POLÍTICAS PÚBLICAS PARA A FORMAÇÃO E VALORIZAÇÃO DE PROFESSORES NO BRASIL: ORIENTAÇÕES E BASE LEGAL



Documentos relacionados
UNCME RS FALANDO DE PME 2015

O Ensino a Distância nas diferentes Modalidades da Educação Básica

Planejando a Próxima Década. Alinhando os Planos de Educação

XXV ENCONTRO NACIONAL DA UNCME

Mesa Redonda: PNE pra Valer!

PROPOSTA DE PROJETO DE LEI SOBRE O PISO SALARIAL NACIONAL DOS PROFISSIONAIS DA EDUCAÇÃO ESCOLAR PÚBLICA

MÓDULO II PISO SALARIAL PROFISSIONAL NACIONAL

Art. 3º Os detentores de cargo de Educador Infantil atuarão exclusivamente na educação infantil.

PL 8035/2010 UMA POLÍTICA DE ESTADO. Plano Nacional de Educação 2011/2020. Maria de Fátima Bezerra. Deputada Federal PT/RN

data PROJETO DE LEI N 8035/ Supressiva 2. Substitutiva 3. Modificativa 4. Aditiva 5. Substitutivo global

Programa de Capacitação

EDUCAÇÃO INFANTIL E LEGISLAÇÃO: UM CONVITE AO DIÁLOGO

PROCESSO N. 515/08 PROTOCOLO N.º PARECER N.º 883/08 APROVADO EM 05/12/08 INTERESSADA: SECRETARIA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO, CULTURA E ESPORTES

SEMINÁRIO: PLANO ESTADUAL DE EDUCAÇÃO DE PERNAMBUCO: UMA CONSTRUÇÃO COLETIVA

PLANO NACIONAL DE EDUCAÇÃO: DESAFIOS E PERSPECTIVAS

Plano Nacional de Educação

ESCOLA SUPERIOR DE CIENCIAS DA SAUDE COORDENAÇÃO DE PÓS GRADUAÇÃO E EXTENSÃO CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU

A construção da. Base Nacional Comum. para garantir. Direitos e Objetivos de Aprendizagem e Desenvolvimento

PLANO DE DESENVOLVIMENTO INSTITUCIONAL PDI PLANO NACIONAL DE EDUCAÇÃO METAS E ESTRATÉGIAS DE IMPLEMENTAÇÃO

Carta-Compromisso pela. Garantia do Direito à Educação de Qualidade. Uma convocação aos futuros governantes e parlamentares do Brasil

O papel da Undime na construção de políticas educacionais para a Educação Básica

PROPOSTA DE PROJETO DE LEI SOBRE O PISO SALARIAL NACIONAL DOS PROFISSIONAIS DA EDUCAÇÃO ESCOLAR PÚBLICA

Plano Nacional de Educação: uma dívida histórica do Estado brasileiro

META NACIONAL 20- ampliar o investimento público em educação pública de forma a atingir, no mínimo, o patamar de 7% (sete por cento) do Produto

Francisco Paulo Pimenta Maria Tereza de Araújo Serra

O Sr. ÁTILA LIRA (PSB-OI) pronuncia o seguinte. discurso: Senhor Presidente, Senhoras e Senhores. Deputados, estamos no período em que se comemoram os

CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO SEMINÁRIO SOBRE O PLANO NACIONAL DE EDUCAÇÃO RELATÓRIO

QUAL A (RE)ORIENTAÇÃO POLÍTICO-PEDAGÓGICA DA MODALIDADE EDUCAÇÃO ESPECIAL NO MUNICÍPIO DE ITAGUAÍ/RJ? REFLETINDO SOBRE A META 4

Câmara Municipal de BH

CONSELHO REGIONAL DE ENFERMAGEM DE SANTA CATARINA

CURSO: LICENCIATURA DA MATEMÁTICA DISCIPLINA: PRÁTICA DE ENSINO 4

Plano Nacional de Educação

PLANO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO

O papel do gestor na garantia da educação de qualidade

OS PLANOS DE CARREIRAS DOS MUNICIPIOS DO PRIMEIRO ANEL DA REGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA: A FORMAÇÃO COMO UM ELEMENTO DE VALORIZAÇÃO DO PROFESSOR

PDI Implementação da Instituição e Organização Acadêmica

Estado da Arte: Diálogos entre a Educação Física e a Psicologia

Pedagogia Estácio FAMAP

PLANO DE EDUCAÇÃO DA CIDADE DE SÃO PAULO: processo, participação e desafios. Seminário dos/as Trabalhadores/as da Educação Sindsep 24/09/2015

OS PROJETOS DE LEI EM TRAMITAÇÃO NO CONGRESSO NACIONAL QUE INCIDEM SOBRE A AGENDA INSTITUINTE DO SNE

Alfabetização. Cleuza Repulho Dirigente Municipal de Educação de São Bernardo do Campo/ SP Presidenta da Undime

2. DIAGNÓSTICO EDUCACIONAL FLORIANÓPOLIS

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE GOIÁS UNIDADE UNIVERSITÁRIA DE CIÊNCIAS SÓCIO-ECONÔMICAS E HUMANAS DE ANÁPOLIS

Gestão Democrática da Educação

Anexo II CARGOS DE DCA

Constituição Federal

FUNDAMENTOS LEGAIS, PRINCÍPIOS E ORIENTAÇÕES GERAIS PARA A EDUCAÇÃO INFANTIL

Regulamento de Estágio Curricular

Coordenação de Pós-Graduação e Extensão. Legislação sobre cursos de Pós-graduação Lato Sensu e Credenciamento da FACEC

