DIREITO CIVIL LUCIANO FIGUEIREDO ROBERTO FIGUEIREDO PARTE GERAL. coleção SINOPSES para concursos. 7ª edição revista, ampliada e atualizada

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Transcrição:

LUCIANO FIGUEIREDO ROBERTO FIGUEIREDO DIREITO CIVIL PARTE GERAL 7ª edição revista, ampliada e atualizada 2017 coleção SINOPSES para concursos Coordenação Leonardo de Medeiros Garcia 10

Introdução ao Direito Civil Capítulo II PARTE I: TEORIA GERAL DO DIREITO 1. O CONCEITO DO DIREITO CIVIL Começaremos este capítulo apresentando uma frustração, caros leitores! Imaginam vocês que é chegada a hora de se apresentar um conceito preciso do que vem a significar a palavra direito. E este conceito do direito civil exigirá uma visita acadêmica à denominada ontologia jurídica, campo do conhecimento que estuda a natureza dos institutos jurídicos e que está para além do próprio direito civil (questão jusfilosófica). Contudo, será difícil mesmo identificar um conceito universal, preciso, unívoco, que abranja todas as possíveis compreensões e os mais incríveis e surpreendentes fatos da vida jurídica. A própria palavra direito contempla significado multifacetário. Pode significar aquilo que é certo, correto, autorizado, permitido, justo, legal etc. Este direito se revela em vastos campos do conhecimento, tais como direito civil, constitucional, ambiental, trabalhista. De igual sorte também existirá a sociologia do direito, a história do direito, a filosofia do direito, enfim, um vasto campo de perspectivas que bem evidenciam desafio daqueles que buscam a desejada identificação do termo 1. Vejam alguns conceitos doutrinários relevantes, do Direito Civil: Atenção! Uma ordenação heterônoma das relações sociais baseada numa integração normativa de fatos e valores (Miguel Reale) 1. 1. REALE, Miguel. O Direito como experiência. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2002.

86 Direito Civil Vol. 10 Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo Jus ou júris, da raiz sânscrita jus, simboliza a ideia de jugo, na qual se pode compreender o fato, o vínculo jurídico criado entre as pessoas. A origem da palavra direito, porém, se encontra no latim directum trazendo à mente a concepção de que o direito deve ser uma linha reta, isto é, conforme uma regra (Pablo Stolze e Rodolfo Pamplona) 2. O direito pressupõe relação com o outro, daí a parêmia latina ubi homo, ibi jus (onde existe homem, há direito), constituindo produto cultural da humanidade (sem pessoas, não há direito) que disciplina direitos e deveres às pessoas naturais e jurídicas em verdadeiro regramento social 2. Entendemos o direito como sendo este conjunto de normas (princípios e regras) que disciplina a vida social, seja mediante a imposição de deveres, seja mediante o reconhecimento de garantias, benefícios ou vantagens à mesma pessoa, como se a conduta humana experimentasse verdadeira interferência institucional permissiva da convivência pacífica, fraterna e harmônica. 2. DIREITO, MORAL E PODER Uma das maneiras de se compreender o significado da palavra direito é distingui-la daquilo que vem a ser moral e, finalmente, daquilo que vem a ser poder. Direito, moral e poder não se confundem. O direito regula a conduta humana exteriorizada, concreta, efetiva. Fixa deveres jurídicos e obrigações. Autoriza a prática de certos atos. Prescreve consequências jurídicas para a prática de certos atos (sanções jurídicas). Representa um mínimo ético tutelado pelo Estado. A moral relaciona-se com a intenção prévia. Envolve o direito. É mais ampla que o direito. Pode ser absorvida pelo direito. Os costumes, por exemplo, estão mais no campo da moral do que no campo do direito. Quando um costume passa a se tornar especial, 2. GAGLIANO, Pablo Stolze; e PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil: Parte Geral. V. 1, 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2014.

