Insuficiência Cardíaca: Análise de 12 Anos da Evolução em Internações Hospitalares e Mortalidade

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276 Internacional Journal of Cardiovascular Sciences. 2015;28(4):276-281 ARTIGO ORIGINAL Insuficiência Cardíaca: Análise de 12 Anos da Evolução em Internações Hospitalares e Mortalidade Evolution of Heart Failure-related Hospital Admissions and Mortality Rates: a 12-Year Analysis Renato Kaufman 1,2, Vitor Manuel Pereira Azevedo 3, Regina Maria de Aquino Xavier 3, Mauro Geller 4, Rogério Brant Martins Chaves 3, Márcia Bueno Castier 2 1 Instituto Estadual de Cardiologia Aloysio de Castro Rio de Janeiro, RJ Brasil 2 Universidade do Estado do Rio de Janeiro Hospital Universitário Pedro Ernesto Serviço de Cardiologia Rio de Janeiro, RJ Brasil 3 Instituto Nacional de Cardiologia Rio de Janeiro, RJ Brasil 4 Universidade Federal do Rio de Janeiro Serviço de Estatística Rio de Janeiro, RJ Brasil Resumo Fundamentos: A insuficiência cardíaca (IC) é a via final de todas as cardiopatias. Com o avanço tecnológico, a sobrevida do cardiopata vem aumentando. Paralelamente observa-se o aumento da incidência da IC. Há poucos dados em relação à evolução tecnológica e seu real impacto na mortalidade desses pacientes. Objetivo: Avaliar a evolução dos índices de internações hospitalares em pacientes adultos com insuficiência cardíaca, taxa de permanência e mortalidade no Sistema Único de Saúde. Métodos: Os dados foram obtidos no DATASUS, referentes ao período de 2001 a 2012. Foram avaliados: a incidência de internações hospitalares gerais e por IC, a média de permanência, a mortalidade e o custo hospitalar, estratificados por sexo, faixa etária e local de internação hospitalar. Resultados: No período estudado ocorreram 91 272 037 internações hospitalares, sendo 3,96% por IC. Pacientes do sexo masculino corresponderam a 50,76%. O número absoluto de internações por IC diminuiu de 379 463 em 2001 para 240 280 em 2012. A média de permanência global foi 5,8 dias em 2001 e 6,6 dias em 2012. A taxa de mortalidade esteve em ascensão, iniciando com 6,58% em 2001 e chegando a 9,5% em 2012 (aumento de 46,1%). O custo da AIH média aumentou de R$ 519,54 em 2001 para R$ 1 209,56 em 2012 (aumento de 132,8%). Conclusão: Mesmo com a diminuição das internações hospitalares, a IC é uma síndrome de elevado custo para o Sistema Único de Saúde, com elevados índices de mortalidade que paradoxalmente aumentaram ao longo do tempo apesar do avanço tecnológico ocorrido. Palavras-chave: Insuficiência cardíaca; Mortalidade; Epidemiologia; Adulto Abstract (Full texts in English - www.onlineijcs.org) Background: Heart failure (HF) is the final common event of all cardiac diseases. Technological advances have allowed for significant improvement to survival rates in cardiac patients. Correspondingly, an increase in the HF incidence has been observed. Few data are available on technological advances and their actual impact on the mortality rate of these patients. Objective: To assess the progress of hospital admission rates of adult patients with heart failure, average length of stay and mortality rate in the Brazilian SUS (Unified Health System). Methods: DATASUS data for the 2001-2012 period were obtained. An assessment was performed of data such as all-cause hospital admissions and heart failure-related admissions, average length of stay in hospital, mortality rate and hospital costs, after being stratified by sex, age and place of hospitalization. Results: Over the study period, there have been 91,272,037 hospital admissions, of which 3.96% were due to HF. Male patients accounted for 50.76%. The absolute number of HF-related hospital admissions decreased from 379,463, in 2001, to 240,280, in 2012. The average overall stay in hospital was 5.8 days, in 2001, and 6.6 days, in 2012. The mortality rate was on the rise, from 6.58%, in 2001, to 9.5%, in 2012 (a 46.1% increase). The average cost of AH increased from R$ 519.54, in 2001, to R$ 1,209.56, in 2012 (a 132.8% increase). Conclusion: Despite the decline in hospital admissions, HF is a highly costly syndrome for the Brazilian Unified Health System, with high mortality rates, which paradoxically increased over time, despite technological advances. Keywords: Heart failure; Mortality; Epidemiology; Adult Correspondência: Renato Kaufman Rua David Campista, 326 Humaitá 22261-010 Rio de Janeiro, RJ Brasil E-mail: renatokaufman@gmail.com DOI: 10.5935/2359-4802.20150040 Artigo recebido em 28/06/2015, aceito em 01/09/2015, revisado em 13/09/2015.