Disciplina Estrutura e Funcionamento da. Licenciatura em Química Professor: Weslei Cândido

UM RETRATO DAS MUITAS DIFICULDADES DO COTIDIANO DOS EDUCADORES

Planos Municipais de Educação

Fórum Nacional de Diretores de Faculdades/Centros/Departamentos de Educação das Universidades Públicas Brasileiras (FORUMDIR)

Presidência da República Casa Civil Subchefia para Assuntos Jurídicos

DECRETO Nº , DE 23 DE JANEIRO DE 2015

UMA NOVA EDUCAÇÃO PARA O BRASIL COM O PLANO NACIONAL DE EDUCAÇÃO

Palavras-chave: Políticas Curriculares; Formação de Professores; Qualidade da Educação; Plano Nacional de Educação

DECRETO FEDERAL Nº 6.303, DE 12 DE DEZEMBRO DE 2007 Diário Oficial da União; Poder Executivo, Brasília, DF, 13 dez Seção I, p.

DEMOCRÁTICA NO ENSINO PÚBLICO

PROJETO DE LEI Nº, DE 2008 (Do Sr. Antonio Carlos Mendes Thame)

componente de avaliação de desempenho para sistemas de informação em recursos humanos do SUS

MATRIZES CURRICULARES MUNICIPAIS PARA A EDUCAÇÃO BÁSICA - MATEMÁTICA: UMA CONSTRUÇÃO COLETIVA EM MOGI DAS CRUZES

PROGRAMA DE ACOMPANHAMENTO DE EGRESSOS DO INSTITUTO FEDERAL DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA FARROUPILHA

Faculdade de Ciências Humanas Programa de Pós-Graduação em Educação RESUMO EXPANDIDO DO PROJETO DE PESQUISA

OFICINA Plano Municipal de Educação

PROJETO DE LEI Nº. Dispõe sobre a regulamentação da profissão de Produtor Cultural, Esportivo e de Ações Sociais. O Congresso Nacional Decreta:

CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO ELEMENTOS PARA O NOVO PLANO NACIONAL DE EDUCAÇÃO

AS 20 METAS DO PNE COMISSÃO TÉCNICA DO PME VACARIA/RS

UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO CONSELHO DE ENSINO, PESQUISA E EXTENSÃO RESOLUÇÃO Nº 21/2007

SECRETARIA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO VIÇOSA/ALAGOAS PROJETO POLÍTICO-PEDAGÓGCIO

"O MEC não pretende abraçar todo o sistema"

IMPLANTANDO O ENSINO FUNDAMENTAL DE NOVE ANOS NA REDE ESTADUAL DE ENSINO

Responsabilidades e desafios do setor público quanto ao direito à educação

FORMAÇÃO DOCENTE: ASPECTOS PESSOAIS, PROFISSIONAIS E INSTITUCIONAIS

RESOLUÇÃO Nº 20/2012, DE 14 DE AGOSTO DE 2012

Plano Municipal de Educação

Educação. Mariza Abreu 26/05/2015

GRADUAÇÃO INOVADORA NA UNESP

Regulação, supervisão e avaliação do Ensino Superior: Perguntas Frequentes. 1

O CONCEITO DE EDUCAÇÃO PERMANENTE E EDUCAÇÃO AO LONGO DA VIDA NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS: CONSIDERAÇÕES PARA O NOVO PLANO NACIONAL DE EDUCAÇÃO.

FORMAÇÃO E CAPACITAÇÃODE RECURSOS HUMANOS DA ANTT

LEI N.º de 17 de dezembro de 2010.

Profissionais de Alta Performance

PERGUNTAS FREQUENTES SOBRE ENSINO FUNDAMENTAL DE 9 ANOS

REGIMENTO DO FÓRUM ESTADUAL PERMANENTE DE APOIO À FORMAÇÃO DOCENTE GOIÁS (FORPROF-GO)

Necessidade e construção de uma Base Nacional Comum

COMISSÃO DE SEGURIDADE SOCIAL E FAMÍLIA PROJETO DE LEI Nº 3.630, DE 2004

COMISSÃO DE CONSTITUIÇÃO E JUSTIÇA E DE CIDADANIA REDAÇÃO FINAL PROJETO DE LEI Nº D, DE O CONGRESSO NACIONAL decreta:

ANEXO X DIAGNÓSTICO GERAL

GRUPO DE TRABALHO QUE PROMOVE A CÂMARA DE NEGOCIAÇÃO DEDESENVOLVIMENTO ECONÔMICO

ROTEIRO PARA ELABORAÇÃO DE PROJETOS

POLÍTICA INSTITUCIONAL DE FORMAÇÃO E DESENVOLVIMENTO PROFISSIONAL DA UNIVERSIDADE SEVERINO SOMBRA

PLANO NACIONAL DE EDUCAÇÃO E SUAS 20 METAS. Palestra: Campo Grande MS

As contribuições dos Dirigentes Municipais de Educação na construção do Sistema Nacional de Educação

Mestrado em Educação Superior Menção Docência Universitária

PACTO NACIONAL PELA ALFABETIZAÇÃO NA IDADE CERTA e AÇÕES DO PACTO

PREFEITURA MUNICIPAL DE PONTA GROSSA PLANO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO Á 2025

AUTO-AVALIAÇÃO INSTITUCIONAL: instrumento norteador efetivo de investimentos da IES

XLV PLENÁRIA NACIONAL DO FÓRUM DOS CONSELHOS ESTADUAIS DE EDUCAÇÃO - FNCE

Transcrição:

