O USO DO A GENTE NO LUGAR DO PRONOME NÓS ENTRE OS FALANTES DE LÍNGUA PORTUGUESA



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Transcrição:

UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL DELAC-Departamento de Estudos de Linguagem, Arte e Comunicação CURSO DE LETRAS PORTUGUÊS E RESPECTIVAS LITERATURAS O USO DO A GENTE NO LUGAR DO PRONOME NÓS ENTRE OS FALANTES DE LÍNGUA PORTUGUESA Janaina Smaniotto Ijuí, Julho 2010

UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADODO RIO GRANDE DO SUL DELAC- Departamento de Estudos de Linguagem, Arte e Comunicação CURSO DE LETRAS PORTUGUÊS E RESPECTIVAS LITERATURAS O USO DO A GENTE NO LUGAR DO PRONOME NÓS ENTRE OS FALANTES DE LÍNGUA PORTUGUESA Trabalho de conclusão de curso apresentado ao Curso de Letras e Respectivas Literaturas da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul-UNIJUI, como requisito parcial à obtenção do título de Licenciatura. Autora: Janaina Smaniotto Professora Orientadora: Rosita da Silva Santos Ijuí, Julho, 2010

2 EPÍGRAFE Aula de Português A linguagem Na ponta da língua Tão fácil de falar E de entender A linguagem na superfície estrelada das letras Sabe lá o que ela quer dizer? Professor Carlos Góis, ele é quem sabe E vai desmatando O amazonas da minha ignorância. Figuras de gramáticas, esquipáticas Atropelam-me, aturdem-me, seqüestram-me. Já esqueci a língua em que comia Em que pedia para ir la fora, Em que levava e dava pontapé. A língua, breve língua entrecortada Do namoro com a prima. O português são dois; o outro, mistério. (C.Drumond de Andrade,Esquecer para lembrar:rio de Janeiro:Record,1979).

3 Agradecimentos A DEUS, por ter recompensado todo o meu esforço e a minha vontade para superar todos e quaisquer desafios ao longo dessa jornada. Dedico este trabalho a toda minha família e amigos, em especial ao meu pai, minha mãe, minhas irmãs, meu namorado, a amiga orientadora, Prof. Rosita da Silva Santos, colegas e professores do Curso de Letras Português e Respectivas Literaturas.

4 SUMÁRIO CONSIDERAÇÕES INICIAIS... 05 1.1-A História da Língua Portuguesa... 07 1.2-O Português no Brasil... 09 1.3-O Português da Atualidade... 11 2-GRAMÁTICA... 13 2.1-A História da Gramática... 13 2.2-Gramática: Mais que uma?... 15 2.3-Gramática e Ensino... 20 2.4-Linguística ou Gramática.... 21 3 -Pronomes Pessoais... 24 3.1- A gente... 27 4-METODOLOGIA... 29 4.1-Análise dos dados Coletados... 30 4.2 IMPLICAÇÕES PEDAGÓGICAS... 33 CONSIDERAÇÕES FINAIS... 38 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS... 41

5 CONSIDERAÇÕES INICIAIS O presente trabalho de conclusão de curso constitui-se em um mapeamento da história da língua portuguesa e sua gramática, em especial um estudo dos pronomes pessoais, no que diz respeito à substituição do nós pelo a gente entre os falantes de língua portuguesa e em que o seu ensino está implicado. Muito se tem questionado a respeito do ensino de gramática nas aulas de língua portuguesa: afinal a gramática deve ou não ser ensinada? Em vista disso, surgem também outros questionamentos, acerca do ensino de língua portuguesa nas escolas, pois ao educador compete o ensino da gramática normativa para o cumprimento dos Parâmetros Curriculares Nacionais, os quais servem de referência para o trabalho de todas as disciplinas nos três níveis para a formação escolar dos discentes. Observa-se uma grande dificuldade em relação à aprendizagem, por parte desses, de acordo com a norma culta imposta. Isso acontece devido à cultura dos estudantes que, muitas vezes, é incompatível com a exigida pela escola, levando os mesmos a concluírem a vida escolar sem saberem ler e escrever adequadamente. Não há dúvida de que se deve ensinar a gramática normativa nas aulas de língua portuguesa, embora se saiba perfeitamente que ela em si não ensina ninguém a falar, ler e escrever com precisão (Antunes, 2007, p. 53). O dever da escola é ensiná-la oferecendo condições ao aluno de adquirir competência para usá-la de acordo com a situação vivenciada. Não é com teoria gramatical que a escola concretizará o seu objetivo, pois isto leva os estudantes ao desinteresse pelo estudo da língua, por não terem condições de entender o conteúdo ministrado em sala de aula, resultando assim frustrações, reprovações e recriminações que iniciam pela própria escola e acarretam no preconceito linguístico.

6 O principal objetivo no momento de elaboração do trabalho foi o de constatar a existência do fenômeno da substituição do a gente pelo pronome nós entre os falantes de língua portuguesa em diferentes níveis de comunicação, tanto na linguagem formal como na informal, e analisar sua presença ou não na gramática normativa, descritiva e prescritiva e ainda propor uma maneira viável e frutífera para o ensino dos pronomes nas aulas de língua portuguesa. O objetivo foi o de verificar o quanto alguns casos de língua falada estão presentes na vida das pessoas e com isso possibilitar o ensino através dessas ocorrências trazendo o ensino de gramática para a realidade do aluno. É importante enfatizar que a assimilação crítica dos estudos linguísticos e a necessidade de se estabelecer um maior contato do professor com a língua materna e a proposta da linguística é valorizar a língua falada pelo aluno, considerando que a gramática não deve ser tida como uma verdade única, absoluta e acabada, mas seus conceitos devem ser relativizados, para que alcance o educando do século XXI. Mediante algumas situações ocorridas em sala de aula, relacionadas à aprendizagem, faz-se necessário algumas mudanças nos procedimentos adotados em relação ao ensino de língua portuguesa, pois se sabe que os alunos pertencem a diferentes culturas e devem ser atendidos de acordo com suas necessidades, baseando-se em suas possibilidades de leitura e escrita e levando em consideração o potencial gramatical que cada um tem ampliado, ou seja, enriquecendo o poder linguístico através do ensino da gramática, que tem por objetivo preparar o aluno para uma produção textual obedecendo à norma padrão. Este trabalho de caráter analítico será útil para qualquer pessoa que se interesse pelo estudo da língua, principalmente aquela fincada na visão funcionalista, que busca explicar e encarar os fatos ocorridos na língua falada como sendo um amplo campo para o estudo, pois percebe-se que o ensino de língua portuguesa passa por muitas dificuldades, não apenas com a forma de ensinar a gramática, como também a maneira como o professor atua em sua prática.

