CARACTERIZAÇÃO DE CORTES DE CONTRAFILÉ DE ANIMAIS WAGYU E ANGUS P.A.C. Carosio 1, R. D. Barbosa 1, A.C.S. Barretto 1 1-Departamento de Engenharia e Tecnologia de Alimentos Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho", Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas CEP: 15054-000 São José do Rio Preto SP Brasil, Telefone: 55 (17) 3221-2200 e-mail: paulacarosio@gmail.com RESUMO O trabalho teve como objetivo caracterizar cortes de contrafilé (músculo longissimus) de bovinos Wagyu 3-cross (½ Wagyu, ¼ Angus e ¼ Nelore) (n=3) e Australian Angus-Nelore (½ Angus e ½ Nelore) (n=3), ambos terminados em confinamento, com dieta similar (exceto pela adição de soja em grãos para os animais Wagyu), oriundos de um mesmo criador e submetidos às mesmas condições de abate e armazenamento. Os cortes foram avaliados em termos de composição centesimal, perda por cocção e força de cisalhamento após cocção. Apesar da variabilidade entre as amostras, foi possível verificar semelhança para teor de proteínas, cinzas e perda por cocção. A carne de Angus apresentou menor teor de lipídeos e menor força de cisalhamento enquanto a carne de Wagyu apresentou maior teor de lipídios e maior força de cisalhamento, indicando que a genética, a idade e a alimentação são fatores de grande influência nestas características. ABSTRACT The study aimed to characterize ribeye cuts (longissimus muscle) from Wagyu 3-cross cattle (½ Wagyu, ¼ Angus and Nellore ¼) (n = 3) and Australian Angus-Nellore (½ Angus ½ Nellore) (n = 3 ), both finished in confinement with similar diet (except for the addition of soybeans for Wagyu animals) coming from the same farmer and subject to the same conditions of slaughter and storage. Cuts were evaluated in terms of chemical composition, cooking loss and shear force. Although the variability between sample, it observed similarity in protein contents, ash and cooking loss. The Angus meat had lower lipid content and lower shear force while the Wagyu meat shower higher lipid content and higher shear force, indicating that genetics, age and diet are major factors of influence. PALAVRAS-CHAVE: Composição centesimal; Força de Cisalhamento; Angus; Wagyu. KEYWORDS: Chemical composition; Shear force; Angus; Wagyu. 1. INTRODUÇÃO O Brasil é o maior exportador e o segundo maior produtor mundial de carne bovina, ficando atrás somente dos Estados Unidos e apresentando-se como importante país para o comércio mundial de alimentos. Em 2014 possuía um rebanho de 208,3 milhões de cabeças de gado, o que resultou em produção de 10,07 milhões de tonelada equivalente de carcaça (TEC), permanecendo para o mercado interno 79% dessa produção, o que representa um consumo per capita de 39 Kg/ano (ABIEC, 2016). Segundo o Ministério da Agricultura, até 2020, a expectativa é que a produção nacional de carnes suprirá 44,5% do mercado mundial, indicando que o Brasil deve manter a posição de primeiro exportador mundial de carne bovina (BRASIL, 2016).
