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Transcrição:

Artigo Original / Original Article Perfil epidemiológico dos pacientes vítimas de acidentes de trânsito atendidos no serviço de emergência do Hospital Nossa Senhora da Conceição em Tubarão, Santa Catarina Epidemiological profile of patients victims of traffic accidents treated in the emergency room of Hospital Nossa Senhora da Conceição in Tubarão, Santa Catarina state, Brazil Daisson José Trevisol 1, Richard Lemos Bohm 2, Daniele Botelho Vinholes 3 1 Doutor em Ciências da Saúde/Cardiologia. Professor do Programa de Mestrado em Ciências da Saúde e do curso de Medicina da Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL). Centro de Pesquisas Clínicas do Hospital Nossa Senhora da Conceição. 2 Fisioterapeuta. Estudante do Curso de Medicina da UNISUL. 3 Doutora em Epidemiologia. Professora do Curso de Medicina da UNISUL. RESUMO Objetivos: Descrever o perfil dos pacientes vítimas de acidente de trânsito atendidos no serviço de emergência do Hospital Nossa Senhora da Conceição, em Tubarão, SC. Métodos: Realizou-se um estudo que incluiu todos os pacientes vítimas de acidente de trânsito atendidos no serviço de emergência do Hospital Nossa Senhora da Conceição, no período de dezembro de 2010 a fevereiro de 2011. Resultados: A amostra foi constituída de 101 pacientes, com média de idade de 35,3±14,9 anos e 78,2% do sexo masculino. Os homens tiveram aproximadamente 40% mais risco de acidente com veículos motorizados do que as mulheres, sendo que a motocicleta foi o meio de transporte mais envolvido nos acidentes (74,3%). As partes do corpo mais atingidas durante os acidentes foram as extremidades (68,3%) e os principais diagnósticos foram entorse, luxação e contusão, com 44,6% dos casos. Alta hospitalar foi o desfecho para 68,3% das vítimas. Conclusões: Os resultados mostram a necessidade de medidas preventivas e de controle para um trânsito com menor risco. Essas medidas devem ser direcionadas principalmente aos jovens do sexo masculino condutores de motocicletas. DESCRITORES: ACIDENTES DE TRÂNSITO; EMERGÊNCIAS; FERIMENTOS E LESÕES ABSTRACT Aims: To describe the profile of victims of traffic accidents attended at the Emergency Service, Hospital Nossa Senhora da Conceição, in Tubarão city, Santa Catarina state, Brazil. Methods: We conducted a study that included all patients victims of traffic accidents attended at the emergency room of Hospital Nossa Senhora da Conceição, from December 2010 to February 2011. Results: The sample consisted of 101 patients, mean age 35.3±14.9 years and 78.2% male. Men had a nearly 40% greater risk of motor vehicle accident than women, and the motorcycle was the main vehicle involved in accidents (74.3%). The most affected body portions during accidents were the extremities (68.3%), and the main diagnoses were sprain, dislocation, and contusion, with 44.6% of cases. Discharge was the outcome for 68.3% of the victims. Conclusions: These results show the need for preventive measures and control for a traffic with less risk. Preventive measures should be targeted mainly at young male drivers of motorcycles. KEY WORDS: ACCIDENTS, TRAFFIC; EMERGENCIES; WOUNDS AN INJURIES. Recebido: março de 2012. Aceito: julho de 2012. Endereço para correspondência/corresponding Author: Daisson Jose Trevisol Avenida José Acácio Moreira 787, Bairro Dehon CEP 88704-900, Tubarão, SC, Brasil Tefefone: (48) 3621-3000 E-mail: daisson.trevisol@unisul.br Scientia Medica (Porto Alegre) 2012; volume 22, número 3, p. 148-152