7 1.1 A HISTÓRIA DA LÍNGUA PORTUGUESA. Segundo Ilari e Basso (2006), o Brasil é o país com o maior número de falantes da língua portuguesa no mundo. Embora seja o maior em número de falantes, o português não nasceu aqui, ele foi implantado no continente sul-americano por efeito da colonização portuguesa, que começa com a chegada de Pedro Álvares Cabral. Como sabemos, as línguas não morrem. Por serem entidades semânticas, elas estão sempre mudando; então, conforme Ilari e Basso (2006), não há ruptura entre a língua que os brasileiros falam hoje e a língua falada em Portugal antes da chegada ao Brasil, assim como também não há ruptura entre o português do tempo dos descobrimentos e o romance português, ou seja, a língua românica falada no norte de Portugal no final do primeiro milênio. O mesmo acontece para o conjunto de línguas românicas em relação com o latim. Assim, podem-se situar as origens do português em torno do ano de 1000, com o surgimento não da língua, mas da nação portuguesa, que já exprime umas línguas próprias, distinta das demais línguas da península ibérica. Ainda conforme autores supracitados, na época do descobrimento, ou seja, em 1500, o português já tinha características bem definidas, tanto em sua fonologia, como em sua sintaxe e seu léxico. Tinha encontrado uma própria solução para sua ortografia e já era a língua de uma rica literatura. Isso tudo resultado de uma história externa que não pode ser ignorada. Os linguistas caracterizam a história externa como os fatores não linguísticos que tiveram peso na evolução da língua e também referem-se à história interna como sendo as mudanças ocorridas na estrutura da língua. Para Ilari e Basso (2006), a origem do latim explica muitas características do português, e voltar à língua anterior aos descobrimentos é a única maneira de avaliar até que ponto o português mudou, não só no Brasil, mas nas novas terras a que foi levado. E para olhar essa língua anterior ao descobrimento será indispensável avaliar algumas hipóteses que procuram explicar a especificidade do português brasileiro em relação a outras variedades da língua. Uma dessas hipóteses afirma que o português do Brasil é mais arcaico do que o português europeu; outras hipóteses afirmam que ele traz características próprias da fala desta ou daquela região de Portugal.

8 O latim que deu origem à língua portuguesa não foi nem o latim literário, nem o latim da Igreja. Para Ilari e Basso (2006), foi uma terceira variedade chamada de latim vulgar. A tradução para esse latim vulgar seria uma espécie de vernáculo, ou seja, um modo de aprender línguas. O aprendizado que se dá por assimilação espontânea e inconsciente no ambiente onde as pessoas são criadas. O latim vulgar opõe-se ao latim literário e ao latim eclesiástico por ter sido um vernáculo. Ao passo que o latim literário e, mais tarde, o latim eclesiástico foram ensinados com o apoio da escrita, o latim vulgar foi uma variedade de latim principalmente falada, a mesma que os soldados e comerciantes romanos levaram às regiões conquistadas durante a formação do império, que foi passando de geração em geração sem ser ensinada formalmente. (Ilari e Basso, 2006, p.17). Logo após as conquistas militares, houve um tempo de estabilidade no Império Romano. Segundo Ilari e Basso (2006), durante esse tempo o latim vulgar foi falado na maioria dos territórios conquistados. Acredita-se que, com isso, o latim vulgar apresentou uma relativa uniformidade em uma grande área geográfica que correspondia boa parte da Europa Ocidental. Mas a uniformidade linguística foi se diversificando cada vez mais, sob o impulso de inovações locais que já não tinham como circular por todo o território romanizado. Assim, no final do século X, o território romano tinha se tornado um lugar de diferentes falares locais, de maior e de menor prestígio. Essa fragmentação do latim vulgar contrasta não só com a relativa uniformidade do próprio latim vulgar durante o período imperial, mas ainda com a uniformidade do latim literário e do latim eclesiástico, que continuaram sendo usados, assim como a fala popular. Mais tarde, alguns dos falares da região, derivados do latim vulgar, ganharam prestígio e transformaram-se nas línguas românicas que conhecemos hoje, dentre elas o português. A diferença do latim vulgar e do latim literário, tanto na sua estrutura gramatical como no seu léxico, é grande e, por esse motivo, embora sendo uma derivação do latim, não basta saber português para entender os textos da literatura latina. O português do Brasil teve como influência o colonizador português, as populações indígenas, os escravos africanos e do próprio brasileiro nativo para formar o que hoje conhecemos de português brasileiro.

