13/11/2011 Sucessão é negligenciada em empresas familiares Falta de planejamento leva a queda de faturamento e problemas com equipe CAMILA MENDONÇA Alessandro Shinoda/Folhapress Lorena Kreuger, que assumiu a gestão após a morte do pai Walid Abdouni, 34, assumiu a Kyowa Tapeçaria aos 19 anos, após a decisão do pai de sair do negócio, que fica em São Paulo, para viver em uma fazenda em Minas Gerais. "Era o sonho dele", diz. Da concretização do desejo à posse, passaram-se dois meses - período em que o pai começou a desfazer-se das tarefas diárias da empresa. A saída do fundador, em 1995, porém, não agradou a todos. "Houve resistência de funcionários, fornecedores e clientes", afirma Abdouni. Dos 30 trabalhadores, o então novo gestor demitiu 11. Os problemas tiveram reflexo no faturamento, que caiu 30%.
A alta de 40% na receita só foi conquistada dois anos depois. Atualmente, a empresa tem 58 funcionários diretos. Abrir um negócio e vê-lo crescer é sonho de qualquer empreendedor. O problema, dizem especialistas consultados pela Folha, é visualizar o futuro sem estar à frente da empreitada que construiu. A sucessão é ponto negligenciado por pequenas e médias empresas familiares. "Há a ideia de que os filhos tocarão o empreendimento, mas nem sempre o sonho do pai é o sonho deles", avalia Domingos Ricca, sócio-diretor da DS Consultoria Empresarial. Outra dificuldade vem do peso da palavra sucessão. "Ela remete à morte", considera Priscilla Mello, sócia da consultoria Defamília. SEM SAÍDA Ao descuidar do futuro da empresa, a família pode ser pega de surpresa, atesta Lorena Kreuger, 26. A jovem teve de assumir a Kalmar, de marcenaria naval, ainda na faculdade, de repente. A morte do pai, fundador do negócio, deixou a família sem ideia de que fazer. A mãe e a irmã de Kreuger não se interessavam pelo negócio. "Sobrou pra mim, mas enxerguei como desafio", conta. A transição repentina não impactou a equipe, mas fez o faturamento de R$ 60 mil por ano estagnar. Foram necessários alguns meses para que a receita voltasse a crescer. Deixar a sucessão de lado faz a empresa enfrentar problemas logo na primeira transição, que vão de queda no faturamento ao fechamento do negócio, ocorrido devido ao mau gerenciamento. "[Se a transição] não for bem-feita, a empresa não sobreviverá", reforça Priscilla Mello, da Defamília. Desavença em casa afeta transição Mistura de papéis familiar e profissional prejudica projetos e sustentabilidade da parceria As desavenças em casa permeiam os muros da empresa. A relação entre pai e filho se sobrepõe à de chefe e subordinado no negócio. Essa combinação é um dos erros que mais dificultam processos sucessórios consistentes, segundo especialistas.
Na empresa de segurança TLV Treinamentos, a mistura dos papéis familiar e profissional atrapalhou a parceria entre filho, Maurício, 25, e pai, Honorato Tavares, 59. Depois de uma discussão intensa, o jovem abdicou da gestão e foi morar por seis meses em outra cidade. "É complicado ser sócio de alguém que exerce autoridade sobre você", avalia ele, que detém 20% do negócio. Honorato aceitou a volta do filho à empresa, mas indicou que o rapaz "fizesse outra coisa também". Maurício, por precaução, concluiu a graduação em farmácia. Ele conta que a boa relação, mantida há mais de um ano, fez o faturamento de R$ 40 mil da empresa aumentar 10%. Quando tinham problemas de relacionamento, as quedas chegavam a 30%. "O fundador, muitas vezes, encara a sucessão como uma substituição", considera o especialista em desenvolvimento de negócios familiares Eduardo Najjar. "Falta profissionalismo nos processos [sucessórios]", complementa Paulo Lucena de Menezes, presidente da comissão de governança corporativa da OAB-SP (Ordem dos Advogados do Brasil). O sócio da loja de brinquedos Semaan Marcelo Mouawad, 41, concorda. Segundo ele, o pai, fundador da empresa, mantém a autoridade paterna no trabalho. "Entendo a diferença entre família e negócio, mas, para ele, é tudo a mesma coisa." TREINAMENTO Sueli Conte, 60, diretora e fundadora do Colégio Renovação, de São Paulo, diz que pensar na sucessão não é problema. Os dois filhos, afirma, "estão sendo preparados". A questão central é deixar a cadeira, conta. "Farei um curso de sucessão, mas não penso em deixar a empresa." Outro empecilho que pode dificultar o processo é não enxergar o perfil de quem poderá assumir a gestão. Antonio Carlos Rodrigues, 55, dono da Rizzo Embalagens, tem três filhos, que optaram por carreiras diferentes das exigidas no negócio.