Cap. II Introdução ao Direito Civil 87 cristalizado, torna-se exigência jurídica. Passa a ser objeto do direito (esfera do proibido/permitido jurídico). Exemplifica-se com o costume de dar preferência em filas aos idosos, que passou, com o tempo, a ser visto pelo direito como algo relevante até que, em um dado momento da história, tornou- -se lei (objeto do direito) de modo que sanções passaram a ser prescritas em face de quem não respeitasse a norma em destaque. Cristalizou-se, advindo dos costumes, o princípio da prioridade de atendimento aos idosos, estampado no Estatuto do Idoso. O direito traduz, portanto, este mínimo ético necessário à suportável e fraterna vida em sociedade. Poderíamos, até mesmo, admitir a existência de normas morais e normas jurídicas. E qual seria a diferença entre elas? A qualidade da sanção aplicável. No direito, a sanção é aplicável por meio do Poder Público, constrangendo a conduta humana contrária à ordem jurídica por meio de atos concretos, imperativos, coercitivos e limitadores das vontades e liberdades. As normas meramente morais, quando violadas, geram no mais das vezes constrangimento interno, pessoal, particular, como um remorso, um arrependimento, sem qualquer tipo de coercitibilidade jurídica. Podem até, eventualmente, gerar recriminação social, mas não há de falar-se em sanção jurídica. Direito e poder também se entrelaçam (mas não se confundem). É que o direito, muitas vezes, carece de ser aplicado mediante a coercitibilidade, a força, a imposição. É o poder constituído que cria o direito, em regra, garantindo a sua aplicação. Veja, por exemplo, o sistema de freios e contrapesos. Analise, por exemplo, os Três Poderes da República, ou seja, o Poder Executivo, o Poder Legislativo e o Poder Judiciário. Sem dúvida, o direito emana destes poderes. É executado e garantido por tais poderes. 3. DIREITO OBJETIVO X DIREITO SUBJETIVO Em primeiro lugar, é bom que se diga ser possível classificar doutrinariamente esta discussão (direito objetivo versus direito subjetivo) em pensadores que negam a existência deste último (corrente negativista) e pensadores que reconhecem a existência do direito subjetivo (corrente afirmativa).

88 Direito Civil Vol. 10 Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo De efeito, existe doutrina (minoritária) que não reconhece a existência do direito subjetivo como, por exemplo, a teoria pura do direito (Hans Kelsen 3 e Duguit 4 ), inadmitindo este dualismo, esta coexistência. Para esta doutrina minoritária somente existiria um direito, que seria o direito objetivo, imposto pelo Estado. Predomina, contudo, a teoria afirmativa, que reconhece a autonomia do direito subjetivo. Costuma-se afirmar que o direito objetivo se constitui pelo conjunto de normas (princípios e regras) jurídicas que disciplinam a conduta humana mediante sanções para as hipóteses de desrespeito aos preceitos impostos: jus est norma agendi. O direito objetivo está fora da pessoa humana (de fora para dentro), oriundo do Estado e dirigido à pessoa. DIREITO OBJETIVO Estado Pessoa O direito subjetivo é a autorização, a permissão, concedida pela norma para que um dado sujeito possa praticar esta ou aquela conduta, ou ainda possa exigir do Estado que a aludida conduta seja observada. DIREITO SUBJETIVO Pessoa Estado Este direito subjetivo, que nada mais é senão a permissão que tem o homem de agir conforme o direito objetivo, pode ser classificado em: (I) direito subjetivo comum da existência, ou seja, relativos à autorização conferida pelo Poder Público para alguém fazer ou deixar de realizar algo, inexistindo neles a ideia de sanção; e (II) direito subjetivo de defender direitos, vale dizer, de tutelar efetivamente o exercício de uma dada conduta mediante sanções. 3. KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Tradução de João Baptista Machado. 8. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2009. 4. DUGUIT, Léon. Fundamentos do direito. São Paulo: Marin Claret, 2009.