9 1.2-O PORTUGUÊS NO BRASIL. Segundo Ilari e Basso (2006), o português é hoje a língua de um país com 8,5 milhões de quilômetros quadrados e muitos dos aspectos de formação do Brasil são importantes para entender a situação lingüística que o Brasil vive atualmente. Um desses aspectos diz respeito à formação do território nacional, pois o atual território brasileiro se definiu ao longo de mais de quatro séculos num processo pelo qual novas regiões foram incorporadas ao que se entendia por Brasil e essa expansão fez com que o português, a partir da costa atlântica, realizasse extensa e inexorável ocupação a oeste, feita quase sempre por línguas indígenas. E é devido a esse processo que o Brasil é hoje o maior país de língua portuguesa em extensão territorial e também o país onde vive o maior número de falantes de português, cerca de 182 milhões de habitantes. Conforme Basso e Ilari (2006), o país atravessou vários processos ao longo dos três últimos séculos, alguns dos quais ainda estão em andamento. Entre eles estão o crescimento demográfico, a urbanização e a ocupação do interior. O primeiro senso brasileiro contabilizou um total de 9,9 milhões de habitantes, isso para os anos de 1872. Já no final do século XIX, a população começa a crescer num ritmo significativo. Embora os últimos sensos mostrem uma redução nesse ritmo, a taxa de crescimento continua positiva. Em 2004, éramos uma população de 181,6 milhões e estima-se que para 2020 sejamos 219 milhões. Esse crescimento numérico da população tem a ver com a progressiva urbanização porque, a partir do século XX, as cidades cresceram em um ritmo alucinante e esse crescimento é o resultado, sobretudo, de grandes migrações internas e da ocupação do interior brasileiro. Essa urbanização recente, deslocamento de grandes massas migratórias, industrialização, como não poderia deixar de ser, deixaram marcas de tudo isso no português falado aqui. Basso e Ilari (2006) dizem que ao longo de 500 anos de história, a situação linguística do Brasil foi supercomplexa, pelo fato de ter a presença das línguas indígenas, a do português colonizador, a das faladas pelos escravos africanos e logo depois das línguas faladas pelos imigrantes. Então, na formação do português no continente americano, encontramos praticamente todas as situações de contato linguístico possíveis.

10 O final do século XIX e o início do XX são de muita importância para a história do português do Brasil. Esse período é marcado não só por uma série de fatos e eventos que afetam a língua portuguesa, mas também por algumas transformações estruturais. Para Basso e Ilari (2006), o novo contexto criado pela República toma força, há uma preocupação em contar com uma escola pública leiga de alto nível, o que resulta na elaboração das primeiras antologias nacionais para uso escolar, a imagem da língua que prevalece na sociedade é a que se pode retirar dos escritores, e a mesma preocupação de preservação da pureza da língua que prevalece na literatura parnasiana também aparece em muitos gramáticos, que combatem os estrangeirismos desnecessários e as formas de expressão mais tipicamente populares. Enquanto isso acontecia na sociedade, a estrutura sintática do português passava por algumas mudanças menos visíveis, mas nem por isso de menos importância. Essa mudança no português brasileiro refere-se à omissão do objeto direto quando ele consistiria num pronome átono, prevalece o uso do sujeito pronominal, a construção das orações relativas como cortadoras ou copiadoras, de preferência à construção completa ou clássica, prevalece também o uso da ordem sujeito verbo e não verbo sujeito. Essas mudanças são características do português brasileiro e não aconteceram no português europeu, no qual tudo continuou como antes. Para os estudiosos de sintaxe, essas mudanças têm um interesse a mais, pois de acordo com a teoria de Noam Chomsky isso não se trata de fatos independentes, mas sim de manifestações de um mesmo arranjo pelo qual teria passado à sintaxe da língua. Simplificando muito, esse rearranjo constituiu em valorizar a posição que os sintagmas nominais ocupam em relação ao verbo como principal recurso para marcar sua função. Antes da mudança, o português brasileiro indicava função sintática por meio de recursos mais diversificados. Resumindo, no final do século XIX, o português do Brasil elegeu a posição como principal estratégia para indicar a função sintática, dando uma menor importância ao movimento. No final do século XIX, enquanto os gramáticos continuavam envolvidos com seus problemas de sempre, o português do Brasil adotou uma sintaxe parcialmente diferente daquela que se utiliza no português europeu. Temos ai uma conclusão de peso, porque a sintaxe tem sido considerada desde sempre o nível de análise linguística mais importante, quando se pretende decidir se estamos diante de uma ou duas línguas. (Basso e Ilari, 2006, p.86,87).

11 1.3-O PORTUGUÊS DA ATUALIDADE. Hoje, no Brasil, há uma coincidência notável entre as divisas políticas e as fronteiras do português com outras línguas. A forte coincidência que se nota no Brasil entre limites políticos e limites linguísticos não deve impedir-nos de ver algumas situações de bilinguismos, ou seja, para as situações em que o português convive com outras línguas. O português convive com outras línguas, muitas vezes vinda de comunidades formadas por negros após a abolição que se fecharam a colonização por questão de autodefesa, ou mesmo áreas colonizadas por imigrantes europeus que conservam sua língua ou dialeto. Algumas dessas comunidades já foram comunidades de fala não portuguesa, cercadas por todos os lados do português. Mas com o regime do Estado Novo e com a Segunda Guerra Mundial, essas comunidades foram alfabetizadas em português juntamente com todo o território nacional, num primeiro momento essas comunidades passaram a ser bilíngues e logo mais acabaram abandonando a língua trazida pelos imigrantes. Eni Orlandi (2004) instiga-nos a pensar acerca da necessidade de nomear a língua que falamos, pois a questão da língua em que se fala toca o sujeito em sua autonomia, em sua identidade e em sua autodeterminação: falamos a língua portuguesa ou a língua brasileira? E se pensarmos como os gramáticos eruditos que consideravam que só podia falar uma língua, a portuguesa, sendo o resto apenas brasileirismos, tupinismos, escolhas ao lado da língua verdadeira? Temos assim, em termos de uma língua imaginária, uma língua padrão, apagando-se, silenciando-se o que era mais nosso e que não seguia os padrões: nossa língua brasileira. No início do século XIX, Dom Pedro decidiu que a língua que falaríamos seria a língua portuguesa, e os efeitos desse jogo político, que nos acompanha desde a aurora do Brasil, nos faz oscilar sempre entre uma língua outorgada, herança de Portugal, intocável, e uma nossa, que falamos em nosso dia-a-dia, a língua brasileira. No século XX, na década de 1930, há uma discussão na Câmara Federal sobre o nome da língua do Brasil. Decide-se então pelo indefinido, falamos a língua nacional. Embora a cultura escolar se queira, muitas vezes, esclarecedora em sua racionalidade e moderna em sua abertura, acaba sempre se curvando a legitimidade da língua portuguesa que herdamos e, segundo dizem, adaptamos as nossas conveniências, mas que permanece em sua forma

12 dominante inalterada, intocada, que é a língua portuguesa e quem não a fala, mesmo sendo um brasileiro, morando no Brasil, erra e é considerado um marginal da língua. Falamos a mesma língua, mas falamos diferente. Consideramos, pois, a heterogeneidade lingüística no sentido de que joga em nossa língua um fundo falso em que o mesmo abriga, no entanto, um outro, um diferente histórico que o constitui ainda que na aparência do mesmo : o português brasileiro e o português se recobrem como se fossem a mesma língua, mas não são. Produzem discursos distintos, significam diferentemente. Discursivamente é possível se vislumbrar esse jogo, pelo qual no mesmo há uma presença dupla, de pelo menos dois discursos, efeitos de uma clivagem de duas histórias na relação com a língua portuguesa: a de Portugal e a do Brasil. (ORLANDI, P. Eni, 2004, p. 30).

