Análise das Possibilidades de Compensação Florestal em Querência-MT Cecilia Gonçalves Simões Daniel Silva Marcelo C. Stabile Thaís Bannwart Vivian Ribeiro Julho 2017
Análise das Possibilidades de Compensação Florestal em Querência-MT Introdução A proteção de florestas em áreas privadas no Brasil é prevista pela Lei de Proteção da Vegetação Nativa (Lei nº 12.651/2012, conhecida como o Novo Código Florestal), e a não conformidade implica em sanções como multas pecuniárias ou embargos de áreas produtivas. Segundo a lei, os imóveis rurais devem conservar a vegetação nativa em Reserva Legal (RL) e Áreas de Preservação Permanente (APP), localizadas em torno de rios, encostas e topo de morro. No caso do bioma Amazônia, onde está localizado o município de Querência, a RL pode chegar a 80% do imóvel, com possibilidade de reduzir para 50% em médios e grandes imóveis dependendo de quando ocorreu o desmatamento. Quando o produtor rural desmata uma área de floresta dentro do espaço determinado como RL ou APP, ele gera o que se chama de passivo ambiental, que deve ser reparado de acordo com o Código Florestal. O passivo em APPs, por exemplo, somente pode ser reparado por meio de restauração florestal. Já o passivo em RL pode ser reparado de duas formas, de acordo com a data no qual o dano se deu. Passivos gerados após 2008 só podem ser regularizados via recuperação ou regeneração da área danificada. Já para os passivos geradas até julho de 2008 a regularização pode se dar por meio de três opções: 1. Recomposição da Reserva Legal; 2. Regeneração natural da vegetação na área de Reserva Legal; 3. Compensação da Reserva Legal. Nos dois primeiros casos, leia-se, recomposição ou regeneração natural da Reserva Legal, o produtor rural tem de arcar com os custos destas atividades em áreas dentro de sua propriedade. A recomposição ou regeneração tem custos geralmente elevados, que incluem desde o cercamento da área, até o plantio de mudas de espécies nativas e a manutenção da regeneração ou restauro. Estas atividades têm um custo relativamente alto que pode chegar a 17.000/ha. Assim, neste trabalho, avaliamos as modalidades associadas à opção de Compensação para regularização do passivo de RL, que podem preservar áreas de vegetação nativa já existente e ser menos oneroso para o produtor. Dentre as opções de compensação, aqui buscou-se descrever as características de cada modalidade, assim como realizou-se uma análise econômica das mesmas no contexto de Querência. Ao final, uma conclusão é elaborada apontando os melhores caminhos e as dificuldades a serem vencidas para compensação ambiental no município. Objetivo O objetivo deste documento é oferecer aos produtores rurais de Querência dados e análises que sirvam de subsídio para a tomada de decisão quanto aos caminhos para a regularização ambiental de seus estabelecimentos rurais. Para tanto, o documento busca descrever as opções para compensação ambiental de passivos de RL no município, estimando seus custos de acordo com as opções previstas na lei e considerando os ativos florestais do
bioma Amazônia no Mato Grosso. 1. O novo Código Florestal (NCF) e a compensação da Reserva Legal A Reserva legal é um instrumento previsto em lei, cuja figura dentro da propriedade privada rural tem a função de auxiliar a conservação da biodiversidade e reabilitação dos processos ecológicos, servindo de abrigo e proteção da fauna silvestre e flora nativa, oferecendo também a possibilidade de se utilizar os recursos naturais para fins econômicos, desde que realizado de forma sustentável. Assim, a RL constitui um percentual do imóvel rural, sendo variável de acordo com o bioma e localização geográfica em que o imóvel se situa, bem como a data na qual o desmate foi feito. O capítulo IV do NCF, em seu art. 12, apresenta os percentuais