A CONCEPÇÃO RUSSELIANA SOBRE FRASES EXISTENCIAIS

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Transcrição:

A CONCEPÇÃO RUSSELIANA SOBRE FRASES EXISTENCIAIS João de Jesus Barbosa 1 Valdetônio Pereira de Alencar 2 1. As interpretações do verbo existir e suas consequências ontológicas A partir das ferramentas lógico-filosóficas criadas por Frege, a discussão acerca do conceito de existência tem sido realizada a partir de três questões fundamentais (BRANQUINHO; MURCHO; GOMES, 2006, pp. 296-298): (1) Qual a forma lógica de afirmações de existência (e de não existência)? (2) Existência é um atributo de ordem superior (uma propriedade de propriedades) ou é um predicado a ser atribuído a indivíduos? (3) Qual a conexão entre existência e ser (entendido aqui, numa formulação um tanto obscura, como tudo o que há)? A existência seria um departamento do ser, o conjunto daquelas entidades suscetíveis de uma localização no espaço e no tempo (ou mesmo abstratas, mas imprescindíveis para fins teóricos rigorosos), havendo outras entidades não-existentes? Tomemos a primeira questão como ponto de partida, para então passarmos às subsequentes e estabelecer as relações que existem entre as três. Para tratá-la, façamos primeiro uma distinção interna ao problema. Neste ponto, podemos identificar três tipos principais de frase (BRANQUINHO; MURCHO; GOMES, 2006, p. 296): a) frases existenciais singulares em que o predicado gramatical existe aparece, precedido ou não por não, combinado com termos singulares logicamente simples, em especial nomes próprios (ex. Raul Seixas existe ; Quincas Borba não existe ); b) frases existenciais singulares em que o predicado gramatical existe aparece, precedido ou não por não, combinado com termos singulares logicamente complexos, em especial descrições definidas (ex. O compositor de Gita existe ; O personagem de Machado de Assis não existe ; c) frases existenciais gerais em que o predicado gramatical existe aparece, precedido ou não por não, combinado com termos gerais logicamente simples ou complexos (ex. Patos brancos existem ; Mulas-sem-cabeça não existem ). Começaremos pelas frases do tipo c), por serem menos problemáticas filosoficamente, como veremos a seguir, para depois passar às demais, numerando os últimos dois exemplos como 1 e 2, respectivamente. É muito difundido o ponto de vista que afirma que a forma lógica de frases desse gênero é corretamente especificada pela formalização que lhes atribui a lógica clássica de primeira ordem (BRANQUINHO; MURCHO; GOMES, 2006, p. 298). Nela, as formalizações das frases são: 1*) x (Px & Bx); 2*) x Mx; onde as letras P, B e M, significam pato, branco e mula-sem-cabeça, respectivamente. Podemos lê-las da seguinte maneira: 1*) existe um x, tal que x é pato e x é branco ; 2*) não existe x, tal que x é mula-sem-cabeça. Entretanto, há outros modos de formalizar as frases supracitadas que, 1 Graduando em filosofia, Universidade Federal do Ceará, Ceará, Juazeiro do Norte, joaobarbosa@alu.ufc.br 2 Mestre em filosofia, Universidade Federal do Ceará, Ceará, Juazeiro do Norte, valdetonio_alencar@yahoo.com.br 1

embora sejam menos usuais, podem, aparentemente, representar suas formas lógicas de maneira satisfatória, por exemplo: 1**) x [(Px & Bx) & Ex] e 2**) x (Mx & Ex); onde as letras têm os mesmos significados supracitados, mas outra é introduzida, o E, que significa existe. Esses dois modos de representar pressupõe diferentes maneiras de interpretar o verbo existir. No primeiro, esse verbo não funciona como um predicado no sentido lógico do termo, porque não é representado por uma letra predicativa monádica da lógica de primeira ordem, mas sim como um quantificador existencial, ou seja, um predicado de segunda ordem que indica que há ao menos um indivíduo que instancia a