13 2- A GRAMÁTICA 2.1-A HISTÓRIA DA GRAMÁTICA Para Gesualda Rasia (2008), a constituição histórica da Gramática parte do objetivo de que a linguagem era uma ciência que teve suas análises feitas a partir das especulações de Platão e Sócrates no século V Ac. Os estudos gramaticais foram fundados na Grécia, com a linguagem sendo de um cunho totalmente filosófico. A partir desses estudos, constatou-se que a língua retrata os fatos da realidade por uma relação natural, intrínseca à língua ou por mera convenção. Platão, na sua obra O crátilo, defende que a linguagem é o espelho do mundo, e preocupa-se com a sua denominação, Herógenes defende a arbritariedade da língua e Sócrates tem uma posição intermediária. Platão estabelece as categorias de substantivo e verbos essenciais para as preposições, à ênfase dada à categorização era de ordem semântica e não formal. Conforme a autora supracitada, deve-se também a Platão a organização das classes das palavras, que são partes do discurso, para se chegar às funções sintáticas, questão esta central da linguagem. Para os sofistas, os estudos gramaticais partem da sintaxe para chegar à morfologia, a predicação é a questão central da linguagem. Platão estabelece a distinção entre substantivo e verbo, princípio da frase declarativa, constituintes básicos; Aristóteles acrescenta a classe das conjunções, para ligar as partes do discurso. Em decorrência disso, Aristóteles estabelece as chamadas categorias aristotélicas que foram classificadas como: a substância ou a essência (o quê) referindo-se ao substantivo,

14 o quanto, o qual, o relativamente a quê, este se referindo ao quantificar, o onde, o quando, se referindo ao espaço e ao tempo, o estar em posição, o estar em estado e o sofrer, estes três referindo-se às categorias verbais. Silva (2002) afirma que até aqui estavam definidas no léxico oito partes do discurso, que eram: o nome, verbo, particípio, artigo, pronome, preposição, advérbio e conjunção. Os estóicos foram os que delinearam a gramática tradicional, porém ela se estabeleceu de forma definitiva com os filólogos alexandrinos a partir da descrição de Dionisio de Trácia, em Tekné Grammatik, que incluía a morfologia e a fonética, e tinha como objetivo demonstrar a arte do bem escrever, baseados na língua dos poetas e pensadores gregos. Nesta fase, a gramática era abordada independentemente da filosofia e da lógica. No ano 500, Prisciano, baseado nos estudos de Apolônio e Dionísio Trácio, elabora a primeira gramática latina, com uma morfologia que buscava da etimologia verdadeira, significado original das palavras. Varrão, outro autor latino, estabelece a distinção entre flexão, palavras variáveis e invariáveis, e derivação. Naquela época, a palavra era a unidade mínima significativa, não se conhecia os termos, raiz, radical e afixos, a palavra era considerada unidade semântica, a chave para o verdadeiro significado. Com os estudos do sânscrito (séc. VI) estabeleceu-se a estrutura interna das palavras, ou seja, as unidades mínimas: raízes e afixos; somente no séc. XIX a palavra morfologia foi empregada como termo linguístico. Conforme Silva (2002), a sintaxe, na língua grega, iniciou-se somente no século II dc., com Apolônio Discólio e também com ênfase filosófica. O significado das palavras para eles então estava centrado na própria palavra, uma unidade mínima da frase. O objetivo desse estudo direcionou-se a estrutura verdadeira na busca das regularidades. A Idade Média foi uma fase muito importante nos estudos gramaticais do ocidente. Alguns aspectos contribuíram para tal importância, como a disseminação do latim, o avanço do catolicismo, as traduções das escrituras e as gramáticas foram editadas para o ensino do latim. O resultado de tudo isso foi uma tensão entre o latim, a língua de cultura e as línguas nativas. Rasia (2008) diz que com o renascimento, o latim perde sua hegemonia para as línguas nacionais e enfoca-se a língua como objeto de ensino. Nessa época, surgiram gramáticas exóticas, o tupi, para fins de evangelização. O objetivo disso era mostrar que as línguas vernáculas eram passíveis de descrição a partir de suas regularidades. As gramáticas,

15 manuais descritivos para fins de estudo dos estudantes de línguas estrangeiras, surgem a partir de então, na busca pela sistematização, a fonética, fonologia, a morfologia e a filologia. Com perda de espaço do latim em relação às línguas vernáculas, surge a chamada Gramática Geral e Racional (1660)-Gramática de Port-Royal, que buscava a clareza das línguas vernáculas. Port Royal via a língua como um produto da razão e que diferentes línguas são variedades de um sistema lógico e racional mais geral. Ele também estabeleceu o fim do privilégio da gramática latina, estabeleceu também a frase como unidade gramatical, em oposições dos pensamentos anteriores, que focavam a palavra e suas flexões. Port Royal é o responsável pelo modelo de análise sintática estudada até hoje na atualidade. Rasia (2008) constata que houve algumas implicações da tradição Greco-latina nos processos de gramaticalização das línguas ocidentais, no processo que conduz a descrever uma língua, categorizar unidades, fornecer exemplos e regras para construir enunciados e exemplos podem substituir regras e os paradigmas completos não pertencem à tradição Greco-Latina, mas resultam da finalidade pedagógica, as regras de uma língua, de caráter prescritivo ou descritivo. Se pensarmos na historicidade da gramática, desde sua fundação a partir dos pensamentos filosóficos, da inclusão dos critérios semânticos, de ordem morfológica ou sintática nas gramáticas atuais, dos estudos gramaticais que começaram na Grécia antiga, passando aos romanos e dali para o mundo, porém sem deslizes, ela sempre evoluí acarretando com isso mudanças, pois há uma necessidade de didatizar as gramáticas, por questões pedagógicas, mas hoje ainda a língua é vista como heterogênea, não cristalizada, ou pronta, sempre numa constante mudança conforme o tempo evoluí. 2.2-GRAMÁTICA: MAIS QUE UMA? Irandé Antunes (2007), em seu livro Muito além da Gramática, aborda o tema dos diferentes tipos de gramática, pois quando falamos gramática pensamos em uma coisa só, mas não, são coisas bem diferentes. Quando falamos gramática, podemos estar falando de regras que definem o funcionamento de determinada língua, regras que definem o funcionamento de