POLÍTICAS PÚBLICAS PARA A FORMAÇÃO E VALORIZAÇÃO DE PROFESSORES NO BRASIL: ORIENTAÇÕES E BASE LEGAL VOLSI, Maria Eunice França (UEM) AZEVEDO, Mário Luiz Neves (Orientador/UEM) Introdução Com o objetivo de compreender o desenvolvimento das políticas públicas para valorização de professores, o presente texto analisará as recomendações de organismos internacionais como UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura); o Banco Mundial; a CEPAL (Comissão Econômica para a América Latina e Caribe); a OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico) quanto ao encaminhamento proposto ao Brasil para a formulação e orientação de políticas públicas destinadas à formação e valorização de professores. Discutir políticas de valorização de professores nos remete a reflexões sobre a formação, uma vez que ambas são indissociáveis. Tanto formação inicial como continuada, salários dignos, condições de trabalho e carreira são imprescindíveis para que se tenha uma política efetiva destinada a esses profissionais. No entanto, essa formação e valorização precisam ser assumidas como compromisso dos governos 1 no desenvolvimento de políticas públicas que viabilizem sua execução. A legislação nacional para a educação dispõe em linhas gerais os pilares da política de valorização de professores. A Constituição Federal de 1988 determinou, a valorização dos profissionais do ensino como um princípio a ser observado na organização dos sistemas de ensino (art. 206, V). A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional Lei nº 9.394/96 também reafirmou esse principio e apresenta no título VI Dos Profissionais da Educação, a 1 Governo federal, estadual e municipal. 1

norma geral para que a União, Estados e Municípios promovam a formação e valorização desses profissionais. O Plano Nacional de Educação Lei nº 10.172/2001 ao tratar do Magistério da Educação Básica, previu a formação dos professores e a valorização do Magistério. O Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação FUNDEB, Lei 11.494/2007, têm como um de seus principais objetivos a valorização dos professores, por meio da subvinculação prevista para sua remuneração. Em 2008, a Lei nº 11.738 aprovou o Piso Salarial Profissional Nacional para os Profissionais do Magistério Público da Educação Básica. Esta lei, além de fixar o valor mínimo a ser pago a nível nacional, estabeleceu também, a carga horária de trabalho com os alunos e de estudo para os professores, bem como, a base de cálculo e período anual para atualização salarial. Em 2010, a Conferência Nacional de Educação (CONAE) ao discutir a construção do sistema nacional de educação apresentou como um dos seis eixos a formação e valorização dos profissionais da educação (eixo IV). E atualmente, tramita no Congresso Nacional o Projeto de Lei nº 8.035/2010 do novo Plano Nacional de Educação, que define como uma de suas diretrizes a valorização dos profissionais da educação e dentre as suas 20 metas, cinco são dedicadas a essa política. Com o intuito de compreender criticamente as políticas de formação e valorização de professores, a partir das mudanças político-sociais e econômicas, estabelecidas no mundo do trabalho na sociedade contemporânea, o presente texto está organizado da seguinte forma: apresenta inicialmente as recomendações dos organismos internacionais para formação e valorização de professores, em seguida os desdobramentos dessas orientações na legislação educacional brasileira a partir da década de 1990 e início de século XXI, e por fim, busca-se compreender tais políticas no contexto da reforma do Estado, a fim de visualizar o quadro político no qual foram produzidas. 2

Formação e valorização de professores na agenda internacional A sociedade atual tem sido caracterizada pela aceleração do processo de produção, pela informatização dos meios de produção, pela globalização da economia, ou seja, por sintomas sociais que caracterizam a reestruturação produtiva do capital. Em meio a essas mudanças permeadas na forma de produção da sociedade, que em sua essência ainda é capitalista, surgem expressões, denominações que tentam expressar, caracterizar a sociedade atual. Dentre elas podemos destacar: Sociedade da informação; Sociedade Pós-moderna; Sociedade do Conhecimento. Dale (2010, p. 1112) explica que, [...] numa era de Economia do Conhecimento supranacional e de reduzida importância das economias nacionais, algumas das atividades educacionais associadas com o apoio à acumulação sejam cada vez mais governadas num nível supranacional, em resposta à agenda globalmente estruturada para a educação. [...] não deveríamos partir do princípio de que os Estados nacionais e os governos não vão desempenhar papel algum: vão necessariamente estar envolvidos na interpretação e na tradução das consequências das regras modeladoras das organizações internacionais, em formas e prioridades nacionalmente apropriadas. Ao examinar a relação entre globalização e educação, Dale (2004, p.426) apresenta a abordagem denominada por ele como Agenda Global Estruturada para a Educação, que se baseia em trabalhos sobre economia política internacional, que implica forças econômicas operando supra e transnacionalmente para romper, ou ultrapassar, as fronteiras nacionais, ao mesmo tempo em que reconstroem as relações entre as nações. Tal abordagem nos permite compreender o movimento, a organização das políticas educacionais de forma mais abrangente, visualizando-as como um conjunto de ações globalmente estruturadas e não simplesmente, determinada ou direcionada de forma unilateral. Ainda conforme o autor, De forma muito crítica, neste contexto, todos os quadros regulatórios nacionais são agora, em maior ou menor medida, moldados e delimitados por forças supranacionais, assim como por forças político- 3

