MIRELLA DE LEMOS GIGLIO DEPOIS QUE A CASA PEGOU FOGO: UMA BUSCA PELO SENTIDO DA DEPRESSÃO NA PERSPECTIVA DA PSICOLOGIA ANALÍTICA

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Transcrição:

MIRELLA DE LEMOS GIGLIO DEPOIS QUE A CASA PEGOU FOGO: UMA BUSCA PELO SENTIDO DA DEPRESSÃO NA PERSPECTIVA DA PSICOLOGIA ANALÍTICA Pontifícia Universidade Católica São Paulo 2007

MIRELLA DE LEMOS GIGLIO DEPOIS QUE A CASA PEGOU FOGO: UMA BUSCA PELO SENTIDO DA DEPRESSÃO NA PERSPECTIVA DA PSICOLOGIA ANALÍTICA Trabalho de conclusão de curso como exigência parcial para graduação no curso de Psicologia, sob orientação da Profa. Dra. Eloisa Marques Damasco Penna. Palavras-chaves: depressão, psicologia analítica, psicopatologia. Pontifícia Universidade Católica São Paulo 2007 2

Dedicação Dedico esse trabalho a todos que vivenciaram a depressão de alguma forma. Dedico aos pacientes depressivos, aos indivíduos que convivem com esses e aos profissionais dessa área: que suas vidas tenham um pouco mais de sentido. 3

Agradecimentos BOC por fazerem os momentos difíceis mais fáceis e dos momentos felizes inesquecíveis. Bia e Alê por me ouvirem, discutirem e participarem da minha busca pela finalidade. Meu terapeuta, Dr. Ricardo, por me ajudar a crescer, a apagar o fogo na hora do incêndio e a compreender o que tenho e como usá-lo. Marisa Penna, na ajuda com o meu contato com meu mundo interior e na abertura das portas para o mundo exterior. Eloísa Penna pela ligação com a psicologia analítica, pelas broncas não ditas, pelos risos nas horas aflitivas, e pelo elogio quando eu achava que tinha fracassado. Andreza, pelo contato com os pacientes, com a psicologia analítica e por ser um exemplo de profissional e de pessoa. Meus pais. Por tudo que me deram e pelo que não me deram, pois esse conjunto fez quem eu me tornei hoje. Meu pai pela genética e pela oportunidade de ter crescido mais forte a partir da fragilidade. Minha mãe pelo colo, pelo modelo, pelo sorriso, pela força quando eu precisava e por estar ao meu lado enquanto encontro meu próprio caminho, minha própria motivação. Meu irmão, minha aspiração, minha inspiração, o lado meu que eu não tenho e que espero não desenvolver para continuar te ouvindo. Agradeço a Deus por colocar essas pessoas no meu caminho e a me dar todos os tipos de recursos para concluir essa pesquisa e evoluir. 4

Mirella de Lemos Giglio: Depois que a casa pegou fogo: uma busca pela finalidade da depressão, 2007. Orientadora: Prof. Dra. Eloísa M. D. Penna Palavras chave: depressão, psicologia analítica, psicopatologia. Resumo Este trabalho utiliza conceitos da Psicologia Analítica para compreender como a depressão afeta a pessoa e tem como objetivo buscar um sentido da depressão na vida do indivíduo. Define psicopatologia pela visão da psiquiatria assim como depressão e seu tratamento, e relata também a perspectiva da Psicologia Analítica sobre os mesmos temas. A partir do conceito da energia psíquica de Jung, articula depressão com a teoria para alcançar o objetivo da pesquisa. Com o auxílio do relato de caso de alguém que vivenciou a depressão, a pesquisa busca as conseqüências que a depressão teve na vida dessa pessoa para identificar se a vivência teve uma finalidade no processo de individuação do ser. O trabalho amplifica a depressão no mito de Cronos/Saturno e relaciona o indivíduo depressivo com o arquétipo de senexpuer, aquele que se identifica com senex (sujeito do relato) não consegue se renovar, está preso ao passado e ligado à regras e disciplina e teme o que é novo. A depressão é uma função estruturante normal, mas se fixada pode se tornar patológica. Sua função normal é o contato com o mundo interno para elaborar conteúdos que precisam ser renovados. Por si só pode ser transformadora, mas se o Ego não tem estrutura forte ele pode não conseguir elaborar os símbolos e permanecer com a energia regredida (estado de depressão). Se a depressão for elaborada ela pode ser um instrumento transformador para o Ser. 5

Sumário Dedicação...2 Agradecimentos...3 Resumo...4 Introdução...7 Capítulos Teóricos A- Visão da Psiquiatria:...10 I: Psicopatologia...10 II: Depressão...12 III:Tratamento para Depressão...15 B- Visão da Psicologia Analítica:...17 I: Conceitos da Psicologia Analítica...17 II: Psicopatologia...25 III: Depressão...27 IV: Tratamento...35 Objetivo...40 Método...40 Discussão...43 Conclusão...62 Referências bibliográgicas...64 Anexos...66 6

Introdução Meu interesse pelo tema depressão se constituiu por ter convivido com uma pessoa que vivenciou tal situação. Essa experiência me fez ver como a depressão pode acabar com a vida do deprimido, mas também que, a pessoa pode transformar sua vida significativamente. Vi mudanças ligadas aos relacionamentos com a família, amigos, parceiros amorosos e consigo mesmo. Quando vi a depressão ter vida foi como se ela tivesse saído do papel, percebi claramente a diferença entre ouvir sobre o tema e vivê-lo. O sujeito mencionado nos estudos científicos tem sintomas, mas a pessoa deprimida vive intensamente esses, que parecem fazer parte de quem ela é e não de como ela está. Após tratamento, a pessoa com quem convivi olhava para trás e não se reconhecia; ela relatava que foi como se a depressão tivesse tomado conta dela. A depressão não está restrita a sintomas, ela abrange toda uma vivência individual e coletiva. Depois de ter passado pela depressão a vida pessoa parecia estar melhor do que era antes, ela estava cuidando mais de sua saúde, com uma auto-estima mais alta, e se relacionando melhor com os outros. Percebi, depois de um tempo, que a depressão foi o necessário para a mudança do indivíduo. A partir desse ponto, eu queria ouvir sobre a vivência da depressão e saber o que mudou depois dela. Mas em minha mente a depressão funcionava como um instrumento transformador para todos que passavam por ela. Com o tempo percebi que não podia determinar que a depressão tem uma finalidade para todos, logo resolvi pesquisar a visão da Psicologia Analítica sobre o transtorno e buscar uma finalidade para tal. O assunto certamente não é novo, mas ao mesmo não está esgotado, parece ser um termo comum, mas é um tema que não tem 7

