Câncer Colorretal Hereditário. Autores: Benedito Mauro Rossi e Fabio de Oliveira Ferreira



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Câncer Colorretal Hereditário Autores: Benedito Mauro Rossi e Fabio de Oliveira Ferreira As estratégias de investigação e acompanhamento da família de um indivíduo portador de câncer colorretal (CCR) estão diretamente ligadas ao risco estimado de desenvolvimento de neoplasias, seja de sítio primário colônico ou extra-colônico. Por sua vez, a estimativa do risco de neoplasias dentro de uma determinada família depende de fatores clínicos, patológicos e moleculares do próprio indivíduo com câncer e de seus antecedentes familiares: existência ou não de outros membros acometidos por neoplasia, número e grau de parentesco de indivíduos acometidos. Estratificar estas categorias de risco familiar é fundamental para planejar o manejo específico de cada grupo. O diagnóstico de indivíduos assintomáticos, portadores de mutações que aumentam o risco de neoplasias, pode trazer grandes conseqüências em várias esferas da vida, sejam elas psicológicas, sociais ou econômicas; portanto, a utilização de testes genéticos de predisposição necessita ser precedida de um amplo aconselhamento de risco, ou seja, esclarecimento da confiabilidade e da limitação do teste, do significado do resultado e das condutas que podem ser tomadas a partir dele, sempre com o consentimento informado do paciente em questão. Ainda em relação à investigação de mutações, é necessário lembrar que existem várias metodologias para a pesquisa das mesmas, cada uma com determinado grau de acurácia; pela extensão e diversidade destas técnicas, elas não serão explicitadas neste texto. 1 Classificação das Famílias As famílias de indivíduos portadores de CCR podem ser classificadas em três grupos de risco: aquelas que se encaixam nos critérios de síndromes hereditárias definidas e típicas; aquelas suspeitas de hereditariedade, chamadas de agregação familiar de câncer; e aquelas sem qualquer suspeita de hereditariedade. Síndromes Hereditárias Nesta categoria encontram-se várias síndromes que podem cursar com o fenótipo de CCR, entre elas: polipose adenomatosa familiar (FAP Familial Adenomatous Polyposis), o câncer colorretal hereditário sem polipose ou síndrome de

Lynch (HNPCC Hereditary Nonpolyposis Colorectal Cancer), a polipose juvenil (JUP Juvenile Polyposis) e a Síndrome de Peutz-Jeghers (PJS Peutz-Jeghers Syndrome). FAP A FAP é uma doença autossômica dominante, com penetrância próxima a 100% entre a segunda e terceira décadas de vida. É causada por uma mutação germinativa no gene APC (adenomatous polyposis coli), um gene supressor de tumor situado no cromossomo 5q21. A FAP representa menos de 1% dos casos de CCR. Os indivíduos acometidos apresentam múltiplos adenomas no cólon, geralmente mais de 100, podendo chegar a milhares (existe uma variante atenuada onde esse número pode ser menor). Pacientes com FAP invariavelmente desenvolvem CCR, geralmente em torno dos 45 anos de idade. Ocorrem também várias manifestações extra-colônicas, entre as quais ressaltamos os tumores desmóides abdominais, as neoplasias de intestino delgado e de trato digestivo alto, os osteomas e a hipertrofia congênita do epitélio pigmentado retiniano (CHRPE). Em virtude da alta penetrância, o diagnóstico é feito pelo achado de múltiplos pólipos adenomatosos colônicos. A mutação causadora da predisposição da FAP pode ser confirmada pela pesquisa de mutações no gene APC. HNPCC O HNPCC é uma síndrome hereditária autossômica dominante, associada a mutações em genes de reparo do DNA, representando entre 5% e 7% de todas os casos de CCR. Os indivíduos portadores da predisposição genética apresentam risco em torno de 70% a 80% de desenvolvimento de CCR durante a vida. A idade média de aparecimento é de 44 anos, com preferência para o lado direito do cólon em 60% a 80% dos casos, cursando com lesões sincrônicas ou metacrônicas em 45% das vezes. O risco de mulheres desenvolverem carcinoma de endométrio está entre 39% e 43%. Outras neoplasias estão associadas ao HNPCC: ureter e pelve renal, intestino delgado, estômago, sistema biliar, pâncreas, entre outras. Os critérios de diagnóstico do HNPCC são definidos por consensos internacionais conhecidos como Critérios de Amsterdam I e II (Quadros 1 e 2).

