Unidade: Introdução a Linguística. Unidade I:

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Unidade I: 0

Unidade: Introdução a Linguística Histórico O interesse pela linguagem é muito antigo, expresso por mitos, lendas, cantos, rituais ou por trabalhos eruditos que buscam conhecer essa capacidade humana (FIORIN, 2005, p.12). Inicialmente, os primeiros estudiosos da linguagem, como os hindus, gregos e latinos, tiveram preocupações que visavam estabelecer as regras de uso de uma determinada língua, buscando enumerar as categorias gramaticais. Na Idade Média, acreditava-se que a estrutura gramatical das línguas era una e universal, o que levava à concepção de que as regras da gramática seriam independentes das línguas que as realizavam. Em 1660 surge a Gramática de Port Royal, de Lancelot e Arnaud, que serviu de modelo para um grande número de gramáticas do século XVII. Nela se estabelece que a linguagem se funda na razão, sendo a imagem do pensamento e que, assim, os princípios de análise podem servir a qualquer língua. A partir do século XIX, observa-se o interesse pelas línguas vivas, pelo estudo dos diversos falares, o que contribui para o desenvolvimento das gramáticas comparadas, bem como da Linguística Histórica. Dessa forma, as pesquisas em linguagem deixam de ser tão abstratas, passando a considerar os fatores históricos, sociais e culturais como influenciadores das manifestações linguísticas. É no início do século XX, com a divulgação dos trabalhos de Ferdinand de Saussure que os estudos sobre a linguagem adquirem caráter científico. Linguagem Verbal e Não-Verbal A linguagem é algo que acompanha o homem em todos os momentos de sua vida, pois é o instrumento essencial da comunicação, podendo concretizar-se pelo uso de palavras, ou por outros elementos não-verbais. Chamamos de linguagem verbal aquela que faz uso de palavras, tanto na modalidade oral, quanto na escrita. Assim, quando lemos um livro, quando conversamos com alguém ou quando ouvimos um discurso, temos contato com palavras, ou seja, com a linguagem verbal. 1

Chamamos de linguagens não-verbais todas as outras formas de comunicação que não fazem uso de palavras, considerando dessa forma a pintura, a escultura, o desenho, a linguagem musical, gestual etc. Como você já deve ter percebido, nos vários processos de comunicação pode-se ter, simultaneamente, elementos verbais e não-verbais. Isso quer dizer que eles não são excludentes, mas podem complementar-se durante os atos comunicativos. Observe a figura abaixo: Temos uma imagem não-verbal (a figura da mão) e uma palavra (stop). Os dois elementos colaboram para nos informar de que se deve parar. Conforme apresentado em nosso resumo histórico, apesar do interesse que vários povos demonstraram pela linguagem, foi somente no final do século XIX que se passou a estudá-la como uma ciência. Foi também necessário distinguir-se os objetos de estudo, pois conforme vimos, o termo linguagem abrange um grande número de conceitos. O que é a Linguística? A Linguística é a porção dos estudos científicos que se ocupa da linguagem verbal, ou seja, ela pretende descrever e explicar os usos que os sujeitos fazem da língua escrita e da língua falada. 2

Entendamos o significado de tal definição pela observação de alguns itens presentes nela: O objeto de estudo da linguística é a linguagem verbal, tanto na modalidade escrita quanto na falada. A Linguística é descritiva, ou seja, ela descreve os usos que os sujeitos em interação fazem da língua e, nesse sentido, possui preocupações diferentes das da Gramática. Linguística e Gramática Segundo Travaglia (1995, p.30) a Gramática conhecida também como Gramática Normativa apresenta e dita normas do bem falar e do bem escrever, defendendo uma correta utilização da fala e da escrita a partir de uma variedade da língua considerada como válida para todos os falantes. Isso quer dizer que apenas uma forma de uso é considerada correta em qualquer circunstância. A Gramática Normativa é prescritiva, ou seja, ela prescreve, determina as regras de uso da língua. Embora gramáticos e linguistas ocupem-se de um elemento comum (a língua), seus objetivos e métodos são bastante diferentes. Mas atenção! Isso não significa que para o linguista qualquer forma utilizada é correta. Para a Linguística, qualquer forma que se torne um obstáculo à comunicação será considerada como erro. Em contrapartida, é objeto de estudo da Linguística a adequação de determinado uso em cada situação de comunicação. Vejamos um exemplo do professor Sírio Possenti: 3

