7, A8 B8. No trecho 2 seguinte temos dados do diálogo da quarta interação do apresentador A2 sendo entrevistado pelo visitante B6. Observa-se que o uso da língua materna, além de auxiliar na continuação da conversa em LE preenchendo lacunas como a falta de vocabulário, pode indicar com a sua repetição um pedido de ajuda para o seu interlocutor. Aqui, a partir da repetição da palavra agitado por A2, o visitante B6, proveu ajuda com a tradução da palavra agitado, agitated, recebendo uma resposta afirmativa de A2, juntamente com a incorporação da correção do outro em sua produção. Excerto 1 B6: ãh: and what did you think about doing this work? A2: ãh: it s a kind of interesting. you know we are (..) a lot of agitado ((baixinho)) agitado ((baixinho)) agitado ((mais alto)) B6: agitated A2: agitated agitated you know. B6: i know that. A2: but it s it s much improving our english. B6: yeah. i don t think so but it s cool. A2: it s cool? B6: yes. No segundo excerto, B6 está em sua sétima interação sendo entrevistado por A7. Pode-se notar nesta conversa que o visitante A7 pede ajuda ao apresentador em português em como é que se fala nem eu em inglês, recebendo a forma acurada neither I que acabou por ser incorporada em sua produção. A língua materna serve, pois não só para preencher lacunas na produção e continuar a conversa na LE, mas também como meio para negociar o que será dito. Além disso, a LM pode ser instrumento de andaimento para a aprendizagem da língua estrangeira no contexto comunicativo. Excerto 2 B6: the time zone is u t c four. i don t know what it is. A7: ok. and como é que se fala nem eu? B6: neither i. A7: [neither i.] neither i isso. B6: [nem you ] A7: ãh: ok. the culture aspects? 2 Convenção para transcrição (adaptada de ATKINSON e HERITAGE, 1984):, vírgula - entonação de continuidade;. ponto final - entonação descendente;? ponto de interrogação - entonação ascendente; : dois pontos - prolongamento do som; [ ] colchetes - fala simultânea ou sobreposta; ( ) parênteses vazios - segmento de fala que não pode ser transcrito; (( )) parênteses duplos - observações.

Em 3, temos mais claramente o uso da língua materna como meio para a negociação do que será permitido durante a tarefa de conversar sobre o pôster em LE. Tem-se A8 em sua primeira interação com o visitante B7 que pergunta a localização das ilhas Falkland, informação que não estava no pôster. A seguir, A8 pede ajuda ao parceiro em o que que eu respondo? e, como não recebe uma resposta imediata, parte para uma série de tentativas para buscar ajuda e negociar uma mudança de tópico de conversa com os metacomentários eu não sei e pára Carla, tá louca. Há, pois, duas línguas com funções diferentes: a língua da negociação da produção, português (LM), e a língua da tarefa de produção oral, inglês (LE). Excerto 3 B7: where is where is Falkland Iceland island? A8: ( ) B7: pacífico? A8: ãh qual é o ((ri)) B7: what place in the word Falkan [Falkland islands is ]were? A8: [ ((ri)) ] A8: ((ri)) o que que eu respondo?((ri)) onde é que é? pode dizer que é essa. pergunta quantas pessoas ( ) que lugar do mundo [( )? ((ri)) ] B7: [ ( ) ((ri))] A8: eu não sei. ((ri)) B7: remember in the map where is [the ] A8: [pára] Carla, tá louca ( ) ((ri)) qual é a capital? B7: [where is it? where is it in the map? ] A8: [é só pra perguntar qual é a capital?] A8: [qual a capital?] B7: [ok and ] B7: where is the capital? A8: the capital is Stanley, (...) Além dos papéis que se verificou nos excertos anteriores, a língua materna também pode servir como meio de resistência à atividade, como mostra 4. Em uma certa parte do diálogo entre B6 e A5, na sétima interação da apresentadora, B6 sugere que a interação possa prosseguir em português, proposta essa aceita por A5. B6 parece se sentir incomodada com a tarefa de produzir na LE, algo que é sugerido pela expressão de alívio ah que bom e pelo fato de que em outras interações no papel de visitante perguntou para o apresentador sobre o que achava da tarefa, buscando incliná-lo a traçar críticas negativas. A causa desse desconforto pode se dever ao nível de proficiência de B6 estar abaixo do exigido pela tarefa. Excerto 4 B6: Hamilton. and the: language? A5: ãh: it s english and portuguese. B6: ãh: if they talk portuguese ãh: we can talk in portuguese? A5: yes, (we/you) can talk in portuguese. tá vamo continuar então ((ri)) B6: ah que bom. pelo menos assim. A5: (ri) B6: ah: como é que é o governo de lá? A5: é a rainha, o governador e o, B6: premier. A5: premier.