16 determinada norma, de uma perspectiva de estudo, de uma disciplina escolar ou mesmo de um livro. Se pensarmos a Gramática como um conjunto de regras que definem o funcionamento de uma língua, englobamos todas as regras de uso de uma língua, desde seus padrões de formação das sílabas, passando por aqueles outros de formação de palavras e de suas flexões, até aqueles níveis mais complexos de distribuição e arranjo das unidades para a constituição das frases e dos períodos. Para Antunes (2007), qualquer pessoa que fala uma língua fala essa língua porque sabe a sua gramática, mesmo que não tenha consciência disso, ou seja, tentar demonstrar como a gramática da língua, nesse sentido de gramática interiorizada, de conhecimento das particularidades da gramática da língua nativa, faz parte do conjunto de saberes que as pessoas desenvolvem desde a mais terna idade. Mas existe a ideia de que apenas a norma culta segue uma gramática, as outras funcionam sem gramática. Essa ideia está fora de contexto, pois toda a língua, em qualquer que seja a condição de uso, é regida por uma gramática. A gramática é constitutiva da língua, ou seja, faz a língua ser o que ela é. Para os falantes nativos de uma língua não existe gramática complicada, pois todos sabem dizer o que querem dizer, e isso acontece porque para esses falantes a gramática está internalizada, sua gramática da língua, num sentido de seu uso real. Antunes (2007) acredita que valeria muito a pena explicar isso aos alunos, pois eles se sentiriam mais encorajados a empreender a tarefa de ampliar suas habilidades comunicativas, demonstrando isso por meio de exemplos ricos e simples. A gramática da língua vai sendo aprendida naturalmente, ou seja, na própria experiência de se ir fazendo tentativas, ouvindo e falando, não se pode dizer que há um momento exato para uma pessoa aprender a gramática, pois ela vai sendo incorporada ao conhecimento intuitivo, pelo simples fato de a pessoa estar exposta à convivência com outras pessoas, em atividades sociais de uso da língua. Em um segundo momento, se pensarmos a gramática como um conjunto de normas que regulam o uso da norma culta, estaremos falando de uma gramática particularizada, ou seja, que não abarca toda a realidade de uma língua, pois contempla apenas aqueles usos considerados aceitáveis na ótica da língua prestigiada socialmente, portanto, é aquela normativa, que prescreve, que define o certo do errado da língua.

17 Essas definições não são feitas por razões propriamente linguísticas, por razões internas à própria língua, e sim por razões históricas, por convenções sociais, que determinam o que representa ou não o falar social mais aceito, por isso que não existem usos linguisticamente melhores ou mais certos que outros e sim existem usos que ganharam mais aceitação, mais prestígio que outros, por razões puramente sociais, advindas, inclusive, do poder econômico e político da comunidade que adota esses usos. Não é por acaso que a fala considerada errada é justamente a fala da classe social, que não tem prestígio nem poder político e econômico. Esse cruzamento de domínios torna um ponto bastante complexo, que exige estudo, análise, reflexão e debate consistente, dentro e fora do ambiente escolar, para que as inúmeras incompreensões que rondam a sua aceitação possam ser ultrapassadas. Antunes (2007) aborda ainda uma terceira acepção para o termo gramática, que pode ser vista numa perspectiva de estudo dos fatos da linguagem, ou seja, para designar uma perspectiva científica ou um método de investigação sobre as línguas. Ao longo dos estudos sobre linguagem, diferentes perspectivas se sucederam, umas mais centradas na língua como sistema em potencial, como conjunto de signos à disposição dos falantes, outras mais voltadas para os usos reais que os interlocutores fazem da língua, nas diferentes situações sociais de interação verbal. É por esse motivo que conhecemos a gramática estruturalista, gerativa, funcionalista, tradicional, entre outras que são linhas de estudos para as diferentes perspectivas. Cada uma dessas perspectivas de estudo possui um corpo de teorias, que justificam um tipo de apreensão, observação e análise do fenômeno linguístico e representam visões históricas da percepção que se tem acerca da linguagem e da língua, visões que, em geral, retratam a ótica comum a outros setores da vida humana. A ciência da linguagem também está em sintonia com as correntes de pensamento mais significativas em cada época, de maneira que se pode ver, por trás de qualquer estudo da linguagem, um aparato teórico que se conjuga com as visões de mundo a partir das quais as coisas são observadas e, conseqüentemente, exploradas e tratadas. (ANTUNES,. 2007,p. 31.). Numa quarta acepção, o termo gramática diminui de alcance, pois corresponde uma específica matéria de ensino escolar e que tem o maior índice de uso, pelo menos nos meios escolares. É também a grande dor de cabeça da comunidade escolar, tanto dos alunos como dos professores. É tal a ênfase nessa disciplina que, de uns anos para cá, mereceu uma carga