Com o cenário, o empresário cogita procurar profissionais do mercado. "Não posso depender apenas da família." "O processo sucessório tem de sobressair aos problemas familiares", atesta Luis Fernando Pessôa, presidente da gestora Local Invest. Erros e soluções na sucessão Acreditar que será substituído Participar ativamente da transição Ter dificuldade de desligar-se Afastar-se parcialmente da gestão. Mesmo após a transição, é possível acompanhar o andamento do negócio Misturar emoção e negócios Tratar filhos e parentes como funcionários ou sócios Ter medo de preterir um filho Pensar como gestor e focar o empreendimento. Após a escolha, esclarecer as razões da decisão à família Não encontrar sucessor Desobrigar filhos de assumir a empresa. Se eles não quiserem gerila, busque profissionais do mercado Fontes: consultores de gestão
Comunicação é valorizada em setor de franquia Quando Antonio Carlos Nasraui, 45, entrou na empresa do pai, em 1991, já pensava em franqueá-la. "O Rei do Mate tinha potencial para ser franquia, setor ainda novo no país na época." O pai cuida das áreas financeira e administrativa. O filho, diretor comercial, diz que as mudanças relativas ao franqueamento serão divulgadas de forma clara. "Temos de cuidar da imagem da marca", explica. Adotar política transparente de comunicação, diz Maria Cristina Franco, da ABF (Associação Brasileira de Franchising), é uma exigência que se deve à "profissionalização do setor". Frase "O plano de sucessão pode ser feito na sala de jantar da família, na UTI ou no velório [do fundador]. O ideal é que ocorra na sala de reunião da empresa e enquanto o dono estiver vivo" JOSÉ CARLOS FERREIRA coordenador do núcleo de empresas familiares da ESPM Parente pode interditar gestor incapacitado Impedir que o administrador continue à frente do negócio é possível, mas só em casos em que ele esteja comprovadamente incapacitado, diz a advogada Renata Catão, do escritório Edgard Leite Advogados. "Somente pai, mãe, tutor, cônjuge ou parente próximo podem pedir a interdição", afirma. Segundo ela, o processo é atípico em empresas de pequeno e médio portes.
Passagem deve privilegiar regras e critérios objetivos Criação de conselhos e normas para sucessão impedem falhas na escolha Passar o bastão envolve critérios objetivos de escolha do sucessor e, para estabelecê-los, é preciso profissionalizar o negócio, dizem consultores. O planejamento requer três anos diz Josmar Bignotto, do IBGC (Instituto Brasileiro de Governança Corporativa). "É um erro acreditar que o tempo resolverá tudo e não adotar medidas antecipadas", afirma Teresa Roscoe, professora de empresa familiar da Fundação Dom Cabral. O médico Paulo Maurício Chagas, 67, fundador do Hospital vivalle, em São José dos Campos (SP), seguiu à risca orientações de especialistas. Contratou "coach", consultorias e analistas para elaborar o plano de sucessão. "Há diferença de 30 anos [de idade] entre eu e minha filha mais velha. Precisava entender a cabeça deles [dos filhos]", diz. O genro, a nora e dois dos três filhos o ajudam no negócio. A mais velha entrou para o conselho familiar, a convite da consultoria. Para escolher o diretor-geral, Chagas fez seleção envolvendo familiares e profissionais do mercado. "Foi um risco, todos ficaram inseguros, mas eu deleguei a transição a uma empresa", conta. EM ASSEMBLEIA Dos testes, participaram o genro e um filho -que saiu vitorioso. "Ele tem experiência de mercado e é qualificado para assumir o hospital." O planejamento de Chagas incluiu a criação de um conselho - orientação dada por diversos especialistas para delinear a sucessão. Patrícia Epperlein, presidente da consultoria Mariaca, recomenda criar dois: familiar e administrativo. "Essas estruturas são ferramentas de controle de processos e regras de gestão."
Mas não basta criar regulamentos se eles não são validados no papel, segundo Herbert Steinberg, sócio da consultoria de governança corporativa Mesa. O registro, explica Eduardo Boccuzzi, sócio do escritório que leva seu sobrenome, deve ser feito no contrato social da empresa ou em documento específico e precisa ser aceito por sócios e família. RIGOR No Colégio Instituto Coração de Jesus, em Belo Horizonte, as regras estão claras. Christina Fabel, 55, sócia e filha da fundadora, explica que, para entrar na empresa, os netos precisam ter experiência no mercado e passar por processo seletivo. "Tudo isso se houver vaga." Na Nova Rio, de limpeza, o processo de profissionalização evitou oscilações quando o fundador morreu. Cotas da empresa foram distribuídas entre familiares e gestores antigos. "Não houve abalos", atesta a executiva da empresa Carla Ritto.