obrigatórios de RL para propriedades que desmataram após julho de 2001, correspondendo na Amazônia Legal a: a) 80% em áreas de florestas; b) 35% em área de cerrado; c) 20% em área de campos gerais Em casos onde foi feita a supressão de até 50% da propriedade até 2001, e portanto dentro dos limites estipulado à época, e onde não houve desmatamento posterior, a propriedade está em conformidade com a lei (Artigo 68 da lei 12.651). No caso em que houver supressão de vegetação nativa levando a percentuais de RL abaixo daqueles descritos acima, o dano deve ser reparado em sua totalidade, até que a RL esteja composta novamente por seu percentual obrigatório. Dessa forma, se o desmatamento ocorreu até 22 de julho de 2008 e a área da reserva legal estiver em extensão inferior ao previsto pelo art. 12 do NCF, as opções de regularização da reserva legal segundo o art. 66 são: 1. Recompor a reserva legal, 2. Permitir a regeneração natural da área, e 3. Compensar a reserva legal. Para a compensação de RL, foco do presente estudo, o art. 66 do NCF permite que a compensação seja realizada de quatro formas: I. Aquisição de Cota de Reserva Ambiental CRA, II. Arrendamento de área sob regime de servidão ambiental ou Reserva Legal, III. Doação ao poder público de área localizada no interior de Unidade de Conservação de domínio público pendente de regularização fundiária, IV. Cadastramento de outra área equivalente e excedente à Reserva Legal, em imóvel de mesma titularidade ou adquirida em imóvel de terceiro, com vegetação nativa estabelecida, em regeneração ou recomposição, desde que localizada no mesmo bioma.
Servidão Florestal Opções de Compensação Compra de área equivalente CRA Compra e doação de área em UC Figura 1. Opções para a compensação de Reserva Legal segundo o Código Florestal. Apesar do NCF fornecer diretrizes gerais acerca da CRA, até o presente momento não foi publicado o decreto que regulamenta os procedimentos de emissão, registro, transferência e utilização da CRA, impossibilitando seu funcionamento pleno em nível nacional. Algumas experiências piloto vêm implementando o mecanismo, como é o caso da Plataforma de negociação da BVRio que, atualmente, conta com mais de 3.000 participantes e 3 milhões de hectares de imóveis rurais ofertando CRA. Esse tipo de experiência demonstra o enorme potencial deste mercado, mas a fragilidade trazida pela ausência de regularização o torna uma escolha pouco provável para produtores em Querência buscando uma solução imediata. É importante ressaltar também que, de acordo com o Inciso 6o do Art. 66 do NCF, as áreas destinadas para a compensação devem seguir os seguintes critérios: equivalência em extensão à área da Reserva Legal a ser compensada, estar localizadas no mesmo Bioma e, se fora do Estado, estar localizadas em áreas identificadas como prioritárias pela União ou pelos Estados. 2. Área de Estudo O município de Querência tem a extensão de 17 mil Km², população de aproximadamente 16 mil habitantes, e está localizado na região centro-leste do estado de Mato Grosso, em meio à bacia do Alto Araguaia. Com densidade populacional abaixo de 80 pessoas/km², é caracterizado como município rural de acordo com Veiga (2002). A Figura 2 apresenta o município, que tem aproximadamente 42% da sua extensão sob Área Protegida, o que contribui para que o município tenha 58% de seu território coberto por florestas. A agropecuária é principal atividade econômica do município, abrangendo 467.882 hectares (26,3 %) do território municipal. A cultura da soja constitui a principal atividade produtiva, com 348 mil hectares destinados ao cultivo, enquanto a pecuária, que foi no passado a principal atividade do município, vem sendo substituída pela produção de soja e, atualmente, conta com apenas 79.970 hectares de pastagem.
