Processo de criação de personagens virtuais utilizando digitalização tridimensional Process of creating virtual characters using three-dimensional scanning Bülow, Gustavo, Programa de Pós Graduação em Design (PGDesign/UFRGS) gustavo@bulow.com.br Sperhacke, Simone; Programa de Pós Graduação em Design (PGDesign/UFRGS) simone@sisperdesign.com Bertol, Liciane Sabadin; MSc; Programa de Pós Graduação em Engenharia de Minas, Metalúrgica e de Materiais (PPGEM/UFRGS) liciane.bertol@ufrgs.br Duarte, Lauren da Cunha; PhD; Programa de Pós Graduação em Design (PGDesign/UFRGS) laurenduarte@terra.com.br Silva, Fabio Pinto da; MSc; Departamento de Design e Expressão Gráfica (DEG/UFRGS) fabio.silva@ufrgs.br Resumo Neste estudo é avaliada a viabilidade da entrada de dados do meio real para o virtual no desenvolvimento de jogos digitais utilizando a tecnologia de digitalização tridimensional a laser. Foram procedidas duas experiências: a digitalização da face de uma pessoa e a digitalização de um personagem esculpido por um leigo. Os modelos digitalizados foram analisados e comparados com modelos construídos com o uso de técnicas de modelagem convencional em softwares 3D e inseridos em um ambiente virtual de jogo digital. Foram identificadas diferentes dificuldades e demandas técnicas para pesquisas e softwares para tornar o processo viável. Palavras Chave: jogos digitais; digitalização tridimensional; Design. Abstract The objective of this study is to suggest the viability of a facilitated relationship to input data from real to the virtual for the development and use of digital games, using the threedimensional laser scanning technology. Two experiments were proceeded: scanning the face of a person and digitization of a character shaped by an outsider. The digitalized models were analyzed and compared with models built using conventional modeling techniques in 3D software and finally placed in a computer game virtual environment. Difficulties and technical demands were identified for research and software to make the process viable. Keywords: Digital games; three-dimensional scanning; Design.
Introdução Os personagens de jogos digitais evoluíram de figuras geométricas básicas, algumas décadas atrás, para modelos tridimensionais realísticos. Estes modelos são o resultado de um bom investimento de tempo e uma mão-de-obra bastante qualificada de um artista e tecnologia digital. É uma tarefa artesanal e especializada. O modelamento de personagens virtuais pode ser realizado por diferentes métodos e utilizando diferentes softwares. Cada um dos métodos apresenta suas vantagens e desvantagens, entretanto, independente do método escolhido, a capacidade de representar os personagens aumenta muito com o ganho de experiência com o software. Murdock e Allen (2006) apontam alguns dos métodos utilizados atualmente para o modelamento de personagens virtuais: modelamento de polígonos, spline, patch, NURBS, metaball, edgeloops, ferramentas de escultura, modelamento baseado em imagens 2D e modelamento através de digitalização 3D. Nos jogos, freqüentemente o jogador encarna um personagem fisicamente diferente de si próprio e joga sob esta abstração. Porém em muitos casos, o que o jogador deseja, é poder jogar com um personagem que o represente visualmente da forma mais realista possível. Alguns jogos possuem editores de personagens onde o jogador pode alterar um personagem até que chegue a um modelo parecido consigo; outros permitem a importação de modelos tridimensionais. São recursos interessantes, mas para que funcionem, depende de o jogador ter alguma habilidade técnica e artística. Neste sentido, o objetivo deste estudo é averiguar a possibilidade de utilizar a tecnologia da digitalização tridimensional a laser como ferramenta que auxilie na criação de personagens para os jogos digitais. Breve Histórico dos Personagens em Jogos Digitais Desde os primeiros jogos digitais comercializados, em meados dos anos 70, os personagens incorporados pelos jogadores são representações artísticas. Os recursos de computação vêm evoluindo muito rapidamente e junto com eles, as condições para o desenvolvimento de personagens mais sofisticados. Nas primeiras gerações de jogos os personagens eram ícones compostos de poucos pixels, como por exemplo o jogo Pong (1973), primeiro jogo digital comercializado e o Adventure (1979), ambos para o console Atari. A evolução dos personagens passou por sprites de baixa resolução e limitações de cores (como o Double Dragon, desenvolvido para o Master System em 1987), personagens baseados e fotografias editadas e ilustrações (como o jogo digital Mortal Kombatt, desenvolvido para o Megadrive em 1992). Em seguida, passaram a ser utilizados modelos tridimensionais de geometrias e texturas extremamente simples, representados pelos jogos Resident Evil, do Playstation I (1996) e pelo Winning Eleven, lançado para o Playstation II em 2001. Seguindo essa evolução, chegou-se aos personagens dos jogos de hoje: modelos relativamente realísticos que possibilitam a representação de pessoas, expressões corporais e faciais e movimentos realistas. Como estado-da-arte da geração atual, destaca-se o jogo Call of Dutty Modern Warfare II, para o console Playstation III (2009).
