Centro de Estudos Psicanalíticos Curso de Formação em Psicanálise Ciclo I Quinta-feira Manhã REFLEXÕES SOBRE A HORA CLÍNICA: A POSSIBILIDADE DE ATENDIMENTOS EM VÁRIOS LUGARES E ATENDIMENTO ON LINE Angela Maria Riato São Paulo - Out/2016 1
Reflexões sobre a hora clínica: A possibilidade de atendimentos em vários lugares e atendimento on line. Resumo: Este trabalho propõe uma reflexão sobre duas formas de atendimentos que fogem da prática comum na psicanálise. A partir da hora clínica, compreendido como um espaço e tempo reservados para a colocação das inquietações dos formandos em psicanálise, a proposta para essa reflexão foi a possibilidade de atendimentos em vários lugares e o atendimento on line. Escolhi relatar dois casos da clínica que atuo e articular algumas ideias com relação ao tema. A partir deste texto, temos a possibilidade de pensar nas exceções que aceitamos na nossa forma de atuação, na evolução da técnica e nos limites de atendimento do próprio psicanalista. 2
Reflexões sobre a hora clínica: A possibilidade de atendimentos em vários lugares e atendimento on line. Este texto apresenta algumas considerações sobre duas formas distintas de atendimento clínico, sejam elas: Atendimentos em um ou mais consultórios, ou lugares não padronizados como o setting terapêutico, como por exemplo, a casa do paciente ou locais públicos e também o atendimento on line, através de computador via skype, telefone celular ou outros aparatos tecnológicos. Cabe citar que faz parte da formação do psicanalista do CEP a Hora Clínica, espaço e tempo reservados para a discussão de temas que costumeiramente inquietam os formandos no que tange ao atendimento dos seus pacientes, ou seja, no manejo da clínica e na condução dos processos de análise que se pretendem estabelecer com os seus pacientes. Em um determinado dia, levantou-se a questão do atendimento fora do consultório e vários questionamentos apareceram, vale situar que o grupo do qual faço parte neste momento de formação, vem de diversas áreas acadêmicas, nem todos tem formação em psicologia, mas, sem exceção, todos fazem ou já fizeram análise e tem uma idéia formada do que seja o setting terapêutico. Diante do que foi relatado, percebemos que o que se entende por setting terapêutico é um espaço acolhedor onde se oferece uma escuta psicanalítica e neste espaço, deve ser encontrado minimamente, alguns móveis, sejam eles poltronas, cadeiras, divã, armários, prateleiras, livros, etc., uma iluminação adequada e clima ameno. Dessa forma, entendemos que a atenção do 3
paciente estará voltada para o seu interior, não sendo incomodado com estímulos externos, possibilitando assim maior facilidade para a imersão em si mesmo. Tendo disponibilizado este espaço, supõe-se que o sujeito desejante de uma análise, venha até o consultório em busca dessa prática e que o psicanalista esteja instalado no seu lugar de suposto saber e no seu lugar físico esperando por ele. Entendido a práxis dessa modalidade de atendimento, questões de ordens diversas começam a aparecer, emergem possibilidades outras na forma de atender aos pacientes, de certa forma influenciadas pelas mudanças provocadas pelo progresso e evolução humana, aceleramento das descobertas da tecnologia e até pelo enquadre atual da própria prática da psicanálise proporciona uma reflexão sobre esses novos rumos na forma de atendimento. Como iniciantes no estudo e prática da psicanálise, ousamos questionar sobre a possibilidade de atender em um ou mais consultórios ou clínicas de psicologia após a formação no CEP e também a possibilidade do atendimento on line, mas quais seriam as implicações, pelo menos nessas duas formas de atendimento? As citadas foram: A impossibilidade do analista para atender em vários consultórios ou clínicas quando inicia na profissão. (dificuldades de locomoção, disponibilidade de horário e disponibilidade interna); O fato de o psicanalista ter criado o setting terapêutico e não se mover do seu lugar físico de analista, impondo que o sujeito venha até ele; 4
A impessoalidade nos atendimentos on line no que tange ao estabelecimento da transferência; A perda do contato olho no olho, contato pessoal com o paciente atendido através do skype; O não esforço do paciente para se deslocar até o espaço de análise e o quanto isso demonstra se está implicado no processo ou não; Até onde pode deve ir o analista na concessão de exigências do paciente para ser ouvido através da análise. Para dar conta de parte dos questionamentos apresentados, optei por relatar dois casos que atendo no consultório. Caso 1: Atendo uma paciente idosa, hoje conta 86 anos de idade e apresenta certa dificuldade de locomoção, reside próximo ao consultório (trabalho em consultório particular e a sala que ocupo fica na parte superior de um imóvel, que anteriormente servia como uma residência familiar. Para entrar no consultório se faz necessário subir uma escada interna e não nos servimos de acesso facilitado para pessoas com dificuldade de locomoção). Mesmo com as citadas limitações, esta mulher decidiu, nesta altura da vida, iniciar um processo de análise, pois a sua fala relata e o seu corpo demonstra a dor que sente por ter perdido seu companheiro depois de sessenta anos de casamento, seu marido faleceu há um ano. Diante da dificuldade motora da paciente e da estrutura da clínica, ofereci-me para atendê-la em sua residência, pois acredito que ela se beneficiaria de mais comodidade e menos esforço físico no seu processo de análise. 5
