O NEOCONSTITUCIONALISMO NO BRASIL

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Revista Jurídica ISSN 2236-5788, Ano IX, n. 14, 2008-2009, p. 63-68, Anápolis/GO, UniEVANGÉLICA. Revista Jurídica, Ano IX, n. 14, 2008-2009, p. 63-68, Anápolis/GO, UniEVANGÉLICA. http://revistas.unievangelica.edu.br/index.php/revistajuridica O NEOCONSTITUCIONALISMO NO BRASIL Luiz Fernando de Oliveira 1 RESUMO O Neoconstitucionalismo tem sido caracterizado como um conjunto de idéias e de transformações ocorridas no âmbito do Direito Constitucional, que apresentam a Constituição como sendo parte central do ordenamento jurídico, com uma nova hermenêutica guiada por uma gama de princípios e valores e que desempenha um papel expansivo no sistema jurídico de um país. Estas transformações são mais evidentes no campo do Direito, da História, da Filosofia Jurídica. Desta forma, a partir do diálogo com estes saberes, propomos neste texto uma discussão sobre o que é o Neoconstitucionalismo, quais suas idéias centrais e como ele foi recebido no Brasil. Isto se faz importante devido ao fato de que o Neoconstitucionalismo é um fenômeno mundial que vem tomando força e tem sido expresso nas Constituições de vários países. Ele tem influenciado todo o ordenamento jurídico, assim como a forma de entender o Direito Contemporâneo, um direito que está positivado, mas que vai além desta positivação, seja pelo retorna a idéias jusnaturalistas, seja pela presença da ética e da moral como elementos fundamentais para a aplicação do Direito. O método utilizado para o desenvolvimento deste trabalho foi o de pesquisa bibliográfica. PALAVRAS-CHAVE Neoconstitucionalismo; Direito Constitucional; Direito Contemporâneo. Dizem que as grandes utopias do passado acabaram, que muitos dos sonhadores que existiam, acabaram enterrados com seus sonhos. O tempo acelera. A individualidade e a solidão aumentam. O ser humano vai destruindo a si e ao seu planeta, as desigualdades sociais crescem, e o que era para ser o paraíso terreno, acaba se tornado num inferno eterno. Mas uma voz de esperança, ainda ecoa pelos tempos. É o grito de um povo que vê cada vez mais perto o alvorecer de um novo tempo, de um novo Direito, de uma nova Justiça que brada em alta voz: Queremos construir uma sociedade livre, justa e solidária; Vamos garantir o desenvolvimento nacional, erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; Vamos juntos promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação 2. Esta é a voz que se faz presente entre nós através da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Muito mais que apenas um fenômeno jurídico brasileiro, o movimento constitucional hoje pode ser entendido como um fenômeno mundial, que vem se propagando em meio a um conjunto de idéias jurídicas, históricas, filosóficas e sociológicas que apontam para uma nova concepção de Estado, de Direito, de Processo, de Humanidade e de vários outros fenômenos que perpassam a vida das pessoas cotidianamente. Este movimento tem sido identificado pelo termo Neoconstitucionalismo, que em uma consideração inicial, pode ser entendido como um conjunto de propostas que se propõem a orientar a cooperação entre os seres humanos em planos nacionais e internacionais, traduzindo o desejo de uma existência digna através do conteúdo constitucional. É sobre este movimento que nos propomos a pensar neste texto, tendo como pano de fundo a realidade social brasileira. 1. O Neoconstitucionalismo e suas idéias centrais Um dos traços característicos do tempo presente é a aceleração do tempo, que se dá através das constantes transformações das idéias, das pessoas, do direito, etc. Neste contexto, o novo é tido como o melhor, como o mais adequado, criando assim uma cul- 1 É bacharelando em Direito pela Faculdade de Direito de Anápolis UniEvangélica. 2 Adaptação do artigo 3º, incisos I a IV da CF 1988. 63 REVISTA JURÍDICA ON LINE