Figura 2. Mapa de uso e Cadastros Ambientais Rurais (CAR) no município de Querência-MT. Fonte: SFB (s.d.) e Inpe (s.d.). O município de Querência, com sua alta diversidade de atores sociais (pequenos e grandes produtores, assentados e populações indígenas) e economia fortemente baseada na atividade agrícola, representa um cenário muito comum entre os municípios mato-grossenses, e como em tantos deles, apresenta um passivo considerável de RL, que serão apresentados a seguir. Cabe destacar que Querência conta com um histórico de proatividade em relação às questões ambientais, sendo o segundo município na Amazônia e o primeiro em Mato Grosso a conseguir, por meios próprios, cumprir as condições para a saída da lista do Ministério do Meio Ambiente de municípios críticos para o controle do desmatamento na Amazônia Legal, em 2011. 3. Métodos 3.1. Estimativa de passivos e ativos florestais em Querência e no Mato Grosso Para calcular os excedentes e os déficits de reserva legal, bem como as áreas passíveis de negociação através da CRA, primeiramente removemos as sobreposições entre as
propriedades rurais existentes na base de imóveis cadastrados do Cadastro Ambiental Rural (CAR). O tratamento utiliza a área ao invés da propriedade para os cômputos, evitando contagem duplicada das áreas. Posteriormente ao tratamento dos imóveis, classificamos imagens RapidEye, de resolução de 5 metros, quanto ao tipo de uso da terra no município. O uso contraposto aos dados dos imóveis nos forneceu subsídios para os cômputos de ativo e passivo, que teve como referência 80% de área de reserva legal em razão da localização do município no bioma amazônico e fitofisionomia predominantemente florestal. No total, encontrou-se um passivo compensável de 220.731 ha distribuído entre pequenos, médios e grandes estabelecimentos rurais (lotes de assentamentos e propriedades privadas). A tabela a seguir apresenta os resultados encontrados quanto aos ativos florestais disponíveis para compensação no município de Querência. Tabela 1 - Estimativa dos ativos florestais para compensação em Querência através das opções de CRA em diferentes condições, arrendamento para servidão ambiental, compra de área em UC e aquisição de outra área equivalente e excedente à RL. Opções de Compensação - CRA Tipo 1 - Servidão - Aquisição de área equivalente CRA Tipo 2 CRA Tipo 3 - CRA Tipo 4 - Compra e doação de área em UC CRA Tipo 5 Vegetação nativa excedente de RL Vegetação nativa excedente de RL à época para propriedades maiores que 4 módulos Vegetação nativa dentro de RL de pequenos produtores (<4MF) fora de assentamentos Vegetação nativa em Unidade de Conservação de domínio público, necessitando regularização fundiária Vegetação nativa dentro de Assentamento rural Descrição Em áreas de floresta: se a área remanescente for maior que 80% da área de vegetação original, é a área remanescente menos 80% da área de vegetação original Se a área remanescente pelo Prodes em 2001 for maior que 50% e atualmente for maior que 80% da área de vegetação original, é 30% da vegetação original; Se a área remanescente pelo Prodes em 2001 for maior que 50% e menor que 80% da área de vegetação original, é a área remanescente atual menos 50% da área de vegetação original. É a área remanescente de RL no estabelecimento. Área (ha) 35.807 7.516 14.995 Ausente em Querência 0 Área de vegetação nativa remanescente no assentamento em Julho de 2008. 27.023 TOTAL 85.341
A nomenclatura acima corresponde aos tipos de CRA possíveis para o estado de Mato Grosso considerando a viabilidade jurídica e, também, pelo fato de Querência estar completamente inserida na Amazônia Legal. As CRAs de Tipo 4 são referente as áreas de vegetação nativa dentro de propriedades no interior de unidades de conservação (UC), que não existem no município e portanto não geraram nenhuma área compensável. As áreas potenciais para implementar CRAs que geram adicionalidade são as de Tipo 1. Entendendo como adicionalidade a CRA que conserve uma floresta que tem o potencial de ser desmatada legalmente. As áreas potenciais para instituição de CRAs de Tipo 2, 3, e não são passíveis de desmatamento legal. Uma vez que os lotes de assentamento da reforma não estão cadastrados no