O Serviço Social nos Cuidados de Saúde Primários: Saúde, Promoção de Saúde e a Doença Crónica / Diabetes

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Transcrição:

O Serviço Social nos Cuidados de Saúde Primários: Saúde, Promoção de Saúde e a Doença Crónica / Diabetes Emília Aparício, Assistente Social ACES Porto Oriental / URAP O direito à saúde é um direito fundamental do homem. A saúde é uma responsabilidade pública pelo que cabe ao Estado velar pela saúde de todos os habitantes (OMS). A saúde é um recurso da vida quotidiana e não apenas um objetivo a atingir; trata-se de um conceito positivo que valoriza os recursos sociais e individuais, assim como as capacidades físicas. (OMS. Glossário da promoção da saúde. Genebra, 1999) A organização Mundial da Saúde (OMS) em 1948 define saúde como um estado completo de bem-estar físico, mental e social e não somente ausência de doença e enfermidade. Esta definição trouxe consigo uma característica positiva de saúde abrangendo não somente aspetos físicos, mas também aspetos sociais e psicológicos, admitindo uma forma diferente de tratar e entender os problemas de saúde. A identificação das diferentes dimensões é fundamental para se poder compreender a grande complexidade deste conceito, onde cada uma destas dimensões interage com todas as outras num processo dinâmico, numa ótica holística e integral da pessoa (Nunes e Rego, 2002). Esta definição é também um importante marco, por abrir espaço para um conceito posteriormente abordado no âmbito da promoção da saúde e a conceção de saúde como qualidade de vida, resultado dos contributos provenientes dos debates que sucedem em torno das conferências mundiais e regionais. Na conferência realizada sobre Promoção de Saúde em Otava, no Canadá, em 1986, a OMS reforça o facto de que a saúde é o maior recurso para o desenvolvimento social, económico e pessoal, assim como uma importante dimensão da Qualidade de Vida. O conceito de saúde passa a estar relacionado com a noção de Promoção de saúde. No contexto da promoção da saúde, o processo saúde-doença é influenciado por múltiplos fatores, normalmente designados por Determinantes Sociais de Saúde, que se interligam e determinam o estado de saúde. Os DSS são os fatores sociais, económicos e ambientais; os relacionados com as condições biológicas (genéticas), com as escolhas feitas pelas pessoas (conduta pessoal), com o ambiente em que as pessoas vivem (condições sociais, culturais, económicas e laborais), ou seja, as condições de saúde derivam das circunstâncias em que as pessoas nascem, vivem, trabalham e envelhecem (OMS, Relatório DSS 2008) 1