Tem-se aqui uma distinção entre o conceito de erro e inadequação: é considerado erro o que não ocorre sistematicamente na língua, em nenhuma de suas variedades, como, por exemplo, uma menino. Por outro lado, construções como a gente vamos são consideradas inadequações (POSSENTI, 1996). Por tal exemplo, podemos entender que a maior parte dos chamados erros gramaticais são, para a Linguística, inadequações, ou seja, são expressões utilizadas por certos grupos sociais que destoam da norma padrão da língua. Voltaremos a este assunto quando falarmos de algumas correntes da Linguística, como a Sociolinguística. O Estruturalismo A concepção que temos de linguística hoje surgiu no início do século XX, em 1916, com a publicação de um livro intitulado Curso de Lingüística Geral. Essa obra foi atribuída ao suíço Ferdinand de Saussure, apesar de ter sido escrita por seus alunos, a partir de anotações de aulas do mestre. 4

Para Saussure, a Linguística se situa dentro de uma outra ciência: a Semiologia. A Semiologia é definida como a ciência geral dos signos, ou seja, todos os estudos que envolvam linguagem (a verbal e as não-verbais) pertencem à Semiologia. Pela importância que a linguagem verbal tem para o ser humano, foi criada uma ciência só para ela: a Linguística. Observe a ilustração: Semiologia e Linguística Semiologia Linguagens não-verbais Linguística Linguagem verbal 5

O Objeto de Estudo de Saussure É imprescindível aos estudos científicos a existencia de um objeto e de um método. Assim, Saussure definiu a língua como objeto da Linguística e o estruturalismo como método de investigação. Para ele, a linguagem verbal se compõe de duas faces, opostas e complementares: a língua e a fala. A língua é definida como um sistema de signos, ou seja, um conjunto de unidades organizadas que formam um todo (ORLANDI, 1986, p.23). Para Saussure, a língua é um sistema abstrato, social, geral e coletivo. Isso significa que, como sistema de signos, a língua não é a realidade, mas sim uma representação abstrata da realidade, que se insere numa sociedade e que é compartilhada por um determinado grupo para cumprir seu papel de comunicação. A fala que não deve ser confundida com a oralidade é a realização concreta da língua pelo sujeito, sendo variável, circunstancial, individual. Vejamos então como se constitui a linguagem verbal: Linguagem verbal Língua Fala Assim, quando nos comunicamos utilizando a linguagem verbal, seja por meio de conversações ou da escrita, apropriamo-nos de uma língua o português, o italiano, o alemão e a concretizamos na fala, no momento em que interagimos com o outro. 6

Pelo fato de a fala ser variável e circunstancial, ou seja, em cada situação comunicativa termos sujeitos diferentes, empregando a língua de formas diferentes, Saussure opta por não considerar a fala como seu principal objeto de estudo naquele momento, elegendo assim a língua: Sem dúvida, esses dois objetos estão estreitamente ligados e se implicam mutuamente; a língua é necessária para que a fala seja inteligível e produza todos os seus efeitos; mas esta é necessária para que a língua se estabeleça (SAUSSURE, 2006, p.27). Signo Significado Significante Ao definir a língua como sistema de signos, o pai da Linguística estabeleceu o signo linguístico com uma dicotomia, quer dizer, como sendo composto por duas partes opostas e complementares: o significado e o significante. SIGNO = SIGNIFICADO SIGNIFICANTE 7

O significado é também chamado de conceito e o significante, de imagem acústica. Isto quer dizer que, considerando o signo livro, em língua portuguesa, temos: livro = obra cultural - literária, científica ou artística /livro/ Em outras palavras, o signo livro é composto pelo significado (ou conceito) obra cultural literária, científica ou artística e pelo significante (ou imagem acústica) /livro/. Saussure estabelece assim que o signo linguístico não irá unir um nome a uma coisa, mas um conceito a uma imagem acústica, e que esta não é o som material, físico, mas a impressão psíquica dos sons, perceptível até quando pensamos numa palavra, sem sequer a pronunciarmos. Assim em: 8