econômicas nacionais. E é por estas vias indirectas, através da influência sobre o estado e sobre o modo de regulação, que a globalização tem os seus mais óbvios e importantes efeitos sobre os sistemas educativos nacionais (DALE, 2004, p. 441). Nessa perspectiva, a qualidade da educação e do ensino tem sido tema recorrente nas conferências e documentos nacionais e internacionais sobre educação e desenvolvimento dos países, bem como nos discursos governamentais e, consequentemente, na produção acadêmica. Como elemento-chave desse processo de melhorar a qualidade da educação, há um consenso, no imprescindível papel dos professores. Esses são chamados a resolver o problema da má qualidade da educação. A centralidade do papel do professor para o desenvolvimento de uma educação de qualidade é algo que tem acompanhado não somente os discursos nacionais, mas também, e de forma predominante, os discursos e recomendações internacionais, por órgãos como: UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura); o Banco Mundial; a CEPAL (Comissão Econômica para a América Latina e Caribe); a OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico); entre outros. Ao evidenciar o estreitamento entre as recomendações dessas agências e a formulação de políticas para a educação no Brasil, destacam-se as parcerias da UNESCO com o MEC (Ministério da Educação e Cultura). O Documento Educação e Conhecimento: eixo da transformação produtiva com equidade, produzido pela CEPAL e pela UNESCO ao tratar da qualidade da educação, também destaca a centralidade do papel do professor ao afirmar que a profissão docente precisa ser socialmente valorizada, adequadamente remunerada e estruturada em função de méritos, exigências e desempenho (CEPAL&UNESCO, 1995, p.192). Ao enfatizar a importância do professor, apontam possíveis encaminhamentos e orientações de políticas de formação e valorização desses profissionais pelos sistemas de ensino. Em 1998 foi publicado no Brasil o Relatório para a Unesco da Comissão Internacional sobre Educação para o Século XXI, intitulado: Educação: um tesouro a descobrir, organizado por Jacques Delors. Nesse documento é atribuída a educação um 4

papel ambicioso no desenvolvimento dos indivíduos e da sociedade. Destaca-se, portanto, a importância do trabalho, atuação do professor nos sistemas de ensino. Entre as funções atribuídas a ele destaca-se o papel determinante na formação de atitudes positivas ou negativas perante o estudo ; e também, despertar a curiosidade, desenvolver a autonomia, estimular o rigor intelectual e criar as condições necessárias para o sucesso da educação formal e da educação permanente (DELORS, 1998, p.152). O Relatório aponta a necessidade de promover uma educação de qualidade no século XXI, pois várias políticas foram desenvolvidas no final do século XX para promover o acesso, é necessário e urgente, o desenvolvimento de ações que tenham como objetivo primeiro, a promoção da qualidade da educação. Nesse sentido, destacam que, Para melhorar a qualidade da educação é preciso, antes de mais nada, melhorar o recrutamento, formação, o estatuto social e as condições de trabalho dos professores, pois estes só poderão responder ao que deles se espera se possuírem os conhecimentos e as competências, as qualidades pessoais, as possibilidades profissionais e a motivação requerida (DELORS, 1998, p. 153). E para dar conta da formação desse professor, sugere então, várias ações a serem desenvolvidas pelos países que buscam a melhoria da qualidade da educação. Para tanto, faz-se necessário mudanças na formação inicial e continuada dos professores, na contratação e remuneração, bem como nas condições de trabalho desse profissional. Recentemente a UNESCO (2009), com intuito de cooperar com a política dos governos, mediante o apoio do Ministério da Educação, concebeu um projeto para o desenvolvimento de amplo estudo sobre formação inicial e continuada e a carreira dos professores no Brasil. O objetivo foi oferecer às diversas instâncias da administração educacional do país um exame do quadro vigente, seguido de orientações e recomendações, para servir de subsídio à efetiva valorização dos professores. Conforme o referido estudo, é imprescindível para o desenvolvimento do país uma educação de qualidade. Um dos desafios fundamentais para se alcançar essa educação é a valorização e qualificação continuada dos professores (GATTI; BARRETTO, 2009). 5

O Banco Mundial publicou recentemente o Relatório Atingindo uma educação de nível mundial no Brasil: próximos passos, em que apresenta quatro desafios principais para a educação brasileira de 2010-2020. Entre os quais o primeiro é melhorar a qualidade dos professores, para tanto, destaca que a melhoria da qualidade dos professores no Brasil exigirá o recrutamento de indivíduos de mais alta capacidade, o apoio ao melhoramento contínuo da prática, e a recompensa pelo desempenho (BANCO MUNDIAL, 2010, p.5). A OCDE (2005, apud MAUÉS, 2011, p, 76) afirma que a educação desempenha um papel-chave para o crescimento econômico e o emprego. Em função disso, ressalta a importância do professor para a qualidade do ensino. Ao estabelecer a relação entre educação e desenvolvimento econômico enfatiza que: [...] há necessidade de bons professores, cabendo ao governo desenvolver políticas capazes de fazer do ensino uma escolha profissional atraente; desenvolver os conhecimentos e as competências dos professores; recrutar, selecionar e empregar os professores; reter os professores de qualidade nos estabelecimentos escolares; elaborar e colocar em ação políticas relativas aos professores (MAUÉS, 2011, p.76). Essas recomendações estão presentes em documentos da OCDE desde 2001. Em 2004, ao publicar documento sobre a formação de professores se manifesta, conforme Maués (2011, p.77), de forma categórica em relação ao papel dos professores: A qualidade do corpo docente é um fator de primeiro plano, quando um país, qualquer que seja, aspira a excelência de seu sistema educacional. Os professores constituem o centro do sistema escolar, e as pesquisas mais diversas confirmaram quanto a qualidade dos professores conta na aquisição dos alunos. É por isso que os poderes públicos levam tão a sério a melhoria da qualidade dos professores, para assegurar que todos os alunos se beneficiem de um bom ensino. Observa-se, portanto, a centralidade e o consenso no âmbito das agências internacionais quanto a importância dos professores na construção de uma educação de qualidade e, consequentemente, na importância desses profissionais no desenvolvimento das economias nacionais e internacionais. 6