Int J Cardiovasc Sci. 2015;28(4):276-281 277 Introdução A insuficiência cardíaca é a via final de todas as cardiopatias. Com o aumento da expectativa de vida, a melhora do tratamento dos hipertensos, a melhor assistência ao paciente coronariano agudo e a maior sobrevida dos pacientes submetidos à quimioterapia, a sua incidência tende a aumentar 1-4. Com a evolução médica na identificação da fisiopatologia, a pesquisa de novos fármacos objetivando o bloqueio de sistemas específicos, assim como a utilização de marca-passos e ressincronizadores para o tratamento e prevenção da progressão da disfunção ventricular, a sobrevida e a qualidade de vida dos pacientes portadores de disfunção ventricular aumentaram progressivamente 1,3-10. insuficiência cardíaca, sendo 1 836 603 (50,8%) pacientes do sexo masculino. Avaliados por faixa etária, os pacientes da oitava década de vida (70-79 anos) foram aqueles que mais apresentaram internações hospitalares, no total de 982 962. Em relação ao sexo, a incidência de internação hospitalar por insuficiência cardíaca foi maior nas mulheres na oitava e nona décadas de vida e discretamente maior na terceira década de vida, enquanto nas demais faixas etárias houve maior prevalência do sexo masculino. ABREVIATURAS E ACRÔNIMOS AIH Autorização para Internação Hospitalar IC insuficiência cardíaca A região que apresentou o maior número de internações hospitalares foi o Sudeste com o total de 1 496 525, sendo responsável por 41,4% das internações (Figura 1). A insuficiência cardíaca é uma síndrome cujo prognóstico é intimamente relacionado à capacidade funcional, ao grau de disfunção sistólica e ao número de internações. É fato que pacientes internados por insuficiência cardíaca apresentam taxa de reinternação acima de 50,0% em seis meses 1,11-14. Este trabalho tem por objetivo avaliar a evolução dos índices de internações hospitalares em pacientes adultos (a partir dos 18 anos de idade) com insuficiência cardíaca, assim como sua taxa de permanência e mortalidade no Sistema Único de Saúde. Figura 1 Frequência das internações por região geográfica brasileira, de 2001 a 2012. Métodos Os dados foram obtidos no DATASUS 15, base de dados epidemiológicos pública do Sistema Único de Saúde brasileiro. Foram avaliadas as internações hospitalares por insuficiência cardíaca no período de 2001 a 2012 e estudadas as variáveis: sexo, número de internações, região geográfica, faixa etária, média de tempo de permanência, taxa de mortalidade e custo da internação. Como o presente trabalho envolve dados públicos acessíveis pelo site do DATASUS (<http://www2. datasus.gov.br/datasus/index.php?area=0203>), não houve necessidade de solicitar autorização ao Comitê de Ética em Pesquisa. Resultados Ocorreram 91 272 037 internações do período de 2001 até 2012. Destas, 3 614 872 (3,96%) corresponderam à A média de permanência por insuficiência cardíaca aumentou de 5,8 dias em 2001 para 6,6 dias em 2012 (Figura 2). A média de permanência hospitalar não teve grande diferença entre os sexos quando considerada a idade, mantendo o mesmo padrão do número de internações, isto é, maior nos homens até a sexta década e depois nas mulheres (6,6 dias em homens vs. 6,5 dias em mulheres). A relação entre as internações hospitalares totais e as internações por insuficiência cardíaca reduziu-se de 4,64% em 2001 para 2,87% em 2012 (queda de 38,0%). Na análise da mortalidade por insuficiência cardíaca, a taxa de óbito intra-hospitalar aumentou de 6,58% em 2001 para 9,5% em 2012 (aumento de 46,1%) (Figura 3). Em relação ao custo da internação hospitalar, o valor da AIH média aumentou, sendo inicialmente de R$ 519,54 em 2001 e alcançando R$ 1 209,56 em 2012, com aumento de 132,8%.