tura da novidade. Para muitos intelectuais, isto é um dos elementos do tempo presente denominado Pós-modernismo. No campo teórico, isto tem sido notado através de termos como neo, pós, novo, atual, etc, que se estendem a todas as áreas do conhecimento, como por exemplo, Pós-positivismo, Neoliberalismo, Neomarxismo, Pós-estruturalismo, e como se poderia esperar, Neoconstitucionalismo. É importante ressaltar que isto faz parte da chamada crise da ciência e dos paradigmas, que, nas reflexões de Luís Roberto Barroso, são conhecimentos que tem a pretensão de ser novo, mas ainda não se sabe exatamente o que é, podendo ser um avanço, uma volta ao passado ou simplesmente um movimento circular (BARROSO, 2006, p. 01). Desta forma, observamos que a análise e o debate de temas como este devem ser realizados, para que estes novos conceitos e idéias sejam aclarados, e suas contribuições se façam de modo mais presente nos campos de ação e de reflexão. Ao se falar em Neoconstitucionalismo, muito mais que um conceito objetivo e definido, ele tem sido entendido pela grande parte dos estudiosos do Direito Constitucional como um conjunto de idéias jurídicas, filosóficas e históricas que tem transformado a forma de criar, compreender e aplicar o Direito Constitucional. Historicamente, o Neoconstitucionalismo é entendido como o atual momento que o constitucionalismo moderno tem vivido. Sobre o constitucionalismo, mesmo reconhecendo o esforço de alguns autores de ligar sua origem e desenvolvimento à Antiguidade e à Idade Média, interessa-nos aqui destacar o conceito histórico moderno, que no entendimento de Canotilho (referência Pedro Lenza, p. 4 e 5), ele é um movimento político, social e cultural que, sobretudo a partir de meados do século XVIII, questiona nos planos político, filosófico e jurídico os esquemas tradicionais de domínio político, sugerindo ao mesmo tempo, a invenção de uma forma de ordenação e fundamentação do poder político. Sendo um movimento de proporções globais, em que vários países passaram a adotar um texto constitucional como diretriz de funcionamento do Estado e de direitos humanos, constata-se que o movimento neoconstitucional começou a surgir após a Segunda Guerra Mundial, na Europa continental, tendo como pioneiros os países Alemanha (Lei Fundamental de Bonn, 1949) e Itália (1947), estendendo-se a partir daí para outros países. No campo filosófico, o Neoconstitucionalismo busca unir direito e filosofia. Para tal, ele tem como objetivo conciliar idéias muitas vezes opostas, como, por exemplo, do Jusnaturalismo, uma filosofia natural do Direito que prega sua universalidade através dos princípios, e do Positivismo Jurídico, cujo fundamento é identificar todo o direito como correspondente ao conjunto de leis positivas, criando assim um sistema de complementaridade entre estes opostos e transcendendo estes modelos sob a égide do termo Pós-positivismo. Esta filosofia jurídica procura ir além da legalidade estrita, mas não despreza o direito posto; procura empreender uma leitura moral do Direito, mas sem recorrer a categorias metafísicas (BARROSO, 2006, p. 6). Há ainda outras idéias da filosofia jurídica pós-positivista, mas que serão abordadas mais adiante. Juridicamente, o Neoconstitucionalismo é entendido como um conjunto de idéias e ações, que conduzem a uma nova forma de criar, entender e aplicar as legislações e o Direito Constitucional, destacando-se principalmente sua nova hermenêutica constitucional, o entendimento de uma jurisdição constitucional expansiva e a força normativa que a Constituição passa a desempenhar como centro e em todo o ordenamento jurídico. Dentre este conjunto de idéias, passamos aqui a descrever alguns de seus principais traços característicos. Para tal, contamos com o apoio direto dos juristas Luís Roberto Barroso e Rodolfo Luis Vigo, além do apoio de vários outros juristas que serão identificados ao longo do texto. Além do mais, deixamos registrados aqui os nomes de alguns dos principais teóricos internacionais do Neoconstitucionalismo pelo mundo, cujas idéias são estudadas com profundidade pelo jurista argentino Vigo, e cujos nomes podem servir como referência para pesquisas futuras: Alexy, Ferrajoli, Dworkin, Nino, Zagrebelsky, Perez Luño, Prieto Sanchís, Peces Barba e Ollero. Assim posto, passamos a discutir sobre alguns dos principais marcos jurídicos do Neoconstitucionalismo. 1.1 Uma nova visão da Constituição Um dos traços mais marcantes do Neoconstitucionalismo é a nova visão da Constituição no ordenamento jurídico. Tempos 3 Para maiores informações, confira: Vigo, Rodolfo Luis. Constitucionalização e Neoconstitucionalismo: Alguns riscos e algumas prevenções. In: Revista Eletrônica do Curso de Direito da UFMS, Vol. 3, n. 1, março/2008. REVISTA JURÍDICA ON LINE 64