Materiais e Métodos Para a aquisição de modelos virtuais a serem inseridos em jogos foram realizadas digitalizações tridimensionais de modelos físicos. Um scanner tridimensional a laser da marca Konica Minolta, modelo Vivid 9i, equipado com lente com distância focal de 8mm e precisão de 0,032mm+-0,096mm foi utilizado. Os modelos digitalizados para este estudo foram a cabeça de uma pessoa (fig 1), e um personagem modelado em argila (figs. 2 e 3). O arquivo de saída da digitalização tridimensional é representado por pontos no espaço, correspondente às coordenadas da superfície do objeto digitalizado. O conjunto de pontos (denominado nuvem de pontos) recebeu tratamentos de filtragem para remoção de ruídos e pontos indesejáveis, suavização, remoção de pontos sobrepostos entre diferentes nuvens de pontos, redução do número de pontos. Em seguida, os pontos foram agrupados três a três, originando uma malha de triângulos, exportado em formato STL. Os modelos virtuais obtidos através da técnica de digitalização tridimensional a laser foram editados e analisados em softwares de modelagem 3D (Raindrop Geomagic Studio 10 e 3D Studio Max ). Figura 1. Pessoa sendo digitalizada.
Figura 2. Digitalização do personagem. Figura 3. Personagem digitalizado. Os modelos digitalizados foram comparados com modelos usados em jogos digitais. Foram identificadas diferenças e foram procedidas algumas adaptações básicas baseadas em ferramentas dos softwares de edição tridimensional. As análises se deram de forma comparativa. Resultados e Discussão O uso da tecnologia de digitalização tridimensional como ferramenta de modelagem de personagens virtuais já acontece nas indústrias do desenvolvimento de jogos digitais e cinematográfica, entretanto, a utilização desta tecnologia para integrar um grande número de modelos de usuários finais é o que pode ser considerado uma inovação. Neste estudo, os modelos digitais, obtidos através da digitalização tridimensional a laser de dois elementos diferentes (um indivíduo e um boneco de argila) foram inseridos em um ambiente de jogo digital. Para que o processo de inserção do personagem a um jogo digital se dê de forma rápida ou facilitada, é necessário que ele atinja, com um investimento de mão-de-obra menor que o usual, algumas características técnicas específicas como uma qualidade estética dentro dos padrões dos jogos digitais atuais, uma complexidade de malha suficientemente simples para que ele seja renderizado em tempo real por computadores dentro do padrão de mercado,
viabilidade de deformação da geometria para a realização de movimentos, mapeamento e texturas realísticas. A partir deste estudo foram identificadas algumas dificuldades e definidas demandas técnicas para a inserção de personagens reais em jogos a partir da digitalização tridimensional, relatadas a seguir. Número de faces da malha Para obter um resultado aceitável visualmente, o personagem gerado a partir da digitalização tridimensional utiliza uma malha bastante complexa, com uma grande quantidade de faces (inicialmente 500 mil faces). Os modelos desenvolvidos via edição tradicional 3D para os jogos digitais, por sua vez, chegam a um resultado excelente utilizando uma quantidade reduzida de polígonos, conforme ilustram as figuras 4 e 5. Figura 4. Diferenças na complexidade da malha da cabeça digitalizada para uma criada por modelagem tradicional. Figura 5. Diferenças na complexidade da malha do personagem digitalizado para um criado por modelagem tradicional. A quantidade de faces de uma malha influencia diretamente no desempenho da renderização em tempo real. Em conseqüência disso, os modelos dos jogos digitais costumam ser otimizados em termos do número de faces. Há ferramentas de redução de malha que podem ser utilizadas para a o arquivo proveniente da digitalização tridimensional, entretanto seu uso também torna a geometria esteticamente mais pobre. Ou seja, é necessário haver uma