Quadro 1 Critérios de Amsterdam I para diagnóstico clínico de HNPCC. 2 Pelo menos 3 membros da mesma família com CCR Um dos membros deve ser parente em 1º grau dos outros dois Acometimento de pelo menos duas gerações sucessivas Um dos membros deve ter menos de 50 anos na data do diagnóstico de CCR Deve ser excluído o diagnóstico de FAP Confirmação anatomopatológica de CCR Quadro 2 - Critérios de Amsterdam II para diagnóstico clínico de HNPCC. 3 Critérios de Amsterdam I Incluídos tumores de endométrio, intestino delgado, ureter ou pelve renal, além de CCR Com o objetivo de melhor estabelecer o programa de seguimento dos familiares, sempre que possível, deve-se realizar o diagnóstico molecular da predisposição, de fundamental importância. Os principais genes de reparo estudados são o hmsh2, o hmlh1 e o hmsh6, responsáveis por cerca de dois terços das causas de HNPCC. JUP A polipose juvenil é uma síndrome caracterizada pelo aparecimento de pólipos hamartomatosos, no mínimo de 3 a 10, mas geralmente entre 50 e 100, em todo trato gastrintestinal, principalmente no intestino grosso, associada à história familiar em 20% a 50% das vezes. 4 O padrão de transmissão é autossômico dominante e representa cerca de 0,01% dos casos de CCR. Manifesta-se clinicamente entre 10 e 20 anos de idade, geralmente com sangramento retal, e podendo apresentar manifestações extra-intestinais em 11% a 20% dos casos, tais como telangiectasias, cardiopatias congênitas e malformações esqueléticas ou urinárias. 5,6 Foi identificada associação com o gene DPC4/SMAD4, no cromossomo 18q21, que pode estar presente em 50% dos casos 7 (ainda não há associação entre genótipo e fenótipo). O risco cumulativo de desenvolvimento de CCR durante a vida é de aproximadamente 50% a 68%, mais freqüentemente diagnosticado entre a 3ª e 4ª décadas de vida. 8,9 O risco de desenvolvimento de câncer do trato gastrintestinal superior é de cerca de 21%. 10

PJS A Síndrome de Peutz-Jeghers é caracterizada pela presença de pólipos hamartomatosos gastrintestinais, mais freqüentemente no intestino delgado, e manchas melanóticas de lábios, boca e dedos. É extremamente rara, com incidência de cerca de 1:200.000 nascidos vivos. 11 O risco de desenvolvimento de câncer é 10 a 18 vezes maior que o da população geral, sendo que os sítios mais freqüentes são: intestinal, mamário, pulmonar, estômago, pancreático, ovário e testicular. 5 Está relacionada com o gene supressor de tumor LBK1/STK11 (serine threonine kinase) no cromossomo 19p13-3 e possui caráter autossômico dominante de transmissão. A maioria dos casos apresenta sintomas de dor abdominal, obstrução por intussucepção, anemia ou sangramento intestinal. 6 Agregação Familiar de Câncer Pertencem a este grupo as famílias de indivíduos que não podem ser caracterizadas em nenhuma das síndromes acima descritas, porém, possuem alguma singularidade suspeita de hereditariedade. Sabe-se que existe um aumento do risco de desenvolvimento de câncer nos familiares de indivíduos portadores de CCR, podendo variar de 1,72 a 5,37 vezes em relação à população geral, dependendo da idade em que o indivíduo afetado desenvolveu CCR. 12,13 Existe uma ampla variedade de características, abrangendo desde associações de neoplasias aparentemente sem origem genética comum, até Critérios de Amsterdam quase completos. Provavelmente a agregação familiar de CCR seja resultado da combinação de genes de baixa penetrância e exposições ambientais. Esse grupo de pacientes representa cerca de 20% dos casos de CCR. Os Critérios de Bethesda (Quadro 3) caracterizam uma boa parte desses indivíduos, indicando a pesquisa de instabilidade de microssatélites (MSI), a,14 mas não fechando, por si só, o diagnóstico clínico de HNPCC, como os critérios de Amsterdam. a Instabilidade de microssatélites mutações em pequenas seqüências repetidas de DNA causadas por defeito nos genes de reparo do DNA, ou seja, um indício indireto de HNPCC.