Para se promover a saúde deve-se entender a intrínseca relação entre os diversos determinantes sociais. A promoção da saúde visa interferir nos determinantes de saúde, incluir indivíduos e grupos no processo saúde-doença no sentido de agirem na melhoria da saúde e na qualidade de vida, de forma a poderem identificar aspirações, satisfazer necessidades e mudar as condições de vida e da saúde, sendo eles próprios agentes na promoção da saúde. A promoção da saúde assenta na Literacia em Saúde e envolve a produção e a partilha de conhecimentos de modo a desenvolver competências que consagre a motivação e capacidade para tomar decisões informadas e responsáveis (empowerment ou empoderamento) na conquista de melhor saúde e de bem-estar (OMS, 1986). Permite entender a saúde como um direito e o dever, de a defender e de a promover, assumindo uma atitude de Cidadania em Saúde, capazes de exercer uma cidadania aberta, reflexiva e participativa individual e coletivamente no planeamento e na prestação dos cuidados de saúde (PNS, 2011-2016). A atual definição de saúde, internacionalmente aceite, valoriza o homem, não como elemento isolado, mas como um ser social que vive em sociedade, influenciando-a e fazendo parte dela ao mesmo tempo que dela recebe as influências e a ela se adapta (Martins, 2005). A promoção da saúde terá de contemplar o equilíbrio físico, mental do indivíduo, mas também a sua capacidade de ajustamento ao seu meio físico e social promovendo a sua capacidade de adaptação às mudanças. Os programas de promoção da saúde devem, também, ter como propósito a saúde social. A promoção das competências sociais deve ser alvo de programas de saúde (Ribeiro, 2005), permitindo abordagens multidisciplinares, envolvendo outras áreas do conhecimento. Consequentemente, a intervenção do Assistente social nos cuidados de saúde merece toda a atenção, uma vez que ajuda a conhecer e a compreender a situação e o contexto das pessoas e das famílias, bem como os seus valores, crenças e comportamentos. A participação social é determinante para desenvolver ações que assegurem uma saúde mais digna e que atenda às reais necessidades dos indivíduos, introduzindo as questões sociais, familiares, económicas, culturais e ambientais, capaz de compreender o modo como diferentes factores interferem e se complementam entre si. A intervenção psicossocial, é, também, entre outras: Fortalecer a autonomia dos indivíduos para que sejam, eles próprios, agentes da mudança; Ajudar emocionalmente o doente e familiares facilitando a expressão dos sentimentos e receios provocados pela doença; Potenciar capacidades e competências individuais e sociais para tomada de decisões responsáveis conducentes a estilos de vida saudáveis; Reforçar a consciencialização dos cidadãos sobre as necessidades e as responsabilidades na saúde e na doença para uma participação ativa, na melhoria dos serviços e dos cuidados de saúde, aptos a exercer a cidadania de modo informado e responsável (educação para a cidadania); 2

Estimular o envolvimento do doente, bem como dos familiares e/ou cuidadores, ao processo terapêutico visando melhorar a adesão ao tratamento e a aceitação da doença, minorando as suas consequências; Participar em acções de carácter educativo, abordando os factores psicossociais, dando ênfase a todas as actuações/acções de carácter preventivo. Na área da saúde, onde há múltiplos saberes em ação, múltiplas identidades em interação ( ) o que está em jogo é a construção de projetos coletivos, onde o valor humano, a qualidade de vida e a dignidade da morte ( ) sejam alicerces fundantes e objetivos comuns para o toda a equipa de trabalho. (Martinell, 2003) O meio de prevenir e controlar doenças crónicas concretiza-se numa ação abrangente e integrada. (OMS, 2005) Intervenção do Assistente Social na Doença Crónica / Diabetes A intervenção psicossocial nos cuidados de Saúde Primários é condição indispensável para a qualidade dos mesmos. Um contributo multidisciplinar integrado, um compromisso entre profissionais e seu envolvimento com a população na base do entendimento de saúde como um factor, entre outros, fundamental ao desenvolvimento global, introduzindo as questões sociais, familiares, económicas, culturais e ambientais, capaz de compreender o modo como diferentes factores interferem e se complementam. Promover um modelo de intervenção onde se analise tanto a doença como o indivíduo no seu todo Por outro lado, perceber o que o doente pensa acerca de si próprio, da sua vivência e da sua conduta perante o tratamento; as alterações que se darão na sua vida, a atitude dos familiares confrontados com a doença são dados essenciais para se poder fomentar um modelo de intervenção centrado na pessoa, orientado para o indivíduo, família e comunidade. Com o propósito de reflectir e aprofundar o conhecimento sobre o doente diabético e a sua relação com os aspectos psicossociais que interferem na vida da pessoa perante a doença crónica / diabetes, o Serviço Social do Centro de Saúde de Campanhã desenvolveu alguns trabalhos junto de distintos grupos de diabéticos, e em diferentes fases do ciclo de vida: Doentes Insuficientes Renais Crónicos Hemodialisados / Diabéticos; Qualidade de Vida e Suporte Social do Doente Diabético Domiciliado e Crianças e Adolescentes Diabéticos. 3

