POSIÇÃO HABITUAL DE LÍNGUA E PADRÃO DE DEGLUTIÇÃO EM INDIVÍDUO COM OCLUSÃO CLASSE III, PRÉ E PÓS-CIRURGIA ORTOGNÁTICA

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Transcrição:

256 POSIÇÃO HABITUAL DE LÍNGUA E PADRÃO DE DEGLUTIÇÃO EM INDIVÍDUO COM OCLUSÃO CLASSE III, PRÉ E PÓS-CIRURGIA ORTOGNÁTICA Tongue s rest position and deglutition standards in a patient with malocclusion Class III, pre and post orthognathic surgery Cássia Sígolo (1), Alcione Ramos Campiotto (2), Mariana Bonafé Sotelo (3) RESUMO Tema: os distúrbios miofuncionais orofaciais dos indivíduos que apresentam desproporções maxilomandibulares podem estar relacionados à condição muscular orofacial e às diferentes funções por elas realizadas. Procedimentos: a paciente realizou um exame radiográfico de videofluoroscopia no qual se observou quantas deglutições foram necessárias para total limpeza das valéculas e qual foi a posição da língua após a deglutição de saliva. O exame foi realizado com bário líquido e pão de queijo. Resultados: na avaliação pré-operatória, foi encontrada a língua posicionada no soalho da cavidade oral; mastigação com movimento compensatório de língua, com amassamento do alimento pela língua, contra o palato; deglutição com projeção anterior de língua, diminuição da elevação de dorso de língua; elevação de palato mole e laringe adequada; diminuição de ejeção oral para líquido e função de clearance faríngeo completa para líquidos e sólidos. No exame pós-operatório, foi observada a posição habitual de língua em soalho da boca; mastigação com movimento compensatório de língua, com amassamento do alimento pela língua, contra o palato; elevação de palato mole e laringe adequada, ejeção oral satisfatória para líquido e função de clearance faríngeo completo para líquidos e sólidos. Conclusão: foi observado padrão adaptativo funcional em mastigação e deglutição mantido, mesmo após a cirurgia corretiva para a adequação da deformidade dentofacial, apesar da melhora da força de ejeção oral. DESCRITORES: Oclusão Dentária; Deglutição; Língua; Má Oclusão INTRODUÇÃO O sistema estomatognático é composto por tecidos duros e moles, sistema nervoso, linfático e vascular, que se relacionam de forma complexa, ape- (1) Fonoaudióloga do Município de Santana de Parnaíba, SP; Mestre em Saúde da Criança e do Adolescente pela Universidade Estadual de Campinas; Aperfeiçoamento em Motricidade Orofacial pela Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo. (2) Fonoaudióloga; Coordenadora do Curso de Aperfeiçoamento em Motricidade Orofacial da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, ISCMSP, São Paulo, SP; Especialista em Motricidade Orofacial e Voz; Mestre em Distúrbios da Comunicação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. (3) Fonoaudióloga clínica; Especialista em Motricidade Oral; Aperfeiçoamento em Motricidade Orofacial pela Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo. Conflito de Interesses: Inexistente sar de apresentarem biologia e estrutura funcional própria, adaptada a funções específicas. A relação harmônica entre os componentes desse sistema, que se faz pelo equilíbrio de pressões relacionadas às estruturas ósseas e musculares, propicia o bom desempenho das funções de respiração, sucção, mastigação, deglutição e fala, além da postura de cabeça e posição habitual da língua e dos lábios 1. A íntima correlação entre tecidos moles e tecidos duros, assim como as necessidades das funções estomatognáticas para nossa sobrevivência, levam à ocorrência de adaptações funcionais no sentido de viabilizar estas funções, independente das alterações existentes. Assim sendo, são observadas grandes adaptações miofuncionais orofaciais, principalmente em indivíduos cuja proporção esquelética está alterada 1. A cirurgia ortognática consiste no procedimento de escolha para tratamento das deformidades