Temos dois significantes: /pare/ e /stop/, porém ambos correspondem teoricamente a um mesmo significado: há uma ordem para que as pessoas não continuem. pare = não continue /pare/ stop = não continue /stop/ É importante ressaltar, como vemos em Evaristo (2006, p.169): Devemos lembrar que os signos não se confundem necessariamente com as palavras. Podemos pensar, nesse sentido, na constituição, em língua portuguesa, do termo incompreensíveis. Sabemos que a palavra pode ser decomposta em unidades menores, portadoras de significado: in- (prefixo de negação); compreens- (radical); -(i)vel (sufixo); -is (desinência de plural). Temos nesse caso não apenas o signo incompreensíveis, mas a presença combinada de várias formas significativas ou morfemas, constituindo-se, cada uma delas, como um signo também. Cada língua carrega os valores e convenções de um povo; representa, portanto, a cultura e a visão de mundo daquele grupo de pessoas. Dessa forma, os conceitos que compõem os signos de cada língua podem variar, pois refletem a forma como a realidade é recortada diferentemente em cada cultura. 9

Propriedades do Signo Linguístico O signo linguístico tem duas propriedades essenciais: a arbitrariedade do signo e a linearidade do significante. A) Arbitrariedade do signo Saussure afirma que o a relação entre o significado e o significante não se estabelece por haver alguma semelhança entre ambos: essa união é arbitrária. Se pensarmos novamente no signo livro, podemos observar que o conceito obra cultural literária, científica ou artística e a imagem acústica /livro/ se unem sem nenhuma motivação ou relação de semelhança entre a sequencia sonora (e psíquica) e o significado expresso. Assim, o significado obra cultural literária, científica ou artística poderia corresponder ao significante inventado /sone/, por exemplo. È isso que explica o fato de que o conceito apresenta significantes diferentes em línguas diversas, como /book/, em inglês. Segundo Fiorin (2002, p.60): Para Saussure, o signo lingüístico é arbitrário e, portanto, cultural. Arbitrário é o contrário de motivado, o que significa que, quando ele afirma que o signo lingüístico é arbitrário, está querendo dizer que ele não é motivado, ou seja, que não há nenhuma relação necessária entre o som e o sentido, que não há nada no significante que lembre o significado, que não há qualquer necessidade natural que determine a união de um significante e de um significado. Isso é comprovado pela diversidade das línguas. A palavra mar é sea em inglês; a palavra boi é ox em inglês. Verifica-se, portanto, que, nos sons mar ou sea, não há nada que lembre o significado massas de águas salgadas do globo terrestre. Mar poderia ser chamado estunque, se os homens convencionassem que esse deveria ser seu nome. 10

B) Linearidade do significante O significante ou imagem acústica a sequencia sonora que apreendemos ao pensarmos no signo livro caracteriza-se por se apresentar em uma cadeia linear, ou seja, os elementos os sons da língua apresentam-se uns após os outros, em linha: l + i + v + r + o A linearidade é uma característica das línguas naturais, segundo a qual os signos, uma vez produzidos, dispõem-se uns depois dos outros numa sucessão temporal ou espacial. Por causa dessa característica, não se pode produzir mais de um elemento lingüístico de cada vez: um som tem de vir depois do outro, uma palavra depois da outra, e não se podem produzir dois sons ao mesmo tempo ou duas palavras ao mesmo tempo (FIORIN, 2002, p.65). A Língua como Sistema Para entendermos o que Saussure propõe quando afirma que a língua é um sistema de signos, vejamos com Borba (1998, p.29) apresenta os conceitos de sistema e estrutura: 11

Dizemos que um conjunto de objetos constitui um sistema quando esses mesmos objetos se aproximam por terem alguns traços em comum e se organizam seguindo determinados princípios de tal modo que o resultado seja um todo coerente. (...) O que caracteriza o sistema é o arranjo de seus componentes e, depois, os princípios que determinam tal arranjo. Digamos que a esse arranjo se dê o nome de estrutura; então, uma estrutura vem a ser a disposição dos elementos dentro do sistema, o que vale dizer que ela é fundamental para a existência do sistema. Podemos perceber que a língua é definida como um sistema por ser composta por elementos que se organizam de acordo com determinados princípios e regras de funcionamento, ou seja, ela possui uma estrutura material. A Materialidade da Linguagem Um exemplo clássico para compreender a língua como uma estrutura é sua comparação com o jogo de xadrez. Nele, cada peça constrói sua identidade, adquire um valor, a partir da relação que estabelece com as outras peças. Na língua, as unidades linguísticas também se definem a partir das relações que estabelecem com as outras unidades. 12