278 Int J Cardiovasc Sci. 2015;28(4):276-281 Figura 2 Tempo médio (em dias) de permanência da internação por insuficiência cardíaca, entre 2001 e 2012. Figura 3 Média da mortalidade dos pacientes com insuficiência cardíaca, entre 2001 e 2012. Discussão Este trabalho avaliou a evolução das internações por insuficiência cardíaca no Sistema Único de Saúde em um período de 12 anos e comparou a relação com a idade e o sexo. Nos últimos 12 anos, o tratamento da insuficiência cardíaca evoluiu com novas evidências científicas e proporcionou redução da morbidade e da mortalidade nos ensaios clínicos randomizados. O uso de betabloqueadores, o bloqueio do sistema reninaangiotensina-aldosterona com dois fármacos, a possibilidade de uso de bloqueadores dos receptores da angiotensina em intolerantes aos inibidores da enzima de conversão da angiotensina, além do uso de ressincronizadores e cardiodesfibriladores implantáveis para casos selecionados levaram à melhora na qualidade de vida e na sobrevida desses pacientes 1,5-10,16.

Int J Cardiovasc Sci. 2015;28(4):276-281 279 Apesar de existirem dados relacionando o nível socioeconômico desfavorecido com a maior incidência de internações por insuficiência cardíaca, na casuística estudada observou-se o contrário. As regiões mais ricas do país apresentaram o maior número de internações hospitalares. Esse fato pode ser explicado pelo maior número de hospitais nessas regiões e de maior oferta de centros especializados, o que pode acarretar migração para o atendimento 17. A prevalência maior em pacientes do sexo masculino é constante não só em registros como até em ensaios clínicos randomizados. O mais peculiar foi a inversão da prevalência após a sétima década de vida. A disparidade entre a maior prevalência de pacientes internados do sexo masculino até a sexta década com a consequente maior prevalência feminina nas décadas subsequentes pode ser explicado pela maior expectativa de vida das mulheres em relação a dos homens. O presente trabalho apresenta dados semelhantes ao registro europeu de insuficiência cardíaca EHFS II 18 e de um trabalho populacional inglês 6,8,13,17,18. Pacientes do sexo feminino com insuficiência cardíaca geralmente são mais idosos, apresentam maior fração de ejeção e menor índice de coronariopatia associada, em comparação aos pacientes do sexo masculino 1,19. A tendência de queda das internações hospitalares já foi mencionada em outras análises populacionais. Mesmo com a diminuição das internações hospitalares por insuficiência cardíaca em números absolutos e a queda na relação de internações por insuficiência cardíaca e internações totais, a média de permanência e a taxa de mortalidade cresceram ao longo do tempo. Resultado que pode ser paradoxalmente explicado pela melhora do manejo clínico do paciente com diminuição da necessidade de internações hospitalares. Fato que não pode ser ignorado é que 1/3 dos pacientes com insuficiência cardíaca vem ao óbito decorrente de morte súbita, provavelmente por arritmias ventriculares, e esses óbitos geralmente ocorrem fora do ambiente hospitalar 1,18-22. A diminuição das internações hospitalares pode também ser explicada pelo maior acesso da população à medicação e até da educação do paciente em relação à aderência medicamentosa. É sabido que a aderência ao tratamento possui impacto no prognóstico clínico do paciente com insuficiência cardíaca assim como o número de medicações, doses e efeitos colaterais. Somente a necessidade de mais de duas tomadas