Dra. Roxana Secundini
Espasticidade do membro superior: Descrição de caso clínico do padrão III Dra. Roxana Secundini Médica especialista em fisiatria. Coordenadora da área de Reabilitação da Doença Vascular Cerebral e do Ambulatório de Espasticidade na Doença Vascular Cerebral do Instituto de Reabilitação Psicofísica do Governo da Cidade de Buenos Aires. Chefe de Trabalhos Práticos do Curso para Formação de Médicos Especialistas em Fisiatria da Universidade Nacional de Buenos Aires, Argentina. O acidente vascular cerebral (AVC) é a segunda causa de morte depois da doença isquêmica coronariana e a principal causa de incapacidade em adultos no mundo todo. Uma grande proporção dos indivíduos acometidos fica cronicamente incapacitada. Estima-se que 65% das pessoas que sobrevivem a um AVC apresentem disfunção motora no ano do evento. Entre elas, de 55% a 75% apresentarão alguma limitação funcional, o que diminuirá sua qualidade de vida. 1 A espasticidade, componente da síndrome do neurônio motor superior, afeta aproximadamente 20% dos pacientes nos primeiros meses, podendo chegar a cerca de 80% após um ano. 2 Os achados clínicos em pacientes com espasticidade são fundamentalmente aumento do tônus muscular, diminuição da amplitude dos movimentos, diminuição da força, alterações dos padrões funcionais ou engramas, rigidez articular e perda de elasticidade e flexibilidade. Para sua avaliação é importante identificar o padrão clínico da disfunção motora, a possibilidade de controle dos músculos envolvidos e o papel que a rigidez muscular e as contraturas desempenham no problema funcional. 2 Além disso, devemos levar em consideração a forma como o paciente vivencia a espasticidade e como sente o membro espástico afetado, referindo-se a ele com ao menos uma das seguintes expressões: retesado, duro, com falta de liberdade, sensação permanente de incômodo, sensação assimétrica permanente, morto, inútil e como se tivesse dois corpos. Esses dados são resultado de uma pesquisa que faz parte da avaliação preliminar realizada em nosso consultório de espasticidade. Dois fatores que contribuem para a postura do membro superior intervêm nos padrões espásticos: um componente neurogênico e um componente biomecânico. 3 Uma grande variedade de músculos pode ser responsável pela disfunção motora, afetando várias articulações e segmentos do membro superior de acordo com padrões clínicos. Quando vários músculos se conectam a uma articulação, cada um deles pode ter características variáveis e produzir padrões de movimento similares ou diferentes. Como cada músculo pode contribuir para o movimento da articulação, é essencial e necessário obter o máximo possível de informações sobre a contribuição de cada um deles para a postura e o movimento. 2 O padrão mais frequente de membro superior espástico é o padrão III, presente em 41,8% 2
dos casos. Caracteriza-se por rotação interna e adução do ombro, com o cotovelo em flexão associado a uma posição neutra do antebraço e do punho. 3 Com isso, o braço se aproxima da parede lateral do tórax, em geral acompanhado por retração da escápula. O cotovelo, geralmente flexionado, e o ombro com rotação interna fazem com que o antebraço fique apertado e apoiado contra a face anterior do tórax. O tendão do peitoral maior em geral é hipertrofiado e proeminente quando se tenta abduzir e girar o ombro para fora, o que, por sua vez, é favorecido pelos adutores e rotadores internos do ombro que apresentam espasticidade e restringem significativamente a possibilidade de que o paciente afaste o braço e o antebraço do tórax para fazer algum movimento voluntário. 4 Figura 1 Quando grave, esse padrão dificulta a atividade do cuidador, que precisa fazer um esforço para tentar chegar à axila do paciente e higienizar a pele; a irritação da pele pode se transformar em maceração, muitas vezes com a presença de úlceras e micoses. A flexão grave do cotovelo também causa maceração da parte interna do cotovelo, favorecendo o aparecimento de micoses. A restrição da mobilidade com o braço nessa posição impede que o paciente consiga vestir-se e banhar-se. 4 Os músculos envolvidos são: peitoral maior e menor, grande dorsal, deltoide, subescapular e redondo menor e maior. Alguns desses músculos são ativamente ligados à articulação glenoumeral e, devido à força da contração espástica, causam ombro hemiplégico, intensamente doloroso e limitado em seus arcos de mobilidade. 