Quadro 3 Critérios de Bethesda para indicação de MSI em indivíduos suspeitos de hereditariedade. 15 Indivíduos com dois tumores relacionados ao HNPCC (CCR, endométrio, ovário, estômago, trato hepato-biliar, intestino delgado, ureter/pelve renal) Indivíduos portadores de CCR com parente de 1º grau com CCR e/ou tumores relacionados ao HNPCC (<45 anos) e/ou adenomas colorretais (<40 anos) Indivíduos com CCR ou câncer de endométrio (<45 anos) Indivíduos com CCR de cólon D (<45 anos) padrão histológico indiferenciado (padrão cribiforme) Indivíduos com CCR (<45 anos) padrão histológico em anel de sinete (mais de 50%) Indivíduos com adenomas colorretais (<40 anos) Câncer Esporádico Aqui estão classificados os casos isolados de CCR, em indivíduos sem antecedentes familiares, sem nenhuma mutação conhecida germinativa identificada. Representam aproximadamente 75% dos casos registrados de CCR. Investigação de Familiares de Indivíduos com CCR A investigação de ser planejada de acordo com o risco de hereditariedade em que o indivíduo e sua família estão classificados. Síndromes Hereditárias FAP Pessoas pertencentes a famílias com FAP devem ser rastreadas com sigmoidoscopias a partir da puberdade. Em caso de pólipos, deve-se indicar a colonoscopia para investigação de todo o cólon e planejamento de cirurgia, que pode ser a colectomia total com anastomose ileorretal ou a proctocolectomia total com bolsa ileal e anastomose anal. A remoção do reto está indicada quando existem muitos pólipos ou em casos de mutação agressiva no gene APC (existe maior risco de malignização em mutações entre os Codons 1250 e 1464 16 ). Além disso, se o reto for preservado, o paciente deve realizar exames endoscópicos de seguimento, pois o risco de malignização do coto retal varia de 12% a 20%, em 20 anos. 17,18 Indivíduos que não

apresentam adenomas colônicos não são portadores de FAP, pois a penetrância é praticamente total, podendo ser dispensados do seguimento intensivo. A idade em que é indicada a ressecção colônica baseia-se em dados objetivos, tais como: idade de surgimento dos pólipos, idade de transformação dos pólipos em outros membros da família, sinais e sintomas apresentados pelo paciente, risco de neoplasia com base em colonoscopias e biópsias periódicas, tipo de mutação específica identificada naquele paciente/família. Considerando-se as apresentações fenotípicas mais comuns da FAP, a colectomia pode ser indicada inicialmente entre os 15 e 25 anos 11, pois o risco de câncer aos 25 anos está entre 3,3% e 6% 19. Segundo dados do Leeds Castle Polyposis Group a ocorrência de CCR antes dos 20 anos é rara, sendo que apenas um caso está descrito antes dos 15 anos. 20 Figura 1 Esquema de seguimento de indivíduos de famílias com FAP. COLONOSCOPIA à partir dos 15 anos SEM PÓLIPOS POLIPOSE COLÔNICA POLIPOSE ATENUADA Repetir aos 20 anos Considerar risco e COLECTOMIA COLONOSCOPIA anual SEM PÓLIPOS aumento dos pólipos pólipos estáveis Seguimento não intensivo COLONOSCOPIA anual Com a realização de colectomias nos pacientes portadores de FAP, houve uma mudança na evolução da doença, sendo, atualmente, as principais causas de morte as

neoplasias de coto retal, os tumores desmóides e as neoplasias gastroduodenais. Isto ressalta a importância de também se investigar estes outros órgãos, através de endoscopias digestivas altas (EDA) e exames de imagem abdômino-pélvicos. A periodicidade e o início destes exames depende do perfil específico da síndrome na família e de achados de exames prévios. Em relação ao trato digestivo superior, alguns autores recomendam o início do seguimento aos 20 anos e repetir as EDAs em intervalos variando de 1 a 3 anos, dependendo do acometimento gastroduodenal encontrado. 21 Sugestão para esquema de investigação do cólon, para famílias portadoras de FAP, encontra-se na Figura 1. Em virtude de seu custo e disponibilidade, a pesquisa da mutação no gene APC é relativamente restrita em nosso meio. Além de obviamente explicitar o diagnóstico da mutação, este exame também fornece informações sobre a correlação genótipo-fenótipo, que pode dirigir os exames de seguimento e determinar condutas de tratamento (Tabela 1). O teste genético de predisposição deve ser realizado inicialmente em um indivíduo sabidamente portador FAP, e, após a mutação ter sido identificada, pode ser aplicado aos outros membros da família (Figura 2). Caso não seja identificada a mutação, o teste é dito inconclusivo, neste caso sem valor na identificação de outros membros da família sob risco (Figura 3). Tabela 1 Correlação genótipo-fenótipo na FAP. 22,23 Local da mutação do APC (códon) <436, >1597 FAP atenuada Fenótipo mais comumente associado 479-1700, >1051 Adenomas de duodeno 463-1444 Hipertrofia congênita do epitélio pigmentar retiniano 1445-1578 Tumores desmóides >1250, 1309 Curso agressivo, CCR precoce >1256 Cistos, desmóides, osteomas, anormalidades dentárias