Na língua, podemos pensar, por exemplo, que, para formarmos frases, sempre recorremos às mesmas regras e procedimentos: escolhemos palavras e as combinamos em determinada sequencia. O valor que cada palavra pode assumir varia de acordo com a posição que essa palavra ocupa em relação às demais. Entretanto, as estruturas essenciais da língua precisam ser respeitadas. Observe os exemplos: A palavra azul pode assumir diferentes funções como: O céu está azul. (A palavra azul caracteriza o céu, exercendo a função sintática de predicativo do sujeito). Já em: O azul não me cai bem. Fico pálida. (A palavra azul aparece substantivada, executando a função de um nome). Nos dois casos, entretanto, apesar da observada variação com relação a função sintática da palavra azul, existe uma organização das sentenças que as identificam como pertencentes à língua portuguesa. Nelas encontramos inicialmente um sujeito, seguido de um verbo e posteriormente de um predicado. Temos, portanto, várias possibilidades dentro de uma mesma estrutura básica. Devemos ainda observar que, os estudos de Saussure propiciaram quatro diferentes níveis de análise que abordam diferentes aspectos da materialidade da linguagem: a fonologia (estudo das unidades sonoras), a sintaxe (estudo da estrutura das frases), a morfologia (estudo da forma das palavras) e a semântica (estudo dos significados). 13

Concluindo, como observa Marcuschi (2008, p.32): O estruturalismo saussuriano voltava-se para a análise do sistema da língua como um conjunto de regularidades que subjazem à língua enquanto interioridade e forma, sendo que a variação ficava por conta das realizações individuais. Saussure não nega que as línguas variam, mas a língua, sob o aspecto da variação, não é o objeto científico como tal. Assim, observa-se que, ao se definir um objeto de estudo, como o fez Saussure, pode ser necessário deixar de estudar outros objetos igualmente importantes, como a fala. Isso não significa que Saussure tenha desconsiderado a fala como necessária à linguagem, antes, ele optou, naquele momento em que a Linguística formava-se como ciência, por dedicar-se ao estudo da língua. A fala será estudada por outras correntes linguísticas que aparecerão posteriormente, e das quais falaremos nesta disciplina. 14

Referências BORBA, Francisco da S. Introdução aos estudos lingüísticos. Campinas: Pontes, 1998. EVARISTO, Marcela C. A Pragmática em foco: os sujeitos nos estudos da linguagem In SPARANO, Magalí; Di Iório, Patrícia L.; LOMBARDI, Roseli (orgs.) A formação do professor de língua(s). São Paulo: Andross, 2006. FIORIN, José Luiz (org.) Introdução à Lingüística: I. objetos teóricos. 4 ed. São Paulo: Contexto, 2005. KRISTEVA, Julia. História da linguagem. Lisboa: Edições 70, s/d. MARCUSCHI, Luiz A. Produção textual, análise de gêneros e compreensão. São Paulo: Parábola Editorial, 2008. ORLANDI, Eni P. Duas obras, um Saussure e nenhuma publicação In O que é Lingüística. São Paulo: Ed.Brasiliense. (Coleção Primeiros Passos) POSSENTI, Sírio. Por que (não) ensinar gramática na escola. Campinas, SP: Mercado de Letras, Associação de Leitura do Brasil, 1996. SAUSSSURE, Ferdinand de. Curso de Lingüística Geral. São Paulo: Cultrix, 2006. TRAVAGLIA, Luiz C. Gramática e Interação. São Paulo: Cortez, 1995. 15

16 Responsável pelo Conteúdo: Profª. Esp. Sandra Regina Fonseca Moreira www.cruzeirodosul.edu.br Campus Liberdade Rua Galvão Bueno, 868 01506-000 São Paulo SP Brasil Tel: (55 11) 3385-3000