O segundo estudo discutido aqui é o da tarefa colaborativa Quebra-cabeça (de Swain e Lapkin, 2001), em que duplas de alunos deveriam construir uma narrativa, oralmente e por escrito, a partir de uma série de figuras sem ordem prédeterminada. As figuras receberam letras como recurso para a sua ordenação. Os participantes desse estudo foram sete duplas de aprendizes adultos com idades entre 32 e 54 anos de nível iniciante e pré-intermediário de inglês como LE, em um Curso Livre em extensão promovido por uma universidade federal. Assim como na tarefa Carrossel do pôster, o diálogo da dupla 1, formada por Sara e Jonas 3,foi colaborativo com os aprendizes completando a elocução um do outro, compartilhando a produção e discutindo soluções para resolver as lacunas em seu sistema linguístico. No decorrer do diálogo colaborativo, houve momentos de uso da LM quando faltava vocabulário na LE para dar andamento à conversa. Durante a tarefa de escrever a narrativa contruída oralmente, Jonas usa o português em tenta desligar para lançar o objetivo de expressar esse sentido na LE. Sara, diante da produção off the clock de seu parceiro, percebe que há uma forma mais correta de dizer desligar em inglês. Então, a partir da pergunta autodirigida how can I say desligar? testa uma série de hipóteses sobre a língua como get off (sair) e turn off (desligar), enquanto objetos de análise, aceitação ou recusa tanto dela quanto de ambos os falantes. A sua hipótese get off leva ao feedback negativo de Jonas, que contribui através da tradução de get off como sair. Sara volta a usar a fala privada e testa a forma turn off (desligar), mas, apesar de rejeitá-la, a utiliza com a aceitação de Jonas, mostrando que, apesar de usar a forma correta, possui ainda dúvidas. Excerto 5 Sara: the woman Jonas: tenta desligar. Off off the clock. [(Use) ] Sara: [Ah yes] ((olha para o colega)) the woman try to ãh: get off ((volta a cabeça para a frente e fecha os olhos)) tá. ãh: how can say desligar? ((olha para o lado e balança a cabeça em negação)). The woman try to, ((fecha os olhos e balança a cabeça)). Try to, ((olha para baixo)) get off? Não. Não. Jonas: get off é descer. Sara: ((continua a olhar para baixo)) é. Turn. Turn off. Não. ((olha para o colega)) Jonas: turn off. Sara: será que não? Jonas: ((o colega balança discretamente a cabeça)) Sara: ((volta para o papel)) turn off.[ turn] Jonas: [( ) ] Sara: the [alarm] clock Jonas: [alarm] Já no excerto 6 verifica-se que a dupla 2, formada por Mara e Vera foca na forma, buscando fazer sentido, e testam o seu conhecimento linguístico para alcançar o aprimoramento da produção (SWAIN, 1985, 1995, 2000). Mara tenta passar a idéia de que a menina está escovando seus dentes e, para isso, faz uso da LE como processo e produto em que a repetição dá apoio à reformulação da produção, e da LM, como língua para pensar a produção na confirmação dos significados (RYDLAND; AUKRUST, 2005; DUFF, 2000; PINHO, 2006). 3 Os nomes usados aqui são fictícios para garantir o anonimato dos participantes.