Figura 2 Pesquisa de predisposição genética na FAP. Mutação identificada Possibilidade de pesquisar a família Indivíduo com polipose Pesquisa de mutação Mutação não identificada Teste inconclusivo: todos os indivíduos devem ser investigados Figura 3 Pesquisa de predisposição genética e seguimento em famílias com FAP com mutações já identificadas no probando. Indivíduo investigado Pesquisa da mutação já identificada negativa positiva Seguimento não intensivo Colonoscopia EDA TC abdome e pelve HNPCC Diferente da FAP, com centenas de adenomas colônicos, no HNPCC não existe manifestação fenotípica que identifique indivíduos portadores da predisposição genética. Por isso, no HNPCC, é de extrema importância a identificação molecular dos portadores de predisposição genética antes do desenvolvimento de câncer. Para tanto, deve-se testar inicialmente um familiar com CCR, de preferência o mais jovem da família. Se a mutação for identificada no probando (resultado positivo), o teste pode ser aplicado aos outros membros da família. Os indivíduos portadores da mutação devem ser seguidos com colonoscopia anual ou bianual a partir dos 20 ou 25 anos; 24 outros exames que devem ser realizados são: ginecológico com ultrassom transvaginal, EDA,

exames de imagem do abdome e pelve (ultrassonografia, tomografia ou ressonância magnética), CA125 e citologia urinária. A idade de início e a periodicidade (anual ou bianual) dependem do perfil que a síndrome apresenta em cada família. Exceto com relação à investigação do endométrio, na mulher, existem controvérsias sobre o real benefício desses exames no diagnóstico precoce de tumores extra-colônicos no HNPCC. Indivíduos sem mutação não são submetidos a um seguimento intensivo, com risco semelhante à população. Caso não seja possível identificar a mutação no probando (resultado inconclusivo), não há como testar os demais familiares, e, assim sendo, todos os membros dessa família estão sob risco e devem ser acompanhados como se fossem portadores da mutação. Quando o teste de predisposição não é realizado, da mesma forma, todos os membros dessa família estão sob risco e devem ser acompanhados como se fossem portadores da mutação. A Figura 4 demonstra o esquema de seguimento para indivíduos de famílias com HNPCC, já com mutação identificada. Figura 4 - Pesquisa de predisposição genética e seguimento em famílias com HNPCC com mutações já identificadas no probando. Indivíduo investigado Pesquisa da mutação identificada negativa positiva Seguimento de familiar como CCR esporádico Colonoscopia EDA TC abdome e pelve Exame ginecológico Citologia urinária JUP Nos casos de polipose juvenil é fundamental o seguimento com colonoscopias periódicas, entre 3 a 5 anos, à partir dos 25 anos, tendo em vista o risco de transformação maligna dos pólipos colorretais A cirurgia profilática pode estar indicada quando houver mais de 20 pólipos no intestino grosso, displasia severa em algum deles, sangramento intratável ou perda importante de proteínas por enteropatia. 5 Geralmente a operação é indicada a partir da segunda década de vida. 8

PJS Indivíduos portadores da Síndrome de Peutz-Jeghers também devem ser acompanhados com colonoscopias periódicas, entre 2 a 5 anos, inciando-se aos 15 ou 20 anos, 7 e ressecção de eventuais pólipos do intestino grosso. Hyer 6 adota o seguinte protocolo de tratamento para os pólipos de intestino delgado: se maiores que 1,5cm, sintomáticos ou múltiplos, indica a polipectomia intra-operatória profilática com o objetivo de evitar a obstrução ou a transformação maligna; se menores que 1,0cm e assintomáticos, indica apenas o acompanhamento. Como a palpação do intestino delgado durante a cirurgia apresenta alta taxa de achados falsos negativos, em torno de 38%, tem-se utilizado a enteroscopia intra-operatória para localização dos pólipos. 25 Esta conduta aparentemente tem reduzido a necessidade de laparotomias para tratamento de complicações, bem como o número de ressecções de segmentos de intestino delgado, evitando que o paciente venha a apresentar a síndrome do intestino curto. 26 Recentemente, o uso da cápsula endoscópica parece, em alguns centros especializados, abrir nova perspectiva para investigação do intestino delgado. Outros exames de seguimento são a EDA, a mamografia e o exame ginecológico, que podem ser repetidos entre 1 a 3 anos, iniciando-se entre os 25 e 35 anos. Agregação Familiar de Câncer Indivíduos e suas famílias classificados neste grupo devem ser investigados de maneira mais intensiva que a população geral, porém, não existe padronização do seguimento. Em virtude da maior chance de desenvolver neoplasias, indivíduos desse grupo devem iniciar o rastreamento com colonoscopias a partir dos 40 anos, ou 10 anos antes da idade de acometimento do CCR do indivíduo mais jovem da família, e repetir este exame a cada 5 anos, a depender dos achados; 27 atenção maior deve ser dada quando o caso de CCR ocorrer abaixo dos 50 anos de idade. A investigação de tumores extracolônicos deve ser feita a partir dos 40 anos, na dependência das características da família, ou seja, dos tipos de tumor mais freqüentes, e das associações mais comuns do HNPCC.