No Brasil a raça bovina predominante é a zebuína (Bos indicus), sendo que 80% do rebanho do Brasil são influenciados por esta raça, entre as principais destacam-se o Nelore, Guzerá e Gir, as quais produzem carne com baixos índices de marmoreio (FERRAZ, FELÍCIO, 2010). Porém, o mercado de carne nobre, com maior índice de marmoreio, tem se destacado em função do maior valor agregado. Uma variedade de estudos tem indicado que a maciez é o fator mais importante na qualidade da carne (SAVELL et al., 1987; MILLER et al., 2001), e que os consumidores são capazes de perceber diferenças na maciez da carne (DELGADO et al., 2006). Deste modo, cruzamentos vêm sendo realizados entre raças que produzem carne de melhor qualidade com raças mais adequadas ao clima brasileiro, utilizando também estratégias como alimentação sob confinamento, como forma de alcançar maior qualidade no produto final e assim atender a demanda deste mercado (SILVA, 2016). A raça Wagyu, de origem japonesa, tem como principal característica o alto índice de marmoreio, mas não se adapta bem as condições climáticas brasileiras, daí a necessidade de cruzamento com raças como a Nelore (zebuína), bem adaptada ao clima brasileiro, e, também se aproveitando da genética dos animais Angus (taurina), a qual proporciona carne de melhor qualidade. O objetivo deste trabalho foi avaliar a composição centesimal e características de qualidade, como as perdas por cocção e força de cisalhamento de cortes de contrafilé (músculo longissimus) de bovinos provenientes de cruzamentos entre Wagyu, Nelore e Angus, oriundos de um mesmo produtor rural e submetidos às mesmas condições de abate e armazenamento. 2. MATERIAL E MÉTODOS Foram utilizados seis animais nos experimentos, três animais Wagyu 3-cross (½ Wagyu, ¼ Angus e ¼ Nelore) com 41 meses de idade, peso médio de 760 ±24 kg e tempo de confinamento de 15 meses, e, três Australian Angus-Nelore (½ Angus e ½ Nelore) com aproximadamente 21 meses de idade, peso médio de 622 ±11 kg e tempo de confinamento de 5 meses, ambos oriundos do mesmo criador, Beef Passion. Após período de confinamento, os animais foram transportados até o abatedouro frigorífico, onde foi realizado o abate de acordo com as normas estabelecidas pelo RIISPOA (BRASIL, 1952). Após o abate, as carcaças foram armazenadas em câmara fria (0 2 C) por 48 horas, quando foi realizada a desossa. Os cortes de contrafilé (músculo longissimus) foram retirados a partir da 12ª costela, e retirados os bifes de uma polegada de espessura dos seis animais, Wagyu (n=3) e Angus (n=3). Os cortes foram embalados à vácuo (Figura 1), identificados e transportados em caixas térmicas até o Laboratório de Carnes e Derivados do Departamento de Engenharia e Tecnologia de Alimentos da UNESP, campus de São José do Rio Preto, e armazenados a 4 C até o momento das análises. Os cortes foram analisados quanto à composição centesimal, perda de peso por cocção e força de cisalhamento após cocção. Para a realização das análises de composição centesimal, as amostras foram homogeneizadas e analisadas conforme os procedimentos da AOAC (2005) para umidade, cinzas e proteínas. Os lipídios foram analisados de acordo com o método descrito por Bligh & Dyer (1959). Para determinação de perda de peso por cocção e força de cisalhamento, os bifes foram pesados, assados em forno a gás à temperatura de 90 C, até atingir temperatura interna de 71 C. Posteriormente, os bifes foram resfriados até temperatura ambiente e pesados novamente. A perda de peso por cocção foi calculada pela diferença entre peso inicial e final, e expressa em porcentagem. A maciez da carne foi determinada pela força máxima de cisalhamento, usando texturômetro TA.XT/Plus/50 Texture Analyzer (Texture Tecnologices Corp and Stable Micro Systems Ltd; Hamilton, MA, EUA), utilizando a célula Warner-Bratzler, com lamina de 3,30 mm, célula de carga de 25 kg e velocidade de 20 cm/mim, de acordo com Andrade et al. (2014). Os ensaios foram