Cap. II Introdução ao Direito Civil 89 Poderíamos denominar os direitos subjetivos de facultas agendi. Dois pensamentos existem neste particular: 5-6 - 7 Atenção! A corrente doutrinária majoritária: afirma que sim. Reconhecem e denominam o direito subjetivo como facultas agendi em oposição ao direito objetivo denominado norma agendi. Já a corrente doutrinária minoritária: afirma que não, sob o argumento de que faculdades humanas não seriam direitos, mas apenas qualidades próprias da pessoa (em potencial), de modo que o direito subjetivo seria tão somente a autorização para o uso de tais faculdades. Três são as teorias que estudam a natureza jurídica do direito subjetivo: a) A teoria da vontade (Savigny 5 e Windscheid 6 ) para quem o direito subjetivo é o poder da vontade reconhecido pela ordem jurídica. Mas será que existem direitos sem vontade do seu titular, consideração que poderia colocar em xeque a teoria da vontade? Imagine um interditado. Ninguém duvida que esta pessoa seja titular de direitos, mas não tem vontade reconhecida como válida para o direito. O mesmo se diga em relação ao nascituro. Por outro lado, é possível que haja vontade sem que o direito a reconheça, ou melhor, convirja com esta. Portanto, é possível concluir que o direito subjetivo pode existir independentemente da vontade, daí a crítica à teoria de que seria este o poder da vontade reconhecido pela ordem jurídica. Arrematando, por todos, com o exemplo daquele que possui a capacidade de direito (inerente a toda pessoa art. 1º do CC), mas que é desprovida da capacidade de fato (incapazes dos arts. 3º e 4º do CC). b) A teoria do interesse (Ihering 7 ), segundo a qual direito subjetivo nada mais é senão o interesse protegido por meio de uma ação judicial. Da mesma forma, é possível estabelecer crítica à teoria do interesse, que nem sempre é protegido pela ordem jurídica, não constituindo di- 5. SAVIGNY, Friedrich Karl Von. Metodologia Jurídica. Tradução de Hebe A. M. Caletti Marenco. Campinas: Edcamp, 2004. 6. WINDSCHEID, Bernardo. Diritto delle pandette. Trad. Fadda & Bensa. Torino: UTP, 1902. 7. IHERING, Rudolf Von. A luta pelo Direito. São Paulo: RT, 2010.

90 Direito Civil Vol. 10 Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo reitos subjetivos em todo e qualquer caso. O interesse pode ser objeto do direito em alguns casos (em outros não necessariamente). c) A teoria mista (Jellinek, Saleilles e Michiud 8 ) sugere ser o direito subjetivo o poder da vontade reconhecido pelo Estado, cujo objeto é justamente um bem ou interesse. As mesmas críticas empregadas anteriormente se aplicam mutatis mutandis à teoria mista que objetiva, a um só tempo, conviver com a teoria da vontade e com a teoria do interesse. Como se analisou, o direito subjetivo existirá independentemente da vontade, ou mesmo do interesse de alguém, sendo, curiosamente, contrário, por exemplo, às vontades ou a interesses escusos. Pode-se concluir afirmando que direito objetivo e direito subjetivo existem um na dependência e em razão do outro, afinal de contas, na falta de um deles o outro perde sentido, esvazia-se. Se o direito objetivo se altera, é possível que isso repercuta no direito subjetivo, modificando-o também. 8 4. DIREITO POSITIVO X DIREITO NATURAL Atribui-se o nome de direito positivo ao ordenamento jurídico vigente em uma civilização, em uma nação, em um país, dentro de um dado espaço de tempo, no contexto de uma época. A isto os romanos denominariam jus in civitate positum. Quando se diz no direito romano, é possível se inferir nisso a ideia que tentamos transmitir agora do conteúdo do denominado direito positivo. Imediatamente o leitor é remetido à Roma Antiga. Surge a ideia de um direito em vigor dentro de um espaço de tempo (há séculos). Quando se fala direito brasileiro também é possível compreender, de imediato, a noção do direito positivo no contexto visto (conjunto de normas em vigor de um dado país numa época, no caso, atual). Observe que o direito positivo não traduz, necessariamente, o significado de direito escrito. É possível, por exemplo, que a 8. JELLINEK; SALEILLES; e MICHIUD apud MONTORO, André Franco. Introdução à ciência do direito. 27. ed. São Paulo: RT, 2008.