Base legal das políticas de formação e valorização de professores no Brasil As orientações dos órgãos internacionais para a educação tem sido referência para o desenvolvimento de políticas educacionais no Brasil. Em se tratando dos professores, várias são a leis, planos, documentos, programas e políticas nacionais que evidenciam a aproximação com tais orientações. Com relação à legislação sobre a valorização de professores no Brasil, destacase inicialmente, a Constituição Federal em vigor, promulgada em outubro de 1988, que estabelece no artigo 206 os princípios que devem nortear a organização do ensino. Entre eles, a: V- valorização dos profissionais da educação escolar, garantidos, na forma da lei, planos de carreira, com ingresso exclusivamente por concurso público de provas e títulos, aos das redes públicas; * Redação dada pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006 VIII - piso salarial profissional nacional para os profissionais da educação escolar pública, nos termos de lei federal. * Incluído pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006 (BRASIL, 2006). A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional Lei nº 9.394/96 reafirma esse princípio e destina um título aos profissionais da educação. E neste, especifica que: Art. 67. Os sistemas de ensino promoverão a valorização dos profissionais da educação, assegurando-lhes, inclusive nos termos dos estatutos e dos planos de carreira do magistério público: I - ingresso exclusivamente por concurso público de provas e títulos; II - aperfeiçoamento profissional continuado, inclusive com licenciamento periódico remunerado para esse fim; III - piso salarial profissional; IV - progressão funcional baseada na titulação ou habilitação, e na avaliação do desempenho; V - período reservado a estudos, planejamento e avaliação, incluído na carga de trabalho; VI - condições adequadas de trabalho. 7

Destaca-se ainda, o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (FUNDEF), criado pela Emenda Constitucional nº14/96 e regulamentado pela Lei nº 9.424/96. Quanto a formação e valorização dos professores a Lei do Fundef estabelece: Art. 9º Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios deverão, no prazo de seis meses da vigência desta Lei, dispor de novo Plano de Carreira e Remuneração do Magistério, de modo a assegurar: I - a remuneração condigna dos professores do ensino fundamental público, em efetivo exercício no magistério; II - o estímulo ao trabalho em sala de aula; III - a melhoria da qualidade do ensino. 1º Os novos planos de carreira e remuneração do magistério deverão contemplar investimentos na capacitação dos professores leigos, os quais passarão a integrar quadro em extinção, de duração de cinco anos. 2º Aos professores leigos é assegurado prazo de cinco anos para obtenção da habilitação necessária ao exercício das atividades docentes. 3º A habilitação a que se refere o parágrafo anterior é condição para ingresso no quadro permanente da carreira conforme os novos planos de carreira e remuneração. Art. 10. Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios deverão comprovar: II - apresentação de Plano de Carreira e Remuneração do Magistério, de acordo com as diretrizes emanadas do Conselho Nacional de Educação, no prazo referido no artigo anterior; É importante destacar, que o Fundef foi um fundo destinado somente ao ensino fundamental e os professores desse nível de ensino, não sendo permitida a utilização de seus recursos para outros níveis ou modalidades educacionais, bem como, aos seus professores. Mesmo focalizando as ações e políticas no ensino fundamental, a lei não foi rigorosamente cumprida no que tange aos professores, pois em 2006, último ano de vigência do fundo, alguns Estados e muitos Municípios ainda não possuíam Planos de Carreira e Remuneração de seus professores. O Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (FUNDEB), criado pela Emenda Constitucional nº 53/2006 e regulamentado pela Lei nº 11.494/2007 substituiu o Fundef. 8

Ambos os fundos apresentam como objetivo promover a manutenção e desenvolvimento da educação e a valorização dos profissionais da educação 2. Art. 2º Os Fundos destinam-se à manutenção e ao desenvolvimento da educação básica pública e à valorização dos trabalhadores em educação, incluindo sua condigna remuneração, observado o disposto nesta Lei. Art. 22. Pelo menos 60% (sessenta por cento) dos recursos anuais totais dos Fundos serão destinados ao pagamento da remuneração dos profissionais do magistério da educação básica em efetivo exercício na rede pública. Art. 40. Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios deverão implantar Planos de Carreira e remuneração dos profissionais da educação básica, de modo a assegurar: I - a remuneração condigna dos profissionais na educação básica da rede pública; II - integração entre o trabalho individual e a proposta pedagógica da escola; III - a melhoria da qualidade do ensino e da aprendizagem. Parágrafo único. Os Planos de Carreira deverão contemplar capacitação profissional especialmente voltada à formação continuada com vistas na melhoria da qualidade do ensino. Art. 41. O poder público deverá fixar, em lei específica, até 31 de agosto de 2007, piso salarial profissional nacional para os profissionais do magistério público da educação básica. Como é possível verificar, a legislação supracitada prevê como condição à valorização dos professores, o estabelecimento de piso salarial nacional para a categoria e estabelece prazo para o cumprimento da prerrogativa. Em 2008 foi aprovada então, a Lei do Piso Salarial Nacional para os Profissionais do Magistério Público da Educação Básica Lei nº 11.738/2008. Além de estabelecer o valor mínimo a ser pago ao professor formado em nível médio, modalidade normal, por uma jornada de quarenta horas semanais, estabelece também, a carga horária de efetivo trabalho junto aos alunos 2/3 (Art. 2º, 4º). Isso significa que a jornada destinada a estudos, planejamento (hora-atividade) será de 1/3. A lei reafirma 2 No caso do FUNDEF isso se restringiu ao Ensino Fundamental, e consequentemente, aos professores desse nível de ensino. No caso do FUNDEB, se estendeu a toda educação básica e seus profissionais da educação. 9