repetidos em 10 amostras de bifes com 12,7 mm de diâmetro, e o corte realizado no sentido paralelo às fibras da carne. Figura 1. Amostras de cortes de contrafilé Angus (esquerda) e Wagyu (direita) embalados à vácuo. Fonte: Acervo dos autores 3. RESULTADOS E DISCUSSÃO A Tabela 1 apresenta os resultados da avaliação da composição centesimal para animais Angus e Wagyu. Foi possível verificar semelhança entre as médias para teor de proteínas e de cinzas (p<0,05). A umidade foi maior (p<0,05) para animais Angus, enquanto que o teor de lipídios foi maior (p<0,05) para animais Wagyu. Tabela 1 Composição centesimal dos cortes das raças Angus e Wagyu. Parâmetro Angus* Wagyu** Umidade (%) 64,59 ±2,42 a 58,17 ±1,06 b Proteínas (%) 22,11 ±1,72 a 18,7 ±1,54 a Lipídeos (%) 10,86 ±3,38 a 18,94 ±3,15 b Cinzas (%) 0,94 ±0,17 a 0,82 ±0,10 a a,b indicam médias estatísticas diferentes pelo teste de Tukey (p<0,05) *Angus = Australian Angus-Nelore (½ Angus e ½ Nelore) **Wagyo = Wagyu 3-cross (½ Wagyu, ¼ Angus e ¼ Nelore)
Corbin et al. (2015) reportaram valores similares para a composição centesimal para animais Wagyu. Em relação aos cortes de animais Angus, Andrade et al. (2014) e Rossato et al. (2001) obtiveram valores semelhantes para os teores de proteínas e cinzas; enquanto que os resultados do presente estudo foram maiores para lipídios e menores para umidade (Tabela 1). De modo geral, os resultados demonstraram a forte influência da genética e das condições de terminação (dietas), principalmente, em relação ao teor de lipídios, bastante diferentes para Angus (10,86%) e Wagyu (18,94%), este último considerado animal que acumula maior quantidade de gordura intramuscular na fase de terminação (ERIKSSON; PICKOVA, 2007). Animais que apresentam maior grau de gordura intramuscular tendem a produzir carne mais macia (CORBIN et al., 2015). Tabela 2 Perda de peso por cocção e força máxima de cisalhamento dos cortes de Angus e Wagyu Parâmetro Angus Wagyu Perda por cocção (%) 32,83 ±2,36 a 32,89 ±1,49 a Força de cisalhamento (kgf) 3,01 ±0,57 a 3,44 ±0,56 b a,b indicam médias estatísticas diferentes pelo teste de Tukey (p<0,05). Para perdas por cocção (Tabela 2) foi notado semelhanças entre as médias para Angus e Wagyu, similar aos resultados obtidos por May et al. (1992), que também não observou diferença entre cortes de contrafilé de Angus e Wagyu. Contudo, os autores encontraram valores menores para o perda por cocção, bem como nos resultados encontrados por Viera (2011) e Raduns et al. (2009). Rossato et al. (2001) apresentaram perdas por cocção semelhantes ao encontrado no presente estudo. As diferenças para perda por cocção observadas no presente trabalho, quando comparado a outros autores, são atribuídas às diferenças nos processos de cocção empregados nos diferentes trabalhos. Para a força de cisalhamento (Tabela 2), as médias para animais Angus apresentaram menores valores, resultados semelhantes aos obtidos por Lunt et al. (1992), que também relatam força máxima de cisalhamento menor para cortes de Angus do que para os cortes de Wagyu. May et al. (1992) apresentaram resultados ligeiramente maiores para força máxima de cisalhamento, para animais Wagyu, e Radunz et at. (2009) obtiveram resultados semelhantes para Angus e ligeiramente menores para Wagyu. Rossato et al. (2001) apresentaram força de cisalhamento maior para Angus do que a obtida no presente estudo, atribuída ao maior teor de lipídios presentes nos animais avaliados, considerando que os lipídios proporcionam carne com maior marmoreio e mais macia. Animais Wagyu apresentaram resultado de força de cisalhamento maior que animais Angus, mesmo os primeiros tendo maior teor de lipídios, considerado fator importante para aumento da maciez (CORBIN et al., 2015). Este resultado pode estar relacionado com a idade dos animais, pois animais mais jovens tendem a proporcionar carne mais macia (LUNT et al, 1992; LAGE et al., 2009). As médias para força de cisalhamento variaram entre 3,0 kgf (Angus) e 3,4 kgf (Wagyu), valores os quais, segundo Miller et al. (2001), deixariam satisfeitos 99% dos consumidores quanto à maciez da carne. 4. CONCLUSÕES Cortes de contrafilé de animais oriundos de cruzamentos entre as raças Angus, Wagyu e Nelore apresentaram semelhanças na composição centesimal quanto ao teor de proteínas e cinzas e