Doentes Insuficientes Renais Crónicos Hemodialisados / Diabéticos Este estudo, desenvolvido no contexto do Programa Nacional do Controlo da Diabetes Mellitus, teve como objectivo caracterizar nas dimensões social, familiar, económica e cultural, uma amostra constituída por utentes confrontados com a doença renal crónica (IRC) e em tratamento de hemodiálise bem como identificar, deste grupo, os indivíduos diabéticos. Pretendeu-se analisar os resultados descritivos da população estudada, estabelecendo algumas linhas do seu perfil social. A amostra foi determinada no universo dos utentes inscritos no Centro de Saúde de Campanhã, através da referenciação dos doentes IRC pela Sub-Região de Saúde do Porto, especificamente pela Direcção dos Serviços de Saúde/ Hemodiálise e por Despacho 17/86 de 26 de Maio de 1986, DR II Série (que atribuiu ao Serviço social das ARS o apoio social aos doentes hemodialisados), deste modo e abrangendo o triénio de 2005-06-07 (os dados relativos ao ano de 2007 reportam-se até 31/05/2007), período em que se identificaram 21 casos, sendo que à data da aplicação do questionário sobreviviam 18 doentes. Para a recolha dos dados utilizados no estudo foram conciliadas duas técnicas: o inquérito por questionário, aplicado à populaçãoalvo sob a forma presencial ou, na impossibilidade desta via, por visitação domiciliária, complementado com a consulta documental, designadamente dos registos do programa SINUS (Sistema Informático Nacional de Unidades de Saúde). O questionário composto por perguntas fechadas, contemplando as variáveis género; idade; tipologia familiar; habilitações escolares; situação ocupacional; tipologia de habitação; transporte utilizado para o tratamento; transplante. O resultado dos dados obtidos na caracterização sócio-demográfica a este grupo de doentes não se diferencia de qualquer outro conjunto da população já estudada. Verificou-se que a situação social económica e cultural condiz com os demais grupos. O que os distingue é nas enormes alterações nas condições de vida e nas imensas implicações psicossociais na pessoa doente e nos seus familiares, gerada por doença incurável, cujo tratamento depende de uma máquina para sobreviver, três vezes por semana, por um período de quatro horas por cada tratamento. O doente e a família necessitam de atravessar todo um processo de maduração e adaptação; reestruturar a vida interior, reorganizar e adoptar estilos de vida adequados ao enquadramento familiar, profissional, social e terapêutico. Salienta-se a percepção do enorme sofrimento que provoca esta doença, de uma suposta depressão pela tristeza no olhar, a revolta no falar, o sentimento de angústia pelo tratamento que os depaupera e pela dependência da máquina que não podem abandonar. As expectativas relativas ao transplante situam-se nos indivíduos mais novos, que depositam no transplante a esperança de uma nova vida. 4