18 horária especial, separada das aulas de redação e de literatura, como se redigir um texto ou ler literatura fosse coisa que se pudesse fazer sem gramática, ou melhor, como se saber gramática tivesse alguma serventia fora das atividades de comunicação. Uma quinta acepção sobre gramática pode ser vista como um compêndio descritivo normativo sobre a língua, ou seja, na atividade de descrever e prescrever. Temos aí uma gramática que focaliza elementos da estrutura da língua, descrevendo-os apenas ou apresentando-os em suas especificidades, ou seja, temos uma gramática que focaliza as hipóteses do uso considerado padrão, fixando-se, assim, no conjunto de regras que marcam o que se considera como uso correto da língua. Conforme Antunes (2007), esse compêndio de gramática também pode focalizar a língua como sistema em potencial, descontextualizado, focalizando a língua nos seus usos reais, testemunhados pelas situações da interação social. Pode ainda ressaltar os aspectos de flexibilidade, de heterogeneidade da língua, como pode enfatizar a rigidez de algumas de suas regras ou formas, podendo concentrar-se tanto no escrito como no oral ou em ambas as modalidades. As gramáticas têm concedido uma abordagem especial à modalidade escrita, principalmente a literária, e ultimamente também a da imprensa. Antunes (2007) lembra-nos que as gramáticas nunca são neutras, inocentes e apolíticas. Assim, quando se opta por uma delas, estamos optando para uma determinada visão da língua, e que as gramáticas são livros escritos por seres humanos, sujeitos, portanto, a erros e imprecisões, por isso não faz muito sentido reverenciar as gramáticas como se nelas estivessem alguma espécie de verdade absoluta e eterna sobre a língua. Moura Neves (2004) nos lembra que a gramática começou como investigação filosófica sobre a natureza da linguagem, mas que hoje se apresenta como mero meio dogmático de obter correção. A história da gramática começa quando a mesma era chamada de filosófica, que não interessa e nem pertence aos objetivos de um tratamento gramatical de escola fundamental. Muitas são as considerações do termo gramática, sendo uma bem genérica, até uma bem específica, uma visão absolutamente descritiva até uma visão propriamente normativa. Pode-se defini-la como a descrição do funcionamento de uma língua, com particular incidência na morfologia e na sintaxe, ou conjunto de prescrições normativas, sistema formal, construído pelo linguista, para estabelecer um mecanismo susceptível de construir frases como gramaticais pelos locutores de uma língua, e como um sistema interiorizado pelo

19 locutor ouvinte de uma língua que lhe permita produzir e compreender as frases dessa língua, ou seja, a gramática internalizada que acompanha o indivíduo desde sempre. Moura Neves (2004) ressalta que são propostos três tipos de discurso para a gramática: aquele que produz uma imagem da língua única, homogênea, sem variação; aquele que aponta uma norma boa e uma má, ou seja, o que prescreve; e aquele que considera ausência de norma, portanto, contempla a existência de variantes. Os manuais de gramática variam de um extremo em que a norma culta é instituída como natural até o outro extremo, em que se prescinde do conceito de norma culta, passando, nos pontos intermediários, por uma catalogação dos usos com prescritos, aceitos, proibidos, entre outros. Na sociedade em geral, há uma certa discriminação na maneira como cada indivíduo fala, é desconsiderada totalmente sua origem, seu dialeto e sim exigido que a fala correta é aquela que a gramática prescreve. Moura Neves (2004) aborda que cabe à escola preservar seus educandos da discriminação social, pois se eles não receberem a devida orientação escolar, o temor do erro será cada vez mais uma questão presente e que tem sido muito mal conduzida, até mesmo para os que fazem uma pregação radicalmente liberal sobre o modo de falar ou escrever dos usuários da língua. Usar os termos certo e errado são conceitos impossíveis de estabelecer, a não ser em campos legislados, como na ortografia, ou em questões que tocam a própria gramaticalidade, ou seja, em referência a sequências que escapam à gramática da língua, sequências nunca ocorrentes em produções linguísticas de falante nativo, por menos letrado que seja. Para Moura Neves (2004), a escola é o foro institucionalista preparado para colocar os falantes nas situações de uso prestigiado da língua, e isso tem de ser feito dentro do princípio de que a norma-padrão é um uso linguístico tão natural e legítimo quanto qualquer outro, e que dela tem o direito de apropriar-se todo e qualquer usuário da língua, a fim de que esteja preparado para conversar em padrão adequado às diversas situações reais os seus enunciados, para as situações informais de fala, e especialmente no seu próprio meio social. Conforme a autora, quando um simples falantes de uma língua passa a ser escrevente da mesma língua, ele tem de desenvolver uma série de habilidades específicas, tendo de aprender a manejar unidades específicas e a operar distintas marcas de formulação, ou seja, terá de ter posse de um novo tipo de desempenho linguístico.

20 As classes de palavras, pertencentes à gramática, também estão presentes do início ao fim da vida escolar, mas estudam-se apenas nomenclaturas, não o que as elas realmente significam. Dentro das classes de palavras encontram os pronomes, mais precisamente os pessoais, aos quais darei um apanhado mais amplo no próximo capitulo. 2.3.GRAMÁTICA E ENSINO. Segundo Moura Neves (2003), ensinar eficientemente a língua e, portanto a gramática é, acima de tudo, propiciar e conduzir reflexão sobre o funcionamento da linguagem, e de maneira óbvia indo pelos estudos linguísticos, para chegar aos resultados de sentido. Pois, as pessoas falam, exercem sua faculdade da linguagem e usam a língua para produzir sentido, desse modo estudar a gramática é, exatamente, pôr sob teste o exercício da linguagem. Franchi (1991, p.54) defende a ideia de que Gramática corresponde ao saber lingüístico que o falante de uma língua desenvolve dentro de certos limites impostos pela sua própria dotação genética humana, em condições apropriadas de natureza social e antropológica. Assim, saber gramática depende apenas da ativação e amadurecimento progressivo, na própria atividade linguística, de hipóteses sobre o que seja a linguagem e de seus princípios e regras. Dessa forma, nessa concepção de gramática não há erro linguístico, mas a inadequação da variedade linguística utilizada em uma determinada situação de interação comunicativa, por não atendimento das normas sociais de uso da língua, ou a inadequação do uso de determinado recurso linguístico para a consecução de uma determinada intenção comunicativa que será melhor alcançada usando-se outros recursos. Por esse motivo costumamos denominar essa concepção de gramática internalizada, em que a linguagem é reflexo de um contexto histórico, social e ideológico, o qual constitui e dá forma ao que entendemos por competência gramatical, textual e discursiva, possibilitando a comunicação em si.