informações claras, não é definido pela ciência. Nem o que deveria ser conhecimento básico como por exemplo, de que forma a depressão é desencadeada, como a vida da pessoa fica depois do tratamento - não está respondido. Parece haver controvérsia sobre o que a depressão é, como ela surge e mesmo na sua forma de ser tratada. É difícil encontrar pesquisas sobre o tratamento e sua repercussão na pessoa. Escutamos falar sobre deprimidos, mas parece que nunca os ouvimos. Os sintomas são discutidos, as crises são analisadas, mas a vida de quem passou por isso não é levada em conta. É claro que não é possível generalizar cada caso, mas podemos ter a palavra de quem já viveu essa experiência para saber se houve mudanças significantes no ser do indivíduo. Deste modo, como uma pessoa que esteve próxima de uma vivência de depressão, inicío minha investigação buscando a finalidade da depressão na vida de quem já passou por isso. O trabalho seria mais uma contribuição para desvendar a depressão e seus mitos. Se o transtorno tem uma finalidade o seu tratamento poderia tomar um rumo diferente, as pessoas poderiam utilizá-la como recurso para entrarem em contato com seu interior e se tornarem quem realmente são. Há uma dificuldade das pessoas em lidar com a depressão e em alguns casos resultam em suicídios. A incidência de depressão é alta no mundo todo e parece aumentar cada vez mais. Por que será que aumenta tanto? Todos os tipos de tratamentos são criados, mas será que a depressão depende da tecnologia de estudos científicos para ser compreendida, ou depende do próprio indivíduo? Por considerar a depressão própria de cada indivíduo e não uma vivência generalizada; queria escrever o relato de pessoas que a vivenciaram. Pretendi entrevistar várias pessoas, mas resolvi utilizar mais bibliografia da Psicologia junguiana para buscar a finalidade da depressão 8

e ilustra-la com o relato de um caso. Para enriquecer a discussão segui os passos de um autor e amplifiquei a depressão a partir de um mito, o mito serviu como recurso metodológico nesse caso. Depois que a casa pegou fogo representa o indivíduo depois da depressão. O ser é simbolizado pela casa e o fogo expressa a depressão. O fogo é transformador por si só, a casa pode ter servido até certo ponto, mas alguma coisa aconteceu que a desequilibrou e pegou fogo. O que pode ser feito depois do incêndio? O proprietário da casa tem algumas opções: deixar queimada e morar com o pouco que sobrou, esperar alguém arrumá-la, ser criativo e utilizar o que sobrou para construir uma nova estrutura, sempre vigiando para que não seja necessário que outro incêndio alerte algum desequilíbrio; entre outras soluções. Qual é a função desse fogo e o que pode ser feito? 9

A- Visão da Psiquiatria I- Psicopatologia nunca é demais lembrarmo-nos de que não existem doenças mas sim doentes e se, por um lado, há características gerais que nos permitem falar em depressão, de outro já o ser humano com suas peculiaridades, as quais caracterizam aquele deprimido único e específico de quem vamos realmente tratar. Ele se iguala a tantos outros em alguns aspectos, mas no todo se diferencia. (Vargas, 2005, P:103) A depressão se tornou um assunto e uma doença da moda (Vargas, 2005), uma doença que está afetando 50 milhões de pessoas no mundo (Dalgalarrondo, 2000). A depressão é uma psicopatologia, portanto é importante definir o conceito de psicopatologia em geral antes de discutir a depressão em si. Psicopatologia é o conjunto de conhecimento referentes ao adoecimento mental do ser humano. (Dalgalarrondo, 2000, p.23). Entende-se, então, como o estudo de tudo que é relacionado à doença mental. Para seguir adiante é necessário compreender o que Dalgalarrondo quer dizer com doença mental. De acordo com o autor (Dalgalarrondo, 2000), as doenças mentais são vivências, estados mentais e padrões de comportamentos que fazem parte da psicologia do normal, mas expressam uma especificidade psicológica. É difícil definir o que é normal e o que é patológico, depende da área da saúde mental pela qual se olha. Áreas distintas como a psiquiatria forense/legal, como o planejamento em saúde mental e a área de políticas públicas, entre outras, têm definições diferentes do normal e do patológico (Dalgalarrondo, 2000). 10

Existem vários critérios de normalidade em psicopatologia, os critérios considerados os principais são: normalidade como ausência de doenças, normalidade ideal, normalidade estatística; normalidade como bem-estar; funcional; normalidade como processo; subjetiva; como liberdade; e normalidade operacional (Dalgalarrondo, 2000). Cada um tem sua especificidade todos os critérios de normalidade são válidos, isso leva os profissionais da área de saúde a seguirem suas visões, a refletirem, e se preferirem, combinarem vários critérios de normalidade, dependendo do seu objetivo (Dalgalarrondo, 2000). A semiologia psiquiátrica é uma forma de ler as psicopatologias. Ela é uma ciência que analisa os sinais nos seres humanos, trata particularmente dos signos que indicam a existência de sofrimento mental, transtornos e patologias (Dalgalarrondo, 2000, p.20). O mesmo autor utiliza dois termos para diferenciar os signos na psicopatologia, um desses termos é sinal, que se define como tudo que é observável diretamente no paciente, é mais objetivo; e o outro termo é sintoma, está relacionado a tudo que o paciente relata que está vivenciando, seriam as queixas, esse termo é subjetivo, pois é a partir das vivências do indivíduo. Guariente (2000) define sintoma como o que o indivíduo sente e sinal como o que pode ser visto. Então chama-se de signo pois o fenômeno indica algo, ele tem um significado, por exemplo: a febre pode ser sinal de infecção. Quando há mais de um sinal e sintoma denomina-se o fenômeno de síndrome. De acordo com Dalgalarrondo (2000), os sintomas são lidos da seguinte maneira: através de sua forma: como alucinação,delírio, etc; e analisando o seu conteúdo, por exemplo: conteúdo de culpa, perseguição,etc. Mesmo com definições para patologias, para sinais e sintomas, Dalgalarrondo (Dalgalarrondo, 2000) afirma que a existência do homem 11

