Dimensão Temática Educação Uma reflexão sobre a Renovação no CNE Ivo Faria Coordenador das Equipas Nacionais do Projeto RAP e do Projeto RSF chefia@braga.cne-escutismo.pt O CNE tem vindo a atravessar um período, que já ultrapassa 10 anos, de renovação pedagógica. Para além da renovação da ação pedagógica, a Associação encetou um processo de renovação do sistema de formação, que complementa e dá condições a que toda a operacionalização dessa renovação se faça. Este texto reflete sobre este processo de renovação e a necessidade de o processo não parar durante mais 2 décadas. Lança ainda pistas para outras renovações que poderão continuar a dar sentido ao caminho. Palavras-chave: Renovação da Ação Pedagógica Renovação do Sistema de Formação Gestão da mudança Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades, Muda-se o ser, muda-se a confiança: Todo o mundo é composto de mudança, Tomando sempre novas qualidades. Luís Vaz de Camões, Sonetos (extrato) Renovação da Ação Pedagógica ( RAP ) Ao longo dos últimos anos, o CNE apostou num programa de renovação do edifício pedagógico no qual assenta a nossa ação junto das crianças e dos jovens que nos são confiados pelos seus pais e pela Igreja. Mantendo-se fiel ao Método Escutista, procurou-se dar mais sentido ao que fazemos, para quem o fazemos, intenção, finalidade e objetivo. Reforçando a ação do CNE enquanto associação de educação não-formal, mantendo os valores e o Método em perspetiva, ajustámos a nossa prática aos tempos de hoje e tentámos aumentar a consciência educativa dos animadores adultos. Figura 1: as 7 maravilhas do Método 1
No centro do projeto, esteve desde o início, a firme vontade em definir a Proposta Educativa da Associação, rever as áreas de desenvolvimento, introduzir trilhos e objetivos educativos para cada uma das quatro secções e renovar o sistema de progressão. Com tudo isto, procurou centrar-se cada vez mais a ação nos jovens, reforçando a valorização das experiências externas à Associação. Foi também oportunidade para revisitar, renovar e adicionar conceitos relacionados com a Mística e Simbologia, particularmente ao nível dos Símbolos das secções, Patronos (revimos os Patronos dos Exploradores/Moços e dos Pioneiros/Marinheiros), Modelos de Vida e Grandes Figuras, bem como a renovação da Mística do CNE, centrando-a em Jesus Cristo e conferindo um cunho mais sequencial. Todo o projeto foi testado, por quase 100 agrupamentos espalhados de norte a sul e ilhas, foram mais de 8.500 escuteiros envolvidos, mais de 10.000 horas de formação. Foi um período de forte produção de conteúdos, pedagógicos e formativos; lançaram-se manuais para as secções, z-cards sobre a Mística do CNE e os Patronos, kits e, claro, um novo Manual do Dirigente. Foi (tem sido), tempo de implementar, de recolher e partilhar boas práticas, de levar o projeto a toda a Associação, de forma prática e vivida, mais do que num conjunto de conceitos expressos mas não seguidos. Vai ser tempo, em breve, de começar o processo formal de avaliação da implementação, analisando a forma como as novas soluções estão a ser implementadas, desafios, dificuldades, erros de conceção, necessidade de corrigir e ajustar. Um projeto apaixonante que mobilizou a Associação, no meio de fervorosos defensores, opositores, críticos e espetadores. Todos contribuíram para o que é o edifício pedagógico do CNE 1. Renovação do Sistema de Formação ( RSF ) Os novos projetos educativos das secções revelaram uma necessidade que há muito já se sentia na Associação: a de reapreciar, ponderar e renovar o sistema de formação dos chefes. Desde logo, a necessidade de adequar os conteúdos da formação aos novos projetos educativos. Mas, muito mais do que isso: Definir os perfis dos chefes, para os diversos cargos e atribuições que desempenham no CNE, tanto ao nível local, regional ou nacional; Revisitar o papel do Adulto na Associação, dando especial relevo ao perfil do candidato a dirigente, princípios, direitos e deveres do candidato e do dirigente, bem como recrutamento de adultos e o compromisso associado ao papel de adulto; Reapreciar o papel da formação de adultos no CNE e atualizar a gestão de adultos; Redefinir a arquitetura do sistema de formação, expressando os princípios-base, edificando-a em percursos de formação e áreas formativas; Rever o papel dos diversos intervenientes na formação; Definir um sistema que suporte a formação contínua como base para a atualização dos dirigentes, baseada num sistema de créditos e em princípios para o reconhecimento da formação. Sobre os princípios-base, vale a pena sublinhar a formação personalizada, atendendo à particularidade de cada formando e valorizando as competências individuais de cada um, focando-a na ação pedagógica e do seu impacto junto dos jovens, bem como a preferência clara por um processo de aprendizagem contínuo e ao longo do ciclo de vida do dirigente, assente em percursos de formação (Educadores, Formadores e Gestores) que podem conferir a Insígnia de Madeira como reconhecimento de uma formação pedagógica aprofundada. 