propriedade citada (o predicado só é verdadeiro se, e somente se, for verdadeiro em pelo menos um elemento do domínio). Esse modo de entender a forma lógica das afirmações de existência foi defendido por Frege, mas já podemos encontrá-lo em Kant (TUNGENDHAT; WOLF, 1997, p. 146), embora seja sensato salientar os diferentes caminhos filosóficos que os levaram a essa conclusão: enquanto Kant desenvolve suas concepções a respeito da questão em um contexto epistemológico, tentando garantir que além do aspecto conceitual o conhecimento deva possuir uma contrapartida na intuição, Frege o faz tendo em vista a rigorização das expressões que constituem a linguagem, movido por suas pretensões lógicas (VAZ, 2006, p. 7). No segundo modo, podemos ler as fórmulas da seguinte maneira: 1**) existe um x, tal que x é pato e x é branco e x existe ; 2**) existe um x, tal que x é uma mula-sem-cabeça e x não existe. Aqui, o verbo existir é usado tanto como quantificador existencial quanto como predicado gramatical. Pode-se levantar a objeção de que esse tipo de formalização levaria a um uso ambíguo de verbo existir sendo, portanto, inaceitável. Mas esse questionamento não é convincente. É notável que algumas palavras desempenham funções diferentes em construções diversas, sem por isso perderem sua precisão. Tomemos como exemplo o verbo ser. Nas frases, A baleia branca é uma mamífero, Moby Dick é uma baleia, Aquela baleia é Moby Dick e Esse anel é de osso de baleia, encontramos o é com formas lógicas diferentes (inclusão, exemplificação, identificação e constituição, respectivamente), sem que, por isso, apareça de maneira obscura. Analisando as formalizações, podemos notar que as questões (2) e (3) a que nos referimos no início do texto estão imbricadas com a questão (1). Dependendo do modo como respondamos a elas faremos a escolha por um ou por outro modo. Se supusermos que existência não é um predicado de particulares, escolheremos a primeira; se acolhermos a tese de que, pelo menos em alguns casos, pode aparecer como predicado de particulares, escolheremos a segunda. Se estivermos dispostos a aceitar a existência de seres sem localização no tempo e no espaço, ontologicamente independentes e prescindíveis para fins teóricos mais rigorosos (diferente de números, projeções mentais, etc.), aceitaremos a segunda opção; se isso nos for intragável, tomaremos à primeira. O uso de existe como uma propriedade de indivíduos parte de um pressuposto fundamental: que, para falarmos de uma coisa, mesmo que seja para afirmar a sua inexistência, temos que pressupor que ela existe, de algum modo. Quine chamou essa tese de barba de Platão (1975, p. 223). Ela traz um número acentuado de problemas filosóficos, como Quine afirma, no mesmo texto (p. 225): O cortiço do Sr. Y [o filósofo emaranhado nas barbas de Platão] é um terreno propício à proliferação de elementos desordeiros. Considere-se, por exemplo, um homem gordo possível no umbral daquela porta; e agora o homem calvo possível no 2

umbral daquela porta. São eles o mesmo homem possível ou dois homens possíveis? Como decidir? Quantos homens possíveis há no umbral daquela porta? Há mais magros do que gordos possíveis? Quantos deles são semelhantes? Ou o fato de serem semelhantes torna-os um único? Duas coisas possíveis nunca são semelhantes? Isso é o mesmo que afirmar ser impossível que duas coisas sejam semelhantes? Ou, finalmente, é o conceito de identidade simplesmente inaplicável a possíveis não realizados? Mas que sentido há em falar de entidades que não podem significativamente ser ditas idênticas a si mesmas e distintas uma da outra? Esses elementos são praticamente incorrigíveis. [colchetes meus] 2. A solução de Russell Para se esquivar de tais dificuldades (bem como de vários outros problemas filosóficos), Bertrand