Cap. II Introdução ao Direito Civil 91 expressão direito positivo se refira a um conjunto de normas consuetudinárias, construídas mediante usos e costumes, sem a necessária publicação de normas escritas. A ideia do direito positivo ganha força com a Escola Histórica e a Escola Positivista do Direito, as quais simbolizam o oposto daquilo que se convencionou chamar de direito natural. Em suma: a noção de direito positivo está imbricada à ideia de vigência. Direito natural, por sua vez, tem característica intertemporal. Relaciona-se à noção de justiça, equidade, princípios superiores, ganhando força na idade moderna pelas mãos de São Tomaz de Aquino e Santo Agostinho, quando foi relacionado àquilo que significaria um direito ideal, superior e eterno. Desta noção, surgiu a Escola de Direito Natural, já agora no século XVI, pela batuta de Hugo Grócio, quando, então, o jusnaturalismo ganha força como aquela gama de direitos que estariam armazenados na consciência de todos os povos, de todas as pessoas. 5. DIREITO PÚBLICO X DIREITO PRIVADO O direito romano consagrou uma divisão estanque entre o direito público e o direito privado, denominada summa divisio. A partir deste instante, os povos ocidentais passaram a seguir esta mesma classificação, nada obstante um sem número de críticas doutrinárias realizadas a este respeito durante séculos. O direito público era aquele concernente aos negócios romanos, segundo a máxima romana publicum jus est quod ad statum rei romanae spectat, ou seja, direito público é aquele relativo ao Estado, sua organização, política e serviços. Para Ulpiano 9 (Digesto, Livro I) o direito público seria aquilo correspondente às coisas do Estado e o privado à utilidade das pessoas. Esta noção romana é perdida na idade média, época na qual o direito público perde força ante a confusão causada pelo feudalismo, no tocante à soberania e a propriedade. Neste momento histórico, o direito privado ganha relevo e passa a ser aplicado em 9. ULPIANO. Regularum in Digesto. Líber I, 10.

92 Direito Civil Vol. 10 Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo quase todas as relações jurídicas. Não se fala em dicotomia alguma no período medieval, no que diz respeito ao direito público e ao direito privado. Isto é perdido. O papel do Estado restringe-se a cunhar moedas, distribuir justiça, manter o exército. Ao contrário do período romano, o direito público perdeu força na era medieval. Com a modernidade, a soberania é resgatada. A noção do Estado revigora-se, redimensiona-se, atualiza-se. O direito público é reavivado. Como visto em Roma, o primeiro critério utilizado na história foi o do interesse da norma. O do bem jurídico tutelado que, no caso do direito público, referia-se às coisas do Estado. Ao revés, no caso do direito privado, aos interesses do cidadão: privatum, quod ad singulorum utilitatem. Na atualidade, este critério, de origem romana, é insuficiente. Muitas vezes o interesse da norma é, a um só tempo, em favor do Estado e dos cidadãos. As normas podem ter duplo interesse, ou interesse simultâneo. Como fazer nestes casos? Em outros casos não é possível constatar com tranquilidade qual seria o interesse da norma. De fato, imaginar que os interesses dos cidadãos seriam contrários aos interesses do Estado não se apresenta como a melhor maneira de se entender a ciência jurídica. Seja porque tais interesses muitas vezes interagem sobrepostamente, seja ainda porque os interesses da população devem se harmonizar com o interesse público. O certo é que o critério em destaque é insuficiente. Savigny sustenta a dicotomia pelo critério do fim do direito (critério finalístico ou teleológico). No direito público o todo se apresenta com um fim coletivo, permanecendo o indivíduo em segundo plano. Na relação privada, cada indivíduo seria a razão de ser da relação jurídica, ficando o Estado agora em segundo plano. A doutrina de Savigny, contudo, não é capaz de explicar aquelas relações em que o Estado se apresenta nas mesmas condições do particular (locação de imóvel, por exemplo) 10. 10. SAVIGNY, Friedrich Karl Von. Metodologia Jurídica. Tradução de Hebe A. M. Caletti Marenco. Campinas: Edcamp, 2004.

Cap. II Introdução ao Direito Civil 93 O mesmo se diga de Ihering, que apresentou teoria na qual distingue três tipos de propriedade para, com isso, demonstrar a diferença entre direito público e privado. Diria Ihering haver uma propriedade individual, uma propriedade do Estado e, finalmente, uma propriedade coletiva, de interesse da sociedade. Para este doutrinador a propriedade estatal seria o que hoje denominaríamos bens dominicais, sendo que a propriedade coletiva seriam os bens de uso comum do povo 11. A crítica feita ao trabalho de Ihering, neste particular, é que ele reduz todo o direito à propriedade, o que é inaceitável academicamente. Talvez por isso tenha havido uma tentativa de classificar agora pelo sujeito envolvido na relação jurídica. Por este critério, se imaginou que quando o Estado estivesse envolvido na situação jurídica, se estaria diante de um direito público. Quando não, estar-se-ia diante de um direito privado. Também se demonstrou insuficiente este critério. Sim, porque ocorre não raro de o Estado estar envolvido numa relação jurídica não pública. Imagine, por exemplo, o Estado firmando contrato de compra e venda de papel higiênico para com um fornecedor de produtos. Nesse caso, inexiste direito público na essência da palavra. Outrora, negócios jurídicos celebrados apenas por particulares também podem contemplar relevância tamanha para o ordenamento jurídico, a ponto de se reconhecer a natureza pública da situação. Veja o caso no qual duas pessoas jurídicas de direito privado (organizações religiosas) passam a fornecer educação gratuita a toda uma comunidade, que também vem a receber, destes particulares, serviços de saúde (mutirões de cirurgias, por exemplo). O critério é falho também, razão pela qual se passou a prestigiar o critério da preponderância ou ainda da finalidade. Desta maneira, surgiu a ideia de que a classificação em direito público ou privado depende de qual fim, ou atividade, é preponderantemente exercida, identificada. 11. IHERING, Rudolf Von. A luta pelo Direito. São Paulo: RT, 2010.