1 Como acabei de referir, foram mesmo muitos os que se lançaram neste empreendimento de corpo e alma. Não poderia, porém deixar de mencionar o Luís Fialho, que está no Eterno Acampamento, e que com uma enorme dose de generosidade se deu ao projeto RAP, desde a primeira hora até ao 21 de novembro de 2009. Obrigado, Luís! 2
Adicionalmente, os princípios-base valorizam ainda a criação da consciência da dimensão global do movimento escutista, a complementaridade entre cursos de formação de base e formação monográfica, interna ou externa, de curta duração e diversificada, usando as novas ferramentas e tecnologias, quando se justifique e reforçando o papel da tutoria e da gestão local da formação. Numa altura em que o CNE dá os primeiros passos na implementação deste novo edifício formativo, uma reflexão deste género poderá parecer prematura. Importa, porém, não deixar a oportunidade de a partilhar. RAP e RSF duas dimensões da mesma realidade Estas duas renovações estruturantes ocorrem numa altura em que o CNE vive um momento de forte riqueza simbólica, alicerçada nas comemorações dos seus 90 anos, num percurso coerente de 6 anos com temáticas fortes, modelos de vida que dão corpo a um caminho que se constrói pelo próprio caminhar e um efetivo de escuteiros consistente. A hierarquia da Igreja Católica em Portugal dedica-nos uma belíssima Nota Pastoral em novembro de 2012. Todos estes contextos são uma espécie de catalisador para a renovação que se materializa. De facto, se o projeto RAP atravessou um período de 8 anos de trabalho, fruto de uma reflexão ponderada, sem pressa mas firme, estou convencido que o projeto RSF não será mais curto. Convém, por esse motivo, não perder de vista um processo que deve estar aberto à revisão quer da ação pedagógica, quer da formação, motivada uma pela outra (e vice-versa), tendo sempre como meta um cada vez mais aprofundado trabalho de contribuição para o desenvolvimento dos jovens e do seu caminho. Por esse motivo, considero que será crítico, para o CNE, definir uma estratégia de longo prazo, onde fique consagrado este princípio de renovação contínua do processo educativo e formativo, tendo por base princípios basilares que sejam transversais e vão sendo revisitados à luz do tempo. Só desta forma poderemos escapar ao natural desgaste dos intervenientes no processo, promovendo a renovação das próprias equipas de projeto, equipas nacionais, Junta Central, sem contudo perder o norte. Desafios para os formadores O RSF proporciona desafios aos formadores, nomeadamente: Atender às capacidades, necessidades, experiências e dificuldades de cada um dos formandos. Isto implica um nível adicional de atenção e de flexibilidade, por forma a transmitir conhecimentos, experiências e vivências diferentes a formandos que não são todos iguais. Desenvolver uma dinâmica formativa mais experiencial e menos concetual/expositiva, que permita aos formandos viverem na prática a situação para a qual os conceitos que foram apreendidos (ou transmitidos) sejam de facto consolidados. 2 Experiência profunda da ação pedagógica: cada vez mais os formadores devem ter um conhecimento e experiência prática aprofundados sobre o tema que estão a transmitir. Particularmente no que toca aos conteúdos pedagógicos, de animação e técnicos é fundamental que o formador seja, mais do que um veículo de transmissão de conhecimento, um especialista experimentado no tema de que está a falar. Especialização temática: decorrente dos pontos anteriores, não é crível que um formador acumule experiência, competência de base e conhecimentos em todas as áreas de formação. Obviamente, continua a haver um conjunto de competências específicas relacionadas com a área da formação que devem ser dominadas pelo formador, nomeadamente técnicas de animação de sessões de formação, avaliação, diagnóstico, dinâmicas de grupo, etc. Por outro lado, não estamos 2 A este título, recordemos o conceito da formação 70:20:10, baseado no qual se crê que a aprendizagem, em contexto formativo, deveria ser 70% experimental/prática, 20% através da partilha de experiências e 10% através de sessões formais de formação em sala. 3