CAR pelo fato de não ter sido desenvolvido um modelo específico para as áreas da reforma agrária (onde os assentados não possuem o título da terra), o estudo considerou que as áreas de Tipo 5 não poderão ser base para emissão de CRAs. Ao subtrair a área total de ativo da área de passivos encontrado em Querência, como mostra a figura 3, nota-se que não há excedente de RL suficiente para compensar todo o déficit ambiental dentro do próprio município, especialmente quando desconsideramos o uso do mecanismo de CRA devido à sua falta de regulamentação (e consequentemente, sua implementação tardia para o horizonte de tempo do presente plano). Passivo 220.731ha Ativo sem CRA 35.807ha Ativo - 184.924ha Passivo 220.731ha Ativo com CRA 85.341ha Ativo - 135.390ha Fig. 3. Diferença entre a área de passivo compensável e de ativos florestais no município de Querência, considerando o ativo florestal (em cima) e a possibidade de CRAs dos tipos, I, II, III, IV e V. (em baixo). Assim, foi necessário considerar os ativos florestais em toda a escala do bioma Amazônia no estado de MT. Para os cômputos no estado de Mato Grosso utilizou-se os dados de desmatamento obtidos da Secretaria de Estado do Meio Ambiente (SEMA), com os valores de reserva legal de 80% para os imóveis com centróide em fitofisionomias florestais. Diferentemente da análise do município, no estado consideramos três fontes de cadastro de áreas privadas, sendo elas: Terra Legal, imóveis certificados do SIGEF e o CAR. Não foram considerados os imóveis cadastrados em unidades de conservação de proteção integral e as
terras indígenas. Quando consideramos os ativos de todo o Estado para o Bioma Amazônia, encontramos a possibilidade de realizar a compensação de toda a área de passivo de RL de Querência, mesmo na ausência do mecanismo das CRAs. Além disso, apesar de a maioria da área de ativo encontrar-se na forma de excedente de RL em propriedades privadas, encontramos também a possibilidade de realizar a compensação em larga escala através da compra e doação de propriedades dentro de Unidades de Conservação não homologadas, como mostra a Tabela 2. Tabela 2. Estimativa resumida dos ativos florestais para compensação de RL em diferentes condições, em áreas de floresta no estado de Mato Grosso. Opções de compensação Origem do excedente de RL Área (ha) CRA Tipo 1 Servidão Ambiental Excedente de RL (todos os imóveis) 2.067.550 Aquisição de outra área CRA Tipo 2 Excedente de RL à época para >4MF 603.041 CRA Tipo 3 Remanescente de RL em <4MF 1.448.775 CRA Tipo 4 Compra e doação de área em UC Remanescente em Unidade de Conservação de domínio público necessitando de regularização fundiária 1.201.475 CRA Tipo 5 Remanescente em assentamento 754.611 TOTAL 6.075.452 3.1. Custos de oportunidade da terra Definimos como custo de oportunidade a receita/ ganho não realizado com o uso do solo devido à escolha de restaurar, ou seja, as perdas para a economia agropecuária. Dessa forma, quanto maior o custo de oportunidade, maior o impacto econômico ao substituir uma determinada atividade agropecuária por conservação/restauração de vegetação nativa. A avaliação do custo de oportunidade em áreas destinadas à restauração e/ou compensação considera a receita líquida agropecuária que será perdida nessas áreas. Aqui, utilizamos este valor como proxy para o valor médio a ser pago pela compensação de passivo para propriedade privada com ativo florestal. 3.1.1. Estimativa da receita líquida ponderada das atividades agropecuárias Para as estimativas de receita líquida ponderada das culturas agropecuárias (em /ha), utilizamos os dados municipais de valor da produção do IBGE (s.d. b; s.d. c) e os de custos da
