Ministério Público Federal Procuradoria-Geral da República 20707 - OBF - PGR Reclamação 14.872 Relator: Ministro Gilmar Mendes Reclamante: União Reclamado: TRT1 Reclamação. Leis versando sobre reajuste de vencimentos. Declaração de incompatibilidade com o art. 37, x, da CR. Acórdão de órgão fracionário do TRT1. Violação à SV 10 do STF. Nulidade absoluta. Órgão fracionário do TRT1 aplicou fórmula de reajuste de vencimentos diversa da prevista nas leis citadas no acórdão, com fundamento na suposta incompatibilidade da legislação federal incidente no caso com o art. 37, x, da CR: configuração de ofensa da SV 10 do STF. Parecer pela procedência da reclamação. Trata-se de reclamação ajuizada contra acórdão de órgão fracionário do TRT1, que teria julgado inconstitucionais leis federais, com fundamento no art. 37, x, CR, sem observância da cláusula de reserva de plenário.
I I OTRT1 assim decidiu a questão: Processual civil. Constitucional e administrativo. Servidor público. Revisão geral anual da remuneração (art. 37, x; da cf/88). Leis n. 10.697/2003 e n. 10.698/2003. Reajuste linear de 1%. Vantagem pecuniária individual. Verba equivalente a reajuste de 13,23% para servidores com menor remuneração. Burla legislativa verificada. Extensão do percentual. Possibilidade. Juros. Correção honorários. Majoração. 1. Não há que se falar em análise de inconstitucionalidade das leis em comento, o que afetaria a matéria à análise do Plenário desta Corte, vez que aplicável à espécie a interpretação da legislação "conforme a Constituição. 2. Desde o advento da EC nº 19/98 e da regulamentação do art. 37, x, da CF/88 pela Lei n. 10.331/2001, restou reconhecido constitucionalmente o direito subjetivo dos servidores públicos federais à revisão anual de vencimentos, para fins de manutenção do poder aquisitivo da moeda, mediante a edição de lei especifica de iniciativa privativa do Presidente da República, assegurada a isonomia entre os servidores quanto aos índices de reajuste concedidos a título de tal revisão. 3. A vantagem pecuniária individual de R$ 59,87 (cinquenta e nove reais e cinquenta e sete centavos), concedida por meio da Lei n. 10.698/2003, revestiu-se do caráter de revisão geral anual, complementar à Lei nº 10.697/2003, e promoveu ganho real diferenciado entre os servidores públicos federais dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário e das autarquias e fundações públicas federais, 2
na medida em que instituiu uma recomposição maior para os servidores que percebiam menor remuneração. 4. Em que pese a Administração Pública ter nominado o aumento como vantagem pecuniária individual, a concessão de tal vantagem pretendeu a reposição de perdas salariais sofridas pelos servidores públicos federais, ampla e indistintamente, de acordo com manifestação expressa do próprio Governo Federal, e não demandou, para o seu pagamento, qualquer condição individual como justificativa para a sua percepção, ou seja, restou impropriamente denominada VPI. 5. Reforça tal entendimento o fato de que o Presidente da República não possui competência para propor ao Congresso Nacional a concessão de uma simples "vantagem pecuniária" destinada a todos os servidores públicos da Administração Pública Federal Direta e Indireta. A sua competência, nesta extensão, é restrita à revisão geral e anual de remuneração, e foi com esse intuito, mesmo que obliquamente, que se procedeu para dar início ao projeto de lei que culminou com a edição da Lei n 10.698/2003, concessiva do que se veio a chamar impropriamente de " Vantagem Pecuniária Individual". 6. A despeito de ter sido concedida a vantagem pela Lei n. 10.698/2003 simultaneamente ao reajuste geral de 1% (um por cento) pela Lei n. 10.697/2003, tal concessão não constitui qualquer óbice à extensão linear da reposição da Lei n. 10.698/2003, seja por que ambas as leis, de iniciativa do Presidente da República, utilizaram-se de mesma verba orçamentária prevista para especifica finalidade de recomposição de remuneração, seja porque somente é vedado à União Federal conceder reajustes em periodicidade superior à data limite para a revisão anual. 3
7. Mantida, portanto, a condenação da ré a conceder aos autores a incorporação do percentual da VPI com o mesmo índice a que ela correspondeu para os servidores com menor remuneração, desde sua instituição, respeitada a prescrição quinquenal das parcelas, compensada com o percentual que a cada autor representou o valor concedido pela Lei n. 10.698/2003, podendo ser absorvida por norma reestruturadora posterior que assim o expressamente determinar. 8. A correção monetária e os juros devem incidir na forma do Manual de Cálculos da Justiça Federal, aprovado pela Resolução/CJF 134, de 21.12.2010. 9. Em apreciação equitativa, a teor do art. 20, 4, do CPC, os honorários advocatícios são fixados em 5% (cinco por cento) do valor da condenação. 10. Apelação da União a que se nega provimento. Apelação da autora e remessa oficial parcialmente providas. I I I A reclamação é procedente. Bem ou mal, o acórdão recorrido declarou que os reajustes legais em valores fixos, e não em percentuais, seriam incompatíveis com o art. 37, x, da CR, que garante a uniformidade de índice de aumento, quando se tratar de revisão geral de vencimentos. Em suma, o acórdão reclamado reconheceu a ofensa da regra particular de isonomia pertinente aos servidores locais. Assim órgão fracionário do TRT1 declarou a inconstitucionalidade da fórmula de reajuste geral de vencimentos, estabelecida na legis- 4