atrás, em vários países era o Código Civil que ocupava a posição central, e a Constituição vinha inicialmente em um segundo plano, passando aos poucos a obter a centralidade no ordenamento jurídico, tanto na práxis jurídica, quanto no imaginário coletivo da sociedade. Este fato está ligado à força normativa que a Constituição passou a obter neste novo modelo constitucional. Este tema foi objeto de profundo estudo pelo jurista Konrad Hesse (1991, p. 15 23), que elaborou um pensamento jurídico através do qual a Constituição deve ter a pretensão de regular concretamente a realidade, imprimindo ordem e conformação à realidade política e social. Esta sua força normativa não reside apenas na adaptação inteligente de uma certa realidade, mas também na natureza singular do presente, unindo não apenas a vontade do poder, mas também a vontade de Constituição. Além disto, Barroso (2006, p. 7) chama a atenção de que no Neoconstitucionalismo, a Constituição deixa de ser vista apenas como um documento essencialmente político, passando a ter um status de norma jurídica. Isto atribui destaque para o Poder Judiciário, que acaba obtendo uma maior autonomia dentro de suas competências do Poder uno do Estado, obtendo uma juridicidade indisponível e limitadora do direito posto às autoridades (VIGO, 2008, p. 6). Quanto à sua forma de aplicação, é possível perceber que a Constituição passa a ter uma maior aplicabilidade direta e imediata, deixando de ser apenas um conjunto de promessas vagas e de conteúdos programáticos voltados apenas para o futuro, tendo a possibilidade de ser aplicada cotidianamente na vida dos habitantes do Estado, sejam eles naturais ou estrangeiros. Para Vigo (2008, p. 6), sua aplicação deixa de assimilar-se à decisão irracional ou volitiva, como em Kelsen, ou de fácil desentranhamento da solução contida na norma, para requerer da razão prática ponderações e argumentos que a validem ou justifiquem. Isto nos leva a pensar sobre a nova hermenêutica constitucional. 1. 2 A nova Hermenêutica Constitucional Com o Neoconstitucionalismo, a Constituição deixa de ser apenas um conjunto de normas, para compreender também princípios e valores que direcionam a resolução dos problemas jurídicos que surgem em meio ao convívio em sociedade. Desta forma, para interpretar o Direito Constitucional, não é interessante ser possuidor apenas de um saber meramente descritivo e sistematizador (VIGO, 2008, p. 6). Transcendendo estes limites, a nova interpretação apresenta princípios e valores fundamentais ao entendimento não apenas da Constituição, como também de todo o ordenamento jurídico. Além dos princípios, existem outros tipos de categorias que permitem interpretar a Constituição. De acordo com Barroso (2006, p. 12-15), elas são as cláusulas gerais, que deixam ao intérprete a possibilidade de valorar os aspectos subjetivos e objetivos da realidade, para assim proferir o alcance e o sentido da norma, as possibilidades de colisões de normas constitucionais, que também conferirão ao intérprete decidir qual o direito aplicável ao caso concreto, e a argumentação, que determina que o intérprete fundamente sua interpretação afim de conferir legitimidade e racionalidade à sua interpretação e decisão. Com esta nova hermenêutica, não se quer dizer que os métodos tradicionais da hermenêutica jurídica, como o gramatical, o histórico, o teleológico ou o sistemático tenham sido abandonados (BARROSO, 2006, p. 10). Pelo contrário, o que esta hermenêutica propõe é a possibilidade de utilização de todos estes métodos, mas com o pressuposto de que existe um conjunto de princípios que servem de fundamento para o entendimento e aplicação da Constituição. E muito mais do que uma interpretação de sentido único e realizada apenas por juristas, Peter Haberle apresenta que a nova hermenêutica constitucional pode ser realizada de forma pluralista e procedimental, em cujo processo estão potencialmente vinculados todos os órgãos estatais, todas as potências públicas, todos os cidadãos e grupos, não sendo possível estabelecer-se um elenco cerrado ou fixado com numerus clausus de intérpretes da Constituição (HÄRBELE, 2002, p. 13). Além do que foi exposto, há uma questão da filosofia jurídica que se faz presente de maneira destacada nesta hermenêutica. Com a reaproximação entre Direito e Moral, a rígida distinção que antes existia passa a ser questionada, colocando desta forma ao jurista a necessidade de enfrentar as exigências de uma moral crítica (VIGO, 2008, p. 6). Não que o Direito tenha sido transformada apenas em moral, mas esta passa a ser elemento central na interpretação do Direito Constitucional, reconhecendo assim uma certa subjetividade existente na práxis jurídica. 1.3 O Efeito Expansivo da Constituição pelo ordenamento jurídico 65 REVISTA JURÍDICA ON LINE

