QUEILITE ACTÍNICA: prevalência na clínica estomatológica da PUCPR, Curitiba, Brasil Actinic cheilitis: prevalence in the Oral Medicine Clinics of the PUCPR, Curitiba, PR, Brazil Fabíola Michalak Corso 1 Corina Wild 1 Liége de Oliveira Gouveia 1 Marina de Oliveira Ribas 2 Resumo OBJETIVOS: Os objetivos do presente trabalho foram avaliar a prevalência de queilite actínica na Clínica de Estomatologia da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), Curitiba, Brasil, correlacionado diversos fatores, como exposição à radiação UV, e outros, como idade, sexo, fumo e outros hábitos. CASUÍSTICA E MÉTODO: 2.432 prontuários de pacientes da Clínica de Estomatologia da PUCPR foram revisados, buscando-se casos diagnosticados como queilite actínica. Nos casos selecionados, compararamse os achados microscópicos com a ficha de avaliação clínica. RESULTADOS: Foram encontrados 11 casos de queilite actínica (0,45%); idade 48,36 anos, sendo que nos homens foi de 51,8 anos e nas mulheres 39 anos. Os homens foram afetados com maior freqüência (72,7%) do que as mulheres (27,3%). Relataram exposição solar intensa em 81,8% dos casos; 9,1% eram fumantes; usuários habituais de chimarrão, 9,1%. Palavras-chave: Queilite actínica; Lesões cancerizáveis; Lábios. Abstract OBJECTIVES: To avaliate the prevalence of actinic cheilitis in patients of the Stomatology Clinics of the Pontificial Catholic University of Paraná (PUCPR), Curitiba, Brazil, related to several factors as exposure to UV radiation and other factors, like sex, smoking, age and habits. MATERIAL AND METHOD: 2.432 patients records of the Stomatoly Clinics were reviewed, searching for confirmed cases of actinic cheilitis. The microscópic findings were compared with the clinical records. RESULTS: There were found 11 cases of actinic cheilitis (0.45 %); mean age 48,36 years (men 51,8 years; women 39 years). Men were affected in 72,7%; women 27,3%). In 81,8 % of the cases intensive sun exposition during life were related. 9,1 % were smokers and 9,1% used to drink chimarrão, a popular hot beverage in Bazil (tea). Keywords: Actinic cheilitis; Pre-malignant lesions; Lips. 1 Cirurgiãs-Dentistas. 2 Professora Doutora, Estomatologia e Cirurgia Bucomaxilofacial. PUCPR, Curitiba, PR, Brasil. E-mail: marina.ribas@pucpr.br. 277
Fabíola Michalak Corso et al. Introdução Queilite actínica é uma lesão benigna localizada principalmente no vermelhão do lábio inferior, resultado de excessiva exposição aos raios ultravioletas (1, 2, 3, 4, 5). É uma enfermidade que atinge principalmente pessoas sensíveis à luz, as quais têm tendência também a queimaduras solares. Indivíduos expostos cronicamente à luz solar e com baixa imunidade, especialmente pacientes transplantados, apresentam maior possibilidade de incidência de neoplasias malignas no lábio inferior (1). A queilite actínica pode apresentar-se como lesões localizadas ou difusas. As lesões, usualmente assintomáticas, são brancas, vermelhas ou brancas com áreas avermelhadas. A maioria dos casos apresenta-se na forma erosiva. À palpação, as lesões sugerem a sensação de dedo tocando com a luva uma fina camada de areia. A palpação é importante também para sugerir diferenciação entre queilite actínica e carcinoma espinocelular (2). A queilite actínica incide principalmente em indivíduos acima dos 45 anos, tendo preferência pelo sexo masculino (1), segundo alguns estudos. A alteração inicial é uma atrofia da margem do vermelhão do lábio inferior, caracterizada por uma superfície lisa, com manchas esbranquiçadas. A área de transição entre o vermelhão e a pele torna-se difusa, perdendo o limite preciso do lábio (1, 6). Com a progressão da lesão, áreas ásperas, escamosas e secas surgem no vermelhão do lábio inferior. Essas áreas tornam-se espessas e tendem a surgir lesões leucoplásicas, especialmente quando se expandem próximo à região úmida do lábio. O paciente relata que as escamas presentes no lábio destacam-se com certa dificuldade e a pele renova-se em poucos dias (6). Com a evolução da doença, úlceras crônicas se desenvolvem num ou mais locais, especialmente onde há íntimo contato com o calor do cigarro nos fumantes. Estas ulcerações podem durar meses e sugerem evolução para carcinoma de células escamosas (2, 4, 6). Microscopicamente, a queilite actínica é caracterizada por um epitélio estratificado escamoso atrófico, com produção de queratina. Varias áreas de epitélio displásicos podem ser encontradas. Subjacente ao epitélio displásico, encontram-se células