Conab (2015) e Embrapa (s.d.). Como os dados de custo são estaduais e não municipais, utilizamos o custo médio no estado do Mato Grosso (em /Kg/ha) e multiplicamos pelo rendimento médio das culturas, em Kg/ha (IBGE, s.d b; s.d c). Todas as informações de preço e custo são de 2015 ou foram atualizadas para 2015 pelo IGP-M. Abaixo, a representação matemática de como calculamos a receita líquida ponderada das áreas agrícolas em cada município. n R c,m = [( v c,m ) (C a c r c,m )] ( a c,m ) c,m a t,m n=1 Onde: R c,m = receita líquida ponderada de uma cultura c em um município m (/ha); v c,m = Valor total da produção () de uma cultura c em um município m, segundo o IBGE (s.d b; s.d c); a c,m = Área de plantio (ha) de uma cultura c em um município m, segundo o IBGE (s.d b; s.d c); C c = Custos de produção (/kg) de uma cultura c, segundo a Conab (2015) e Embrapa (s.d.); r c,m = Rendimento da produção (Kg/ha) de uma cultura c em um município m, segundo o IBGE (s.d b; s.d c); a t,m = Área total de plantio (ha) das culturas agrícolas em um município m, segundo o IBGE (s.d b; s.d c). Para o cálculo da receita líquida nas áreas de pastagem, somamos as receitas estimadas de produção de leite e abate de gado nos municípios. Para estimar a receita do abate ponderamos o abate estadual (Kg convertido para arroba) pela participação percentual no município de Querência no rebanho estadual, depois multiplicamos pelo preço da arroba no ano de 2015 (Cepea, s.d.) e dividimos pela área de pastagem do município (Inpe, s.d.). Para estimar a receita da pecuária leiteira consideramos o seguinte cálculo em cada município: R m = [( v m qm ) C] q m Onde: R m = receita líquida da pecuária leiteira em um município m (/ha); v m = Valor total da produção () da pecuária leiteira em um município m, segundo o IBGE (s.d b; s.d c); a m = Área total de pastagem (ha) em um município m, segundo o Terraclass (Inpe, s.d.); C = Custos de produção (/litro) do leite, que na média entre os valores da Conab (2015), estimamos em 1,27; q m = Produção total (litros) de leite em um município m, segundo o IBGE (s.d b; s.d c). a m
4. Resultados 4.1. Custos das opções para adequação de passivo florestal Os produtores com passivo florestal em RL poderão adequar-se via regeneração natural, restauração florestal, ou compensação em área com ativo florestal, e os custos envolvidos nesta adequação podem variar de acordo com o método de compensação ou restauração. A Tabela 3 resume os custos a considerar nas diferentes opções. Tabela 3. Estrutura de custos do detentor de passivo florestal (RL) para adequação ambiental. Opção de adequação Regeneração natural Restauração florestal Compensação florestal Em área própria Custo de oportunidade em área de passivo e dependendo do uso, cercamento da áreea. Custo de oportunidade em área de passivo, mais custo de intervenção. Custo de oportunidade em outro imóvel do mesmo proprietário, com excedente de RL. Em área de terceiros - - - Arrendamento para servidão ambiental (custo de oportunidade) - Compra de CRA (custo de oportunidade) - Compra de área dentro de UC para doação ao Estado Para compensação, o detentor do passivo florestal terá a opção de cadastrar outra área equivalente e excedente à Reserva Legal, em imóvel de mesma titularidade ou adquirida em imóvel de terceiro, arrendar área de excedente de RL em outra propriedade pelo sistema de servidão ambiental, comprar área dentro de UC não homologada para doar ao Estado, ou comprar CRAs. Para análises estritamente econômicas, há pouca diferença prática entre cotas de servidão florestal e cadastro de área equivalente e excedente de RL. A saber: a) A caracterização jurídica difere, pois na excedente de RL o proprietário declarou a referida área como tal e por isso não pode desmatar por lei, enquanto na servidão florestal o proprietário não declarou a área como parte da Reserva Legal protegida por lei e por isso pode conseguir licença para supressão da vegetação; b) O custo de transação pode ser diferente, mas não foi considerado neste trabalho. Assim, não haverá diferença entre as duas opções nos resultados econômicos aqui apresentados. 4.2. Custos, vantagens e desvantagens de cada opção As opções pela regularização através da regeneração ou restauração no local são as primeiras a serem avaliadas, pois trazem o maior benefício ambiental ao recuperar a área danificada. O desafio é que o custo da regeneração natural ou restauro, são muitas vezes proibitivos. O custo da regeneração e do restauro pode variar de 2.900 a 17.800 mil por hectare, dependendo do método de intervenção (Instituto Escolhas, s.d.). O valor mais baixo, 2.900/ha, corresponde à condução da regeneração com abandono da área e cercamento, enquanto o valor mais alto refere-se ao plantio total da área.