redução da malha, mas ela deve que ser elaborada criteriosamente, e não apenas procedida uma simplificação matemática. Homogeneidade da malha Os modelos usados em jogos são desenvolvidos com uma geometria otimizada e orientada, que propicia expressões faciais e deformações com complexidades maiores em locais mais importantes. Por outro lado, o personagem digitalizado é composto de uma malha que não interpretada as regiões mais significativas do modelo. É uma malha homogênea, baseada em uma nuvem de pontos que leva em conta apenas a topografia do objeto digitalizado. As ferramentas automáticas de otimização de malha podem ajudar, entretanto, devido a forma como funcionam, podem prejudicar o resultado. O princípio básico das ferramentas de otimização de malha delas consiste em reduzir o número de vértices nas partes da malha que tem uma geometria mais continua e manter a complexidade onde a topografia é mais acidentada. Isto ajuda na redução dos polígonos, mas pode comprometer partes da geometria que, mesmo contínua em uma dada posição do personagem, requerem complexidade geométrica maior em outras posições e movimentos, como o cotovelo, por exemplo. Quando o personagem está em postura básica de modelagem, o cotovelo parece um trecho contínuo do braço. Neste caso, uma ferramenta de otimização automática eliminaria uma grande quantidade de vértices, porém estes mesmos vértices serão necessários para fazer a correta deformação do braço, antebraço e cotovelo, quando este se dobrar, durante os movimentos. O mesmo princípio se aplica para partes do rosto que se deformam de forma particular quando este se deforma para representar movimentos, fala ou expressões (fig. 6). A orientação e complexidade de partes específicas da malha devem ser definidas a partir de uma interpretação do modelo. Figura 6. Diferenças na orientação das faces em destaque no modelo à esqueda, linhas guia de construção do rosto que permitem os movimentos da fala e das expressões. Textura A montagem da textura também pode ser considerada uma limitação da técnica. Usualmente, para a aplicação de texturas em personagens digitais, a mesma é montada
cuidadosamente em uma imagem inteira, artisticamente (fig. 7). A textura que é obtida pelo scanner é dividida em partes, como ilustrado nas figuras 8 e 9. Figura 7. Textura de uma cabeça como é aplicada aos modelos de jogos digitais. Figura 8. Textura obtida a partir da digitalização. Figura 9. Textura do modelo como é obtida a partir da digitalização tridimensional. Durante o processo de digitalização, o laser varre o objeto a partir de diferentes ângulos para contemplar as diferentes vistas do objeto. Em seguida, as vistas adquiridas são montadas e transformadas em um único objeto em um software específico. Porém, as texturas resultantes das aquisições dos diferentes ângulos não são automaticamente emendadas, da mesma forma que acontece com o modelo tridimensional. O resultado disto é um modelo tridimensional único, mas várias texturas obtidas de diferentes ângulos (figs. 8 e 9). Para o mapeamento adequado seria necessária uma textura única, conforme é mostrado na figura 7. Para esta textura única seja obtida é necessário o investimento de trabalho artístico de edição de imagens, processo que não é adequado à criação realmente facilitada de personagens. O trabalho de criação da textura é artesanal, logo, relativamente demorado, o que implica em custo. A viabilidade de colocar textura em personagens digitalizados dependeria de algoritmos que automatizassem completa ou parcialmente a montagem de fotos de diferentes ângulos da pessoa ou escultura digitalizada em uma textura única a ser aplicada do
modelo tridimensional. A partir das ferramentas mais recentes disponíveis no mercado, por exemplo, no Photoshop CS4, que realiza o reescalonamento não proporcional de imagens identificando e preservando da distorção formas humanas e suas novas possibilidades de trabalhar texturas diretamente sobre modelos tridimensionais, pode-se considerar que há indícios de viabilidade para o desenvolvimento destes algoritmos de otimização de imagens. Ainda, Rav-Acha et. al (2008) descrevem estudos que vem sendo realizados no sentido de facilitar tal procedimento, como um algoritmo denominado Unwrap Mosaics, desenvolvido recentemente pela Microsoft. A ferramenta permite editar uma imagem de vídeo (como a imagem de um indivíduo, por exemplo) através da captura e edição de uma textura da face, transformada automaticamente em uma única imagem em 2D. Irregularidade antropomórfica Outra dificuldade decorrente deste método é o fato de as esculturas a serem fornecidas por usuários finais - que possivelmente serão crianças ou pessoas sem conhecimento artístico e de anatomia - frequentemente sejam modelos que não possuem uma forma humanóide viável para a associação a um esqueleto virtual, técnica que possibilita a aplicação de movimentos ao modelo (fig. 10). A aplicação do esqueleto a uma forma excêntrica é viável, mas requer muito mais tempo de trabalho por parte do animador. Assim, quando se fala em uma produção em larga escala, isto pode representar um problema de viabilidade econômica. Dependendo da proposta de jogo onde os personagens forem aplicados, este problema pode ter mais ou menos relevância. Por exemplo, se for um jogo simples, onde o personagem não tenha animações, este problema simplesmente não existiria. Figura 10. Modelo esculpido com o esqueleto interno aplicado. Inserção dos modelos em ambiente virtual interativo
