Autogerenciamento e capital humano em questão

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Transcrição:

Revista FAMECOS mídia, cultura e tecnologia Autogerenciamento e capital humano em questão Self management and human capital in the spotlight Lúcia Loner Coutinho Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul PUCRS. <lucialoner@gmail.com> FREIRE FILHO, João; COELHO, Maria das Graças Pinto (Org.). A promoção do capital humano: mídia, subjetividade e o novo espírito do capitalismo. Porto Alegre: Sulina, 2011. É fácil pensar no neoliberalismo apenas através de seu viés econômico, esquecendo-se do reflexo cultural de tal doutrina tão arraigada ao mundo globalizado. Uma das formas em que vemos a influência deste ideário econômico, em áreas antes contempladas pelas humanidades, são as teorias do capital humano, que veem o homem como empreendedor de si mesmo, seu próprio capital. A incorporação de tais teorias pela mídia é o tema de A promoção do capital humano: mídia, subjetividades e o novo espírito do capitalismo, organizado por João Freire Filho e Maria das Graças Pinto Coelho, professores, respectivamente, da Universidade Federal do Rio de Porto Alegre, v. 20, n. 2, pp. 540-545, maio/agosto 2013

Janeiro (UFRJ) e da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). O livro traz 13 artigos que versam sobre diferentes formas em que a capitalização das relações e das qualidades humanas têm sido exploradas midiaticamente, pedagogicamente e culturalmente em nossa sociedade. No artigo que dá início à coletânea, Capital humano e formação qualificada, os autores Raquel Paiva e Muniz Sodré versam sobre o desafio econômico da formação da mão de obra qualificada no Brasil ao mesmo tempo em que problematizam a colocação das instituições de ensino como simples celeiros de capital humano a serviço do utilitarismo liberal, retirando a função humanista da formação educacional e obrigando a mesma a tornar-se uma peça na engrenagem do mercado. No artigo seguinte, dando continuidade à linha de pesquisa que vêm desenvolvendo a respeito da emergência da cultura da autoajuda, João Freire Filho, em Sonhos de grandeza: o gerenciamento da vida em busca da alta performance, discute a absorção da lógica liberal e empresarial em diversos âmbitos sociais. Sustentado por um consistente aparato midiático, o culto da performance incita o sujeito pós-moderno à corporativização de todos aspectos de sua existência. Segundo o autor, o culto da performance aponta para um devir atlético e empresarial da sociedade, um processo de conversão aos valores supremos da concorrência e da conquista (2011, p. 40); isto inclui, como cita, relações familiares, que dentro da lógica de alta performance precisam ser otimizadas, transformadas em instrumento estratégico para formar sujeitos eficientes e vencedores, de acordo com as próprias regras liberais. José Luiz Aidar Prado coloca em pauta os múltiplos enunciados que têm sido construídos na mídia para atender à demanda propositiva da psicologia positiva, que transforma a informação em uma necessidade de prestação de serviço a seus consumidores. Incorporada organicamente pela cultura midiática, esta propositividade sugere a solução dos mais diversos problemas, tanto profissionais como pessoais, que Revista FAMECOS Porto Alegre, v. 20, n. 2, pp. 540-545, maio/ago. 2013 541

impedem a completude do indivíduo, com consumo e trabalho ou mudanças de atitude. A personalização de problemáticas, muitas vezes sociais, constrói, para Prado, uma universalização transclassista, apontando valores restritos às classes mais altas, como válidos e necessários a todas as classes. O autor aponta como, em um país com as desigualdades sociais do Brasil, esta generalização retira imposições econômico-sociais da pauta e transforma o indivíduo no centro de problemas estruturantes do capitalismo globalizado. Edilson Cazeloto, em Capital humano, trabalho imaterial e monocultura informática, esmiúça a gênese das teorias do capital humano, que buscam concretizar a ideia de que qualquer conhecimento, formal ou informal, é uma forma de capital. Para o autor, o capital humano somente pode expressar-se como trabalho imaterial ambos ângulos diferentes da incorporação da subjetividade à produtividade, o trabalho imaterial, no entanto, está firmado em uma concepção utilitarista do saber, em que este só tem serventia quando é moeda de troca em uma relação capitalista. Dispondo de um arcabouço teórico marxista, Cazeloto acusa a intrínseca relação entre o culto à performance e o reinado das teorias do capital humano, uma vez que uma só é possível com as constantes reafirmações de soberania do indivíduo, indicadas pela outra. Já Rogério Costa, em seu artigo Redes sociais e capital social: a nova fronteira no neocapitalismo, discorre em uma perspectiva histórico-sociológica sobre as primeiras teorias das redes sociais, nas décadas de 70 e 80, que pré-datam o que hoje concebemos como redes sociais, e como estas estão ligadas às teorias do capital humano, formandose sob aspectos econômicos de nossa sociedade. Da mesma forma como no artigo anterior, Inclusão digital e capital social: implicações de uma relação, de Sérgio Amadeu da Silveira e Lia Ribeiro Dias, traz o uso da noção de capital social, lembrando que este não é o mesmo que capital humano, mas, sim, as ações dos atores, individual ou coletivamente, dentro das estruturas sociais. Os autores, também, buscam exemplos Revista FAMECOS Porto Alegre, v. 20, n. 2, pp. 540-545, maio/ago. 2013 542