A compensação, por sua vez, pode ou não gerar benefício ambiental, pois ela pode se dar em áreas de ativos, passíveis de desmatamento legal, ou em outras áreas previstas por lei, onde o desmatamento é vedado. Para a compensação no município de Querência, estimamos que o valor deve estar alinhado ao custo de oportunidade das áreas a serem recuperadas, e que provavelmente estavam sendo utilizadas para produção. Como apresentado na Tabela 4, esse custo em Querência varia entre 41 e 480, sendo que o valor mais baixo corresponde a áreas de pasto para pecuária extensiva de corte e de leite e o valor mais alto relacionado a outras atividades agrícolas. Assim, passamos a examinar as opções de compensação. Conceitualmente, o preço de CRA, da servidão florestal e da compra de excedente de RL deve aproximar-se da receita líquida que o produtor ganharia caso desmatasse a área (custo de oportunidade da terra, vide Tabela 4). A faixa de valores encontrada em nossas estimativas (41 a 480) é próxima aos valores negociados pela Bolsa de Valores ambiental do Brasil (BVrio), entre 70 e 400/ha/ano. Tabela 4. Receita liquida das culturas de uso da terra, ou custo de oportunidade da terra em Querência. Área (ha) Receita liquida (/ha) Agricultura 437.287 480* Coco-da-baía 4 9.244 Banana 30 675 Abacaxi 35 23.452 Cana-de-açúcar 50 780 Melancia 78 18.732 Algodão 100 920 Mandioca 180 15.400 Borracha (látex) 1.290 183 Girassol 2.100 16 Arroz 3.170 501 Feijão 5.250 216 Milho 105.000 528 Soja 320.000 650 Pecuária (corte + leite) 128.186 41 Fonte: elaborado com dados do IBGE (2015; s.d. a; s.d. b; s.d. c), Conab (2015), Embrapa (s.d.) e Inpe (s.d.). *Média ponderada pela área. Já para compensação através da compra de área em UC dentro do Estado, o valor pode variar de 550 a 1.700/ha (Tabela 5), um valor maior que a compensação em áreas privadas, mas pago uma única vez, o que torna esta opção mais vantajosa economicamente no longo prazo. Do ponto de vista ambiental, a compensação em UCs promove a regularização fundiária das mesmas, mas o benefício ambiental não é necessariamente local, uma vez que não há UCs no município de Querência. No entanto, apesar da compra de área em UC apresentar a o menor custo no longo prazo, a servidão florestal é a opção mais vantajosa do ponto de vista ambiental, pois é um mecanismo que protege áreas passíveis de desmatamento legal (Tabela 5). Em primeira
avaliação, a compensação em excedente de RL apresenta menor ganho ambiental, uma vez que é uma área já protegida por lei e não deve gerar adicionalidade na sua condição de proteção. Ademais, diferente das UCs, a eficácia ambiental dos excedentes de RL depende de variáveis que por vezes não estão presentes em fragmentos isolados (ex.: conectividade de fragmentos florestais, proteção de mananciais e aquíferos, espécies ameaçadas, etc.). Considerando os cenários descritos acima, estimamos os custos para a regularização do passivo de Reserva Legal no município de Querência. Os resultados estão apresentados na Tabela 5, abaixo. No cenário 1, consideramos somente a compensação dentro do município, e somente em áreas de ativo ambiental, o que deixa o município com uma árera de passivo a ser resolvida. No cenário 2, consideramos além das áreas com adicionalidade ambiental (cenário 1), outras áreas que poderiam se beneficiar de CRA ou servidão ambiental, mas em que o desmatamento seria vedado. No cenário 2, o município segue com um passivo ambiental a ser resolvido. Já no cenário 3, o passivo ambiental restante é feito fora do município com compra de