inflamatórias crônicas infiltradas. O tecido conjuntivo apresenta uma faixa atrófica, acelular e basófila. Sob ação dos raios ultravioleta, ocorrem alterações no colágeno e fibras elásticas (6). Apesar de algumas alterações vistas na queilite actínica serem irreversíveis, os pacientes devem ser orientados a usar protetores labiais contra os raios ultravioletas para prevenir futuros danos. Áreas endurecidas e ulceradas ou leucoplásicas devem ser submetidas à biópsia. Em casos clínicos severos, com ausência de malignidade, a vermelhectomia deve ser executada. Tratamentos alternativos podem ser úteis, como o laser de CO 2 e eletrocautério. Recomenda-se o acompanhamento a longo prazo. Transformações malignas dificilmente acometem pessoas com menos de 60 anos de idade, apresentando desenvolvimento lento e metástases somente em estágios avançado (1). Kaugars, Pillion e Svirsky (4) concluíram que cinco variáveis histológicas estão positivamente correlacionadas com aumento de estádios de mudanças do epitélio: acantose, mudanças basófilas no tecido conjuntivo, presença de inflamação no tecido conjuntivo, inflamação perivascular, e espessamento na camada de ceratina. Nenhuma das variáveis clínicas estava associada com o aumento do estádio de mudança epitelial. O estudo de Markopoulos, Albanidou- Farmaki, Kayavis (2) demonstrou que a idade média na época do diagnóstico era de 53,1 +/- anos 11.4 anos. Trinta e nove pacientes (60%) usavam tabaco de alguma forma. Uma ocupação ao ar livre foi identificada em 43 (66,2) pacientes. Todas as lesões foram localizadas em lábio inferior. Ocorrem três formas: lesão branca não ulcerada (29%); erosão ou úlcera do lábio (48%); mistura de lesão branca e ulcerada (23%). Microscopicamente, apresentaram aumento de espessura da camada de queratina, alterações na espessura da camada espinocelular, displasia epitelial, mudança no tecido conjuntivo, inflamação perivascular e mudanças basofílicas do tecido conjuntivo. Em 11 casos (16,9%), a presença de células neoplásicas foi observada. O objetivo deste estudo foi de avaliar a prevalência da queilite actínica na Clínica de Estomatologia da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), entre janeiro de 2000 a dezembro de 2006. 278
Casuística e método Este estudo é caracterizado como pesquisa descritiva correlacional (7). A população analisada foi de 2.432 pacientes, tendo sido encontrados 11 pacientes com queilite actínica, com idade média de 48,6 anos, de ambos os sexos. Para a coleta de dados, foram analisados os arquivos com os laudos das biópsias realizadas entre janeiro de 2000 a dezembro de 2006, da Clínica de Estomatologia da PUCPR. Os laudos de queilite actínica foram destacados e retiradas as informações necessárias para as variáveis do estudo. Para o tratamento estatístico, os dados foram analisados por estatística descritiva (média, desvio-padrão e freqüência) e correlação de Spearman para verificar a correlação das variáveis com os diferentes sexos, com nível de significância de p<0,05. O programa empregado foi o SPSS 13.0. Resultados Em 2.432 casos biopsiados, foram diagnosticados 11 casos de queilite actínica, representando 0,45% do total. Os resultados são apresentados nas Tabelas I a VII. Tabela 1 - Idade e sexo Variável N Média Desvio-Padrão Idade 11 48,36 11,18 Sexo Masculino 08 51,8 9,5 Sexo Feminino 03 39 11,1 Tabela 2 - Fumantes Fumante 6 54,5 Não fumante 5 45,5 Tabela 3 - Valores descritivos de etilistas Etilista 3 27,3 Não etilista 8 72,7 Tabela 4 - Valores descritivos de células inflamatórias Com células inflamatórias 6 54,5 Sem células inflamatórias 5 45,5 279
Fabíola Michalak Corso et al. Tabela 5 - Valores descritivos de degeneração das fibras colágenas. Com degeneração 4 36,4 Sem degeneração 7 63,6 Tabela 6 - Valores descritivos de hiperceratose. Com hiperceratose 3 27,3 Sem hiperceratose 8 72,7 Tabela 7 - Correlação entre células inflamatórias e degeneração de fibras colágenas. Variáveis Spearmann Significância R Sexo X Epitélio Atrófico -0,261 0,438 Sexo X Célula Inflamatória -0,149 0,662 Sexo X Hiperceratose -0,083 0,808 Sexo X Degeneração -0,386 0,241 Epitélio Atrófico X Célula Inflamatória 0,100 0,770 Epitélio Atrófico X Hiperceratose 0,261 0,438 Epitélio Atrófico X Degeneração 0,449 0,166 Célula Inflamatória X Hiperceratose 0,149 0,662 Célula Inflamatória X Degeneração 0,690 * 0,019 Hiperceratose X Degeneração 0,386 0,241 Correlação moderada, p<0,05. Idade e sexo A idade média dos pacientes foi de 48,36 anos (p. 11,18). A idade média dos homens foi de 51,8 anos (p. 9,5) enquanto a idade média das mulheres encontrada foi de 39 anos (p. 11,1) (Tabela 1). Os homens foram afetados com maior freqüência (72,7%) em relação às mulheres (27,3%). Exposição solar e outros fatores locais nos pacientes com queilite actínica Os pacientes portadores da queilite actínica relataram exposição solar intensa em 81,8% dos casos; 9,1% eram fumantes; 9,1% usuários habituais de chimarrão. Fumantes 54,5% de pacientes eram fumantes e 45,5% não fumantes (Tabela 2). Etilismo 27,3% eram etilistas; 72,7% pacientes eram não etilistas (Tabela 3). Células inflamatórias Na análise dos laudos histopatológicos, constatou-se a presença de células inflamatórias em 54,5% dos casos biopsiados, sendo que 45,5% dos casos não apresentaram células inflamatórias (Tabela 4). 280
Degeneração das fibras colágenas Ocorreu degeneração em 36,4% dos casos; 63,6% foram negativos (Tabela 5). Hiperceratose Constatou-se durante a análise dos laudos histopatológicos a presença de hiperceratose em 27,3% dos casos, enquanto 72,7% dos casos não constataram esta alteração (Tabela 6). Correlação das variáveis Os resultados apresentam correlação moderada (r=0,69; p=0,019) entre as células inflamatórias e degeneração de fibras colágenas. Os outros fatores etiológicos não apresentaram correlações (Tabela 7). Constatou-se degeneração das fibras colágenas em 36,4% dos casos. De acordo com Markopoulos, Albanidou-Farmaki e Kayavis (2), esta mudança histológica é devida à substituição de colágeno por material basofílico amorfo. Hiperceratose estava presente em 27,3% e 13,8% dos casos manifestaram hiperqueratose, dado que não foi valorizado pelos autores. Porém, este achado pode significar que o dano inicial ocorre na camada basal. Houve ocorrência de células inflamatórias em 54,5% dos casos, enquanto no estudo de Kaugars, Pillion e Svirsky (4), foram encontradas células inflamatórias em 26,3%. Os resultados em geral demonstram que há correlação moderada entre a presença de células inflamatórias e degeneração de fibras colágenas, sugerindo que quanto mais avançada a doença, maior pode ser a sintomatologia dolorosa e a perda do contorno normal do vermelhão do lábio. Discussão e conclusões A idade média dos pacientes submetidos à biópsia da Clínica de Estomatologia da PUCPR foi de 48,36 anos (p. 11,18), sendo de 51,8 anos (p. 9,5) para o sexo masculino e para o feminino de 39 anos (p. 11,1). Os homens foram afetados com maior freqüência (72,7%) em relação às mulheres (27,3%). De acordo com Kaugars, Pillion, Svirsky (4), a idade média no diagnóstico em 143 pacientes foi 61,8 anos. A idade média para homens (62 anos) era apenas um pouco maior que das mulheres, ou seja, 61,2 anos. Os homens eram mais afetados que as mulheres. Portanto a amostra estudada apresenta os mesmos valores quanto à variável sexo; a variável idade na amostra estudada é muito menor (homens, cerca de uma década; para mulheres, duas décadas). De acordo com Markopoulos, Albanidou- Farmaki e Kayavis (2), a maioria desses pacientes era homens na faixa dos 50 anos. Esta média e freqüência foram equivalentes aos resultados deste trabalho. Os pacientes relataram exposição solar constante em 81,8% dos casos; fumantes em 9,1% e usuários habituais de chimarrão 9,1%. Não foi possível comparar com outros estudos em virtude do pequeno número de pacientes no presente estudo. Referências 1. Neville, BW. Oral & Maxillofacial Pathology. 2 nd ed. Philadelphia: W. B. Saunders; 2002. 2. Markopoulos A, Albanidou-Farmaki E, Kayavis I. Actinic cheilitis: clinical and pathologic characteristics in 65 cases. Oral Diseases. 2004; 10:212-16. 3. Rojas IG, Martinez A, Pineda A, Spencer ML, Jimenez MI, Rudolph MI. Increased mast cell density and protease content in actinic cheilitis. J Oral Pathol Med. 2004; 33:567-73. 4. Kaugars GE, Pillion T, Svirsky JA, Page DG, Burns JC, Abbey LM. Actimic cheilitis Review of 152 cases. O Surgery O Medicine O Pathology O. Radiol Endod. 1999; 88(2):181-6. 5. NicoIinic S, Ascorra C, Guzman C, Latife AV. Actinic cheitis in Quinta fishing workers: prevalence and associated histopatological aspects. Odontol Chil. 1989; 37:169-74. 6. Main JHP, Pavone M. Actinic cheilitis and carcinoma of the lip. J Can Dent Assoc. 1994; 60:113-6. 7. Thomas JR, Nelson JK. Métodos de pesquisa em atividade física. 3 rd ed. Porto Alegre: Artmed; 2002. Recebido em: 15/3/2006. Aceito em: 15/4/2006. Received in: 3/15/2006. Accepted in: 4/15/2006. 281