A título de experimentação, os modelos digitalizados, mesmo com os problemas identificados não tendo sido resolvidos, foram inseridos em um ambiente interativo semelhante ao de um jogo (fig. 11). Os modelos foram colocados na versão de demonstração da engine Unity3D sem dificuldade, e estavam disponíveis a serem programáveis como elementos de um jogo. Em virtude dos problemas identificados, a qualidade ficou previsivelmente aquém do padrão visual que se espera de jogos digitais profissionais: os modelos não estavam devidamente texturizados, não apresentavam movimentos e apresentavam alguns problemas de geometria. Mas se por um lado os modelos não estavam apresentando excelência em termos estéticos, por outro, a identificação dos modelos tridimensionais com os originais que foram digitalizados é fácil e imediata, o que seria uma tarefa árdua para a modelagem convencional. Figura 11. O modelo da cabeça digitalizada à frente à esquerda e o modelo esculpido pela criança à direita mais atrás, inseridos no ambiente interativo demosntrativo da engine de jogos Unity3D. Conclusões Dois elementos digitalizados utilizando um scanner tridimensional a laser (um indivíduo e um boneco de argila) foram inseridos em um ambiente digital de um jogo. Os modelos digitais inseridos no jogo são facilmente identificados com seus modelos reais. Entretanto, para a sua inserção em um jogo digital com uma qualidade compatível com os padrões do mercado, os modelos digitalizados ainda requerem bastante trabalho especializado após a digitalização. Ainda que este trabalho especializado seja viável, se for pensado no diferencial deste projeto ser justamente a possibilidade de uma grande quantidade de usuários poderem usar esta técnica com um custo reduzido, a necessidade deste trabalho especializado pode ser considerada um empecilho importante. No caso da digitalização dos rostos, a identificação destas dificuldades sugere que este projeto seria viável se fosse desenvolvida uma tecnologia que interpretasse o modelo digitalizado e reorganizasse os polígonos do modelo tridimensional de acordo com uma
disposição devidamente otimizada e orientada, voltada para este uso específico. Em princípio pode parecer complexo, mas as inovações que já chegaram ao mercado em termos de reconhecimento facial, aliada as tecnologias de geração de malha a partir da nuvem de pontos digitalizada, apontam para esta tecnologia como algo viável. Com relação à digitalização de esculturas, talvez seja mais remota a possibilidade de interpretação das formas a partir de um algoritmo, uma vez que os personagens fornecidos possam ser radicalmente distintos de referências antropomórficas, porém, também se percebe menos a necessidade da organização da malha do que em um rosto humano. A transformação da escultura em um personagem para um jogo digital casual, que não requer uma grande sofisticação do personagem, se mostrou mais simples nesta experiência. A vantagem que foi observada na experiência, que pode ser considerada uma criação facilitada de personagens, ainda que não para a produção de modelos em quantidade, foi uma simplificação no processo de modelos de volumetria fiel, que possibilitam uma identificação pessoal. É um resultado possível sem a digitalização tridimensional, mas complexo, e neste caso, ainda que o modelo precise de bastante trabalho técnico e artístico para chegar a um bom resultado, o modelo digitalizado é muito importante neste processo. Referências AGUIAR, F. C. 3ds Max 2009 : modelagem, render, efeitos e animação. São Paulo, SP: Érica, 2009. MURDOCK, K. L.; ALLEN, E.M. Edgeloop character modeling for 3D professionals only. Hoboken, NJ : John Wiley & Sons Inc, 2006. PINHEIRO, C. M. P. Apontamentos para uma relação entre jogos digitais e comunicação. Tese de doutoramento. PUC-RS, Porto Alegre, 2007. SILVA, F. P. O uso da Digitalização Tridimensional a Laser no Desenvolvimento e Caracterização de Texturas Aplicadas ao Design de Produtos. Dissertação de mestrado. UFRGS, Porto Alegre, 2006. UNITY. Multiplatform game development tool. Disponível em: <http://unity3d.com/unity/download/>. Acesso em 26/01/2010.