1 O USO DAS TICS E NOVOS MODOS DE APRENDER: O CASO DO CURSO PROGRAMAÍ DO CENTRO JUVENIL DE CIÊNCIA E CULTURA Elmara Pereira de Souza 1 Lucas Rodrigues Ferreira 2 Roberto Andrade Costa 3 Introdução As tecnologias de informação e comunicação (TICs) tem dado uma enorme contribuição para a sociedade em áreas como economia, cultura, administração, saúde, entre outras. As tecnologias de modo geral têm estado presentes no cotidiano de todos nós. A maioria da população utiliza recursos como celulares, smartphones, computadores, tablets, caixas eletrônicos etc. Mesmo os que não têm acesso diretamente as TICs sentem seus efeitos no diaa-dia. E na educação, Como as TICs têm contribuído? Sabemos que a educação desempenha um papel fundamental para o desenvolvimento da sociedade. Um dos grandes desafios encontrados é o de estabelecer uma relação entre os processos pedagógicos e os recursos que essas tecnologias oferecem. Souza e Sena (2013, p. 47) afirmam que há algumas décadas, várias investigações (ALMEIDA, 1996, MORAES, 1999, AXT, 2000, CYSNEIROS, 2003) têm sido feitas para compreender como o uso das tecnologias têm modificado o contexto educacional. A introdução das TICs na educação representa uma modificação epistemológica profunda pois, está associada às mudanças nos modos como se aprende, assim como nos modos de reflexão acerca da natureza do próprio conhecimento. O desafio da inserção das tecnologias no processo ensino-aprendizagem passa pela formação dos professores, estrutura física da escola, gestão democrática, valorização dos profissionais e por investimentos públicos em educação (SOUZA, 2016, p. 315) O Projeto do Centro Juvenil de Ciência e Cultura (CJCC) é um investimento da Secretaria de Educação do Estado da Bahia para diversificação do currículo, ampliação da jornada de estudos e inserção efetiva das tecnologias nas práticas educacionais. Há cinco 1 Professora do Centro Juvenil de Ciência e Cultura de Vitória da Conquista - BA. E-mail elmarasouza@gmail.com 2 Monitor do Centro Juvenil de Ciência e Cultura de Vitória da Conquista BA. E-mail lucasrodrigues.lrf@gmail.com 3 Professor do Centro Juvenil de Ciência e Cultura de Vitória da Conquista - BA. E-mail andradecosta@bol.com.br
2 Centros Juvenis no estado nas cidades de Salvador, Senhor do Bomfim, Vitória da Conquista, Barreiras e Itabuna. São vários os cursos oferecidos pelo CJCC, dentre eles o ProgramAÍ, que tem o objetivo de introduzir a lógica de programação para os alunos do 9o ano do ensino fundamental ao ensino médio das escolas públicas. Observamos nos últimos anos que os sistemas computacionais e todas as suas estruturas lógicas estão ganhando espaço nos mais diversos ambientes de aprendizado, e uma das iniciativas tem sido a utilização da inserção da lógica de programação na escola. Não se trata apenas de programar um computador ou um robô, mas de favorecer o desenvolvimento do raciocínio lógico, da criatividade, da aprendizagem de uma nova linguagem, e, principalmente, da autoria (BAKHTIN, 2000). Estamos falando em dar a oportunidade para que alunos das escolas públicas não sejam apenas consumidores das TICs mas criadores, produtores dessas tecnologias. Centro Juvenil de Ciência e Cultura O CJCC é uma iniciativa que visa o fortalecimento da educação complementar e a, diversificação do currículo nas escolas públicas estaduais. Foram instituídos a partir do Decreto nº 12.829, de 4 de maio de 2011, do Governo do Estado da Bahia, com o objetivo de [ ] promover o acesso dos estudantes às temáticas contemporâneas, mediante estudos e atividades interdisciplinares que potencializam o funcionamento da rede escolar formal, com ênfase na compreensão dos fatos, questões, invenções, avanços e conquistas sociais, artísticas, culturais, científicas e tecnológicas, com reflexos na convivência humana e cidadã. (BAHIA, 2011) O CJCC funciona em parceria com as escolas de ensino regular da rede estadual, onde estudam os alunos que participam das atividades e cursos do Centro. Enquanto as escolas regulares funcionam na lógica tradicional um-um, ou seja, as atividades de uma escola são desenvolvidas para os alunos da própria escola, o CJCC traz como característica a lógica ummuitos, ou seja, as atividades e curso do Centro Juvenil são disponibilizadas para estudantes de qualquer escola pública estadual da região atendida pelo Centro. Essa característica multiplica o atendimento e, ao mesmo tempo, promove a convivência entre estudantes de diferentes escolas e séries (CJCC, 2015, p.2). As atividades pedagógicas desenvolvidas no CJCC são fundadas em quatro pilares: (1) O estudante é autor de sua jornada; (2) A escola é conexão; (3) O conhecimento é transmídia; (4) Aprender é divertido (CJCC, 2015). O CJCC oferece ao estudante, nos turnos opostos ao período de aula regular, uma diversidade de atividades culturais, cursos, oficinas e de acesso ao conhecimento científico. A