INTRODUÇÃO O desenvolvimento industrial do século XX propiciou aumento considerável da frota de veículos automotores em circulação em todo o mundo. Em consequência desse aumento e da alta frequência de comportamentos inadequados, aliados a uma vigilância insuficiente, os acidentes de trânsito envolvendo veículos a motor passaram a ser uma causa importante de traumatismos na população mundial.¹ Estimativas da Organização Mundial de Saúde revelam que cerca de 1,2 milhões de pessoas perdem a vida em todo o mundo anualmente devido a essas causas; ainda, há um número maior de internações, atendimentos em serviços de emergência e sequelas físicas e psicológicas.² O Brasil está entre os países que registram as maiores frequências de indivíduos feridos por acidentes de trânsito. Ao lado da grande importância social desses agravos, em 2003 estimou-se um impacto econômico para o país de aproximadamente 5,3 bilhões de reais, o que equivalia a 1% do Produto Interno Bruto nacional por ano. 3 Alguns fatores têm sido destacados na literatura médica como determinantes da origem e da gravidade dos acidentes de trânsito. São frequentemente citados a idade, o gênero, as condições socioeconômicas, o desrespeito à legislação de trânsito (especialmente o abuso de velocidade e o consumo de bebidas alcoólicas previamente à direção de veículos automotores), associados, em geral, a uma inadequada fiscalização do trânsito. 4 A magnitude e as consequências dos acidentes de trânsito tendem a modificar-se ao longo do tempo. Por conseguinte, torna-se necessário conhecer essas modificações para subsidiar o planejamento e as ações de prevenção e controle dessas causas externas de morbidade e mortalidade. 5 Sabe-se que a maioria dos atendimentos em pronto socorro, especialmente os decorrentes de causas acidentais, poderia ser evitada com a adoção de medidas preventivas. Nesse contexto, estudar as causas e circunstâncias desses agravos junto à população torna-se essencial. Assim, o atual estudo busca descrever o perfil de pacientes vítimas de acidente de trânsito, atendidos no serviço de emergência do Hospital Nossa Senhora da Conceição (HNSC), em Tubarão, estado de Santa Catarina, fornecendo subsídios para o desenvolvimento de ações efetivas de prevenção e promoção da saúde. MÉTODOS Realizou-se um estudo epidemiológico com delineamento transversal, incluindo todos os pacientes atendidos no serviço de emergência do HNSC, no período de dezembro de 2010 a fevereiro de 2011, vítimas de acidente de trânsito, sem distinção de sexo ou idade. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL), em respeito à Resolução 196 de 1996 do Conselho Nacional de Saúde. Os dados de identificação dos sujeitos foram mantidos em sigilo e todos os participantes convidados participaram da pesquisa mediante a anuência ao Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, que explicou os propósitos e procedimentos do estudo. Todos os pacientes que estavam conscientes assinaram o termo de consentimento, sendo o mesmo assinado por um responsável no caso de pacientes inconscientes ou crianças. O HNSC é um centro de referência regional em atendimento de alta complexidade em neurocirurgia, cirurgia vascular, unidades de tratamento intensivo adulto, neonatal e pediátrica, e alta complexidade em ortopedia/traumatologia, atendendo o município de Tubarão e cidades vizinhas. Atua também como hospital de ensino da UNISUL, oferecendo estágio a alunos de nível universitário e técnico. A coleta de dados foi realizada entre 05 de dezembro e 28 de fevereiro de 2011, por enfermeiros, estudantes de enfermagem e estudantes de medicina treinados. Foram realizadas entrevistas com as vítimas ou seus familiares, durante a estadia no serviço de emergência do HNSC. Na entrevista utilizou-se um questionário com perguntas fechadas, sendo as questões desenvolvidas com base na literatura e trabalhos anteriores. As variáveis sociodemográficas avaliadas foram sexo, idade, cor da pele, escolaridade, estado civil e atividade ocupacional. Outras variáveis levantadas foram o tipo de transporte que sofreu ou provocou o acidente, o local da lesão, o diagnóstico e o desfecho. Na classificação do diagnóstico, foi considerado sempre o diagnóstico considerado de maior gravidade. Os dados coletados foram inseridos no programa Epi Info versão 3.5.1 e analisados estatisticamente com auxílio do software SPSS versão 18.0. As variáveis qualitativas foram descritas em números absolutos e proporções. Para se verificar associação entre as variáveis de interesse, foi aplicado o teste de quiquadrado. Foram calculadas razões de risco, com intervalos de confiança de 95%, utilizando-se regressão de Poisson modificada. O intervalo de confiança préestabelecido foi de 95% e erro α de 5%. RESULTADOS Foram incluídos no estudo 101 pacientes vítimas de acidentes de trânsito, sendo que a maioria era do Sci Med. 2012;22(3):148-152 149