áreas em unidades de conservação no estado. O cenário 4, por sua vez, ao invés de resolver o passivo deixado no cenário 2 através de compra em áreas de UCo, considera o custo de regeneração e restauro no município. Em todos os casos o cenário mínimo considera o valor mínimo de compensação, compra e restauro, enquanto o cenário máximo considera o valor mais alto. Vale ressaltar que no final da tabela 5 há uma linha elucidando o valor anual a ser pago pela compensação dentro do município, e outra linha com o valor investido no restauro ou em compra de áreas em UCs. A tabela 6, por sua vez, elucida os custos, vantagens e desvantagens relacionadas aos diferentes métodos de cumprimento do passivo de Reserva Legal no município de Querência.
Tabela 5. Cenários de cumprimento do Passivo de Reserva legal no município de Querência Cenário 1 Cenário 2 Cenário 3 Cenário 4 mínimo máximo mínimo máximo mínimo máximo mínimo máximo Passivo atual ha 220.731 220.731 220.731 220.731 220.731 220.731 220.731 220.731 CRA ou Servidão com adicionalidade ambiental CRA tipos II a V ou servidão sem adicionalidde ambiental ha 35.807 35.807 35.807 35.807 35.807 35.807 35.807 35.807 ha -1 ano -1 41 480 41 480 41 480 41 480 ha 49.534 49.534 49.534 49.534 49.534 49.534 ha -1 ano -1 41 480 UCs ha 135.390 135.390 550 1.700 Restauro ha 135.390 135.390 2.900 17.800 Passivo após ações de compensação/ regeneração/ restauro Custo anual da compensação Custo da restauração ha 184.924 184.924 135.390 135.390 - - - - -1 ano 1.468.087 17.187.360 3.498.981 40.963.680 1.468.087 74.464.500 17.187.360 230.163.000 1.468.087 392.631.000 17.187.360 2.409.942.000
Tabela 6. Custos, vantagens e desvantagens para três tipos de compensação possíveis em Querência. Origem da CRA emitida CRA ou Servidão florestal em áreas de excedente de RL Servidão Florestal ou CRA sem adicionalidade ambiental Propriedade em UC ainda não desapropriada Vantagens Desvantagens Custo médio (/ha) Econômica: No longo prazo, tende a ser mais cara que a Econômica: flexibilidade, pois valor pode ser renegociado após compra definitiva em UC. termino de contrato e área pode ser convertida após termino de Ambiental: Não tem a mesma segurança ou nível de contrato. O custo tende a ser vantajoso para quem emite. proteção que as outras opções, podendo ser desmatada Ambiental: Protege áreas passiveis de desmatamento legal legalmente caso se encerre o contrato. Econômica: O custo tende a ser vantajoso para quem compra, pois o preço é forçado para baixo (mais próximo do preço de vegetação natural do que do custo de oportunidade da terra agrícola), visto que não pode ser desmatada legalmente. O produtor recebe por uma área que não poderia ser convertida por lei. Ambiental: Nenhuma, se considerado o pressuposto que esta área já estava protegida por lei e não haverá adicionalidade ambiental. Econômica: Uma vez definido, o valor é fixo sem riscos de reajustes e menor que as outras opções no longo prazo. Ambiental: Consolidação de áreas protegidas com importância ambiental e gestão estabelecida por lei. Econômica: poder de barganha é pior para quem vende (e preserva), visto que não pode ser desmatada legalmente e deixa poucas alternativas de renda para a área. Ambiental: Visto que já são áreas protegidas por lei, há pouca adicionalidade ambiental se comparado à alternativa de restaurar ou conservar através de servidão. De 41 a 480 por hectare/ano, dependendo da região e uso da terra (custo de oportunidade) 1. Idem a anterior, com tendência para os menores valores do custo de oportunidade, caso o comprador conheça seu poder de barganha. Pelo fato da área não ser passível de desmatamento legal, o ofertante pode estar disposto a receber menos. Econômica: Aparentemente nenhuma quando comparado com as alternativas de compensação. Contudo, não sabemos o custo de transação para tramitar este tipo de processo pelo governo. 