Excerto 6 Mara: ((olha para cima))i brushing your her teeth. ãh: the girl, ãh: the girl brushing brushing. não sei está. ((olha para a colega esperando confirmação)) the girl is, Vera: is. Mara: is brushing her, Vera: brushing? Mara: brush. Brushing. Escovando. Vera: é brushing? Mara: brush.[ ela ]está escovando então [é ]brushing. Vera: [brush] [então] Vera: pois é o que que eu to falando Mara: brushing. Vera: brushing. Brushing. Mara: brushing her teeth. Por fim, em 7, observa-se que a dupla 3, formada por Leo e Lara usa a LM em seu esforço para descobrir como expressar corretamente a menina acordou em inglês através da busca do significado em português como em wake up é levantou e de metacomentários não sei como é acordar, pedido de ajuda como acordar como é que é? testa o seu conhecimento sobre o significado do verbo wake up. Nota-se que a LM apesar de possibilitar um certo distanciamento e análise sobre o próprio conhecimento, não levou à produção correta de sentido na LE, já que o sucesso na solução de problemas linguísticos está condicionado ao nível de proficiência do aprendiz (DICAMILLA; ANTÓN, 2004). Ainda, os dados demonstram que a associação entre acordar e wake up é um conhecimento sobre a LE que ainda não foi internalizado pelos participantes (VYGOTSKY, 1987; LANTOLF, 2000). Excerto 7 Lara: wake up. A gente pode dizer ah [por que não aparece ela acordando ] Leo: [wake up é levantou. ((fala baixinho))] Leo: não. wake up é levantou. ((aumenta o volume da voz)) wake up [é levantar] Lara: [acordar] ((olha para baixo)) ah. não sei como é acordar ((continua a olhar para baixo)). Lara: O relógio tinha uma mão and last time. (...) Leo: Acordar como é que é? ((fala baixinho e coloca as mãos no rosto)) Considerações finais Com base na análise de dados dos dois estudos realizados Carrossel do Pôster e Quebra-Cabeça, nota-se que os participantes enquanto falantes que compartilham a mesma língua materna, português, a usaram como meio de distanciamento e negociação sobre a sua produção além de instrumento de apoio mútuo para a construção coletiva de soluções linguísticas e comunicativas. Além disso, os falantes usaram a língua materna para: preencher lacunas linguísticas, mantendo a comunicação; para acessar o significado e pensar sobre a forma da LE através da tradução; fazer comentários sobre a tarefa ou sobre a língua que estava sendo produzida, dando pistas sutis para que o processo de andaimento ocorresse; negociar a produção de LE a ser permitida na tarefa; pedir ajuda para o colega; fazer

autocorreção e correção do outro; aceitar a contribuição do colega; e motivar o parceiro a continuar produzindo. A LM mediou o processamento conceitual para a busca de palavras e estruturas na LE além de facilitar a solução de lacunas na língua. Apesar disso, em momentos em que o nível de proficiência estava aquém do que a tarefa de expressar-se na língua estrangeira exigia, o uso da LM gerou erros na produção, desmotivou os alunos a arriscar na LE e a continuar a tarefa, servindo mais como meio de visualizar as lacunas no conhecimento linguístico. Contudo, os dados demonstram que em nosso contexto de língua estrangeira, a LM é um recurso utilizado pelos alunos em tarefas comunicativas em que tanto a produção quanto a aprendizagem de LE precisam ser negociadas durante a interação. Portanto, enquanto recurso para a aprendizagem de LE, a LM precisa ser considerada tanto no ensino sobre a língua quanto na pesquisa sobre os processos cognitivos dos aprendizes e sobre os efeitos de tarefas colaborativas. Referências ANTÓN, M.; DICAMILLA, F. Socio-cognitive Functions of L1 Collaborative Interaction in the L2 Classroom. The Canadian Modern Language Review. V. 54, n.3, pp. 314-342, april 1998. ATKINSON, J. M.; HERITAGE, J. Structures of Social Action: Studies in Conversation Analysis. 2 ed., Cambridge, Cambridge University Press, 1984, 332p. BYGATE, M., SKEHAN, P.; SWAIN, M. Researching pedagogic tasks: Second language learning, teaching, and testing. 1 ed., Harlow, Longman/Pearson Education, 2001, 272p. DUFF, P. A. Repetition in Foreign Language Classroom Interaction. In: HALL, J. K.; VERPLAETSE, L. S. Second and Foreign Language Learning Through Classroom Interaction. London: Lawrence Erlbaum Associates Publishers, pp. 109-138, 2000. ELLIS, R. Task-based Language Learning and Teaching. 1 ed., Oxford, Oxford University Press, 2003, 387p. LANTOLF, J. P. (Ed.) Sociocultural Theory and Second Language Learning. Oxford: Oxford University Press, 2000. MITCHELL, R; MYLES, F. Sociocultural perspectives on second language learning. In: MITCHELL, R; MYLES, F. Second language learning theories. Cap.7, pp.144-162, 1998.

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