Este estudo, mostrou que a maioria dos doentes tinha idade superior a 65 anos, ainda que exista um número significativo de indivíduos com idade inferior a 55 anos. A Diabetes Mellitus foi identificada em sensivelmente metade do total dos doentes estudados. Qualidade de Vida e Suporte Social do Doente Diabético Domiciliado Este estudo centrou-se num grupo de Diabéticos que recebem cuidados de saúde no domicílio. Trabalho realizado no âmbito do Programa Nacional de Controlo da Diabetes Mellitus no Centro de Saúde de Campanhã/Unidade de Saúde de S. Roque da Lameira. Tratou-se de conhecer o doente no seu contexto pessoal, social económico e ambiental, com o objectivo de perceber os aspectos referentes à doença e suas repercussões emocionais e a importância do suporte social (relações sociais como factor central na saúde e na doença). O contacto no domicílio surge da necessidade, sentida pelo profissional, de aprofundar o conhecimento referente à dinâmica familiar e aos factores ambientais da realidade do utente. É um instrumento que permite complementar os elementos obtidos por outras vias, designadamente através da consulta social realizada ao próprio, a familiares ou a outros significativos. Avaliando in loco as condições habitacionais, a apropriação do espaço privado, as características da área envolvente, a acessibilidade dos apoios formais/informais e as relações intra-familiares, obtém um retrato mais objectivo da situação vivencial em análise. A prática profissional do Assistente Social, firmada em princípios éticos, impõe, sempre que possível, a clarificação do propósito da deslocação ao domicílio e o consentimento do utente, evitando assim a ocorrência do sentimento de devassa, prejudicial para o estabelecimento da relação de ajuda. Reflexão sobre os resultados obtidos No que concerne aos determinantes sociais tipificaram-se duas variáveis: a tipologia familiar e a escolaridade. A inclusão da primeira assenta na importância da família enquanto agente de inserção social, bem como prestador de cuidados de primeira linha. O predomínio de agregados familiares subdivide dos tipos nuclear, família alargada e unitária. Na variável escolaridade, o grupo com maior representatividade foi o que se reporta à categoria analfabeta. O baixo nível de escolaridade explicar-se-á por factores de ordem sócio-económico e cultural. Os dados referentes à proveniência dos recursos, observou-se que a maioria da nossa população-alvo eram reformados, isto é, detinham um rendimento mensal com origem na carreira contributiva, sendo, no entanto, comum apresentar, em simultâneo, receitas oriundas de uma das modalidades do regime de pensões ou de outro benefício social. Quanto ao tipo de habitação, constatou-se que metade da população estudada reside em casas ou andares, cerca de 1/3 em habitações sociais e as restantes em ilhas. A variável condições habitacionais revelaram que existe um elevado número de doentes diabéticos confrontado com insuficiências ao nível da habitação, quer aquelas se situem no campo das barreiras arquitectónicas, quer no domínio das deficientes condições de habitação. No que concerne aos recursos informais e formais, observou-se que a maioria destes doentes referiu ser objecto do apoio prestado por 5

familiares, um número reduzido conta com os amigos/vizinhos, cerca de metade tem acompanhamento institucional e uma minoria garante os cuidados de que necessita recorrendo a uma relação contratual. Importa ressalvar que estes recursos não se excluem entre si, verificando-se pelo contrário, a sua coexistência. Viver sozinho é um indicador, só por si, de grande fragilidade, o nível de autonomia em termos de capacidade instrumental permite viverem sós e permanecerem nas suas casas. A rede de suporte social é constituída essencialmente por familiares, o que permite ao doente viver no meio conhecido e preservar o carácter de intimidade que caracteriza o auto-cuidado na saúde, mais importante que o cuidado nas AVD e nas actividades instrumentais é o lado emocional do cuidado que a família pode proporcionar. A perda de autonomia ou autonomia reduzida exige a necessidade de cuidados continuados onde o cuidador frequentemente exprime sobrecarga (o desgaste físico e emocional). O stress provocado pelo desequilíbrio entre exigências impostas, os recursos e a capacidade para resolver problemas. A presença de deterioração cognitiva (demência senil, doença de Alzheimer), a doença psíquica, entre outras, que provocam grande dependência, diferentes patologias crónicas incapacitantes exigem maior esforço, maior carga económica ou simplesmente a sua presença exige reorganização no funcionamento da família são factores que ocorrem frequentemente nesta população. A patologia crónica, o isolamento familiar e social, as fragilidades económicas e as alterações na estrutura familiar condicionam a saúde e o bem-estar físico e emocional, dando origem a sentimentos de angústia, de medo e de insatisfação da vida. As habitações, por vezes inadaptadas às condições de dependência em que se encontram, as ilhas, os andares sem elevadores e as habitações antigas. Tendo em conta a especificidade destes doentes, cabe aos profissionais de saúde integrados em equipas multidisciplinares com a família e a rede de suporte social uma particular intervenção no sentido de atenuar as consequências da doença. O cuidado informal necessita de uma relação com o cuidado formal cujos sistemas não podem constituir processos independentes, mas antes processos complementares. Ao Assistente Social cabe, especificamente, construir uma parceria com as famílias no sentido de maximizar as suas capacidades, minimizar as dificuldades e servir de ponte com os cuidados formais. 6