Posição lingual, deglutição e má oclusão 257 dentoesqueléticas severas, visando à correção da deficiência funcional 2 e acarretando em modificações estéticas no paciente 3. Os distúrbios miofuncionais orofaciais dos indivíduos que apresentam desproporções maxilomandibulares podem estar relacionados tanto à condição muscular orofacial, que permite ou não um adequado posicionamento das estruturas orofaciais, quanto às diferentes funções por elas realizadas (respiração, mastigação, deglutição e fala), além da condição da movimentação mandibular em relação à abertura da boca, lateralização e protrusão 3. O trabalho fonoaudiológico a ser desenvolvido com pacientes que se encontram em programação cirúrgica para correção de deformidades dentofaciais inclui a realização do diagnóstico miofuncional orofacial, sendo relevantes parâmetros mensuráveis para uma comparação efetiva entre os resultados pré e pós-cirúrgicos 4. O diagnóstico miofuncional orofacial deve ser baseado em uma avaliação do histórico do paciente, sendo que esse deve incluir uma história médica e/ ou odontológica, o relato das queixas associadas e o exame físico, que compreende o exame muscular, sugerido pela palpação dos músculos temporal, masseter, pterigóideo medial, pterigóideo lateral, digástrico, esternocleidomastóideo, trapézio, cervicais posteriores, occiptofrontal, avaliação das articulações temporomandibulares (ATM) e movimentos mandibulares e amplitude do movimento de abertura bucal 5,6. A documentação estática é importante para relacionar a postura crânio-oro-cervical com a postura corporal 7. Uma vez que as funções requerem participação das estruturas faciais, a análise da morfologia orofacial é extremamente importante 8. Com esta documentação, integra-se a avaliação estática com a funcional, verificando quais as capacidades para a execução das funções estomatognáticas, a mímica e as dificuldades do complexo orofacial 6. A posição habitual de língua (PHL) tem grande importância no tratamento fonoaudiológico e ortodôntico. A PHL, no repouso e com os lábios em contato, sempre foi difícil de ser determinada devido à dificuldade de observar a posição da língua diretamente 9. Alguns estudos tiveram como objetivo determinar a PHL; foram utilizadas cefalometrias laterais, como é padrão nas documentações ortodônticas, com contraste sobre a língua para observar o posicionamento entre a mesma em relação às outras estruturas e o espaço ocupado entre a abóbada palatina e o soalho da cavidade oral. Concluíram que para cada tipo de relação oclusal pode-se esperar determinados posicionamentos habituais de língua 10. A avaliação das funções da mastigação, deglutição e fala deve contemplar a identificação das possíveis atipias, sendo justificáveis pela deformidade dentofacial apresentada 4,5. A videofluoroscopia é o método por meio do qual as dinâmicas das estruturas envolvidas no fenômeno da deglutição são documentadas em fitas de vídeo 11. A avaliação do trânsito digestivo é habitualmente efetuada utilizando-se como meio de contraste a solução de sulfato de bário. A eficiência desse meio de contraste é incontestável. A deglutição, por extensão, tem sido também avaliada, em vários estudos, utilizando-se a solução de sulfato de bário como meio de contraste 12. Portanto, o objetivo deste estudo foi descrever a posição habitual de língua e o padrão de deglutição de uma paciente com deformidade dentofacial, com má oclusão Classe III, pré e pós-cirurgia ortognática. APRESENTAÇÃO DO CASO O presente estudo observacional descritivo foi realizado com uma paciente de 23 anos de idade com deformidade dentofacial, com má oclusão Classe III, que passou por avaliação e acompanhamento fonoaudiológico no Ambulatório de Motricidade Orofacial do Setor de Terapia Fonoaudiológica / Departamento de Otorrinolaringologia da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo (ISCMSP), no período de outubro de 2006 a novembro de 2007. A paciente realizou avaliação fonoaudiólogica na fase pré operatória em outubro/06, com duração de 45 minutos, e nestas foram observados aspectos morfológicos dos órgãos fonoarticulatórios e das funções respiratória, velofaríngea, mastigatória, deglutição, fala e voz. A cirurgia ocorreu em novembro/06 e no vigésimo dia do pós-operatório passou por reavaliação fonoaudiológica. Durante quatro meses após a cirurgia a paciente realizou fonoterapia semanal, com a duração de trinta minutos cada, e até novembro/07 foram realizados acompanhamentos que passaram a ser quinzenais, mensais, bimestrais, até a alta fonoaudiológica e da equipe da Cirurgia Bucomaxilofacial. A paciente realizou, no período pré-cirúrgico, uma documentação fotográfica no momento da avaliação fonoaudiológica. Foi utilizada a máquina fotográfica digital Sony, modelo Cybershot, 6.1 mega pixels, fixada em um tripé a uma distância de 1,0 metro do paciente e foram realizadas fotos faciais, da mordida e corporais. Não foi utilizado zoom no enquadramento do terço inferior de sua face. Os registros foram feitos 15 dias