Caso 2: Atendo uma jovem há mais de 18 meses, iniciamos o processo de psicoterapia no consultório com dia e horário preestabelecido, ocorre que a paciente foi morar nos Estados Unidos, por tempo indeterminado, atendendo a uma solicitação da empresa onde trabalha. Relatou seu desejo de continuar com o processo de psicoterapia, então decidimos continuar as sessões semanais através do Skype. Dessa forma, nos vemos uma vez por semana e o processo de análise tem demonstrado continuidade. Avaliando esses dois casos, essas duas formas diferentes de atendimento, abrimos precedentes para pensar novas formas de atender algumas necessidades. Tendo pensar que essas são duas exceções na prática clínica que desenvolvo, considerando que os demais pacientes cumprem o seu horário e vão até o consultório sem maiores problemas. No que se refere a proteção do setting terapêutico, podemos pensar que esta é apenas mais uma técnica dentro prática da psicanálise, ou seja, um instrumento na condução do processo de análise, pois o que de fato importa é que o analista esteja bem onde está, esteja presente e disponível para o seu paciente, oferecendo uma escuta ativa. Parece não ser confortável o analista se desgastar ao longo de um dia de trabalho na locomoção para estar em três ou mais lugares atendendo pessoas. Como ficariam o seu estado físico e cansaço mental, seus aspectos gerais diante do último paciente atendido? E como olharia para a qualidade dos atendimentos o analista e também o paciente? 6
Cada profissional que se joga neste universo deve também observar os seus limites e as suas possibilidades sob a ordem prática das coisas. Quando falo da possibilidade de atender uma paciente em sua residência, certifico-me de considerar a localização do seu lugar de moradia, o tempo gasto no trajeto e a disponibilidade de horário que a agenda proporciona. Um olhar cuidadoso neste caso é observar o espaço que será reservado para a análise, há que ser respeitar o momento analítico sem interrupções e/ou desconfiguração da prática analítica, pois não vejo profissionalismo e isenção em atender um paciente em sua residência com mais pessoas à volta ou com interrupções outras no momento da sessão, considerando esse enquadre, nada falta para o estabelecimento da transferência e o desenvolvimento do trabalho terapêutico. Depois da transferência estabelecida, o paciente costuma ver apenas aquilo que quer ou pode, portanto o trabalho se dá independente do espaço físico. O fato de o psicanalista ter criado o setting terapêutico e não se mover do seu lugar físico, impondo que o sujeito venha até ele é bastante confortável e prático, mas o que me inquieta é pensar no enrijecimento da prática. Se não podemos nos mover do lugar que ocupamos, teremos, então, que selecionar os pacientes que atenderemos, no meu caso especificamente, não poderia atender pacientes com dificuldade de locomoção, obesos, idosos, cardíacos e sei lá quantas outras dificuldades aparecerão. Para sairmos do consultório, podemos nos apoiar no modelo dos atendimentos hospitalares onde o processo se dá no leito do paciente, as intervenções podem ser feitas dentro das UTI s ou qualquer outro lugar onde parecer adequado para a dupla paciente - terapeuta, portanto atender alguém 7
na sua residência também é possível e dessa forma, estaremos cuidando para não nos tornarmos profissionais engessados, pois tudo o que nos engessa, tira a possibilidade de expandir em conhecimento e experiência e ir além da práxis nos processos de analise, na evolução e até na atualização da teoria. Temos atualmente demanda das mais variadas ordens no consultório, com motivos atuais e sofrimentos verdadeiros provocados pela evolução tecnológica e se pudermos olhar não somente para o que provoca o mal estar e a dor, mas também para as facilidades e possibilidades que a tecnologia proporciona, podemos atender e acessar pessoas nas mais variadas formas, haja vista o caso da paciente que foi morar nos EUA e continuamos as sessões através do Skype. Decidimos juntas que não era o momento de parar a terapia, ainda mais que a paciente teria um longo caminho a percorrer para a sua adaptação no novo local de moradia e não parecia prudente deixá-la mais sozinha do que se sentia naquele momento de mudança, principalmente por ter deixado a família no Brasil. O vínculo que estabelecemos durante as sessões presenciais foi forte o suficiente para manter a relação produtiva e sólida. Há espaço para que se estabeleça uma relação de transferência com o paciente mesmo que o primeiro contato seja feito através das redes sociais, desde que exista uma demanda e uma escuta terapêutica. Podemos perder no contato físico, mas ainda assim, parece melhor abarcar essa perda do que deixar um paciente no vazio, sem qualquer apoio, mesmo que seja o mínimo que a tecnologia possa oferecer. Basta olharmos com cuidado para a qualidade e características da transferência que se estabelece na relação.. 8
Segundo Bauman vivemos tempos líquidos, ele diz: Os tempos são líquidos porque tudo muda muito rapidamente, nada é feito para durar, para ser sólido. Então, até onde pode ir o analista na concessão de exigências do paciente para ser ouvido através da análise? Quantas mudanças e atualizações suportariam a técnica da psicanálise nos tempos modernos? Os limites e o enquadre estabelecidos para os atendimentos tem relação direta com a questão da castração do analista, no que tange à sua potência ou à sua impotência diante da demanda apresentada. Considerando que o analista se forma no final da sua análise o que vale considerar é seus próprios limites, aquilo que o toca com relação ao paciente, porque e de que forma o toca, para dessa maneira, não se fundir ao paciente, mas ouvir-lo sem se misturar. Essas questões são de ordem mais profunda e abrangente, porque põem o analista a pensar e avaliar os seus próprios limites nos atendimentos e talvez, dessa forma, seja mais fácil decidir se vai atender via Skype ou em vários outros lugares. 9
BIBLIOGRAFIA FREUD, S. Sobre a Psicoterapia. Obras completas. Vol. VII pp 267 278, 1905. Sobre o início do tratamento. Obras completas. Vol. XII pp 164-187, 1913. CALLIGARIS, C. Cartas a um jovem terapeuta. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008. NASIO, J.D. Como Trabalha um Psicanalista?. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1999. NASIO, J.D. Um Psicanalista no Divã. Rio de Janeiro: Zahar, 2003. 10