Crianças e Adolescentes Diabéticos Foi realizado um estudo sobre A Doença Crónica/Diabetes nas Crianças e Adolescentes, desenvolvido no contexto do Programa Nacional de Prevenção e Controlo da Diabetes, caracterizado sucintamente pela análise e reflexão que esta doença crónica implica na vida das crianças e dos adolescentes e respectiva adaptação à doença (aplicação inicial de um questionário a 11 crianças e adolescentes dos 4 aos 19 anos e ulterior monitorização e acompanhamento). Pretendeu-se com o referido estudo analisar e reflectir sobre a problemática da Diabetes nas Crianças e Adolescentes e o impacto que a doença tem na vida destes doentes, nomeadamente que tipo de mudanças ocorrem com o diagnóstico da doença (nas crianças, nos adolescentes, na família), perceber o que doente pensa acerca de si próprio, da sua vivência e da sua conduta perante o tratamento; as alterações que se darão na sua vida, a atitude dos familiares confrontados com a doença são dados essenciais para se poder fomentar um modelo de intervenção centrado na pessoa, orientado para o indivíduo, família e comunidade, assim como procurar conhecer os aspectos psicossociais mais relevantes na presença da diabetes e na adaptação à doença. O principal instrumento de análise foi um inquérito por questionário, aplicado a uma populaçãoalvo de crianças e adolescentes entre os 4 e os 19 anos, sob a forma presencial, no Centro de Saúde, através de entrevista realizada aos próprios e aos familiares que os acompanharam. Tratou-se de uma amostra de utentes inscritos no Centro de Saúde e que representaram a totalidade de crianças e adolescentes registados como diabéticos no Centro de Saúde. Estes doentes de um modo geral não são frequentes no Centro de Saúde, mas o Centro de Saúde enquanto prestador de 1ª linha e numa posição privilegiada entre os diferentes níveis de cuidados e a comunidade, considerou muito importante conhecer a realidade destes doentes e trazê-los até ao Centro de Saúde. De acordo com os resultados, constatou-se que o impacto começa desde logo com o diagnóstico. A família e os doentes vivem momentos de grande ansiedade, a generalidade das famílias sabe pouco da doença e iniciam assim um processo de procura de informação que lhes permite encontrar algumas respostas emocionais à experiência da dor e alguma forma de se ajustarem à doença. As mudanças nas rotinas da vida dos doentes e das famílias prendemse também com a exigência dos cuidados diários associados à vigilância e tratamento. Verificou-se ainda que o suporte parental é determinante na reconstrução da nova realidade, facilitadora da adesão ao tratamento. Não obstante, parece que o processo de adaptação se vai fazendo ao longo da vida dos doentes e da família, os quais têm momentos de angústia, solidão e desalento, sendo que em alguns persiste a dificuldade na aceitação da doença (escondem não querem dar a conhecer que são diabéticos). Regra geral, estabelecem limites na recolha de informação, receiam os piores aspectos da doença, o risco de desenvolver 7