também, a incumbência da União, Estados, Distrito Federal e Municípios de elaborar ou adequar seus Planos de Carreira e Remuneração do Magistério (Art. 6º). A Lei do piso salarial dos professores, logo após sua promulgação, foi alvo de Ação Direta de Inconstitucionalidade junto ao Supremo Tribunal Federal (STF). Os Estados de Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Paraná, Mato Grosso do Sul e Ceará ingressaram com a Adin nº 4.167, de 29 de outubro de 2008, por considerar que a lei do piso aumentaria os gastos com educação e também, por entenderem a lei como uma intervenção federal nos sistemas estaduais e municipais, ferindo assim, o princípio da autonomia de estados e municípios. Enquanto o STF julgava a constitucionalidade da Lei do Piso, estados e municípios não eram obrigados a cumprir a lei. Em 24 de agosto de 2011, o Supremo Tribunal Federal publicou Acórdão sobre a Adin nº 4.167, considerando a Lei do Piso constitucional e o imediato cumprimento dela pelos estados e municípios. Anterior a decisão do STF, algumas ações foram desenvolvidas pelo executivo federal com o objetivo de promover a valorização dos profissionais do magistério. Em janeiro de 2009, o Ministério da Educação instituiu por meio do Decreto nº 6.755, a Política Nacional de Formação de Profissionais da Educação Básica. Conforme o Decreto, o fomento a programas de formação inicial e continuada é de responsabilidade da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). O Decreto prevê ainda, a criação de Fóruns Estaduais de Apoio à Formação dos Profissionais da Educação. Alguns meses depois, em 30 de junho de 2011, foi publicada a Portaria Normativa nº 9, do Ministério da Educação, que institui o Plano Nacional de Formação dos Professores da Educação Básica (PARFOR). Esse Plano tem como objetivo estabelecer ações e metas para a qualificação dos 600 mil professores brasileiros que ainda não possuem a formação considerada adequada ao trabalho que exercem (BRASIL/MEC, 2009). A execução e implementação de tais normais legais dependem do desenvolvimento de políticas estaduais e municipais, mais especificamente, da elaboração ou reelaboração de Planos de Carreira e Remuneração. Nesse sentido, ainda em 2009, o Conselho Nacional de Educação, Câmara da Educação Básica, publicou a 10

Resolução nº 2/2009 que fixou Diretrizes Nacionais para os Planos de Carreira e Remuneração dos Profissionais do Magistério da Educação Básica Pública. Todos os estados e municípios devem observar a referida diretriz, na elaboração ou reelaboração de seus planos para o magistério. Destaca-se ainda, como ações do executivo federal a Conferência Nacional de Educação (CONAE) ocorrida entre os dias 28 de março a 1 de abril de 2010. Precedeu a conferência nacional, várias conferências municipais, intermunicipais, estaduais e interestaduais, com participação ampla de representações da sociedade em geral. A construção de um sistema nacional articulado de educação e a elaboração do novo Plano Nacional de Educação foram os temas centrais da Conferência. Em relação ao Plano Nacional de Educação, cabe destacar que desde sua aprovação pela Lei nº 10.172, de 09 de janeiro de 2001, os professores são apontados como atores fundamentais na solução do problema da qualidade da educação. Naquele contexto, ao tratar da Formação dos Professores e Valorização do Magistério, apresenta o seguinte diagnóstico: A melhoria da qualidade do ensino, que é um dos objetivos centrais do Plano Nacional de Educação, somente poderá ser alcançada se for promovida, ao mesmo tempo, a valorização do magistério. (...) Essa valorização só pode ser obtida por meio de uma política global de magistério, a qual implica, simultaneamente:. A formação profissional inicial;. As condições de trabalho, salário e carreira;. A formação continuada (BRASIL, 2001, p. 63). Além do diagnóstico, o PNE/2001-2010 previa em relação ao magistério da educação básica, a formação e valorização dos professores, com estabelecimento de diretrizes e um conjunto de objetivos e metas á serem alcançados durante seus 10 anos de vigência. Algumas legislações educacionais aprovadas nesse início de século, evidenciam compromisso com os objetivos e metas do antigo PNE (2001-2010). No entanto, não é possível afirmar que o país tenha resolvido o problema da baixa qualidade da educação e nem mesmo, da valorização dos professores. 11