vai além de conceitos psicopatológicos, ou seja, nunca se pode reduzir inteiramente o ser humano (Dalgalarrondo, 2000, p.23) a essas definições. II - Depressão O termo depressão tem sido utilizado em várias situações, em algumas circunstâncias com muitas razões, mas também em ocasiões que aparentam não serem significantes (Vargas,2005). Isso acontece porque ela pode ser vista com diferentes sentidos, pode ser utilizada para indicar uma alteração do humor (tristeza), como para síndrome [...] e também para um distúrbio específico: o transtorno do humor. (Vargas, 2005, p.102) Segundo a Classificação de Transtornos Mentais e de Comportamento da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas relacionados à Saúde (OMS, 1993), depressão é um transtorno do humor (afetivo). A depressão não é o único transtorno do humor (afetivo); os quais inclui também: episódio maníaco, transtorno afetivo bipolar, transtorno persistente do humor (afetivos), outros transtornos do humor (afetivo) e transtorno do humor (afetivo) não específico. A depressão é a prevalência em um dos pólos do humor (tristeza, alegria) (Vargas,2005). Já Guariente (2000) tenta definir a depressão como distúrbio mental causado tanto por um conflito interno como por uma alteração orgânica. Cada caso tem um pouco de cada, uns tem mais influência orgânica que outros e isso pode definir o melhor tipo de tratamento. De acordo com o CID-10, da Organização Mundial de Saúde (OMS, 1993), assuntos relacionados aos transtornos do humor, etiologia, sintomas, processos bioquímicos subjacentes, resposta ao tratamento e evolução ainda não são universalmente entendidos, desta forma não é possível ter uma classificação concreta do distúrbio. 12

Embora discuta-se o quanto ela é determinada por fatores biológicos ou psicológicos, a depressão é um excelente exemplo do quanto é importante considerarmos o ser humano como um todo (Vargas, 2005, 102) Não existe algo que ative o transtorno, mas ele geralmente está relacionado com eventos ou situações estressantes (OMS, 1993). Vargas (2005) associa o aumento do número de pessoas com depressão com o mundo em que vivemos atualmente. O ambiente ameaçador, competitivo, cheio de exigências e expectativas pode ser mais que o necessário para que o ser humano responda com doenças depressivas, pânico, angústias e fobias (Vargas, 2005). Dentro das síndromes depressivas foram classificados subtipos (Dalgalarrondo, 2000): episódio ou fase depressiva e transtorno depressivo recorrente, distimia, depressão tipo melancólica, depressão psicótica, estupor depressivo, depressão agitada ou ansiosa, depressão secundária. Dentro dos episódios de depressão existem três variedades que os dividem: leve, moderado e grave (OMS, 1993). A diferença entre essas subdivisões está no número, tipo e gravidade dos sintomas presentes (OMS, 1993). Guariente (2000) concorda com a OMS, que a depressão pode variar entre leve, moderada e grave. Ele (Guariente, 2000) define o tipo do episódio de depressão pela repercussão da depressão na pessoa. A leve é quando a pessoa tem depressão, mas consegue trabalhar e orientar-se. A moderada é quando a pessoa tem mais dificuldades em suportar a pressão, o rendimento de sua produção é comprometido e tem falta de clareza na sua percepção. A pessoa que rompe com tudo e com todos, podendo chegar até a morte é a que tem depressão grave. Existem vários sintomas, mas não é necessário preencher todas as categorias para diagnosticar um deprimido (Guariente, 2000). 13

O indivíduo tem como comprometimento psíquico: humor deprimido; perda de interesse e prazer; concentração e atenção reduzidas; idéias de culpa e inutilidade; visões desoladas e pessimistas do futuro; idéias ou atos autolesivos ou suicídio; desânimo, apatia, insegurança, inércia, choro persistente, desesperança, irritabilidade. Os resultados orgânicos são: energia reduzida; cansaço após pouco esforço; sono perturbado (insônia ou hipersônia); apetite diminuído (de acordo com OMS, 1993) alteração no apetite (Guariente, 2000); ganho ou perda de peso; diminuição do desejo sexual (libido), lentidão ou agitação psicomotora. Há também interferência na vida social da pessoa: retraimento social, perda ou rebaixamento da produtividade, desinteresse por atividade recreativa e de lazer. Como são aspectos que todos têm pelo menos alguma vez na vida, não é possível fazer o diagnóstico apenas com a lista de sintomas, é necessário levar em consideração a duração desses. Uma duração de pelo menos duas semanas é requerida para ter certeza, mas existem casos de episódios mais curtos com os sintomas graves e de início rápido. Autores como Cuche e Gerard (1988) optam por não definirem a depressão, mas por detalharem os elementos que caracterizam o estado depressivo. Para Cuche e Gerard (1988), a depressão lesa a parte afetiva, intelectual e sintomática, sendo que os sintomas afetivos são os mais comuns. Os mesmos autores (Cuche e Gerard, 1988), usando aspectos semelhantes do CID-10 (OMS, 1993), destacam como a depressão se expressa: pelo humor depressivo, pela angústia, pelas perturbações de caráter, instabilidade emocional, pela anestesia de caráter, dor moral, pela culpa e idéia de morte. O organismo do indivíduo, de acordo com Guariente (Guariente, 2000), sofre alteração nos principais neurotransmissores: a serotonina, a noradrenalina e a dopamina. Esses neurotransmissores são responsáveis pelo humor e emoções. No caso da depressão, há uma diminuição dessas substâncias nas transmissões 14

sinápticas. III - Tratamento médico de depressão Mesmo com vários sinais e sintomas que permitem o seu reconhecimento é difícil encontrar o estado de depressão. Esse seria o primeiro passo para sair dela, mas é importante a pessoa não estar tão deprimida ao ponto de não querer mudar. Há controvérsia se a depressão tem cura ou não. Existem várias possibilidades de tratamento: a psicoterapia, a farmacologia e a combinação dos dois; também já se ouve falar em tratamentos alternativos como acupuntura, mas não entraremos no assunto. É o tipo e intensidade de depressão que determina como essa será tratada. Guariente (2000) atribui dois objetivos ao uso de medicação: a redução e, se possível, remoção de todos os sintomas e sinais; restauração do desempenho ocupacional e psicossocial. Se a pessoa não tiver essa restauração, ela não conseguirá alcançar resultados na psicoterapia, pois o paciente também tem que produzir, então é difícil um deprimido conseguir raciocinar, pensar livremente, porque ele está comprometido. A psicoterapia pode estabelecer uma visão mais coerente do seu mundo interno e da realidade externa. É possível tratar as angústias e os conflitos psíquicos resultando daí a redução dos sintomas. Guariente (2000) afirma que a pessoa consegue ter uma vida melhor do que antes da depressão com o tratamento psicoterápico, pois nele ela vai reestruturar as estruturas abaladas e promover um desenvolvimento emocional, cognitivo e social. A vida tem possibilidade de se tornar melhor do que antes porque mesmo as pessoas que não sofrem de depressão têm conflitos internos a serem resolvidos, mas acabam não trabalhando esse conteúdo. O deprimido em terapia, após o episódio agudo, pode elaborar seus conteúdos psíquicos mesmo aqueles que não estão diretamente relacionados à doença. 15