Devido à centralidade que a Constituição passou a obter no ordenamento jurídico, ela passou a funcionar como uma espécie de lente a partir da qual todas as demais leis passaram a ser entendidas. Este é um fenômeno reconhecido pelos juristas como a constitucionalização do direito, que além de repercutir sobre os Três Poderes, repercute de maneira especial sobre as relações entre o Estado e os particulares, e também nas relações dos particulares entre si. Isto se deu de maneira especial com o Direto Civil. Os juristas Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald (2007, p. 25-29) mostram que a Constituição Federal de 1988 impôs uma releitura dos institutos fundamentais do Direito Civil, em razão de tê-los reformulado internamente em seu conteúdo, e por isso o Direito Civil entra em uma nova fase, construída a partir da legalidade, que se volta para a proteção da pessoa humana antes de voltar para seu patrimônio. Além do mais, com a aproximação dos discursos da democracia com o constitucionalismo, é possível constatar que com a noção de cidadania e de dignidade da pessoa humana, os valores e princípios constitucionais passaram a propiciar uma proteção aos grupos sociais minoritários que antes eram esmagados pela maioria e se encontravam abandonados da proteção estatal, como é o caso das minorias étnicas, religiosas e sexuais (FARIAS; ROSENVALD, 2007, p. 27). Assim, observa-se que o Neoconstitucionalismo ampliou o conteúdo constitucional e a validade das normas legais, potencializando o papel do Poder Judiciário no Brasil. 2. O Neoconstitucionalismo e sua incidência sobre a realidade brasileira A Constituição de 1988 e o processo de redemocratização são os principais marcos históricos do Neoconstitucionalismo no Brasil. Falar sobre a travessia do Estado Brasileiro de um regime militar autoritário para um Estado Democrático de Direito, é falar também da luta de um povo por seus direitos, através de uma Lei Maior que permita construir uma sociedade livre, justa e solidária; garantir o desenvolvimento nacional, erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (CF, Artigo 3º, incisos I a IV). Uma das grandes transformações que o Neoconstitucionalismo provocou no Brasil foi a construção de um sentimento constitucional no país. Segundo Konrad Hesse, este é um dos elementos essenciais para que uma Constituição tenha sua força normativa, ou seja, a vontade de Constituição (HESSE, 1991, p. 23). Hoje, a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 passou a integrar o imaginário coletivo brasileiro, como um símbolo da luta e da conquista por um país mais democrático e humano, sintonizado com as demandas nacionais e internacionais. Ela deixou de ser vista como um conjunto de promessas vagas que não tem aplicabilidade direta e imediata, passando também a fazer parte do cotidiano das pessoas. Isto se deve ao fato de que as pessoas passaram a ter a noção de que são cidadãos, e que como seres humanos, possuem um conjunto de direitos e garantias fundamentais inalienáveis e imprescritíveis. Esta é uma constatação interessante, pois foi a partir disto que a Lei Maior ficou conhecida por todos no Brasil como a Constituição Cidadã. Se antes a Constituição estava localizada de maneira subalterna no imaginário coletivo, sendo o Código Civil o centro, a partir de então a Constituição tomou efetivamente a posição central, e como observam os civilistas Farias e Rosenvald (2007, p. 25-29) ela impôs uma releitura dos institutos fundamentais do Direito Civil, fazendo com que este também se constitucionalize. E isto ocorreu não apenas para o Direito Civil, mas com todos os demais ramos do Direito que passaram a ser guiados por seus princípios e valores, como forma de atingir seus objetivos fundamentais