2 Além de limitar a capacidade de o paciente se vestir, o cotovelo flexionado limita os atos de manipular, aproximar e afastar objetos no espaço. Em especial, a dificuldade deste último tipo de movimento impede que os membros superiores sejam incorporados às atividades da vida diária, apesar da recuperação dos movimentos voluntários do ombro e da mão, devido à limitação do cotovelo. Isso provoca postura assimétrica e transtorno na velocidade ao caminhar. A posição em pé favorece a hipertonia dos músculos antigravitacionais, e os músculos flexores do cotovelo não escapam a essa particularidade. Essa hipertonia causa um problema grave quando os pacientes começam a caminhar. Muitos pacientes se queixam de que, quando param de andar, o cotovelo se flexiona acentuadamente e, quando recomeçam a caminhada, ele se eleva mais e mais; por isso, é importante que os padrões espásticos sejam analisados durante a atividade funcional. 3 Os músculos que podem estar envolvidos no cotovelo flexionado são o bíceps, o braquial e o braquiorradial. Na eletromiografia dinâmica, temos observado com frequência que o músculo braquiorradial é o que mais interfere na mobilidade do cotovelo. 3
Nesse padrão, a posição neutra do antebraço e do punho se explicaria por uma ativação conjunta (cocontração) dos músculos flexores e extensores. Essa cocontração dos músculos agonistas e antagonistas é uma situação pouco desejável, pois causa a perda da mobilidade articular. Na eletromiografia funcional, observa-se a atividade motora do antagonista quando se tenta recrutar o agonista ou alongá-lo. Os músculos que intervêm são o flexor radial do carpo, o flexor cubital do carpo, o flexor superficial e o flexor profundo dos dedos e o extensor longo dos dedos. 2 O tratamento de reabilitação deve ser iniciado imediatamente depois da ocorrência da lesão cerebral. É preciso manter a mobilidade das articulações, normalizar o tônus muscular, manter posturas e facilitar padrões de movimentos corretos e coordenados, fortalecer os músculos fracos e minimizar o desenvolvimento de contraturas e deformidades para que o paciente consiga ser independente e participe das atividades de autocuidado, no lar e no trabalho, conseguindo com isso integrar-se à comunidade. Muitas vezes a espasticidade interfere e rompe esse processo e, por isso, sua redução deve ser um dos principais objetivos. Existem tratamentos farmacológicos por via oral que não são seletivos (atuam sobre todos os músculos), provocando consequências indesejáveis, como sonolência e aumento da frequência de quedas. 2 Uma alternativa terapêutica é o tratamento local com toxina onabotulínica A, que produz o relaxamento dos músculos espásticos, diminuindo também a dor e os espasmos e facilitando a reabilitação. Este é o único fármaco capaz de modificar a incapacidade do paciente e proporcionar maior independência, pois permite selecionar apenas os grupos musculares espásticos. Esse tratamento tem efeitos secundários mínimos e leves, permitindo adotar uma posologia personalizada e a combinação com fármacos orais. Por fim, o padrão espástico de tipo III é um dos candidatos mais frequentes ao tratamento com aplicação de toxina botulínica nos músculos relacionados com a adução e a rotação interna do ombro, flexores do cotovelo e do punho. 3 Referências 1. Sociedad Española de Rehabilitación y Medicina Física (SERMEF). Tratamiento de la espasticidad con toxina botulínica. Guía práctica clínica 2010. 2. Massaza Tamasco G: Tratamiento de la espasticidad con toxina botulínica. En Micheli F, Dressler D: Toxina Botulínica. Nuevas indicaciones terapéuticas. Ed Panamericana, 2010:69-83. 3. Heftera H, Jostb WH, Reissigc A et al.: Classification of posture in poststroke upper limb spasticity: a potential decision tool for botulinum toxin A treatment? Inter J Rehabil Res; Vol 35 Nº 3, 2012:227-233. 4. Simpson DM, Gracies JM, Graham HK et al.: Assessment: Botulinum neurotoxin for the treatment of spasticity (an evidence-based review): Report of the Therapeutics and Technology Assessment Subcommittee of the American Academy of Neurology. BMC Neurology 70; 2008:1691-1698. 4