3 proposta é provocar a curiosidade dos estudantes e incentivá-los a criar uma nova relação com o ato de aprender, motivada pelo prazer genuíno da descoberta (CJCC, 2015, p. 3). As atividades ofertadas vão desde exposições, exibição de filmes e biblioteca interativa até oficinas e cursos com temáticas que provoquem o agenciamento do desejo dos estudantes pelo saber, como: Criando games; ProgramAÍ - lógica de programação; Robótica; Grupos de pesquisa; Cultura Geek; Doidos por ciência; Produção audiovisual; Produção de roteiro, cenário e figurino para cinema; Mistérios do universo; Produção de HQ e poesia em rede etc. Nenhuma atividade é obrigatória e a participação ocorre por adesão. Não há provas ou testes de aferição de conhecimento e sim, uma demanda pela participação proativa e autoral dos estudantes. A experiência do Curso ProgramAÍ O ProgramAÍ é um curso de introdução à lógica de programação oferecido pelo CJCC de Vitória da Conquista e foi criado a partir da necessidade de implementar cursos que se aproximem do interesse dos alunos e que potencializem a autoria dos jovens. Foi elaborado e executado em parceria com o departamento de Ciência da Computação da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB). Tem o objetivo de proporcionar aos estudantes o contato inicial com controle de sistemas robóticos e lógica de programação, além de estimular o desenvolvimento do raciocínio lógico, da criatividade e do trabalho em equipe para resolução de problemas. O público alvo são os alunos de ensino médio da rede estadual de ensino. A carga horária do curso é de 40 horas, com dois encontros semanais de duas horas cada e atividades à distância em ambiente virtual de aprendizagem (lara.uesb.br/moodle), além dos encontros individuais (quartas e sextas) de acordo com a necessidade dos alunos. A primeira experiência aconteceu de março a junho de 2016. O curso foi divulgado em nove escolas públicas, e, como a demanda foi muito grande, houve a necessidade de sortear alguns alunos por escola, visto que o projeto previa 40 vagas (duas turmas de 20 alunos). No curso, os estudantes identificam estruturas básicas de um programa de computadores; solucionam problemas utilizando lógica de programação; interagem com colegas e professores no ambiente virtual de aprendizagem; elaboram jogos simples; dão os primeiros passos na área da robótica e vivenciam a integração de diversas áreas do conhecimento de forma lúdica e divertida. O curso foi ministrado por dois professores do CJCC, um monitor (aluno da UESB) e uma estagiária (aluna do curso Integrado em Informática do IFBA) e teve a parceria de duas professoras do departamento de Ciência da Computação da UESB. O curso foi desenvolvido de forma prática em duas etapas. Na primeira foi utilizada ferramenta de programação e
4 controle online de um robô móvel, chamado L1R2, que fica no laboratório da UESB. Os alunos aprenderam comandos básicos da linguagem de programação para movimentar remotamente o L1R2. A segunda etapa foi destinada à execução e produção de jogos e desafios utilizando a linguagem de programação em blocos. Discussão e resultados iniciais No desenvolvimento do curso foram encontradas algumas dificuldades de infraestrutura como: (1) o CJCC ainda não recebeu computadores, o curso aconteceu no laboratório do polo da Universidade Aberta do Brasil; (2) o CJCC ainda não conta com kit Lego ou kit Arduino, por isso, os kits utilizados foram cedidos pelos professores para a utilização em algumas aulas. Dos 40 alunos inscritos, 27 finalizaram o curso e foram certificados. Dos 13 alunos que não conseguiram concluir, seis apresentaram os seguintes motivos: aprovação no Aprendiz Legal; aprovação no Instituto Federal da Bahia; problemas de saúde e outros problemas pessoais. Portanto, o curso teve 67,5% de concluintes. Durante o curso os alunos preencheram um diário no AVA descrevendo o seu percurso, suas conquista e dificuldades. Com as participações dos alunos no ambiente virtual, pode-se observar o desenvolvimento de cada um deles, conforme enunciados a seguir. Aluno 1: Aprendi o que é e como funciona um robô! Aprendi o que são variáveis, e seus tipos [...] aprendi as condições para o robô executar a ação [...], e as estruturas de repetição [...]