Não entrarei na discussão se a depressão tem cura. O importante é distinguir quando a pessoa está deprimida ou não. A maioria dos autores foca na depressão em si, mas ninguém mostrou interesse em divulgar ou pesquisar sua finalidade. Será que ela serve para alguma coisa? Que mudanças acontecem com uma pessoa que passou por uma depressão? Essas questões poderiam contribuir para a compreensão e a auto-reflexão dos que já sofreram de depressão; contribui para aquele que trata os quem tem depressão e também para aqueles que são curiosos. 16

B - Referencial Teórico de Análise Psicologia Analítica I - Conceitos da Psicologia Analítica A psicologia analítica tem termos e definições peculiares que são utilizados para analisar fenômenos ou pessoas, é sua forma de olhar o mundo externo e interno. Alguns desses conceitos serão mais empregados do que outros para falar sobre o sentido da depressão. É difícil explicar os conceitos da psicologia analítica e depois, separadamente, escrever sobre psicopatologia e depressão, pois tanto as enfermidades mentais quanto o transtorno depressivo fazem parte da totalidade do Ser, ou seja, são símbolos, como outros, e não um aspecto fora do normal apenas distinto do normal. A expressão fora do normal é uma boa forma de se explicar o porque é complicado falar apenas da psicopatologia e apenas da depressão, pois elas estão dentro do que o ser humano sabe, do que ele vivenciou, então é partir do ponto de vista de quem está dentro que é possível compreender os fenômenos. No sistema do Ser, o Ego é o que sabemos de nós mesmos, é um dado complexo formado primeiramente por uma percepção geral de nosso corpo e existência (Jung, 1985, p.7). A consciência existe a partir do Ego, ela emana das profundezas (Jung, 2001). Já que não somos apenas o que estamos conscientes que somos, o Ego é somente uma parte do todo. O ego tem um caminho (processo de individuação) a percorrer com a finalidade de ficar mais integrado e equilibrado com o Self (arquétipo central). O Self é todo o sistema, é a totalidade do ser. Ele é consciente e inconsciente. O ego é englobado pelo Self, ou seja, o ego faz parte do Self. Há o eixo Ego-Self que se desequilibrar, símbolos, como a depressão, indicam esse desequilíbrio (Saiz, 2006). O inconsciente também é uma parte de nós, mas que nos é 17

desconhecida, é uma possibilidade do ser. O inconsciente pessoal é conteúdo interno, por exemplo, aquilo que foi esquecido ou aquilo que reprimimos. A sombra faz parte do inconsciente, ela é a parte da Psique que abriga símbolos incompatíveis com o que a consciência aceita, tudo aquilo que o Ego não admite ser é a sombra. Quanto mais a reconhecermos e tornarmos a sombra consciente, mais perto estaremos de quem realmente o Self é (Jung, 2001, Samuels,1988). O inconsciente coletivo também faz parte da psique humana, mas não é único, é constituído pelos instintos e arquétipos (Jung, 2001). Os arquétipos são uma classe de dados que estão no inconsciente, são impressões que não tem determinada forma, por exemplo, o arquétipo da Grande mãe, ele só obtém forma a partir da experiência do indivíduo e da sociedade, a partir da nossa consciência. (Jung, 1985, 2001). Qualquer expressão tem um sentido na totalidade do Self, pois tudo na Psique é símbolo cujos significados unem a parte ao Todo. Símbolos e funções estruturantes sempre estão presentes nessa totalidade (Byington, 2006). Os símbolos englobam todas as polaridades psíquicas. Funções estruturantes são todas funções vitais e são coordenadas por arquétipos; são elas que conduzem a elaboração dos símbolos. O arquétipo central coordena os símbolos e funções para formar a Consciência Individual e Coletiva. Essas funções operam na Psique e elaboram os símbolos que fazem parte da identidade Ego-Outro na consciência (Byington, 2006). A elaboração de símbolos faz parte do processo individuação, ou seja, faz parte do processo de desenvolvimento psicológico, é o que torna a pessoa única. O processo de individuação engloba a síntese de elementos conscientes e inconscientes. A finalidade desse processo é a união do ego e do inconsciente, fazer com que o ego se pareça mais com o Self (Samuels, 1988, Stein, 1998). 18

Uma figura arquetípica que auxilia a ligação do ego com o mundo interior é a anima, ela é a ponte do ego para o inconsciente, assim como a persona é a conexão para o mundo exterior. A partir da anima o indivíduo entra em contato com as imagens do inconsciente coletivo. Persona é a maneira do indivíduo se apresentar ao mundo, como a máscara para o teatro, a persona tem a mesma função de representação. Uma fixação da persona indica um problema, o indivíduo se prende na a forma que gostaria de ser e que o mundo gostaria de ver. (Jung, 2001, Stein, 1998) Arquétipos e o Ciclo da Vida Os principais arquétipos regentes no processo de individuação são: grande mãe, pai, alteridade e totalidade. Como há aspectos masculinos e femininos na personalidade dos dois gêneros, não é possível nomear o arquétipo pelo sexo do indivíduo, por isso o arquétipo matriarcal é destinado ao arquétipo da sensualidade, e o arquétipo patriarcal é para nomear o arquétipo da organização. Os dois arquétipos estão presentes tanto no homem quanto na mulher de todas as culturas, mas a combinação dos dois varia para cada pessoa. O arquétipo Patriarcal está relacionado ao poder, abstração (Byington, 2006). Há cinco posições arquetípicas da polaridade Ego-Outro na consciência. Essas posições são: indiferenciada (arquétipo central), insular (arquétipo matriarcal), polarizada (arquétipo patriarcal), polaridade matriarcal-patriarcal e a dialética (arquétipo da alteridade). (Byington, 2006). Neste estudo será focalizada a posição polarizada, pois a ilustração na discussão é da depressão no dinamismo patriarcal. Na posição polarizada, o Ego se relaciona simultaneamente com os dois pólos das 19