complicações e são receptivos a novas terapêuticas que lhes facilite a convivência, atenuando o fardo do tratamento e permitindo melhorar a qualidade de vida. Os recursos sócioeconómicos também influenciam o tipo de estilo de vida e a adesão ao tratamento. O grupo manifestou grande interesse na existência de um espaço onde possam debater preocupações, problemas, dúvidas, desfazer fantasias e medos, como também a oportunidade de desenvolverem diversas actividades. Para isso, naturalmente criou-se um espaço informal no Centro de Saúde onde houve oportunidade de promover o acesso à consulta do Pé Diabético (Equipa de Enfermagem) e da Saúde Oral (Médica Dentista), as quais uma vez mais foram pré-agendadas no sentido de formar grupos que permitissem novo encontro entre os utentes. O Serviço Social e Psicologia, mais uma vez procurou nesses encontros/consultas fomentar a adopção de comportamentos e estilos de vida saudáveis e sensibilizar os utentes para a importância do tratamento no melhor controlo metabólico possível para evitar ou retardar complicações, numa perspectiva de gestão integrada da doença em ambiente multidisciplinar nos cuidados primários. Na continuidade deste trabalho foram realizados alguns encontros: No Parque da Cidade do Porto, (num domingo) entre esta população e seus familiares. Esta iniciativa contribuiu para promover o convívio informal entre esta população, assim como troca de informação, partilha de experiências e saberes e, por fim, fomentar novos encontros que têm com o objectivo último a criação de um movimento associativo. Procurou-se ainda fomentar hábitos de saúde tais como actividade física (praticada por pais, filhos, avós e padrinhos ao ar livre) e alimentação saudável (todos contribuíram com alimentos para um lanche comum). No Parque de S. Roque da Lameira, a convite da Associação de Diabéticos (DIMOV) para comemorar o 1º Aniversário da DIMOV. No Hospital de S. João num evento realizado pela Associação de Jovens Diabéticos de Portugal (AJDP). Nas instalações do CS, em Dezembro (período férias escolares), organizou-se um novo encontro/convívio, não só, no sentido de proporcionar ao grupo a partilha de sentimentos, mas também para que pudessem sentir que este espaço seria cada vez mais deles próprios, constituindo um suporte de apoio emocional e social, onde dúvidas, medos, angústias, vivências, experiências e até estratégias de lidar com a doença foram partilhadas, rompendo com o sentir de estarem sozinhos, reencontrando-se uns nos outros num ambiente empático, e, acima de tudo sem julgamentos. Participou-se, ainda, em ações no âmbito do dia Mundial da Diabetes (14 de Novembro), cujas informações foram sempre partilhadas com todas as crianças e adolescentes diabéticos deste Centro de Saúde. 8

Em suma, a aceitação da doença globalmente não é fácil, com evidentes necessidades de alteração das rotinas diárias, incluindo a vida estudantil, para além da adaptação à autovigilância e demais aspectos intrinsecamente clínicos. O Serviço Social na saúde deriva do entendimento que os problemas de saúde vão para além do médico e do enfermeiro. Não se constrói em termos de classe social, mas de vulnerabilidade. Todos, os que procuram o assistente social revelam-se vulneráveis e numa situação de fragilidade (REM, 2013). As equipas clínicas tratam do indivíduo enquanto doente, cabe ao assistente social ter em conta o impacto que é a experiência do ser doente ; ao centrar a sua intervenção na promoção do bem-estar global da pessoa doente, não é tanto a doença, mas a forma como ela é vivenciada, assim como a relação que qualquer doente estabelece com os grupos de pertença e/ou de referência (família, amigos, vizinhos e até com os próprios técnicos de saúde); confronta-se com um conjunto de variáveis de carácter social, cultural e económica que interferem direta ou indiretamente na situação de saúde; procura mitigar os efeitos e os impactos da situação de doença; exigindo sempre, uma reflexão permanente, no sentido de interpretar os fenómenos sociais numa visão holística; o envolvimento e a participação das pessoas, de acordo com as suas próprias preocupações, nelas despertando a atenção para os seus problemas, o estímulo para sua análise, e a colaboração na sua solução, assim como o envolvimento consciente e confiante da rede social e das instituições da comunidade. Só com a participação da sociedade em geral, (família, amigos, vizinhos e instituições públicas/privadas) se pode traçar uma intervenção prática transformadora. A realidade atual exige tomadas de decisão baseadas em princípios de eficiência de recursos e obtenção de ganhos em saúde. Porém, e perante a necessidade de se compreender a saúde nas suas diferentes dimensões (biológica, psicológica, social, cultural e histórica), e considerando as desigualdades sociais, o acesso aos cuidados e a importância da literacia em saúde, torna-se necessário delinear uma abordagem integrada, apoiada em equipas multidisciplinares, partindo do pressuposto que a intervenção da saúde integra essas mesmas dimensões no entendimento da pessoa como um todo. Impele a necessidade de se adotar estratégias centradas no cidadão dirigidas à promoção da saúde e à prevenção da doença, requerendo, para isso, a implementação de ações destinadas a potenciar a autonomia, as capacidades individuais e coletivas incorporando a participação dos indivíduos, tornando-os mais envolvidos e socialmente responsáveis no controlo da própria saúde e na possibilidade de a melhorar. 9

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