Caso clínico Paciente do sexo feminino, com 68 anos de idade, antecedente de acidente vascular cerebral isquêmico com 12 anos de evolução, sequela de hemiplegia espástica direita e sem transtornos sensoriais ou cognitivos. Apresenta uma combinação de padrão espástico tipo III e ombro em adução e rotação interna, cotovelo em flexão, antebraço e punho em posição neutra, com punho cerrado sem inclusão do polegar. Tratamento por ocasião da consulta Medicação oral: baclofeno 30 mg/dia durante dez anos. Equipamento: órtese de repouso para mão e punho, que a paciente não usava devido à dificuldade de colocação. Reabilitação: cinesioterapia e terapia ocupacional. Avaliação do membro superior (MS) Escala de Ashworth modificada (MAS): ombro, 2; cotovelo, 2; punho, 3; dedos, 2. Escala de avaliação de Fugl-Meyer: MS, 11/66; MI, 29/34; total, 40/100. Isso indica que a paciente apresenta uma sequela grave, com pouca recuperação motora. Medida de Independência Funcional (MIF): 110/126. Tempo para colocar uma peça de roupa: 110 segundos. Tempo para tirar uma peça de roupa: 40 segundos. Embora a paciente fosse independente, o tempo para colocar e tirar uma peça de roupa era prolongado devido à dificuldade de vestir a parte superior do corpo. Uso do MS: nenhum. Não usava o membro superior para realizar as atividades da vida diária. A paciente descreveu a forma como sentia seu membro superior: muito rígido, como um pedaço de ferro, como um pedaço de pau, era como se tivesse que lidar com dois corpos. A eletromiografia funcional do par muscular extensor comum dos dedos e flexor comum dos dedos revelou uma cocontração, isto é, atividade simultânea de ambos. Objetivos do tratamento local Objetivos da paciente: - Conseguir estender o cotovelo ao caminhar. - Conseguir lavar e aplicar desodorante na axila. Objetivos da equipe: - Diminuir o tônus muscular. - Melhorar a postura do membro superior quando a paciente estiver em pé e andando. - Melhorar a abdução do ombro para tratamento da micose axilar. - Permitir o uso de órtese para o membro superior. 5
Tratamento da espasticidade com toxina botulínica Foram injetadas 600 U de toxina onabotulínica A, distribuídas da seguinte forma: 100 U no músculo peitoral maior, 100 U no grande dorsal, 50 U no subescapular, 70 U no bíceps, 40 U no braquial anterior, 30 U no supinador longo, 70 U no palmar maior, 50 U no flexor superficial dos dedos, 50 U no flexor profundo dos dedos e 40 U no extensor comum dos dedos. Tratamento de reabilitação após o tratamento com a toxina onabotulínica do tipo A O tratamento de reabilitação foi complementado com: Cinesioterapia: o objetivo era manter a mobilidade das articulações, normalizar o tônus muscular, manter posturas e facilitar padrões de movimentos corretos e coordenados, fortalecer os músculos fracos e minimizar o desenvolvimento de contraturas e deformidades. Terapia ocupacional: o objetivo era fazer com que o membro superior afetado conseguisse participar das atividades de autocuidado e no lar e conseguir que atuasse como auxiliar do membro sadio nas atividades da vida diária. Atividade aquática recreativa: o objetivo foi o de incorporar exercícios que reforçassem o plano de reabilitação. Equipamento: uso de órtese de repouso para o membro superior. 