Russell procurou demonstrar como é desnecessário pressupor a existência dessas entidades subsistentes para explicar o funcionamento da linguagem. O fez construindo a teoria das descrições definidas, teoria segundo a qual muitos dos termos que consideramos serem nomes próprios são, na verdade, contrações de descrições definidas (como as que aparecem em frases do tipo b), listadas no começo do texto). Russell se dedicou aos nomes próprios e às descrições definidas porque essas categorias de termos são as candidatas naturais para ocupar a posição de sujeito gramatical em frases (denotando a substancia que instancia propriedades de primeira ordem). Se nomes próprios forem descrições de indivíduos, e não uma referência direta a eles, não é necessário supor sua existência, efetiva ou possível, para que se possa falar em qualquer coisa. O predicado de existência poderia ser, portanto, interpretado como sendo sempre um quantificador existencial, indicando se há algum indivíduo que cai sob o conceito em questão. No caso de frases do tipo c), a solução é simples: termos gerais são conceitos que podem ou não corresponder a objetos existentes. São universais, portanto, não há necessariamente um objeto que caia sob o seu conceito, como admitem ambas as formalizações, ao fazerem uso do quantificador existencial. O problema de saber o quê o universal denota (se é uma entidade objetiva e ontologicamente independente, se é uma construção humana) não está no escopo do problema que tratamos aqui. Vamos tomar uma frase do tipo b) ( O compositor de Gita existe ) e aplicar-lhe a formalização proposta por Russell em sua teoria, para em seguida passarmos aos nomes próprios. Na fórmula x [Cx & y (Cy y = x)], onde C significa compositor de Gita, de maneira análoga às formalizações 1*) e 2*) propostas acima para frases do tipo c), o verbo existir é interpretado enquanto quantificador existencial e não como predicado de primeira ordem. No entanto, há algo novo que é determinante aqui: a interpretação do artigo definido (o, a) como indicador da unicidade do objeto. Russell esclarece essa interpretação (1974b, p. 11): Tome-se como exemplo o pai de Carlos II foi executado. Esta proposição afirma que havia um x que era o pai de Carlos II e foi executado. Ora, o, quando é usado rigorosamente, envolve unicidade; é verdade que falamos o filho de fulano de tal mesmo quando fulano de tal tem vários filhos, mas seria mais correto dizer um filho de fulano de tal. Logo, para nossos propósitos tomamos o envolvendo unicidade. Portanto, quando dizemos x era o pai de Carlos II, não somente dizemos que x tinha uma certa relação, mas também que nada mais tinha essa relação. 3

Portanto, podemos ler a fórmula assim: existe um x, tal que x é compositor de Gita e, para todo y, se y é compositor de Gita, é idêntico a x. O artigo definido tem a função de especificar que há apenas um objeto no domínio que cai sob o conceito expresso na descrição. Ou seja, a descrição é apenas um conceito para o qual pode ou não haver a correspondência de um objeto no mundo real, e mesmo assim podemos falar de um único objeto sem necessariamente estarmos nos referindo diretamente a uma substância. É fácil notar que frases do tipo b) não se referem diretamente a objetos. E quanto às frases do tipo a)? A estratégia proposta por Russell é, como já dissemos, de interpretar termos ocorrem na linguagem natural e que consideramos nomes próprios como contrações de descrições definidas, recursos retóricos úteis por sua brevidade. Russell argumenta que, de fato, a maior parte dos termos que consideramos como nomes são descrições: podemos ir até o ponto de dizer que, em todos os conhecimentos que podem ser expressados por palavras ( ) nenhum nome, no sentido estrito, ocorre, e que, o que parece ser nomes, constitui, na