polaridades, por exemplo: o certo e o errado, o bonito e o feio. O indivíduo tem consciência dos dois lados. A característica dessa posição é a reflexão sobre os deveres, o poder, o perfeccionismo, culpa e o medo de fracassar. (Byington, 2006). O processo de individuação é subdividido em quatro fases: Ciclo Maternal, Ciclo paternal, Alteridade e Cósmico. Cada momento e contexto da vida é regido por um arquétipo, que proporciona experiências importantes para o desenvolvimento do indivíduo; cada ciclo está presente no processo de desenvolvimento, um se sucede a outro, mas isso não quer dizer que os ciclos são estagnados ou determinados. As experiências vivenciadas em cada ciclo ficam no indivíduo (é incorporado), além disso, podemos voltar a ativar um arquétipo em um outro ciclo, mas este será vivido de uma forma diferente (Neumann, 1980). O ciclo materno é o mais básico da vida, nele é regido o princípio de sobrevivência e propagação da espécie, é caracterizado pela indiferenciação entre os opostos (eu-outro, mãe-filho, conscienteinconsciente, indivíduo-sociedade) com predomínio do inconsciente; a lógica que rege esta fase é a do prazer, proteção, fertilidade e sexualidade (Neumann, 1980). O ciclo paterno é caracterizado pela abstração (consciência focada e objetiva, o que leva ao poder de decisão e escolha), pela imposição e incorporação de leis, limites, dever e organização, vivência promotora de consciência e discriminação entre as polaridades (Neumann, 1980). A Alteridade é caracterizada pela transformação da consciência, em busca do desenvolvimento simbólico pleno em direção ao apogeu da criatividade, inter-relação das polaridades. Por último, a fase Cósmica é 20

regida pelo Self, é ampliação maior da consciência devido uma maior abertura para o inconsciente, é o fechamento da vida (Neumann, 1980). Energia Psíquica Energia Psíquica é o termo que Jung encontrou para melhor descrever a força que dá vida à psique. Com ela é possível explicar o movimento psicológico e da motivação, é o que faz a diferença entre estar aceso e estar apagado, para usar uma metáfora elétrica. (Stein, 1998, p.61) Para a psicanálise, a sexualidade era o motivador primário da dinâmica humana e também causadora de conflitos psicológicos. Já para a psicologia analítica, a força que motiva os humanos é mais que sexual, está ligada com qualquer tipo de desejo. Através dessas forças o homem produz a arte, a música (Stein, 1998). Essas ações são resultado de um desejo, por exemplo, a vontade de comer pode ser seguida da ação de comer. A energia psíquica é transformada de uma expressão de simples instinto para expressões e realizações culturais. (Stein, 1998, p.65) Essa transformação ocorre através da capacidade humana de criar analogias. No decorrer do tempo, certas atividades que eram análogas tomaram vida própria e não estão tão ligadas ao desejo gerador delas. O desejo sexual não era mais o importante, ele ficou para trás dos desejos pelas ações que substituíam o desejo sexual. (Stein, 1998) O conceito de energia psíquica é importante para entender o funcionamento dos complexos. Jung os define como agrupamento de conteúdos afetivamente acentuados (Jung, 1983, p.20). Cada complexo tem um elemento central e várias associações a ele. O núcleo central é 21

constituído por um arquétipo em torno do qual há uma grande quantidade de energia, associada a experiências do indivíduo relativa à temática do arquétipo central. Jung questionava o que dirige essa força. Para isso ele foi buscar a física e a teoria de energia, percebendo que o estudo da energia não era estudo sobre os objetos em movimento e sim sobre a relação dos próprios objetos. Existem duas formas da física observar as coisas, uma é causal e a outra é finalista. A teoria física mecanicista observa o objeto que se move (teoria causal). A teoria de energia observa as relações dos objetos que se movem (teoria finalista) (Jung, 1983; Stein, 1998). A lei de conservação de energia também se aplica à energia psíquica, que afirma que energia não é criada e nem destruída. Energia psíquica não pode ser observada em si, nós podemos apenas observar os seus efeitos. O movimento da energia psíquica é explicado de forma finalista e não a partir de uma perspectiva causal-mecanicista. Isso significa que não olhamos pensando que a causa b, b causa c, e assim por diante, que na psicologia seria aplicado como o trauma causa o complexo que causa sintomas. Já na visão finalista (Jung, 1983), os objetos a, b, c são instrumentos das transformações energéticas. A energia é transferida de um estado menos provável para um mais provável deslocando-se ao longo de um gradiente de intensidades até terminar em equilíbrio. (Stein, 1998, P:70) O mais importante desse movimento seria o final, ou seja, o alcance do equilíbrio, e não enfatizando o que causou esse movimento (Jung, 1983). Essa dinâmica é a auto-regulação da energia. Aquilo que para o ponto de vista causal é fato, para o ponto de vista finalista é símbolo, e vice-versa (Jung, 1983, p.32). 22

A causa não possibilita uma evolução, pois seria substância imutável que continuaria a agir sem parar, aquele seria o fim, então não tem aonde ir depois do fim (Jung, 1983). O movimento de energia pode colaborar quando o sistema psíquico está em desequilíbrio, mas isso não significa que os complexos são apenas reativos, pois eles também são capazes de canalizarem essa energia que está neles para ser criativa. O complexo então precisaria descarregar sua energia, pois está muito carregado. O ambiente pode estimular a canalização da energia do complexo, mas não é a causa. Isso significa que algum fator externo pode sim colaborar para uma ação do indivíduo, mas sua energia vai de dentro para fora (Stein, 1998). Stein (1998) afirma que há duas formas da energia psíquica ser acolhida por um complexo: através de novos traumas e pelo poder magnético do núcleo arquetípico do complexo. Um complexo que toma conta da consciência expressa que o ego não conseguiu agüentar o fluxo de energia do complexo. O ego é o que pode direcionar essa energia para a criação de estruturas e projetos, mas isso acontece se o ego for forte o suficiente e determinado. Se isso não ocorrer, a pessoa pode ficar disfuncional no plano emocional. A energia pode ir de um lugar para o outro de acordo com o interesse da pessoa, pode ser um interesse inconsciente. A energia tem o movimento de regressão tanto como o de progressão. A progressão ocorre para a pessoa se adaptar ao mundo, esse movimento é positivo, pois o indivíduo utiliza essa energia para fazer atividades que ele decide fazer (Stein, 1998). Algumas vezes a energia desaparece da consciência e o indivíduo fica deprimido, isso acontece pois a energia que estava na consciência foi para o inconsciente. Dizemos que a energia retornou para o inconsciente, esse processo é denominado de regressão de energia. Quando a energia 23