conforme seu artigo 3º. Em relação ao Poder Legislativo e Executivo, conforme Barroso (2006, p. 9; 28), ela colocou limites em suas atuações práticas, e colocou o dever de promover seus fins constitucionais. A jurisdição constitucional passou a ser exercida de forma difusa por juízes e tribunais, e de forma concentrada pelo STF, e expandiu-se devido à ampliação do direito de propositura (art. 103) e à criação de novos mecanismos de controle concentrado, como a ação declaratória de constitucionalidade e a regulamentação da argüição de descumprimento de preceito fundamental. Por fim, de acordo com o mesmo jurista, em relação ao Poder Judiciário, pode-se dizer que ele está passando por um processo de ascensão, ocupando uma posição de destaque como nunca foi visto na história brasileira. Isto se dá em função de que tem REVISTA JURÍDICA ON LINE 66

havido uma judicialização de questões políticas e sociais, que passaram a ter nos tribunais a sua instância decisória final, e devido ao fato de que os juízes e tribunais passaram a desempenhar um papel simbólico importante no imaginário da sociedade. Basta observar o trabalho do STF, quando trata de temas de interesse geral da sociedade, como foi o caso do uso das células embrionárias para pesquisas. Mas nem tudo é perfeito. Com o Neoconstitucionalismo e a euforia dos legisladores e do povo que passavam por um processo de mudança política, a Constituição de 1988 acabou se tornando mais que uma carta de princípios, compondo-se de forma intensiva, extensiva e prolixa, o que tem sido alvo de críticas de vários juristas. Abstract: The new constitutionalism in Brazil is a group of ideas in constitutional law taking the constitution as the central part of the juridical order with a new interpretation leaded by principles and values in the philosophy of the country. In the way, this paper is about the new constitutionalism shown as in the new world order. In contemporary law the method of this search is bibliographical research. Key Words: new constitutionalism, constitutional law, contemporary law. BIBLIOGRAFIA BARROSO, Luís Roberto. Fundamentos Teóricos e Filosóficos do Novo Direito Constitucional Brasileiro (Pós-modernidade, teoria crítica e pós-positivismo). Revista de Direito Administrativo. Rio de Janeiro, jul./set. 2001. BARROSO, Luís Roberto. Neoconstitucionalismo e Constitucionalização do Direito: O triunfo tardio do direito constitucional no Brasil. Themis, Revista da ESMEC, Fortaleza, v. 4, n. 2, p. 13-100, jul./dez. 2006. BARROSO, Luís Roberto. O Direito Constitucional e a Efetividade de Suas Normas: limites e possibilidades da Constituição Brasileira. 7.ed. São Paulo: Renovar, 2003. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil: Texto constitucional promulgado em 5 de outubro de 1988, com as alterações adotadas pelas Emendas Constitucionais nº 1/92 a 56/2007 e pelas Emendas Constitucionais de Revisão nº 1 a 6/94. Brasília: Senado Federal, 2008. BULOS, Uadi Lamêgo. Constituição Federal Anotada. 7.ed. Rev. E atual. até a Emenda Constitucional n. 53/2006. São Paulo: Saraiva, 2007. CAMBI, Eduardo. Neoconstitucionalismo e Neoprocessualismo. In: FUX, Luiz et al (Coord.). Processo e Constituição: estudos em homenagem ao professor José Carlos Barbosa Moreira. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006. CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 3.ed. Coimbra: Almedina, 1999. GRUN, Ernesto. Las Globalizaciones Jurídicas. Revista Facultad de Derecho y Ciencias Políticas. Vol. 36, nº 105 p. 323-339, Medelin Colombia. Julio-Diciembre, 2006. HABERLE, Peter. Hermenêutica Constitucional: A sociedade aberta dos intérpretes da constituição: contribuição para a interpretação pluralista e procedimental da constituição. Trad. Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2002. HESSE, konrad. A Força Normativa da Constituição. Trad. Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1991. LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 12 ed. São Paulo: Saraiva, 2008. MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. São Paulo: Atlas, 2008. ROSENVALD, Nelson. FARIAS, Cristiano Chaves de. Direito Civil: Teoria Geral. 6 ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007. 67 REVISTA JURÍDICA ON LINE

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