sexo masculino (78,2%) e com cor de pele branca (71,3%). A média de idade encontrada foi de 35,3±14,9 anos, variando de 6 a 80 anos, sendo que a maioria da amostra era composta por adultos (82,2%) (Tabela 1). Tabela 1. Características dos pacientes vítimas de acidentes de trânsito no período de dezembro de 2010 a fevereiro de 2011 Tubarão, Santa Catarina. (N=101). Sexo Características N (%) Masculino 79 (78,2) Feminino 22 (21,8) Idade (anos completos) 0-17 12 (11,9) 18-59 83 (82,2) 60 ou mais 6 (5,9) Cor da pele Branca 72 (71,3) Não branca 29 (28,7) Estado civil Casado 35 (34,7) Solteiro 56 (55,4) Separado 10 (9,9) Escolaridade Ensino fundamental completo 38 (37,6) Ensino médio completo 50 (49.5) Ensino superior 7 (6,9) Analfabeto 6 (5,9) Atividade ocupacional Trabalho no mês anterior ao acidente 76 (75,2) Desempregado no mês anterior 25 (24,8) O meio de transporte usado pela maioria das vítimas no momento do acidente foi a motocicleta, essa foi citada por 75 (74,3%) dos acidentados. Já o veículo de quatro rodas apareceu em 13 acidentes (12,9%), seguido pela bicicleta em 9 (8,9%). O número de pedestres vítimas de acidentes de trânsito foi de 4 (4 %). As partes do corpo das vítimas mais atingidas durante os acidentes foram as extremidades, em 69 casos (68,3%), logo após ficou a cabeça e face com 20 casos (19,8%) e 12 (11,9%) tiveram alguma região do tórax, abdome ou pelve atingida. Quanto ao principal diagnóstico dos pacientes atendidos na emergência do HNSC, entorse, luxação e contusão totalizaram 45 casos (44,6%). Outros diagnósticos foram: fraturas 20 casos (19,8%), cortes 20 casos (19,8%), trauma cranioencefálico 13 (12,9%) e lesão interna 3 (3%). No presente estudo os pacientes do sexo masculino tiveram aproximadamente 40% mais risco de acidente com veículos motorizados do que as mulheres (RP=1,36; IC95%: 1,01-1,82; p=0,001). Em relação aos acidentes com pedestres, as pacientes do sexo feminino foram as mais atingidas (9,1% mulheres versus 2,5% homens), p=0,020. Em relação à idade, os idosos foram as principais vitimas de acidentes com pedestres (16,7%). O desfecho dos pacientes que chegaram à emergência do HNSC por acidente de trânsito, na sua maioria, foi alta hospitalar: 69 pacientes (68,3%), enquanto 30 pacientes (28,7%) foram transferidos para a unidade hospitalar e 3 (3%) faleceram. DISCUSSÃO No presente estudo, 78,2% dos pacientes vítimas de acidentes de trânsito com veículos automotores eram do sexo masculino, confirmando assim, os dados sugeridos pela literatura. Dos 14.474 pacientes vítimas de acidentes de trânsito no Serviço Integrado de Atendimento ao Trauma e às Emergências (SIATE) de Londrina no período de 1997 a 2000, aproximadamente 75,2% eram do sexo masculino. 1,6 No estudo de Mavestio e Souza 7 foram estudados 175 indivíduos vítimas de acidentes de trânsito, e quase 90% destes eram do sexo masculino. O sexo masculino predominou também no estudo de Magalhães et al. 8 A predominância do sexo masculino nos acidentes de trânsito apresenta como consequência uma maior taxa de mortalidade entre indivíduos homens, como apontado por uma revisão realizada sobre os acidentes no Brasil no período de 1998-2010. 9 Quanto à idade em relação a acidentes com automóveis, em estudo realizado por Bastos e colaboradores em 2005, a faixa etária predominante das vítimas foi de 20 a 29 anos, em segundo lugar de 10 a 19 anos e em terceiro a faixa etária de 30 a 39 anos. 1 Nesse mesmo estudo, observou-se que a maioria das vítimas em vários anos consecutivos era de 10 a 39 anos em mais de 70% dos casos, dado também encontrado neste e em outros estudos. 1,10,11 Portanto, os estudos indicam que pessoas do sexo masculino e jovens são as vítimas mais frequentes no trânsito, ainda que os coeficientes de mortalidade sejam mais altos entre idosos. 1,6,11,12 Andrade e Jorge argumentam que este perfil é devido à maior exposição de homens e de jovens no trânsito e por comportamentos que os fazem assumir maiores riscos na condução de veículos 12. Para Bastos et al., 1 a inexperiência, busca de emoções, prazer em experimentar sensações de risco, impulsividade e abuso de álcool ou drogas são fatores que contribuem para a maior incidência de acidentes de trânsito nesse grupo. 150 Sci Med. 2012;22(3):148-152