. (Extrato retirado do diário no AVA). É interessante observar que cada um foi avançando no seu ritmo e de maneira significativa dentro do curso, e aqueles que se interessavam por tecnologia, enxergaram oportunidades para aprender mais. Aluno 2: Desde que foram no meu colégio divulgar o Curso ProgramAí, de cara eu logo me interessei, porque gosto muito de tecnologia em suas diversas formas [...]. Com apenas quatro aulas no curso desenvolvi muito mais a minha capacidade de compreender as coisas. Meu raciocínio ficou mais rápido com as interpretações das atividades propostas nas aulas [...]. (Extrato retirado do diário no AVA). Foram feitas entrevistas com sete alunos para saber qual a opinião deles sobre o curso. A seguir trechos de alguns depoimentos: Aluno 3: O curso ProgramAÍ trouxe uma nova perspectiva do que era aprender. A gente era acostumado com aquela coisa de escola, papel, caneta, caderno [...] O curso ProgramAÍ tem aquela coisa prática, você mesmo faz. Você erra e começa a aprender com aquilo. [...] A gente podia ir estudando em casa, despertando a curiosidade dos pais. [...] Pra gente foi um divisor, foi uma experiência única. (Extrato retirado de depoimento do aluno publicado em https://youtu.be/yzxtm1o5gbm) Aluno 4: O que estou mais gostando no ProgrmAÍ é porque a gente não teria a matéria de robótica na escola. A gente sabe que as escolas da rede pública, municipal ou estadual, não oferecem robótica. [...] Aqui é bom porque a gente vê matéria diferente. O professor dá a parte teórica e a gente aplica no L1R2. A gente pode ver o que aprendeu
5 em prática. (Extrato retirado de depoimento do aluno publicado em https://youtu.be/3asmnxi4c_a) Como projeto final, os alunos produziram um vídeo com o objetivo de ensinar, de forma simples e objetiva, o que eles haviam aprendido durante o curso sobre comandos de programação. Apesar das dificuldades encontradas durante a produção do vídeo, como por exemplo, planejamento e edição, os alunos conseguiram fazer a tarefa proposta. A partir do resultado final, observamos que os conteúdos abordados e as discussões que aconteceram durante as aulas, contribuíram não apenas para o crescimento acadêmico do aluno, mas também, para um desenvolvimento de competências e habilidades na resolução de problemas, para a autoria desses jovens. Conclusão A educação pública no Brasil tem muitos desafios, entre eles o de criar outras formas de fazer educação que agencie os estudantes e provoque-os para a produção do conhecimento; criar processos formativos que favoreçam a autoria, a utilização de tecnologias digitais contemporâneas, a aprendizagem de novas linguagens. O curso ProgramAÍ é uma das experiências do CJCC de Vitória da Conquista que demonstra ter potencial para criar condições de possibilidade de formação de jovens cidadãos, autores, protagonistas da transformação pessoal e social. A lógica de programação contribui diretamente na forma de pensar e criar de cada aluno. Diante da experiência do ProgramAÍ do CJCC concluímos que o ensino da lógica de programação é um desafio para a educação, porém, mostra-se viável para a produção do conhecimento por estudantes das escolas públicas. Referência BAHIA. Secretaria da Educação do Estado da Bahia. Centros Juvenis de Ciência e Cultura. Salvador, 2012. Retirado de: http://institucional.educacao.ba.gov.br/centrosjuvenis em 15 de julho de 2016. BAKHTIN, Mikhail. Estética da Criação Verbal. São Paulo, Martinz Fontes, 2000. CJCC (2015). Centro Juvenil de Ciência e Cultura Docuemnto-Base. Retirado de http://institucional.educacao.ba.gov.br/centrosjuvenis Acesso em 2 de julho de 2016. SOUZA, Elmara Pereira de; SENA, Cláudia Pinto Pereira. Formação de Professores em Ambiente Virtual de Aprendizagem: a mineração de dados contribuindo para a análise das interações. Revista INFORMÁTICA NA EDUCAÇÃO: teoria & prática. Porto Alegre, v.14, n.2, jul./dez. 2011. SOUZA, Elmara Pereira de. Construção de sentido e autoria na formação de professores para a utilização das tecnologias digitais na educação. In: AXT, Margarete; AMADOR, Fernanda;
REMIÃO, Joelma. Experimentações Ético-Estéticas em pesquisa na educação. Panorama Cultural. Porto Alegre, 2016. 6