Atualmente tramita no Congresso Nacional o Projeto de Lei (PL) nº 8.035/2010, que estabelece o novo Plano Nacional de Educação. E neste, a valorização dos profissionais da educação ainda é apresentada como um dos principais problemas e desafio para que o país tenha uma educação de qualidade. Um dos principais desafios do Brasil é a melhoria da qualidade da educação básica. E se há um consenso atualmente na área da educação, este é o da relevância do papel do professor para esse processo (MEC/INEP, 2010, p.1). Entre as diretrizes do novo PNE está a melhoria da qualidade de ensino e a valorização dos profissionais da educação (PL nº 8.035, art.2º, IV, IX). Das 20 metas propostas no Plano, cinco tratam dos professores e profissionais da educação básica. São elas as metas 15, 16, 17,18 e 19. Meta 15: Garantir, em regime de colaboração entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, que todos os professores da educação básica possuam formação específica de nível superior, obtida em curso de licenciatura na área de conhecimento em que atuam. Meta 16: Formar cinquenta por cento dos professores da educação básica em nível de pós-graduação lato e stricto sensu e garantir a todos formação continuada em sua área de atuação. Meta 17: Valorizar o magistério público da educação básica, a fim de aproximar o rendimento médio do profissional do magistério com mais de onze anos de escolaridade do rendimento médio dos demais profissionais com escolaridade equivalente. Meta 18: Assegurar, no prazo de dois anos, a existência de planos de carreira para os profissionais do magistério em todos os sistemas de ensino. Meta 19: Garantir, mediante lei específica aprovada no âmbito dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, a nomeação comissionada de diretores de escola vinculada a critérios técnicos de mérito e desempenho e à participação da comunidade escolar (PL nº 8.035, 2010). Como é possível observar, o novo Plano apresenta velhos problemas e desafios que a sociedade vem tentando sanar ao longo de décadas. Desde a Constituição Federal de 1988 é apresentado como um princípio a valorização dos profissionais da educação por meio da elaboração de Planos de Carreira e Remuneração do Magistério, no entanto, ainda são muitos os estados e municípios que não os tem, ou não o adequaram, para que de fato promova tal valorização. 12

Analisando as metas do PL 8.035, juntamente com as proposições da CONAE (2010), observa-se um distanciamento entre elas. Essa constatação leva-nos a questionar: se a Conferência teve como propósito a elaboração do novo Plano Nacional de Educação, por que parte das proposições apresentadas por ela não foram contempladas no Projeto de Lei encaminhado pelo Executivo a Câmara Federal? Na verdade as metas do novo PNE aproximam-se mais das recomendações de documentos internacionais como os do Banco Mundial e da OCDE e de documentos com Metas Educativas 2021 da Organização dos Estados Ibero-americanos para a educação, a ciência e a cultura, do que das discussões realizadas na conferência. Recentemente o movimento Todos Pela Educação lançou em abril de 2011 (12/04/2011), uma nova campanha de mobilização sob o slogan Um bom professor, um bom começo. A campanha tem como objetivo a valorização do bom professor, aquele que tem o foco no aprendizado de seus alunos e que, assim, contribui efetivamente para a melhoria da qualidade da Educação no Brasil. A nível federal têm sido desenvolvidas várias políticas de formação inicial e continuada aos professores das redes públicas de ensino. Mas, para que de fato se tenha a valorização dos profissionais da educação, é necessário plano de carreira que evidencie valorização salarial, boas condições de trabalho, tempo destinado a estudo incluído na jornada de trabalho. Considerações finais Moreira (2009, p.122) pondera que a qualidade da educação não tem sido devidamente associada à valorização do magistério, indispensável para concretizá-la. Essa valorização precisa inserir-se em uma política global de magistério, que envolva simultaneamente a formação inicial, as condições de trabalho, salário e carreira, bem como formação continuada. Atrelar a qualidade da educação à formação e valorização de professores pode até ser consenso nacional e internacional, mas é preciso cuidar para não incorrer no equívoco de responsabilizar apenas o professor pelo fracasso ou sucesso escolar. Tanto as orientações internacionais, quanto as políticas que têm sido desenvolvidas com 13

intuito de valorizar os professores, nos levam a entender que o professor é o responsável pela boa ou má qualidade da educação. Tal compreensão tira de cena o verdadeiro foco do problema, que não se resume apenas a formação e valorização dos professores (que sem dúvida é de importância fundamental, mas não única), mas implica em pensar a educação e tudo que a envolve (inclusive os professores) em seu contexto mais abrangente, ou seja, implica compreendê-la no contexto político, social, cultural e econômico em que foi produzida. Ao se questionar a qualidade da educação no Brasil e propor inúmeras reformas, principalmente, a partir da década de 1990 e esse início de século, seria coerente e necessário, o aumento de investimento na educação. No entanto, em meio a tantas mudanças, alterações no texto constitucional, por meio de emendas e legislações complementares, não é possível verificar, constatar aumento de recurso. A vinculação de impostos prevista na Constituição Federal de 1988 (Art. 212, caput) permanece a mesma 3, nada foi alterado quanto aos percentuais de impostos a serem investidos em educação pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios. A Conae entre tantas proposições para o novo PNE propôs a garantia do aumento de recursos da educação de 18% para, no mínimo 25% da União e de 25% para, no mínimo, 30% de Estados, Distrito Federal e Municípios. Incluindo a arrecadação de todos os tributos, ou seja, não somente os impostos, mas também as taxas e contribuições (CONAE, 2010). Ainda em relação à questão financeira, foi proposto na Conae (2010, p. 107) a aplicação dos recursos públicos exclusivamente nas instituições públicas de ensino. E também, o investimento de 10% do Produto Interno Bruto (PIB) na educação. Essas proposições foram apontadas como imprescindíveis para a melhoria da qualidade da escola pública brasileira. No entanto, no PL nº 8.035 uma única meta trata do financiamento da educação (Meta 20) e propõe o investimento de 7% do PIB 4 em educação e ignora as demais necessidades e proposições apresentadas pela Conferência. 3 Art. 212. A União aplicará, anualmente, nunca menos de dezoito, e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios vinte e cinco por cento, no mínimo, da receita resultante de impostos, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino. 4 Desde que deu entrada na Câmara dos Deputados, em dezembro de 2010, essa questão tem sido o tema mais polêmico nas discussões em torno da aprovação do novo Plano Nacional de Educação. 14