Quando avaliados os acidentes envolvendo pedestres, o percentual do total de acidentes foi pequeno (4%), diferentemente do estudo de Malvestio e Souza, 7 o qual encontrou um percentual de 45,1% dos acidentes envolvendo pedestres, no período de 1999-2003 em São Paulo. Mesmo os pedestres estando em quarto lugar entre as vítimas de acidentes de trânsito, muita atenção deve ser dada a esse grupo. Os pedestres têm maior probabilidade de sofrer graves ferimentos, com maior chance de lesões internas e maior risco de óbito. No Brasil, a maioria das vítimas de trânsito que morrem são pedestres, e estes respondem por cerca de 50,0% do total das hospitalizações por lesões causadas por esses acidentes. 1 A alta velocidade dos veículos tem sido citada também como fator para o aumento de pedestres vítimas de acidentes. 13 É necessário mudar o comportamento dos motoristas, mas também dos pedestres que andam em áreas não permitidas (fora da faixa ou calçadas). Ainda com relação a acidentes com pedestres, o grupo mais atingido foi o de idosos, corroborando com o estudo de Bacchieri et al., 9 onde o maior percentual de atingidos em acidentes com pedestres foram os idosos e as crianças. O veículo mais relacionado a acidentes de trânsito é a motocicleta. Em estudo realizado em Londrina, os motociclistas envolvidos em acidentes de trânsito representaram mais de 40% dos casos. 1 O presente estudo também obteve este dado, pois 75% dos acidentes estudados foram de motocicletas. Este resultado é atribuído ao aumento do uso de motocicletas como instrumento de trabalho, na maioria das vezes informal. Um grave problema em acidentes com motocicleta é que os mesmos resultam em graves ferimentos aos condutores e passageiros e em alto índice de óbito. A partir deste resultado percebe-se que os motociclistas deveriam receber medidas educativas urgentes no sentido diminuir o número de vítimas por acidentes de trânsito. Além disso, os motociclistas, assim como os outros condutores, colocam em risco a integridade de outros usuários da via pública, especialmente 1, 13-15 pedestres. O segundo veículo mais citado nos acidentes foi o automóvel, com 12,9% dos casos. Há grande uso desse meio de transporte na região. Já os ciclistas também foram vítimas comuns no estudo, fato preocupante. Como fatores causais deste tipo de acidente, alguns autores atribuem ao fato da maioria dos ciclistas utilizarem a bicicleta como uma forma de lazer, o que reduz a consciência de risco e as medidas de prevenção que deveriam ser adotadas. A falta de ciclovias, bem como a proximidade do ciclista como o solo também favorecem os acidentes e a sua gravidade. 13 A multiplicidade das lesões e a variável gravidade do quadro clínico que se manifestam nas vítimas de trânsito tornam difícil o diagnóstico, muitas vezes causando lentidão no início do tratamento, na liberação do paciente do serviço de emergência ou na sua transferência para o hospital. Essas lesões podem resultar em incapacidades temporárias ou permanentes, que podem interferir na qualidade de vida das vítimas. 16 As lesões encontradas na literatura são semelhantes às deste estudo, onde os principais diagnósticos foram entorse, luxação, contusão e fraturas. Observamos também casos de trauma cranioencefálico, lesão que se destaca pela gravidade e, principalmente, por ser causa de morte e incapacidade nas faixas etárias mais baixas. Nos Estados Unidos é a causa neurológica mais frequente de mortalidade e morbidade entre os jovens. 