está no inconsciente, ela ativa complexos que não estão relacionados com o que o ego está valorizando no momento. Então há uma batalha de valores, na qual um lado está no inconsciente e do outro lado está o ego. Essa luta interior deixa o indivíduo paralisado externamente (Stein, 1998). Quando a energia não é consumida num processo de adaptação ao mundo nem está se movimentando de forma progressiva, ela ativa os complexos e eleva o potencial energético destes no mesmo grau em que o ego perde energia ao seu dispor. A energia não desaparece do sistema; antes ela desaparece da consciência. (Stein, 1998, p.77). O estado de depressão surge a partir desse movimento de energia, assim como incertezas, dúvidas e perda de motivação. Quando a energia está no processo de progressão, ela está sendo utilizada para a adaptação do indivíduo no mundo, como já foi dito. Dessa mesma maneira funciona o movimento de regressão, quando a energia está no inconsciente ela ativa o mundo interior e a pessoa é obrigada a lidar com seu conteúdo interno. O fato de a pessoa ter que entrar em contato com os conteúdos internos que não estava entrando em contato, faz da regressão de energia uma possibilidade para o desenvolvimento do ser. É nesse momento que a pessoa tem a oportunidade de renovar sua adaptação ao mundo interior. Quando o valor consciente de energia diminui, ou desaparece, isto pode ser uma possibilidade de um novo valor surgir em outro lugar. Esse novo valor pode ser consciente ou inconsciente (Jung, 1983). Depois que o indivíduo consegue lidar com esse processo de auto conhecimento, de entrar em contato com seu conteúdo interno, ele está mais maduro para enfrentar o mundo externo. Essa nova relação com o mundo externo seria a progressão da energia (Stein, 1998). 24

II - Psicopatologia na Psicologia Analítica É sempre mais elucidativo e rico para a compreensão do ser abordarmos o homem na sua totalidade, como um sistema que tem padrões gerais, porém com especificidades em cada indivíduo. (Vargas, p:105) Algumas pessoas acreditam que o corpo físico é um sistema independente do psicológico, ou seja, funcionam de maneira peculiar e nenhum afeta o outro (Stein, 1998). Já a Psicologia Analítica (Stein, 1998) não considera esses dois sistemas independentes, eles têm uma ligação complexa de definir, se relacionam de maneira distinta, mas é difícil saber o limite entre esses sistemas. É complicado deliberar onde o sistema psicológico acaba e o biológico começa, e vice-versa. (Stein, 1998) A patologia é considerada por Jung (Jung, 1985) uma variação do normal, por isso não se pode compreendê-la a partir de uma psicologia independente que analisa apenas a doença em si. A psicopatologia (Jung in Byington, 2006) não pode ser baseada somente no estudo das doenças mentais, pois faz parte da psicologia normal e de toda extensão da Psique. Quando as estratégias de sobrevivência da espécie não funcionam em certas fases da vida, a psicopatologia toma lugar. (Saiz, 2006) Para entendermos a psicopatologia na abordagem junguiana, também devemos considerar o que é sombra circunstancial e sombra cronificada. A sombra circunstancial aparece como uma reação de um acontecimento específico, ela é passageira. A sombra cronificada também é uma defesa, mas ela se torna permanente. A resistência defensiva da sombra cronificada é mais intensa do que a da sombra circunstancial. (Byington, 2006) 25

É importante entender que as funções estruturantes estão presentes em todos, não só nos indivíduos com psicopatologia, a diferença é que na psicopatologia as funções estruturantes são defensivas e não normais. Um erro que geralmente é cometido na hora de diferenciar as estruturas normais das defensivas é o reducionismo, não olhar o Self como um todo. O diagnóstico não pode ser visto de fora para dentro, afinal o símbolo faz parte do processo de elaboração simbólica. Uma interpretação depende da experiência do terapeuta em sua própria relação com a sombra e a consciência; da empatia com o símbolo do paciente e da percepção da resistência. A elaboração simbólica é a melhor forma de interpretar o símbolo, pois tem o seu próprio sentido. (Byington, 2006) No contexto genoma-ambiente, vulnerabilidade-resiliência, o paciente não encontra o caminho para elaborar os símbolos do Self, que encurralados em estruturas defensivas da sombra, impedem a estruturação adequada da relação eu - outro, base para transformação do significado pessoal. (Saiz, 2006, p.132) A gravidade das defesas na relação Sombra-Cosciência pode ser classificada em quatro níveis: defesa neurótica, psicopática, borderline e psicótica. (Byington, 2006) Na defesa neurótica (depressão), a sombra se expressa inconscientemente na maior parte das vezes, mas os confrontos tornam a sombra consciente. As defesas são reconhecidas pelas pessoas que sofrem a ação e não pelas pessoas que as cometem. Sintomas e sofrimentos podem ser expressões da defesa inconsciente. A energia do indivíduo está fixada em complexos e símbolos, prejudicando a criatividade do mesmo. (Byington, 2006) 26