diferenças para umidade e lipídios, fato que pode ser explicado pela genética de animais Wagyu que tem como característica apresentar maior deposição de gordura intramuscular. A força de cisalhamento menor para animais Angus indica que a idade é fator de influência nas características de qualidade da carne. Estas características mostram que genética, idade e dieta são fatores importantes para a composição das características finais da carne de bovinos terminados em confinamento. 5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABIEC Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carne. (2016). Rebanho bovino brasileiro. Disponível em: http://www.abiec.com.br/3_rebanho.asp. Acessado em 16 de junho, 2016. ANDRADE, E.N.; NETO, A.P.; ROÇA, R. O.; FARIA, M. H.; RESENDE, F. D.; SIQUEIRA, G. R.; PINHEIRO, R. S. (2014). Beef quality of young Angus Nellore cattle supplemented with rumen-protected lipids during rearing and fatting periods. Meat Science, 98(4), 591-598. AOAC. Official and Tentative methods of the AOAC International (2005). 18 th Maryland. BLIGH, E. G.; DYER, W.J. (1959). A rapid method of total lipid extraction and purification. Canadian Journal of Biochemistryand Physiology, 37, 911-917. BRASIL. Ministério da Agricultura (1952). Regulamento da Inspeção Industrial e Sanitária de Produtos de Origem Animal. Brasília: Ministério da Agricultura, 159. BRASIL. Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. (2016). Exportação. Disponível em: http://www.agricultura.gov.br/animal/exportacao. Acessado em 17 de junho, 2016. CORBIN, C.H.; O QUINN, T.G.; GARMYN, A.J.; LEGAKO, J.F.; HUNT, M.R.; DINH, T.T.N.; RATHMANN, R.J.; BROOKS, J.C.; MILLER, M.F. (2015). Sensory evaluation of tender 22 beef strip loin steaks of varying marbling levels and quality treatments. Meat Science, 100, 24-31. DELGADO, E.F.; AGUIAR, A.P.; ORTEGA, E.M.M.; SPOTO, M.H.F.; CASTILLO, C.J.C. (2006). Brazilian consumers perception of Tenderness of beef steaks classified by shear force and taste. Scientia Agricola, 63(3), 232-239. ERIKSSON, S.F.; PICKOVA. (2007). J. Fatty acids and tocopherol levels in m. longissimus dorsi of beef cattle in Sweden a comparison between seasonal diets. Meat Science, 76, 746-754, FERRAZ, J.B.S.; FELICIO, P.E. (2010). Production systems An example from Brazil. Meat Science, 84(2), 238-243. LAGE, J.F.; OLIVEIRA, I.M.; PAILINO, P.V.R.; RIBEIRO, F. (2009). Papel do sistema calpaína-calpastatina sobre a proteólise muscular e sua relação com a maciez da carne em bovinos de corte. REDVET. Revista electrónica de Veterinária, 10 (12). Disponível em: http://www.veterinaria.org/revistas/redvet/n121209/120909.pdf Acesso: 30 ago. 2016. LUNT, D.K.; RILEY, R.R.; SMITH, S.B. (1992). Growth and carcass characteristics of Angus and American Wagyu steers. Meat Science, 34, 327-334. MAY, S.G.; STURDIVANT, C.A.; LUNT, D.K.; MILLER, R.K.; SMITH, S.B. (1992). Comparison of Sensory Characteristics and Fatty Acid Composition Between Wagyn Crossbred and Angus Steers. Meat Science, 35, 289-29. MILLER, M.F.; CARR, M.A.; RAMSEY, C.B.; CROCKETT, K.L.; HOOVER, L.C. (2001). Consumer thresholds for establishing the value of beef tenderness. Journal of Animal Science, 79 (12), 3062-3068. RADUNZ, A.E.; LOERCH, S.C.; LOWE, G.D.; FLUHARTY, F.L.; ZERBY, H.N. (2009). Effects of Wagyu versus Angus-sired calves on feedlot performance, carcass characteristics, and tenderness. Journal of Animal Science, 87 (9), 2971-2976.
ROSSATO, L.V,; BRESSAN, M.C.; RODRIGUES, E.C.; DA GAMA, L.T.; BESSA, R.J.B.; ALVES, S.P.A. (2010). Parâmetros físico-químicos e perfil de ácidos graxos de carne de bovinos Angus e Nelore terminados em pastagens. Revista Brasileira de Zootecnia, 39 (5), 1127-1134. SAVELL, J.W.; BRANSON, R.E.; CROSS, H.R.; STIFFLER, D.M.; WISE, J.W.; GRIFFIN, D.B.; SMITH, G.C. (1987). National consumer retail beef study: Palatability, Evaluations of Beef Loin Steaks that Differed in Marbling. Journal of Food Science, 52 (3), 517-519. SILVA, M.L.P. (2016). Desempenho e qualidade da carne de bovinos cruzados alimentados com diferentes dietas em confinamento (Tese de doutorado). Universidade Estadual Paulista, Jaboticabal. VIEIRA, L.D.C. (2011). Parâmetros qualitativos dos músculos Longíssimus dorsi e Tríceps Brachii em diferentes períodos de maturação provenientes de quatro cruzamentos de bovinos (Dissertação de Mestrado). Universidade Estadual Paulista, Jaboticabal.