258 Sígolo C, Campiotto AR, Sotelo MB antes da cirurgia e no vigésimo dia após a cirurgia, primeiro retorno programado para reavaliação fonoaudiológica. Durante a videofluoroscopia, a paciente estava sentada em cadeira, encostada no espaldar, com pernas e coluna em 90, pés apoiados no chão e mãos apoiadas nos joelhos. Os bolos contrastados sólido e pastoso foram confeccionados artesanalmente como meio de contraste líquido a solução de sulfato de bário e como meios de contraste sólido e pastoso, volumes variados de massa de pão de queijo e bário. Foi solicitado à paciente comê-lo de forma habitual e posteriormente observado quantas deglutições foram necessárias para total limpeza das valéculas, e qual a posição habitual de língua encontrada após a deglutição de saliva. O exame de videofluoroscopia teve a duração de 6 minutos e foi gravado em fita VHS. A deformidade dentofacial da paciente foi classificada pela equipe do Setor de Cirurgia Bucomaxilofacial da ISCMSP, assim como a conduta cirúrgica. O Comitê de Ética em Pesquisa da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo avaliou e aprovou esta pesquisa sob o número 386/06 e considerou como risco médio e com necessidade de consentimento pós-informado. Os resultados serão expostos de maneira descritiva. RESULTADOS Na avaliação pré-operatória, observou-se que a língua estava posicionada no soalho da cavidade oral antes da paciente introduzir o alimento; mastigação com movimento compensatório caracterizada pela presença de amassamento do alimento da língua contra o palato; deglutição com projeção anterior de língua, diminuição da elevação de dorso de língua; elevação de palato mole e laringe adequada; diminuição da força de ejeção oral para líquido e função de clearance faríngeo completa para líquidos e sólidos. No exame pós-operatório, foi observada a posição habitual de língua em soalho da boca; mastigação com movimento compensatório de amassamento do alimento pela língua contra o palato; elevação de palato mole e laringe adequada, força satisfatória de ejeção oral para líquido e função de clearance faríngeo completa para líquidos e sólidos. DISCUSSÃO O conhecimento das alterações faciais, diante dos diferentes tipos de movimentos realizados na maxila ou na mandíbula, se faz necessário para melhor diagnóstico, planejamento e previsibilidade do resultado pós-operatório, portanto, há necessidade de exames objetivos que mensurem os aspectos encontrados em avaliação fonoaudiológica 13. Apesar da mudança na estrutura, o padrão miofuncional não se modificou completamente. Com os dados da videofluoroscopia pré e pós-cirurgia pôde-se observar que as funções de mastigação e deglutição não apresentaram mudanças, o que também foi constatado em um estudo que comparou o padrão mastigatório pré e pós-cirurgia ortognática, mesmo com a melhora da relação de oclusão dos dentes superiores e inferiores 14. Outros autores relatam que o avanço de mandíbula não causou mudança significativa nos padrões de articulação, ressonância e voz nos períodos pré e pós-cirúrgicos, sendo que estes pacientes não realizaram fonoterapia em nenhum dos períodos 15,16. A realização de tal exame em diferentes momentos ao longo do processo terapêutico poderia, inclusive, agregar dados de evolução clínica e de técnicas específicas que fossem utilizadas em cada paciente e, desta forma, entender melhor o papel da fonoaudiologia nos períodos pré e pós-cirúrgicos. CONCLUSÃO Foi observada a manutenção do padrão adaptativo funcional em mastigação e deglutição, assim como da posição de língua posterior à deglutição de saliva, mesmo após a cirurgia corretiva para a adequação da deformidade dentofacial, apesar da melhora da força de ejeção oral. Desta forma, observa-se a necessidade da realização do tratamento fonoaudiológico pós-cirúrgico, uma vez que foi observada manutenção do padrão adaptativo da mastigação e deglutição após a cirurgia.