III - Depressão na Psicologia Analítica Durante muitos anos, depressão era diagnosticada de acordo com o animo depressivo, mas hoje em dia muitos transtornos depressivos passam em vão por não apresentarem esse animo (Saiz, 2006). A depressão aparece como um desequilíbrio do todo (biológico, psicológico e existencial). Ela é caracterizada pela descentralização do eixo Ego-Self geralmente resultado de situações de estresse crônico, frustrações, sofrimentos e dependências (Saiz, 2006). A depressão é um processo psicopatológico dentro o processo de individuação que tem como função gerar uma transformação na existência do paciente (Saiz, 2006). A depressão é uma forma de estar no mundo, que expressa os processos sistêmicos e simbólicos, que estão relacionados à descentralização da totalidade do ser. (Saiz, 2006) Pela perspectiva da Psicologia Analítica, a depressão é arquetipicamente um processo afetivo. Esse processo se desenvolve dentro de outro processo: um processo psicológico no processo de individuação que tem o sentido de trazer elaboração simbólica para gerar uma transformação no sentido existencial da vida do paciente. (Saiz, 2006) A transformação confere ao indivíduo uma significação antes ignorada. (Jung, 2001, p.281) Segundo Vargas (2005), algumas depressões não têm relação com a vivência do deprimido, provavelmente elas tem um fator genético. Outro tipo de indivíduos sofre depressão por estruturas egóicas frágeis e com sérias feridas narcísicas. Uma vivência negativa do processo materno pode deixar o ego fraco e isso pode gerar dificuldades sérias. Fatores sociais também podem levar à depressão, como por exemplo, a falta de 27

perspectivas socioculturais para o desenvolvimento e crescimento do indivíduo (Vargas, 2005). Graves alterações sociais podem ser difíceis de serem elaboradas. Acontecimentos na natureza podem gerar sentimentos de vulnerabilidade e perdas. Situações emocionais podem também ser motivo da depressão. Mas a estruturação egóica é um fator importante no desencadeamento ou não da depressão. (Vargas, 2005) É importante ter em mente que se a depressão surgir, é resultado de uma série de variáveis ambientais, biológicas, sócio-culturais, além da estruturação do ego. (Vargas, 2005) As estruturas depressivas defensivas se formam através das vivências simbólicas que não são elaboradas, essas estruturas são expressas como sintomas, tais como: abatimento, desinteresse, desesperança, isolamento, decepção e indignação, fúria, hostilidade e agressividade contra si mesmo e com os outros, e como culpa e morte. (Saiz, 2006) Essa não é a única manifestação de que o estado psíquico está abalado. Fierz (1954) aponta que as idéias de pobreza e pecado também são sinais disso. De acordo com Fierz (1954), no estado depressivo: o paciente não está apenas triste, ele perdeu a esperança. O paciente se sente fraco. Sente que não consegue se concentrar. (p.370). O autor também afirma que a fadiga do depressivo é resultado da retirada de energia da consciência ativa desviada para o inconsciente (Fierz, 1954, p.370) indicando um movimento regressivo da energia. A insônia, também descrita em estudos da psiquiatria, acontece porque a passagem entre a consciência e o inconsciente fica perturbada. Esse contato, que ocorreria naturalmente, do estado consciente para o inconsciente não se dá tão facilmente. A descentralização do eixo Ego-Self é um movimento que gera transformação a partir da própria doença para chegar na realidade. (Saiz, 28

2006) Sentimentos de tristeza já fazem parte das funções adaptativas do ser humano, por exemplo, receber atenção e cuidados dos outros. Essa função se torna patológica por sua intensidade, freqüência e duração. (Saiz, 2006) Clinicamente, se faz uma distinção entre dois tipos de situação no estado de depressão. Uma é a criativa e a outra defensiva. O criativo é quando o processo de depressão traz transformação e crescimento para o indivíduo. (Vargas, 2005) Quando é criativa, há ampliação da consciência que estimula construção de uma nova atitude e estilo de vida. O paciente elabora simbolicamente as dependências, perdas e sofrimentos. Assim o desejo pela morte pode ser elaborado como um novo rumo e sentido de individuação. (Saiz, 2006) Já no pólo defensivo há fixações, repetições e prejuízos. (Vargas, 2005) As Polaridades do Humor Humor é um eixo com as polaridades alegria-tristeza. As duas extremidades são mania de um lado e a depressão no outro. A polaridade alegria-tristeza é arquetípica, é um padrão de funcionamento próprio da espécie. (Vargas, 2005) Quando um dos pólos do eixo do humor está presente e é vivenciado na consciência, o outro, com menos espaço estará presente no inconsciente. Vários motivos podem resultar na mobilização de um ou outro pólo, às vezes os dois. O Ego deve ter capacidade e habilidade para entrar em contato com um, sem se desligar do outro oposto, gerando um equilíbrio no humor do indivíduo. (Vargas, 2005) A ruptura do eixo do humor gera o estado patológico. Nessa situação, o Ego terá acesso a uma das polaridades e deixa de ter acesso ao oposto que não está predominando. (Vargas, 2005) No caso da 29

depressão, o que predomina é a tristeza e o outro oposto que não está ativado é a alegria. Para a Psicologia Analítica (Fierz, 1954), a depressão também tem a finalidade de auto-regulação. Geralmente ela acontece quando a pessoa está vivendo o extremo de uma polaridade. A depressão é um sinal de que algo não está correto. Após o tratamento da depressão a pessoa pode: continuar naquele extremo, ou ir para o extremo da outra polaridade, ou chegar perto do equilíbrio entre essas polaridades (Fierz, 1954). A depressão arquetípica O eixo entre as polaridades tristeza-alegria funciona nos quatro dinamismos arquetípico entre consciência e inconsciente. (Vargas, 2005) No dinamismo matriarcal, as polaridades estão muito próximas e uma passa facilmente à outra. As mudanças de humor podem ser rápidas e fáceis, como com um bebê, criança pequena ou um adulto com dificuldades. (Vargas, 2005) Depressões matriarcais comprometem mais os dinamismos da Grande Mãe, por exemplo, as defesas, como condensação, inversão e confusão na relação Eu-outro são determinadas pela proximidade Ego-inconsciente. O depressivo matriarcal se vê como uma coisa ruim, que não presta e que não vale nada. O corpo é expressivo. (Vargas, 2005) No dinamismo patriarcal, tristeza e alegria estão bem distintas e cada uma predomina em diferentes situações nas quais são adequadas. Por exemplo, alegre numa festa e triste num velório. Na depressão patriarcal, as defesas são obsessões, sentimento de culpa e auto recriminações. Homens que sofreram perdas profissionais e/ou 30