lação municipal, em inequívoca ofensa ao comando da SV 10 do STF: viola a cláusula de reserva de plenário (CF, artigo 97) a decisão de órgão fracionário de tribunal que, embora não declare expressamente a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público, afasta sua incidência, no todo ou em parte. Em reclamação sobre o mesmo tema, confira-se a elucidativa decisão da em. Ministra Cármen Lúcia: 5. O que se põe em foco na presente reclamação é se, ao declarar inconstitucional a concessão de abonos pelo Município de Matão/SP em valores fixos para todos os servidores municipais (art. 37, inc. X, da Constituição da República), a Quarta Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região teria afastado a aplicação das Leis municipais n. 3.239/2002, 3.245/2003, 3.387/2003, 3.479/2004, 3.559/2004 e 3.385/2007 e descumprido a Súmula Vinculante n. 10 do Supremo Tribunal Federal. [...] 7. Na espécie vertente, a Quarta Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região assentou que os abonos teriam sido concedidos a fim de que o Município cumprisse o disposto no art. 37, inc. X, da Constituição da República, o qual não permitiria a aplicação de índices distintos de reajustes na revisão geral anual na remuneração dos servidores. Ressaltou que a concessão de abono com valor igual para todos os servidores teria causado aumento mais expressivo para aqueles que percebiam menos, e menos significativo para os que recebiam mais, o que afrontaria a determinação constitucional (art. 37, inc. X, da Constituição). Assim, o Tribunal Regional do Trabalho deferiu as diferenças salariais pleiteadas, ao fundamento de que o Município de Matão/SP 5
não teria observado o mesmo índice de correção, conforme previsto no art. 37, inc. X, da Constituição da República: Não foi observada a identidade de índices para efeito de reajuste salarial, razão pela qual condeno os réus a pagarem aos autores, as diferenças salariais decorrentes da não observação do mesmo índice de correção, sendo: nos termos da Lei Municipal n. 3.239/02, alterada pela Lei Municipal n. 3.245/03, com base no índice de 12,42% a partir de 01.01.2003, diferença deferida no importe de 4,91%; nos termos da Lei Municipal n. 3.387/03, com base no índice de 19,34% a partir de 01.01.2004, diferença deferida no importe de 7,12%; nos termos da Lei Municipal n. 3.479/04, com base no índice de 4,63% a partir de 01.06.2004, diferença deferida no importe de 1,52%; nos termos da Lei Municipal n. 3.559/04, com base no índice de 6,64% a partir de 01.01.2005, diferença deferida no importe de 2,13%; - nos termos da Lei Municipal n. 3.385/07, com base no índice de 7,69% a partir de 01.02.2008, diferença deferida no importe de 2,32% sobre as parcelas vencidas e vincendas. Observar-se-á a incidência sobre os meses imediatamente anteriores à concessão dos reajustes. Devidos, ainda, os reflexos em férias acrescidas de 1/3, 13º salários, horas extras, adicional de tempo de serviço, sexta-parte e FGTS (grifos nossos). Contudo, para decidir dessa forma o órgão fracionário do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região teria de afastar a aplicação das seguintes leis municipais, pelas quais foram concedidos aos servidores públicos municipais abonos salariais em valores fixos: a) Lei municipal n. 3.239/2002, alterada pela Lei municipal n. 3.245/2003, R$ 40,00; b) Lei municipal n. 3.387/2003, R$ 70,00; c) 6
Lei municipal n. 3.479/2004, R$ 20,00; d) Lei municipal n. 3.559/2004, R$ 30,00; e e) Lei municipal n. 3.385/2007, R$ 40,00. [...] 8. Pelo exposto, na linha do entendimento firmado por este Supremo Tribunal, julgo procedente a presente reclamação para cassar a decisão proferida pela Quarta do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região no Recurso Ordinário n. 0175100-97.2008.5.15.0081 e determinar que outra decisão seja proferida como de direito 1. A jurisprudência do STF é pacífica no sentido de que a desconsideração do princípio em causa gera, como inevitável consequência, a nulidade absoluta da decisão de órgão fracionário que haja declarado a inconstitucionalidade de determinado ato estatal. Como bem anotado pelo Min. Celso de Mello: Como se sabe, a inconstitucionalidade de qualquer ato estatal só pode ser declarada pelo voto da maioria absoluta dos membros do Tribunal ou, onde houver, dos integrantes do respectivo órgão especial, sob pena de absoluta nulidade da decisão emanada do órgão fracionário (Turma, Câmara ou Seção). É preciso ter presente, por necessário, que o respeito ao postulado da reserva de plenário consagrado pelo art. 97 da Constituição (e introduzido, em nosso sistema de direito constitucional positivo, pela Constituição de 1934) atua como verdadeira condição de eficácia jurídica da própria declaração jurisdicional de inconstitucionalidade dos atos do Poder Público, consoante adverte o magistério da doutrina [ ] 2. 1 Rcl 13.448. 2 Rcl 16991 MC-AgR, DJe-203 de 16.10.2014. 7
I V Por fim, o caso parece merecer nova atenção do Pleno do Tribunal, em vista da disparidade de decisões de seus integrantes acerca do tema 3. V O Ministério Público Federal opina pela procedência da reclamação. mlvs Brasília, 7 de outubro de 2015. Odim Brandão Ferreira Subprocurador-Geral da República 3 Em sentido contrário do aqui defendido: Rcl 14.675, rel. Min. Rosa Weber, Rcl 13.927, rel. Ricardo Lewandowski, Rcl 14.006, rel. Min. Gilmar Mendes, Rcl-AgR 14.185, rel. Min. Marco Aurélio. 8