Câncer esporádico O rastreamento de CCR recomendado para a população em geral, sem antecedentes familiares, inicia-se aos 50 anos e consiste de exame proctológico anual, associado a colonocopias a cada 10 anos, ou na dependência dos achados. 27 Podem ser realizados enemas opacos ou sigmoidoscopias, porém, com menor acurácia, principalmente para lesões menores que 1cm ou proximais no cólon. REFERÊNCIAS 1 Rabelo R, Foulkes W, Gordon PH et al. Role of molecular diagnostic testing in familial adenomatous polyposis and hereditary nonpolyposis colorectal cancer families. Dis Colon Rectum 2001; 44: 437-46. 2 Vasen HF, Mecklin JP, Khan PM, Lynch HT: The International Collaborative Group on hereditary nonpolyposis colorectal cancer (ICG-HNPCC). Dis Colon Rectum 1991; 34: 424-5. 3 Vasen HF, Watson P, Mecklin JP, Lynch HT. New clinical criteria for hereditary nonpolyposis colorectal cancer (HNPCC, Lynch syndrome) proposed by the International Collaborative Group on HNPCC. Gastroenterology 1999; 116: 1453. 4 Desai DC, Neale fk, Talbot IC, Hodgson SV, Phillips RKS: Review: Juvenile polyposis. Br J Surg 1995; 82: 14-7. 5 Soravia C, Berk T, Cohen Z: Genetic testing and surgical decision making in hereditary colorectal cancer. Int J Colorectal Dis 2000; 15: 21-8. 6 Hyer W: Polyposis syndromes. Pediatric implications. Gastrointestinal Endoscopy Clinics of North America 2001; 11: 659-82. 7 Dunlop MG. Guidance on gastrointestinal surveillance for hereditary non-polyposis colorectal cancer, familial adenomatous polyposis, juvenile polyposis, and Peutz-Jeghers syndrome. Gut 2002; 51 (Suppl V): 21-7. 8 Agnifili A, Verzaro R, Gola P, Marino M, Mancini E, Carducci G, Ibi I, Valenti: Juvenile polyposis: case report and assessment of the neoplastic risk in 271 patients reported in the literature. Dig Surg 1999; 16: 161-6. 9 Vasen HFA: Clinical diagnosis and management of hereditary colorectal cancer syndromes. J Clin Oncol 2000; 18(21 Suppl): s81-s92. 10 Howe JR, Mitros FA, Summers RW: The risk of gastrointestinal carcinoma in familial juvenile polyposis. Ann Surg Oncol 1998; 5: 751-6. 11 Peltomaki HH: Hereditary colorectal cancer: risk assessment and management. Clin Genet 2000; 58: 89-97. 12 Fuchs CS, Giovannucci EL, Colditz GA et al. A prospective study of family history and the risk of colorectal cancer. N Engl J Med 1994; 331: 1669. 13 Burt RW, Petersen GM. Familial colorectal cancer: diagnosis and management, in Young GP, Rozen P, Levin B (eds): Prevention and early detection of colorectal cancer. London, UK, Saunders.1996. p.171-94. 14 Boland CR, Thibodeau SN, Hamilton SR et al. A national cancer institute workshop on microsatellite instability for cancer detection and familial predisposition: development of international criteria for the determination of microsatellite instability in colorectal cancer. Cancer Res 1998; 58: 5248-57. 15 Rodriguez-Bigas MA, Boland CR, Hamilton SR et al. A National Câncer Institute workshop on hereditary nonpolyposis colorectal câncer syndrome: meeting highlights and Bethesda guidelines. J Natl Cancer Inst 1997; 89: 1758-62. 16 Bertario L, Russo A, Radice P et al. Genotype and phenotype factors as determinants for rectal stump cancer in patients with familial adenomatous polyposis. Ann Surg 2000; 231: 538-43.

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