21 Na hora do ensino, muitas vezes o próprio professor tem uma postura subserviente à autoridade acadêmica, enquadrado em um paradigma tradicional de ensino, em que a ênfase está na memorização e na conceituação. Esse professor esquece-se de que a construção do ensino é um processo e não um produto acabado, encontrado nos livros e manuais didáticos. A crítica a gramatiquice e ao normativismo não significa, como pensam alguns desavisados, o abandono da reflexão gramatical e do ensino da norma padrão. Refletir sobre a estrutura da língua e sobre seu funcionamento social é atividade auxiliar indispensável para o domínio da fala e da escrita. E conhecer a norma padrão é parte integrante do amadurecimento das nossas competências lingüístico culturais. O lema aqui deve ser: reflexão gramatical sem gramatiquice e estudo da norma padrão sem normativismo. (FARACO, 2003,P.22). Devemos então partir para um ensino conjunto onde o funcionamento da língua ande lado a lado com a reflexão gramatical e a norma padrão para que nossos alunos possam exercer a real função da língua e tornarem-se seres que usam a linguagem como real modo de comunicação e que sejam compreendidos nos diversos níveis de interação. 2.4-LINGUÍSTICA OU GRAMÁTICA Existem dois campos em que se situam pontos de diversas controvérsias: são eles o da linguística e o da disciplina gramatical escolar. Não podem ser vistos como estranhos entre si nem como atuações em competição e em processo de destruição mútua, nenhum dos dois precisa vencer e substituir o outro, porque eles necessitam um do outro. A gramática dita normas e a linguística suas limitações e uso real da língua, tanto escrita como falada, ambas têm uma gramática com visões diferentes. Moura Neves (2004) traz em seus estudos que diferentes correntes teóricas vão privilegiar uma ou outra visão de funcionamento da linguagem, ou seja, a capacidade humana da linguagem é o foco da investigação gerativista, a atenção às línguas particulares e a sua organização dentro de uma história e de um sistema constituem território da gramática descritiva, da filologia, da sociolinguística, a atuação linguística abre leque para múltiplas

22 investigações de análise do discurso e sem esquecer que a questão da norma perpassa os dois últimos planos. Como ser humano, o homem fala, e, portanto, o falar tem dimensões universais, pois o homem simplesmente tem essa capacidade natural. Moura Neves (2004) afirma que, como alguém pertencente a essa comunidade, o homem fala uma língua particular, que necessariamente tem uma inserção histórica. Todos temos uma linguagem nata, falamos uma determinada língua que tem toda uma história, pois pertencemos a um país e representamos seu povo através dessa linguagem. Moura Neves (2004) ressalta que graças a sua capacidade de falar e graças à sua inserção histórica numa língua particular, o homem, efetivamente, atua linguisticamente, ele produz discurso, ele constrói textos. A gramática que a escola oferece a seus alunos é a que está no bloco intermediário desse elenco que considera os aspectos de falar, é a gramática de uma língua particular, no nosso caso a gramática do português. Aos alunos na escola oferecese um esquema de classes e subclasses, ou elenco de funções dentro da estrutura oracional, nem sempre avaliadas as relações entre as classes e as funções. Segundo a autora, a metalinguagem sufoca a linguagem, o que é antinatural, e o nível a que se limita a análise não é o nível ao qual a linguagem chega. Nossos atuais educadores distanciam muito o ensino do texto e o ensino da gramática, ficando um ensino de regras em cima de regras na sequência que o livro de gramática mostra. Esquecem muitas vezes que um texto é rico para esse ensino; é uma excelente base para esse estudo. Esquecem também que muitas vezes o ensino da língua também se traduz pela oralidade, não precisa necessariamente estudar somente as regras e os exemplos impostos pela gramática. Privilegiar a reflexão é exatamente a razão de recomendar-se um tratamento da gramática que vise o uso linguístico. Isso não apenas estudiosos e professores da língua, mas também falantes comuns, conduzindo na reflexão sobre o uso da linguagem, vão poder orientar-se para a utilização eficiente dos recursos do processamento discursivo. Falta para muitos educadores considerar o que representa o uso da linguagem, a produção discursiva, a criação e a recepção de textos, deixar que os alunos criem sem pressão seus próprios textos e gêneros, para que possa refletir a comunicação humana, ou seja, o uso da linguagem que é basicamente o cumprimento de funções.

23 Se queremos que as crianças falem e escrevam melhor, queremos que elas exerçam plenamente, sem bloqueios, sua capacidade natural de falantes, queremos que elas obtenham o domínio da língua particular que falam, o português, queremos que, nas suas atividades interlocutivas, elas consigam que as interpretações recuperem na melhor medida possível as intenções, já que essa é a meta de eficiência do processamento da interação verbal. (NEVES, Maria Helena de Moura, 2004, p. 115 apud DIK, 1997). A linguagem é heterogênea, mas a gramática trata-a como se fosse homogênea. Moura Neves (2004) afirma que a partir dessa perspectiva direcionada do tratamento escolar da linguagem seria, a princípio, a rejeição de moldes, sejam eles de desempenho, guiado por submissão estreita as normas linguísticas consideradas legitimadas, sejam eles de organização de entidades metalinguísticas, guiada por submissão estreita a um paradigma e suas exemplificações, o qual, excluindo outras formas, veladamente constitui uma organização modelar da escola em si. Moura Neves (2004) lembra-nos de como é o tratamento da gramática nas escolas, um tratamento de como a gramática fosse alguma entidade postiça a que só teremos acesso se sairmos dos textos, ou seja, se abstrairmos os usos, o que realmente seria necessário ao ensino da gramática sempre analisando o funcionamento da língua, deixando de rotular, de apenas dar nomes.