econômicas são exemplos de indivíduos que vivenciaram a depressão patriarcal. Eles se identificam mais com o que possuem do que com o que são pela sua estruturação patriarcal rígida e estabelecida. Se sentem culpados e fracassados por não corresponderem mais às suas exigências e expectativas, que em alguns casos não são individuais e sim projetadas pela sociedade. Nesses casos de depressão patriarcal, existe um padrão em relação ao indivíduo como incapacidade de compreensão, tolerância e relativização, perda da capacidade de se relacionar com a alegria. (Vargas, 2005) A estrutura neuro-psico-social se organiza em função dos padrões de status e domínio. Uma organização defensiva do sistema patriarcal se configura de forma patológica e se expressa simbolicamente em termos de delimitação, planificação, hierarquia, poder e da capacidade de desenvolver um pensamento lógico e abstrato. (Saiz, 2006) Esse sistema patriarcal tem relação com as atividades do hemisfério esquerdo do cérebro e com os sistemas volitivo-sensorialmotor e associativo cortical (Saiz, 2006). As estruturas da medula, o tronco encefálico, os núcleos da base e o bulbo olfatório são responsáveis pelos comportamentos instintivos e automáticos, como a necessidade de domínio, status e competência por intimidação e acoplamento. A partir dessas funções, o perigo é avaliado instintivamente e inconscientemente (Saiz, 2006). Quando a estratégia escolhida instintivamente antecipa um fracasso, o humor fica depressivo. De acordo com Saiz (2006), quanto mais sucessos alcançados maior será a capacidade do animal manter poder, no caso do homem, maior será sua auto-estima. Já o fracasso funciona de forma similar, mas resulta em baixa auto-estima. A competência instintiva por território deu lugar na cultura, para competência de status, possibilitando o acesso aos recursos desejados (Saiz, 2006). A ativação desse mecanismo adaptativo pode se expressar 31

como um sintoma, pode operar em um nível inferior como estratégia autônoma, por ser instintiva (inconsciente). A depressão matriarcal e patriarcal são vivências alteradas da capacidade universal humana de experimentar a tristeza e a depressão. Ela (a depressão) surge como uma estratégia adaptativa com menor ou maior grau de consciência por perda de apego (no matriarcal) ou de status, no caso patriarcal. (Saiz, 2006) No dinamismo de alteridade, o eixo é mais flexível e relativo. Na alteridade (Vargas, 2005), a depressão toma lugar quando a pessoa sente-se profundamente traída por si mesma. O indivíduo fica preso nas conveniências e comodidades da vida que não tem coragem de alcançar o que queria. Os distúrbios deste dinamismo estão ligados ao encontro com o outro e com a criatividade. Para essa pessoa, que está com o relacionamento sem vida, voltar a alegria pode significar em uma alteração no relacionamento ou sacrifício dele. (Vargas, 2005) No dinamismo cósmico, tristeza e alegria se tornam junção consensual, elas estão sempre juntas. Os distúrbios da depressão nesse dinamismo são de falta de sentido maior para a vida e perturbações na totalidade do processo existencial, afirma o mesmo autor (Vargas, 2005). O resgate da alegria implica na possibilidade de encontrar um sentido maior para a existência e o profundo sentido que a morte tem para a vida. (Vargas, 2005) Não existe uma depressão que seja unicamente de um tipo, mas sim o predomínio de um ou outro dinamismo. (Vargas, 2005) O dinamismo da alteridade e o cósmico não são muito discutidos pelos autores. Nada aumenta mais a tomada de consciência do que a confrontação interior com os fatores opostos. (Jung, 1961, p. 298) 32

Os complexos não são apenas causadores de dor, mas são também os olhos que enxergam as partes que não estamos entrando em contato, formando novos caminhos da reintegração do Ego-Self. (Saiz, 2006) A pessoa depressiva deve ter uma compreensão do sentido de sua doença, mas durante a vivência depressiva, ela não consegue ter uma perspectiva de que há possibilidade de vivenciar uma nova experiência existencial no presente quando essa compreensão acontecer. Ela pensa apenas no passado, no qual tinha mais saúde, menos dependência e mais vitalidade. As frustrações, incertezas e auto destruição são parte de como o depressivo vê seu futuro, um futuro irreal. (Saiz, 2006) Depressão como morte física: suicídio Os pacientes depressivos tendem a regressarem à situação passada, no sentido egóico. A depressão é um distúrbio no qual a pessoa está vinculada ao processo de introspecção e regressão energética. O outro é visto negativamente, mas isso é resultado de como o EU se vê. Há culpa e auto crítica que muitas vezes geram autodestruição. (Saiz, 2006) O suicídio é a expressão de forma mais extrema das estruturas defensivas depressivas. A morte é vista como uma maneira de exterminar o sofrimento e a dor para uma pessoa cuja personalidade está predominante no dinamismo matriarcal. Já no dinamismo patriarcal, a crítica é mais a si mesmo, a vida parece injusta, ele se sente castigado, por isso a morte nesse caso, tem o sentido de uma resposta à culpa e a necessidade de castigo. (Saiz, 2006) As idéias suicidas e de autolesão indicam necessidade de mudança fundamental na pessoa (Fierz, 1954). Ela sente que o estado atual precisa morrer, mas isso está mais relacionado a seu estado psíquico do que 33

físico. Essa vontade de terminar com a vida é a vontade de transformação, pois algo está errado na psique da pessoa (Fierz, 1954). O desejo da morte física pode ser compreendido simbolicamente como uma necessidade de transformação, uma vivência de morterenascimento no processo de individuação, a partir do ponto que o depressivo consiga elaborar seus sintomas como sofrimentos, dependências, frustrações, perdas e morte. Isso seria chamado de alternativa criativa. (Saiz, 2006) Depressão como morte simbólica: egocidio A morte do EU e a transformação é quando há um sucesso no tratamento dos pacientes depressivos (Saiz, 2006). Não há porque a pessoa morrer fisicamente, só é necessário que uma parte da psique morra, esse é o aspecto negativo do EU do passado. A transformação psíquica acontece quando o indivíduo elimina o EU dominante e a identidade negativa (Saiz, 2006). Dessa forma, o novo EU dá um novo sentido à sua existência. (Saiz, 2006) Qualquer que seja o motivo pelo qual a pessoa queira morrer, há a alternativa de refletir sobre um ato de transformação do EU, uma transformação criativa. Pode ser um processo difícil, mas é curativo. (Saiz, 2006) Tanto no suicídio como no egocídio, o caminho é longo e atravessa angústias e dores intensas. A chave para suportar esse desafio é considerar as funções estruturantes do sofrimento humano como um símbolo de transformação. (Saiz, 2006) 34