550 a 1.700 2 Ambiental: Apesar do menor custo, pode apresentar uma péssima relação custo-eficácia, pois estas áreas já estão protegidas por lei e há pouca ou nenhuma adicionalidade. 1 Estimativas de custo de oportunidade, descritos a seguir. Esta faixa de valores é próxima aos valores negociados pela BVrio, entre 70 e 400/ha/ano. 2 Faixa de preços levantada pela Biofílica na Amazônia. Em contato com representantes do sindicato rural de Querência, eles confirmaram apenas um caso conhecido de compensação por compra em UC, no valor de 1.500/ha, o qual está dentro da faixa apresentada pela Biofílica.
5. Conclusão e recomendações Do ponto de vista ambiental, seria muito vantajoso que o passivo no município fosse compensado dentro do próprio município, mas mesmo com 100% do ativo sendo utilizado no município, ainda haveria mais de 130 mil hectares a serem resolvidos. A compensação dentro do município, seja por CRA ou servidão, teria um potencial de geração de receita interna da ordem de R3,5 a 40 milhões por ano, mas lembrando que seguiria um passivo de RL da ordem de 130 mil hectares. Idealmente estas áreas seriam regeneradas/recuperadas, mas de acordo com nossos cálculos, o custo da regeneração e restauração varia entre 392 milhões e 2,4 bilhões. A compra de áreas em UC seria mais viável, com um custo estimado entre 74 e 230 milhões, com benefícios de regularização de UCs e resolução de conflitos fundiários no estado. O benefício ambiental de tais ações não seria sentido no município, o que fragiliza a solução do ponto de vista ambiental. Uma sugestão seria de se criar um grupo com os possuidores de ativos e de passivo que, aliado a um trabalho detalhado dos benefícios ambientais e custos poderia: - Identificar as áreas de passivo ambiental a ser compensadas com o ativo ambiental do município. Possivelmente identificar passivos com menor potencial ou maior custo de restauração; - Identificar áreas prioritárias para restauro no município, ou seja, locais importantes para biodiversidade, com alto potencial de restauro e baixo custo; - Estipular EM qual UC poderia ser feita a compensação do restante de passivo de Reserva Legal; - Estipular os custos dessa compensação em bloco e compartilhar eles com os produtores, para minimizar o custo total do cumprimento do passivo de RL, com a maximização do benefício ambiental local. Algumas recomendações para avançar na compensação de passivos florestais: Validar o CAR e monitorar o cumprimento do Código Florestal. Somente a partir de uma base de dados confiável de CAR poderemos estimar com maior precisão a área do passivo ambiental, definir os imóveis com demanda por restauração ou compensação e ajudar na regulamentação do mercado para compensação. Estruturar mecanismos de oferta e compra de CRA em UCs. No caso de UCs, o leilão pode ser a melhor opção de mecanismo para o mercado de compensação. Por tratar-se de um mercado novo, o leilão é capaz de definir os preços de maneira eficiente, otimizando a oferta e demanda. Por exemplo, as agências governamentais utilizam o Valor da Terra Nua (VTN) como referencia para compra de terras públicas, um preço normalmente abaixo do de mercado.
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