Diante desse quadro apresentado, como pensar e materializar a valorização de professores? Como acreditar, vislumbrar educação de qualidade? E mesmo que seja aprovado, depois de muita luta e embate no Congresso os 10% do PIB, e revisto as demais proposições da Conae quanto ao financiamento da educação e valorização dos professores, ainda assim, a que se duvidar, pois, a história das políticas para a educação no Brasil nos demonstra que, não basta apenas a elaboração e publicação de leis para resolver um problema que vem se arrastando ao longo da história do País. Além da normativa legal, é imprescindível o desenvolvimento de políticas e ações que efetivamente comprovem a valorização dos professores e quem sabe, a melhoria da qualidade da educação. REFERÊNCIAS BANCO MUNDIAL. Atingindo uma educação de nível mundial no Brasil: Próximos passos Sumário Executivo. Brasília, dez., 2010. BRASIL. MEC/INEP. Referenciais para o Exame Nacional de Ingresso na Carreira Docente: Documento para consulta pública. Brasília, 2010. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado, 1988. BRASIL. Ministério da Educação. Lei de diretrizes e Bases da Educação nacional. Lei nº 9.394/96, de 20 de dezembro de 1996. BRASIL. Ministério da Educação. Plano Nacional de Educação. Lei 10.172/2001. BRASIL. Lei nº 11. 738, de 16 de julho de 2008. Instituir o Piso Salarial Profissional Nacional para os profissionais do magistério público da educação básica. BRASIL. Conferência Nacional de Educação CONAE Documento Final. 2010. Disponível em <http://conae.mec.gov.br/> Acesso em 05/09/2011. Recentemente a Comissão Especial da Câmara dos Deputados aprovou 10% do PIB para educação. Essa decisão está sendo questionada por um grupo expressivo de deputados, que certamente, levará a matéria para votação em Plenário, antes de seguir para apreciação e votação no Senado Federal. 15

BRASIL. Emenda Constitucional nº 14, de 13 de setembro de 1996. Institui o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério - FUNDEF. Brasília: Senado Federal, 1996. BRASIL. Lei nº 9.424, de 24 de dezembro de 1996. Regulamenta o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério - FUNDEF. BRASIL. Emenda Constitucional nº 53, de 19 de dezembro de 2006. Institui o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação Magistério - FUNDEB. Brasília: Senado Federal, 1996. BRASIL. Lei nº 11. 494, de 20 de junho de 2007. Regulamenta o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação FUNDEB. BRASIL. Ministério da Educação. Portaria Normativa nº 9, de 30 de junho de 2009. Institui o Plano Nacional de Formação dos Professores da Educação Básica no âmbito do Ministério da Educação. Brasília, DF: MEC, 2009. BRASIL. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação. Resolução CNE/CEB n. 2, de 28 de maio de 2009. Fixa as Diretrizes Nacionais para os Planos de Carreira e Remuneração dos Profissionais do Magistério da Educação Básica Pública. Disponível em: www.cne.gov.br/resoluçoes BRASIL. Decreto nº 6.755, de 29 de janeiro de 2009. Institui a Política Nacional de Formação de Profissionais do Magistério da Educação Básica, disciplina a atuação da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior CAPES no fomento a programas de formação inicial e continuada, e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 30 de jan. 2009. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil. Acesso em: 10 jul. 2012. BRASIL. Projeto de Lei nº 8.035, de dezembro de 2010. Aprova o Plano Nacional de Educação para o decênio 2011-2020 e dá outras providências. BRASIL. PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. Decreto nº 6.094, de 24 de abril de 2007. Dispõe sobre a implementação do Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação. 16

CEPAL/UNESCO. Educação e Conhecimento: eixo das transformações produtivas com equidade. Santiago do Chile, 1992. CONFERÊNCIA NACIONAL DE EDUCAÇÃO (CONAE), 2010, Brasília, DF. Construindo o Sistema Nacional Articulado de Educação: o Plano Nacional de Educação, diretrizes e estratégias; Documento Final. Brasília, DF: MEC, 2010. DALE, Roger. Globalização e Educação: demonstrando a existência de uma cultura educacional mundial comum ou localizando uma agenda globalmente estruturada para a educação. In: Educação & Sociedade, Campinas, vol. 25, n. 87, p. 423-460, maio/ago. 2004.. A sociologia da educação e o Estado após a globalização. In: Educação & Sociedade, Campinas, v. 31, n. 113, p. 1099-1120. out./dez. 2010. DELORS, Jacques. Educação um tesouro a descobrir. 4. ed. São Paulo: Cortez; Brasília: MEC:, 2000. GATTI, Bernardette Angelina; BARRETTO, Elba Siqueira de Sá. Professores do Brasil: impasses e desafios. Brasília: UNESCO, 2009. MAUÉS, Olgaíses C. A política da OCDE para a educação e a formação docente. A nova regulação? Educação, Porto Alegre, v. 34, nº 1, p. 75-85, jan./abr., 2011. MOREIRA, Antônio Flavio B. Formação de professores: da regulação a autonomia. In: DOURADO, Luiz Fernando (Org.). Política e Gestão da Educação no Brasil: novos marcos regulatórios?. São Paulo: Xamã, 2009. UNESCO. Professores e ensino num mundo em mudanças. Relatório Mundial de Educação 1998. Lisboa: Edições USA, Col. Perspectivas Atuais, 1998. 17