24 3-PRONOMES PESSOAIS Infante (2001), em seu Curso de Gramática Aplicada aos Textos, conceitua pronome como uma palavra que denota os seres ou se refere a eles, considerando-os como pessoa do discurso ou se relacionando com elas. Dessa forma, o pronome permite identificar o ser como sendo aquele que utiliza a língua no momento da comunicação (eu, nós), aquele a que a comunicação é dirigida (tu, você, vós, Senhora), ou também como aquele ou aquilo que não participa do ato comunicativo, mas é nele mencionado (ele, ela, aquilo, outro, qualquer, alguém, entre outros). O pronome também pode referir-se a um determinado ser, relacionando-o com as pessoas do discurso; pode, por exemplo, estabelecer relações de posse ou proximidade com a primeira pessoa, com a segunda e com a terceira. Sintaticamente, os pronomes podem desempenhar as mesmas funções desempenhadas pelos substantivos e pelos adjetivos. Há pronomes que, nas orações, assumem as funções desempenhadas pelos substantivos, são por isso, chamados pronomes substantivos. Também há pronomes que acompanham os substantivos a fim de caracterizá-los ou determiná-los, atuando em funções típicas dos adjetivos. Por isso, são chamados pronomes adjetivos. Se formos classificar os pronomes de um modo geral, podemos dizer que há seis tipos: pessoais, possessivos, demonstrativos, relativos, indefinidos e interrogativos. Os pronomes pessoais indicam diretamente as pessoas do discurso. Quem fala ou escreve assume os pronomes eu ou nós. Os pronomes tu, vós, você ou vocês para designar a quem dirige e ele, ela, eles ou elas para fazer referência à pessoa ou pessoas de quem fala.

25 Mário Vilela e Ingedore Villaça Kock (2001), em sua Gramática da Língua Portuguesa, abordam os pronomes como uma categoria gramatical com determinadas características, ou seja, são flexionáveis, não comparáveis, e são elementos que ganham peso denotacional na referencialidade do texto ou situação em que são empregados. Encontram assim a sua definição no discurso, apontando para pessoas, seres vivos, objetos ou estados de coisas, em que a relação fixada na materialidade do pronome é deduzida da conexão da frase, do texto ou da situação do discurso. Os sinsemânticos não nomeiam, mas estabelecem a dêixis, a mostração, a orientação, por isso, os pronomes flexibilizam o texto, estabelecendo elos entre as várias partes do texto. Por outro lado, os pronomes funcionam não apenas como substitutos ou representantes do nome, mas também como seus acompanhantes, como determinantes do substantivo. Para que isso ocorra é que os pronomes usam-se do recurso da flexão que marcam a concordância e a relação com a palavra que representam ou determinam. Nos pronomes, há subclasses que apenas funcionam como substantivos, ou que só funcionam como substitutos dos nomes, ou ainda pronomes que diferenciam seres vivos de não vivos. Sintática e semanticamente, os pronomes têm pontos de contato com as demais categorias, o que dificulta a sua caracterização. Além disso, os pronomes não constituem uma classe totalmente homogênea.( Villaça e Koch, 2001, p.212). Assim, pronomes pessoais apresentam formas com diferentes funções: comigo = com mim, contigo = com ti, consigo = com si, conosco = com vós, ao lado de com eles/elas. Os pronomes pessoais, o, a, os, as podem mudar sua forma: quando são colocadas depois do verbo ligam-se a este por meio de um hífen e passam a determinadas formas de acordo com a terminação da forma verbal; mas se encontramos uma forma verbal terminada em vogal ou ditongo oral, não altera a forma pronominal; quando a forma verbal termina em r, s, ou z, o pronome toma as formas lo, la, los, las, eliminando as referidas consoantes; e se a forma verbal terminar em ditongo nasal o pronome toma as formas no, na, nos e nas. Sua colocação não foge à regra geral; o pronome sujeito ocupa a posição antes do verbo e as formas complemento depois do verbo. Há particularidades de posição nos pronomes, com os tempos simples e compostos do futuro do presente e do pretérito. A forma do pronome é a chamada forma tônica e forma complemento nas formas de tratamento. Em português, usa-se o pronome pessoal tu, oposto a você, equivalente a tu em algumas regiões geográficas. É o caso da região sul do Brasil e do nordeste.

26 Moura Neves, em sua Gramática de Usos do Português, traz o pronome como sendo algo com uma natureza fórica, ou seja, o pronome tem como traço categorial a capacidade de fazer referência, pode ser a uma coisa ou pessoa, ou a um dos interlocutores da fala ou enunciado. Os pronomes pessoais fazem referência às três pessoas gramaticais do singular e do plural (eu, tu (você), ele (ela), nós, vós(vocês), eles (elas). Suas funções são a interacional, a textual e uma terceira que explica a natureza temática do referente. A interacional remete à representação na sentença dos papéis do discurso, ou seja, a fala, e a textual garante a continuidade do texto remetendo aos elementos do próprio texto. Moura Neves (2000) faz referência ao uso do sintagma nominal a gente como um pronome pessoal. Este pode ser usado para referência à primeira pessoa do plural, o nós, ou para referência genérica incluindo uma pessoa do discurso. A forma a gente sempre deixa indicada a participação da primeira pessoa no conjunto do qual está citando. Outros sintagmas nominais também fazem referência genérica, especialmente na linguagem coloquial ou popular, mas seu estatuto não tem identificação com a classe dos pronomes pessoais como o sintagma a gente tem. Para Abaurre (2006), os pronomes pessoais, por servirem para fazer referência a seres, identificam explicitamente as pessoas do discurso, ou seja, as pessoas que participam da interlocução. Sua classificação é feita de acordo com a posição que a pessoa por eles identificada ocupa na interlocução. Em uma interlocução, a 1ª pessoa é quem fala, o enunciador do discurso. A 2ª pessoa identifica sempre o interlocutor, a pessoa a quem o enunciador se dirige. A 3ª pessoa refere-se ao assunto (pode ser um ser humano ou não) dessa conversa, aquilo sobre o que falam os dois interlocutores. Além de fazer referência precisa à 1ª pessoa do plural (eu + alguém), o pronome nós também pode ser utilizado para promover a generalização do discurso. Isso acontece porque, em textos de caráter analítico, expositivo e/ou argumentativo, é importante dar ao leitor a impressão de que a voz que fala no texto não representa uma perspectiva pessoal, mas sim apresenta a visão do bom senso, da razão, da objetividade.