16 O presente estudo deixou evidente que ser adulto jovem, ser do sexo masculino e conduzir motocicleta são fatores de risco para acidentes de trânsito. É importante desenvolver e implementar programas de educação para o trânsito, visando atingir esses grupos de risco. As lesões decorrentes desses acidentes resultam muitas vezes em incapacidades temporárias ou permanentes, que interferem na qualidade de vida das vítimas e acarretam gastos públicos. Como limitação do presente estudo, podemos citar que os pacientes avaliados podem não ser representativos de todos os acidentes da região, no período referido. Entretanto, os conhecimentos obtidos sobre as consequências dos acidentes, como tipos de lesões, regiões corpóreas mais frequentemente atingidas e outros, podem contribuir para implementar, fundamentar e desenvolver programas de assistência às vítimas, estabelecer condutas, priorizar atendimentos e desenvolver protocolos. Estudos como este, com levantamento das características da população atingida, possibilitam a criação e implantação de estratégias de prevenção que podem diminuir os riscos e suas consequências. Ainda, espera-se que os resultados observados sirvam de estímulo para realização de outras pesquisas que possam complementar e confirmar o conhecimento alcançado. REFERÊNCIAS 1. Bastos YGL, Andrade SM, Soares DA. Características dos acidentes de trânsito e das vítimas atendidas em serviço pré-hospitalar em cidade do Sul do Brasil, 1997/2000. Cad Saúde Pública. 2005;21:815-22. 2. Peden M, Scurfield R, Sleet D, et al. World report on road traffic injury prevention. 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urbanas brasileiras: relatório executivo. Brasília: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada/Associação Nacional dos Transportes Públicos. 2003. 4. Hasselberg M, Laflamme L, Weitoft GR. Socioeconomic differences in road traffic injuries during childhood and youth: a closer look at different kinds of road user. J Epidemiol Community Health. 2001;55:858-62. 5. Oliveira ZC, Mota ELA, Costa MCN. Evolução dos acidentes de trânsito em um grande centro urbano, 1991-2000. Cad Saúde Pública. 2008;24:364-72. 6. Marín-León L, Vizzotto MM. Comportamentos no trânsito: um estudoepidemiológico com estudantes universitários. Cad. Saúde Pública. 2003;19:515-23. 7. Malvestio MAP, de Souza RMC. Sobrevivência após acidentes de trânsito: impacto das variáveis clínicas e préhospitalares. Rev Saúde Pública. 2008;42:639-47. 8. Magalhães AF, Lopes CM, Koifman RJ, et al. Prevalência de acidentes de trânsito auto referidos em Rio Branco, Acre. Rev Saúde Pública. 2011;45:738-44. 9. Bacchieri G, Barros AJD. Acidentes de trânsito no Brasil de 1998-2010: muitas mudanças e poucos resultados. Rev Saúde Pública. 2011;45:949-63. 10. Deslandes SF, da Silva CMF. Análise da morbidade hospitalar por acidentes de trânsito em hospitais públicos do Rio de Janeiro, RJ, Brasil. Rev Saúde Pública. 2000;3: 367-72. 11. Andrade SM, Soares DA, Braga GP, et al. Comportamentos de risco para acidentes de trânsito: um inquérito entre estudantes de medicina na região sul do Brasil. Rev Assoc Med Bras. 2003;49:439-44. 12. Andrade SM, Jorge MHPM. Características das vítimas por acidentes de transporte terrestre em município da RegiãoSul do Brasil. Rev Saúde Pública. 2000;34:149-56. 13. Barros AJD, Amaral RL. Oliveira MSB, et al. Acidentes de trânsito com vítimas: sub-registro, caracterização e letalidade. Cad Saúde Pública. 2003;19:979-86. 14. Soares DFPP, Mathias TAF, da Silva DW, de Andrade SM. Motociclistas de entrega: algumas características dos acidentes de trânsito na região sul do Brasil. Rev Bras Epidemiol. 2011;14:435-44. 15. Silva PHNV, de Lima MLC, Moreira RS, de Souza WV, Cabral APS. Estudo espacial da mortalidade por acidentes de motocicleta em Pernambuco. Rev Saúde Pública. 2011;45:409-15. 16. Oliveira NLB, Sousa RMC. Diagnóstico de lesões e qualidade de vida de motociclistas, vítimas de acidentes de trânsito. Rev Latino-am Enfermagem. 2003; 11: 749-56. 152 Sci Med. 2012;22(3):148-152