de medicações aumenta em 2,59 vezes o risco de não aderência ao tratamento 23-26. A elevação da taxa de mortalidade intra-hospitalar também pode ser explicada pelos novos fármacos como betabloqueadores e a espironolactona, os quais baseados em ensaios clínicos randomizados evidenciaram redução da morte súbita, levando consequentemente ao aumento da sobrevida desses pacientes. Porém, com a progressão da doença, eles acabam evoluindo para falência de bomba, descompensação da insuficiência cardíaca e óbito intra-hospitalar 5-10. O registro ADHERE 26 evidenciou taxa de mortalidade intra-hospitalar de 4,2%, porém quando realizada a estratificação de risco por árvore de classificação, a taxa de mortalidade variou de 2,14% a 21,9% dependendo da pressão arterial sistólica, nível de ureia e creatinina na internação, demonstrando heterogeneidade dos pacientes internados por insuficiência cardíaca 26. Recentemente publicado, o registro BREATHE 27 apresentou dados extremamente valiosos no que se refere a aspectos epidemiológicos de pacientes internados por IC aguda, demonstrando elevada parcela de pacientes idosos (média de idade de 64,1±15,9 anos, com 73,0% de pacientes >75 anos) associada a mortalidade intrahospitalar de 12,6%. Fato que pode ser explicado por uma gravidade maior, principalmente pelo fato de os pacientes do registro BREATHE serem mais idosos, visto que na população aqui estudada o percentual de maiores de 70 anos foi apenas de 27,2% 27. Alarmante foi o aumento do custo da internação dos pacientes com insuficiência cardíaca que de R$ 519,54 em 2001 passou para R$ 1 164,95 em 2011, aumentando em 124,2%, isto sem que houvesse redução da mortalidade hospitalar. Esse fato poderia ser explicado pelo aumento do tempo médio de permanência hospitalar, assim como pela realização de procedimentos como cirurgias cardíacas, implante de stents e de ressincronizadores cardíacos. Pelo fato de serem dados colhidos de AIH através do DATASUS, o presente trabalho apresenta algumas limitações no que tange à avaliação de aspectos prognósticos de pacientes com insuficiência cardíaca, como: uso de medicações prévias à internação, etiologia da insuficiência cardíaca e classe funcional pela New York Heart Association. Outra questão é o diagnóstico da insuficiência cardíaca não ter sido uniforme, possibilitando a perda de inclusão de alguns pacientes. Mesmo com os avanços tecnológicos e apesar da diminuição das taxas de internação, a média de

280 Int J Cardiovasc Sci. 2015;28(4):276-281 permanência e a taxa de mortalidade se elevaram, provavelmente devido à complexidade clínica dos pacientes; como consequência foi observada elevação do custo médio da internação hospitalar. Conclusão Conclui-se que apesar de todo avanço tecnológico que possibilitou o aumento da expectativa de vida do paciente com disfunção ventricular, a insuficiência cardíaca continua sendo uma síndrome de importante impacto socioeconômico e alta mortalidade hospitalar. Potencial Conflito de Interesses Declaro não haver conflitos de interesses pertinentes. Fontes de Financiamento O presente estudo não teve fontes de financiamento externas. Vinculação Acadêmica O presente estudo não está vinculado a qualquer programa de pós-graduação. Referências 1. Bocchi EA, Marcondes-Braga FG, Bacal F, Ferraz AS, Albuquerque D, Rodrigues DA, et al; Sociedade Brasileira de Cardiologia. Atualização da Diretriz Brasileira de Insuficiência Cardíaca Crônica - 2012. 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