de campo para a discussão da inclusão digital como ferramenta de aumento de capital social. Neste ponto da coletânea, podemos ver ser aberto espaço para artigos em que a experiência teórica, muitas vezes àquela referida em artigos anteriores, é observada empiricamente. É o caso de Redesenhando os sentidos do capital humano: autonomias táticas, criatividade, liberação e inserção profissional juvenil no Rio de Janeiro, em que uma nova realidade no mercado de trabalho do século 21, a slash generation, é tema de pesquisa para Maria Isabel Mendes de Almeida. Slash generation designa uma geração de profissionais que acumula múltiplas habilidades ou funções (como por exemplo publicitário/dj/chef de cozinha). Tal fenômeno, observado pela autora em sua pesquisa entre jovens adultos de classe média, no Rio de Janeiro, mostra uma flexibilidade e dualidade geracional, em que ganhar dinheiro torna-se tão importante quanto o fazer o que se gosta ; por isso o acúmulo de funções. Este quadro também demonstra uma flexibilidade de formação, onde a escolaridade convive com um aprendizado permanente, simultâneo com o exercício profissional, um fazer-aprender, chamado pelos jovens profissionais de virar. Prática que, para Almeida, pode estar sendo convertida em valor pelas mudanças recentes do capitalismo rizomático, mas é também remetida ao velho jeitinho brasileiro (2011, p. 134). Também situada no campo empírico, está a investigação de Maria das Graças Pinto Coelho, a respeito das negociações de identidade entre jovens em um projeto profissionalizante de inserção social, em O risco da sacralização da interação no desenvolvimento da cognição em interfaces digitais. O confronto entre uma possibilidade de mobilidade social através das tecnologias da informação e comunicação, e a vivência distante da experiência digital que a maioria destes jovens (da periferia de Natal/RN) possui, é um dos focos da autora. Revista FAMECOS Porto Alegre, v. 20, n. 2, pp. 540-545, maio/ago. 2013 543

A reconfiguração de práticas midiáticas através da cibercultura é um dos temas mais abundantes nos estudos de comunicação hoje. Os aspectos político-econômicos de tais práticas, também, têm sido foco de extenso debate. É, no entanto, a conjunção de tais fatores, aliados à autonomia comunicacional proporcionada pelas tecnologias e à subsequente geração de contradições no sistema capitalista, que movem o artigo de Marcos Nicolau. Citando como exemplos os casos da guerra contra pirataria da Microsoft, o processo da Sony ao Pirate Bay e a perseguição ao Wikileaks, o autor discute as incongruências desenvolvidas por um sistema econômico e político que cria e vende as ferramentas e prerrogativas que dão poder a usuários e consumidores, mas barra ferramentas, criadas dentro da mesma lógica, que extrapolam o que é considerado um uso adequado para esta cultura tecnológica pelos próprios donos do poder econômico e político. Também vinculado à temática da economia e suas relações com a cibercultura, o artigo de Gisela Castro, Comunicação, consumo e capital humano: cultura digital e a mercantilização das subjetividades, problematiza o uso mercadológico das interações via redes sociais. A performance da felicidade na comunicação e gestão corporativa, outro aspecto iminente do neo-capitalismo, é abordada com Vander Casaqui. O discurso publicitário totalizante (no caso apresentado, da rede Pão de Açúcar de supermercados) que busca fundir os funcionários aos valores que se pretende atribuir a uma marca, exibe uma face da mercantilização da identidade no sistema econômico do qual dispomos, propondo uma entrega plena dos sujeitos a cultura corporativa. O penúltimo artigo da coletânea é O discurso midiático sobre a responsabilidade do consumidor: vida saudável como objeto de investimento, de Isleide Arruda Fontenelle. O discurso, do qual Fontenelle fala no título, surpreende, pois pede racionalidade no consumo, em um sistema no qual a política econômica preza e é movimentada pela irracionalidade. Se observarmos tal incitação dentro da lógica do capital humano como riqueza, no entanto, percebemos Revista FAMECOS Porto Alegre, v. 20, n. 2, pp. 540-545, maio/ago. 2013 544

a conjugação de valores: ser um consumidor responsável, em especial pelo seu corpo e pelo seu bem estar mental, apresenta-se como parte do discurso contemporâneo em torno do eu como empreendimento que a mídia reflete e reforça. A promoção do capital humano encerra-se com um artigo de Michael Hanke sobre as teorias de Vilém Flusser. Hanke busca as teorias pós-históricas do teórico em relação à atual sociedade pós-moderna. Flusser, ainda na década de 1970, antecipava uma realidade presente, teorizando sobre uma sociedade em que o espectador seria também criador e modulador. Encerrado o livro, porém, não as conclusões que dele tiramos, podemos refletir sobre as posições e as ligações que cada autor abre sobre o tema e a influência das noções de capital humano na sociedade atual. O que significa pensar no ser humano como um recurso econômico? A busca por uma cadeia econômica cada vez mais eficiente e competitiva propõe investimentos na performance e rendimento, reservados antes para atletas, assim como o uso de si próprio como empreendimento e investimento; o conhecimento para fins estritamente econômicos e utilitaristas, entre outros aspectos levantados em nossa leitura. Vemos, ao mesmo tempo, o exemplo levantado por Sodré e Paiva, de grandes empresas chinesas sem dúvidas a economia mais competitiva da atualidade, no qual a condição e a dignidade humana são desconsideradas. Os exercícios do poder do capital permeiam e trazem questões como esta, e muitas outras, que poderiam ser citadas, criando urgências e tendências. Qual o objetivo por trás da propositividade em que a mídia se engaja baseada nas teorias do capital humano, ou quais as consequências culturais e sociais de uma corporativização da vida, entre outros aspectos que muitas vezes se fazem invisíveis, e que têm tomado espaço em âmbitos antes reservados à subjetividade humana. Apontar, sob diversos ângulos, este novo espírito do capitalismo e levantar tais questões é o ponto principal que se faz presente no livro de Coelho e Freire Filho. Revista FAMECOS Porto Alegre, v. 20, n. 2, pp. 540-545, maio/ago. 2013 545