Posição lingual, deglutição e má oclusão 259 ABSTRACT Background: the orofacial myofunctional disorders of individuals that have maxillomandibular disproportions can be related the orofacial muscular condition and the different functions accomplished by them. Procedures: the patient was submitted to a radiographic video-fluoroscopic examination where in which we observed how many swallowing were needed to complete full cleaning of the valecular region and what was the position of the tongue after saliva swallowing. The examination was conducted with liquid Barium and cheese bread. Results: in the presurgery evaluation, we found: the tongue s standard rest position is the bottom of the oral cavity; chewing was made with compensatory tongue movement (the food was crushed by the tongue against the palate); deglutition with pre-projection of tongue, decreasing in the back of the tongue elevation; adequate elevation of the soft palate and larynx; strength decreasing of oral ejection for liquid; and complete clearance pharyngeal function for liquids and solids. In the post-operative evaluation, we observed the frequent position of the tongue in the bottom of the mouth; chewing with tongue compensatory movement, (the food was smashed by the tongue against the palate); adequate elevation of the soft palate and larynx, satisfactory strength of oral ejection; and complete pharyngeal clearance function for liquids and solids. Conclusion: even after corrective dent facial surgery the adaptive functional standard was consistent in chewing and swallowing, despite of the improvement in the oral ejection power. KEYWORDS: Dental Occlusion; Deglutition; Tongue; Malocclusion REFERÊNCIAS 7. Stojanovic ZM, Milic J, Nikolic P. [Radiographic cephalometry assessment of the linear and angular 1. Berretin-Felix G, Jorge TM, Genaro KF. Intervenção parameters on cranial base in children with skeletal fonoaudiológica em paciente submetidos à cirurgia class III]. Vojnosanit Pregl. 2007; 64(9):604-10. ortognática. In: Ferreira LP, Befi-Lopes DM, Limongi 8. Silveira MC, Sígolo C, Quintal M, Sakano SCO, organizador. Tratado de Fonoaudiologia. São E, Tessitore A. Proposta de documentação Paulo: Roca, 2004. p. 494-511. fotográfica em motricidade oral. Rev. CEFAC. 2006; 8(4):485-92. 2. Laureano Filho JR, Silva EDO, Vasconcelos 9. Cattoni DM. O uso do paquímetro na avaliação RJH, Silva LCF, Rocha NS. Alterações estéticas da morfologia orofacial. Rev Soc Bras Fonoaudiol. em discrepâncias ânteroposteriores na cirurgia 2006; 11(1):52-8. ortognática. Rev Cir Traumatol Buco-Maxilo-Fac. 10. Tessitore A, Crespo AN. Análise radiográfica da 2005; 5(1):45-52. posição habitual de repouso da língua. Pró-Fono. 3. Nicodemo D, Pereira MD, Ferreira LM. Cirurgia 2002; 14(1):7-16. ortognática: abordagem psicossocial em pacientes 11. Tessitore A, Mory MR, Baroni LEC. Análise Classe III de Angle submetidos à correção cirúrgica radiográfica da posição habitual da língua nos da deformidade dentofacial. Rev Dent Press Ortodon portadores de distoclusão. Rev. CEFAC. 2003; Ortoped Facial. 2007; 12(5):46-54. 5(6):231-4. 4. Freitas R, Reis RH, Benedetti C, Campiotto AR. 12. Santoro PP, Tsuji DH, Lorenzi MC, Ricci F. A Cirurgia ortognática. In: Freitas R, organizador. utilização da videoendoscopia da deglutição para a Tratado de cirurgia bucomaxilofacial. São Paulo: avaliação quantitativa da duração das fases oral e Santos; 2006. p. 533-69. faríngea da deglutição na população geriátrica. Arq 5. Campiotto AR, Freitas RR. A fonoaudiologia Int Otorrinolaringol. 2003; 7(3):181-7. nas cirurgias ortognáticas. In: Lopes Filho O, 13. Wu MC, Chang YC, Wang TG, Lin LC. Evaluating organizador. Tratado de fonoaudiologia. 2. ed. swallowing dysfunction using a 100-ml water Ribeirão Preto: Artmed; 2005. swallowing test. Dysphagia. 2004; 19(1):43-7. 6. Usümez S, Oz F, Güray E. Comparison of clinical 14. Kobayashi T, Honma K, Nakajima T, Hanada and magnetic resonance imaging diagnoses in K. Masticatory function in patients with mandibular patients with TMD history. J Oral Rehabil. 2004; prognathism before and after orthognathic surgery. 31(1):52-6. J Oral Maxillofac Surg. 1993; 51(9):997-1001.

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