94 Direito Civil Vol. 10 Luciano Figueiredo e Roberto Figueiredo Outro critério interessante é o do ius imperium, construído sob o raciocínio segundo o qual o direito público se identificará toda vez que o Estado se apresentar enquanto Poder, numa posição jurídica de superioridade em relação aos particulares (poder soberano na tutela dos interesses coletivos). Há quem ainda apresente uma teoria mista, reconhecendo a um só tempo o critério da preponderância do interesse jurídico protegido e a relação de Poder, de subordinação do povo em face do Estado. Seria o direito público um direito de subordinação. O direito privado seria um direito de coordenação, entre pessoas no mesmo pé de igualdade. Também é insatisfatória esta teoria porque inapta a disciplinar as relações no âmbito do direito internacional privado, quando as nações se encontram em posição de coordenação, e não de subordinação, umas para com as outras. Em suma, hodiernamente percebe-se que o direito positivo pode ser divido em público e privado para efeito meramente didático, não mais se falando de uma summa divisio absoluta. Costuma-se realizar tal divisão ora pelo critério subjetivo (quando o Estado está ou não presente na relação jurídica), ora pelo critério finalístico ou teleológico (a depender do interesse jurídico tutelado, se geral ou não), e, finalmente, do ius imperium. Diante do problema, tem-se hoje utilizado como paradigma, apto a diferenciar o direito público do privado, em primeiro lugar, o critério subjetivo (identificado pela presença ou não do Estado na relação jurídica), mas relacionando-o com o aspecto objetivo, ou seja, se o Estado está presente enquanto Poder soberano. Mas, se a divisão é tão dificultosa, porque sua permanência? 5.1. A unificação do Direito e o fim da Summa Divisio O método utilizado na esmagadora maioria, senão na totalidade, das faculdades de ensino jurídico nacionais, principalmente na graduação, consiste no estudo do Ordenamento Jurídico de forma isolada, dividindo-o em ramos, sendo estes considerados verdadeiros braços do direito.

Cap. II Introdução ao Direito Civil 95 Realiza-se o estudo dos ramos como se fossem direitos autônomos, independentes e divididos em compartimentos. Tais braços são inseridos em grupos maiores, denominados de público e privado. A única relação feita entre os mencionados ramos se dá no paralelo entre os materiais e processuais (substantivos e adjetivos), como o direito penal e o processual penal, o direito civil e o processual civil obviedades ululantes. Este pensamento advém desde a era oitocentista das codificações, remontando à summa divisio romana, a qual pregava exatamente esta divisão estanque do direito em dois grandes grupos dicotômicos: o privado e o público, dentro dos quais são estabelecidos os ramos. Com o ideal da summa divisio, enunciado no item anterior, não havia de falar-se em interpenetrações, sendo os compartimentos estanques disciplinados por normas, respectivamente, de ordem pública e privada. O Código Civil era visto como o estatuto único a reger as relações privadas, ao passo que a Constituição encerrava em si o diploma apto a nortear as relações públicas. Assim era resumida a situação: Direito Público Direito Constitucional. Direito Administrativo. Direito Tributário. Direito Penal. Direito Processual. Direito Internacional. Direito Ambiental. Direito Privado Direito Civil. Direito Comercial. Direito do Consumidor. Direito do Trabalho. Direito Agrário. Direito Marítimo. Direito Aeronáutico. Direito Previdenciário. Observe o candidato que tal tabela não significa uma verdade universal, existindo divergências significativas, por exemplo, no enquadramento do Direito do Trabalho como público ou privado.