1 o controle pós-tratamento com toxina (1 o mês) Escala de Ashworth modificada (MAS) MS: ombro, 0; cotovelo, 0; punho, 1; dedos, 1+. Escala de avaliação de Fugl-Meyer: MS, 14/66; MI, 29/34; total, 43/100. Medida de Independência Funcional (MIF): 110/126. Tempo para colocar uma peça de roupa: 50 segundos. Tempo para tirar uma peça de roupa: 10 segundos. A paciente conseguiu passar a usar o membro superior nas atividades diárias como auxiliar do membro sadio a partir do momento em que conseguia estender o cotovelo; também passou a fazer uso passivo da mão, conseguindo adaptá-la a diferentes formas de segurar objetos em conjunto com o membro superior sadio. Relatou sentir o membro superior mais simétrico e parecido com o lado sadio. Considerações gerais É importante definir um tratamento individualizado para cada paciente em relação aos objetivos propostos anteriormente ao tratamento com a toxina. Esse tratamento deverá incluir alongamento adequado dos músculos infiltrados (agonistas) e dos tecidos moles (tendões, ligamentos, cápsulas articulares, pele etc.), exercícios de fortalecimento dos músculos que geram movimento oposto ao do músculo infiltrado (antagonistas), posicionamento apropriado, reeducação do movimento voluntário, se possível (caminhada, uso do membro superior), treinamento das atividades funcionais e participação do paciente em cuidados pessoais, atividades no lar, no trabalho e no lazer. 6
Considerar que as avaliações com escalas não traduzem fielmente a problemática do paciente. AVALIAÇÃO PÓS-TOXINA Considerar o pequeno efeito da medicação oral em doses que não comprometam as funções superiores. Avaliar a necessidade de um tratamento multinível em casos complexos e graves. Ter em mente que, apesar da longa evolução, é possível melhorar a qualidade de vida do paciente. Figura 3 SIMULAÇÃO DE HIGIENE DA AXILA AVALIAÇÃO PRÉ-TOXINA Figura 4 Figura 2 Material elaborado e produzido pela Europa Press Comunicação Brasil Ltda. A opinião do médico não reflete necessariamente a opinião da Allergan Produtos Farmacêuticos Ltda. EUROPA PRESS COPYRIGHT 2014 Produção editorial: Europa Press Desenho: Marina G. Santos Tiragem: 0.000 exemplares Empresa responsável: 7265_ALL_BRA_MAR_v5 Jornalista responsável: Pedro S. Erramouspe Europa Press Comunicação 7
INDICAÇÕES: BOTOX é indicado no tratamento de espasticidade muscular. REAÇÕES ADVERSAS: Conforme esperado para qualquer procedimento injetável, dor no local de aplicação, inflamação, parestesia, hipoestesia, sensibilidade anormal à compressão, intumescimento/ edema, eritema, infecção localizada, hemorragia e/ou ardor foram associados com a injeção. Espasticidade: Comuns: equimose, dor na extremidade, fraqueza muscular, hipertonia e dor no local da injeção, febre e síndrome gripal. ADVERTÊNCIAS E PRECAUÇÕES: A eficácia e segurança de BOTOX dependem de armazenamento adequado, seleção correta das doses e técnica correta de reconstituição e administração. Extrema precaução deve ser tomada em pacientes com doenças neurológicas pré-existentes. Podem ocorrer efeitos adversos a distância do ponto de injeção e reações de hipersensibilidade. Convulsões podem ser reportadas em pacientes pré dispostos, predominantemente em crianças com paralisia cerebral. Raros eventos adversos podem ocorrer no sistema cardiovascular como arritmia e infarto do miocárdio. A formação de anticorpos neutralizantes pode comprometer a eficácia de BOTOX. O potencial de formação de anticorpos pode ser minimizado pela injeção da menor dose efetiva com o intervalo mais longo possível entre as injeções. BOTOX contém albumina humana. PO- SOLOGIA: As doses recomendadas para BOTOX não são apropriadas para uso com outras preparações/ marcas comerciais de toxina botulínica. O método de administração depende das características individuais do paciente, da indicação, da localização e da extensão do comprometimento dos grupos musculares envolvidos. MODO DE USAR: DEVE SER APLICADO SOMENTE POR MÉDICO PREVIAMENTE TREINADO PARA USO CORRETO DO PRODUTO. BOTOX deve ser administrado dentro de 3 dias (72 horas) após a reconstituição. Para informações completas para prescrição, consultar a bula do produto ou a Allergan Produtos Farmacêuticos Ltda. VENDA SOB PRESCRIÇÃO MÉDICA. Reg. ANVISA/ MS - 1.0147.0045. CONTRAINDICAÇÕES: Este medicamento é contraindicado em pessoas com antecedentes hipersensibilidade a qualquer dos ingredientes contido na formulação e na presença de infecção no local da aplicação. Este medicamento é contraindicado para menores de 2 anos. INTERAÇÕES MEDICAMENTOSAS: O efeito da toxina botulínica pode ser potencializado por antibióticos aminoglicosídicos ou quaisquer outras drogas que interfiram com a transmissão neuromuscular. BR/0072/2014c Maio/2014 MATERIAL DESTINADO A MÉDICOS 8