necessariamente a referir-nos a desafios que até aqui não existissem ou não estivessem na agenda das estruturas que oferecem formação. Desafios para as estruturas regionais (ou de núcleo) e para a Junta Central Relativamente às estruturas regionais (ou de núcleo) e à Junta Central, o RSF implica os seguintes desafios: Basear a oferta formativa, quer em termos da criação/manutenção de um catálogo de oferta, quer em termos de execução e entrega de momentos de formação, em diagnósticos de necessidades que necessariamente têm que vir das bases, nos agrupamentos; Promover a atualização dos formadores e dos diretores de formação, em termos de conteúdos consentâneos com as revisões ao nível pedagógico e das áreas de formação; Formar tutores locais e regionais/nacionais de formação, adaptando-os aos novos percursos formativos e à aprendizagem cada vez mais baseada no aprender fazendo, preferencialmente no agrupamento; Reformar chefes de agrupamento, reforçando o seu papel enquanto responsáveis pela formação da sua comunidade local de formadores e preparando-o para os novos desafios que o RSF coloca aos chefes de unidade e membros das equipas de animação; Estender a base de formadores e de diretores, para um número de temas formativos e um acompanhamento aos formandos nos seus percursos formativos cada vez mais exigentes; Atualizar processos administrativos e financeiros de registo, processamento e análise de necessidades formativas, gestão de inscrições, controlo de formações frequentadas, qualificação de formandos e de momentos formativos organizados nos agrupamentos, núcleos e regiões, liquidação de inscrições, registo de ações dadas por formadores, etc; Redefinir as condições logísticas e arquitetónicas dos espaços para sessões de formação, adaptando-as às novas exigências da formação organizada em módulos, em percursos (e não cursos) e pressupostamente mais prática e menos expositiva. Outras renovações fundamentais Do exposto anteriormente, resulta claro que são necessárias várias reformas adicionais, quer em termos dos agrupamentos, mas também afetando as regiões/núcleos e a Junta Central. Desde logo, os agrupamentos deverão acomodar a formação dos candidatos a dirigentes durante um período de 2 anos (em média), bem como a formação de um grupo de tutores locais, a atualização anual dos dirigentes no contexto da formação contínua, incluindo o impacto que tudo isto revela em termos de disponibilidade de tempo dos dirigentes e em termos de esforço financeiro. Em termos regionais/núcleo e nacionais, mostra-se necessária a reforma do património, incluindo edifícios físicos para a formação e equipamentos. Por outro lado, a revisão administrativa e financeira, incluindo o próprio financiamento da atividade formativa. Por outro lado, mostra-se cada vez mais necessário o desenvolvimento de estratégias e implementação das mudanças, quer em termos de comunicação e divulgação, imagem e, obviamente, de animação de encontros de partilha, de formação e ainda o aproveitamento da atividade escutista regional/de núcleo ou nacional/internacional, como forma de disseminar e treinar no terreno as novas soluções pedagógicas e formativas. A este título, refira-se a utilidade de promover atividades específicas de uma determinada secção a nível regional/núcleo ou nacional, aproveitando uma determinada temática (ou modelo de vida) que esteja a ser vivida nesse ano, para incluir nos seus objetivos o trabalho de novas soluções ao nível pedagógico ou formativo 3. 3 Por exemplo, Pion:és e o Rover Regional Braga 2014, aproveitaram o ano em que o CNE caminhou com S. Pedro e com João Paulo II, respetivamente, para, promovendo o encontro e o desenvolvimento dos pioneiros e caminheiros, gerar 4
São com certeza áreas adicionais de reforma que estarão de certeza na ordem do dia e nos planos anuais (diria antes, trienais) da Junta Central, das Juntas Regionais e de Núcleo e (porque não?) dos Agrupamentos. desenvolvimento pedagógico e formativo das equipas de animação e dos guias, através da vivência e dos encontros de guias/chefes de unidade promovidos na preparação. 5