realidade, descrições. (RUSSELL, 1974a, p. 170). Ele faz uma distinção entre nomes logicamente próprios e descrições definidas (PENCO, 2006, p. 71). Nomes logicamente próprios são referências diretas a objetos, prescindindo de qualquer propriedade, como as constantes da lógica matemática. As descrições são expressões válidas para todo aquele que possua o conjunto de propriedades elencadas por elas. Enquanto nomes são símbolos simples, que significam particulares e esgotam totalmente seu significado neles (de modo independente das frases em que os nomes aparecem), as descrições definidas são compostas e seu significado é dado em função do significado das palavras que as compõem (RUSSELL, 1974a, 166). Os nomes de objetos dos quais podemos duvidar de maneira significativa são descrições definidas contraídas, de modo que podem ser reduzidas ao caso b), e os problemas filosóficos podem ser solucionados da mesma maneira que se fez neste caso. Na frase Quincas Borba existe, que listamos acima, Quincas Borba corresponde a o filósofo, personagem de Machado de Assis, fundador do Humanitismo... do qual podemos contestar a existência de maneira informativa, tanto que a afirmação acima é falsa. Para Russell, se Quincas Borba fosse um nome logicamente próprio, a afirmação Quincas Borba existe seria trivial. Neste ponto, ele segue a tese da pressuposição semântica de Frege, segunda a qual expressões que denotam um só objeto (um indivíduo) pressupõe a existência do indivíduo em questão (PENCO, 2006, p.69). Dessa forma Russell pode se livrar dos inconvenientes das entidades subsistentes e manter em paz seu vívido senso de realidade. 3. Conclusão A teoria de Russell não está isenta de críticas. Uma primeira crítica possível se refere ao âmbito do quantificador universal (TUNGENDHAT; WOLF, 1997, p. 151). Quando digo para todo x (ou mesmo para alguns x ), qual é o todo que tenho em mente? Por exemplo, se afirmo que Quincas Borba não existe, estou dizendo que ele não existe como um objeto dotado de localização espácio-temporal; mas ele existe como personagem na literatura. Não está claro a priori por que o âmbito do quantificador deveria se manter dentro daquele limite. Também pode ser feita uma crítica de teor epistêmico (BRANQUINHO; MURCHO; GOMES, 2006, p. 299). Quando faço uma afirmação de existência, pareço realmente querer me referir a objetos. É possível imaginar uma pessoa que simplesmente não seja sofisticada ao ponto de pensar em termos de propriedades, classes, conceitos. Portanto, podemos questionar a capacidade que o quantificador tem de captar o modo como usamos as 4

afirmações de existência. Universidade Federal do Ceará - Campus Cariri Bibliografia ABBAGNANO, Niccola. Dicionário de filosofia. Tradução da 1ª ed. Brasileira coordenada e revisada por Alfredo Bosi. Revisão da tradução e tradução dos novos textos Ivone Castilho Benedetti. São Paulo: Martins Fontes, 2007. BRANQUINHO, João; MURCHO, Desidério; GOMES, Nelson Gonçalves. Enciclopédia de termos lógico-filosóficos. Martins Fontes, 2006. PENCO, Carlo. Introdução à filosofia da linguagem. Petrópolis: Vozes, 2006. QUINE, Willard Van Orman. Sobre o que há. In: Ryle, Austin, Quine, Strawson. Coleção Os pensadores. 1ª ed. São Paulo: Abril, 1975. RUSSELL, Bertrand. Introdução à filosofia matemática. Tradução de Giasone Rebuá. 4ª ed. Rio de Janeiro: Zahar editores, 1974a.. Da denotação. In: Russell, Moore. Coleção Os pensadores. 1ª ed. São Paulo: Abril, 1974b. TUNGENDHAT, Ernst; WOLF, Ursula. Propedêutica lógico-semântica. Tradução de Fernando Augusto da Rocha Rodrigues. 1ed. Petrópolis: Editora Vozes, 1997. VAZ, Bruno Rafaelo Lopes. A recepção de Frege da noção kantiana de existência. 2006. 90 f. Tese (Mestrado em Filosofia). Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, 2006. 5