Observatório de Direito nº2 Um novo serviço do Centro de Integridade Pública i Sobre o Decreto nº 61/2010, de 27 de Dezembro Cobrança de novos valores do Imposto Predial Autárquico é irregular Notas de Destaque Em princípio e segundo todos os dados obtidos, os novos valores de IPA que estão a ser exigidos pelo Conselho de Municipal de Maputo não são legais, por a edilidade não estar a agir em conformidade com o que manda o Decreto n.º 61/2010 de 27 de Dezembro Tratando-se dum diploma legal que para a sua aplicação prevê factores de cálculo que estão dependentes da publicação doutros diplomas legais e que mexe directamente com o orçamento familiar do cidadão, o mesmo não poderia entrar em vigor, sem que se garantisse a prévia aprovação, publicação e ampla divulgação desses factores de cálculo, e do próprio diploma legal
Até à data, nem o Ministério das Obras Públicas e Habitação, nem o Conselho Municipal anunciaram qual o preço do metro quadrado de construção ou o preço médio de mercado Em finais de Janeiro de 2011 foi disponibilizado a público 1 o Decreto nº 61/2010, de 27 de Dezembro que «aprova os mecanismos de determinação e correcção do valor patrimonial dos prédios urbanos situados no território das autarquias e sujeitos ao Imposto Predial Autárquico». Primeira irregularidade: princípio de publicidade violado Este Decreto, à semelhança do que vem acontecendo com muitos diplomas legais, entrou em vigor antes de ter sido distribuído publicamente, pois a sua disponibilização pública só ocorreu em finais de Janeiro de 2011 e a sua entrada em vigor foi a 1 de Janeiro de 2011. Não houve qualquer publicidade sobre a aprovação do Decreto nº 61/2010, de 27 de Dezembro, importantíssimo porque tem implicações no orçamento familiar do cidadão, pois aumenta o valor do Imposto Predial Autárquico devido pelos proprietários de prédios urbanos. O munícipe da cidade de Maputo 2 foi assim encontrado desprevenido quando, ao se dirigir ao Conselho Municipal para proceder ao pagamento do respectivo IPA, se deparou, sem excepção, com um aumento do valor do imposto que devia pagar que, a maior parte das vezes, era de 10 vezes mais do que pagara no ano anterior. Segunda irregularidade: cálculo(?) do valor do IPA O artigo 2 deste Decreto estabelece no seu nº 1 que o «valor patrimonial constante do cadastro fiscal constitui a base de tributação dos prédios urbanos sujeitos ao Imposto Predial Autárquico, devendo ser determinado de acordo com as normas do presente Decreto». (sublinhado do autor) O Decreto contém em detalhe a fórmula de avaliação do valor patrimonial do prédio urbano, entre cujos factores de cálculo constam: 1 Esta disponibilização não foi sequer universal. Assinantes que procederam ao levantamento de Boletins da República no dia 28 de Janeiro de 2011 não receberam o Boletim da República onde vem publicado o Decreto n.º 61/2010, o Boletim da República n.º 51, 1ª Série de 27 de Dezembro de 2010, 4º Suplemento. 2 Desconhece-se o que acontece nos outros Municípios, sabendo-se, todavia, que no Conselho Municipal da Matola, pelo menos a quem pagou nos primeiros dias do ano, foi cobrado um valor igual ao do ano anterior 2
- o preço por metro quadrado, que é estabelecido oficialmente pelo Ministério que superintende a área de Obras Públicas, podendo, na sua ausência, o Conselho da autarquia local recorrer ao preço médio de mercado; - o factor de localização do prédio urbano, que é definido pelo Conselho da autarquia local, em conformidade com o valor urbanístico de cada zona, dentro dos parâmetros estabelecidos na Tabela II, que refere os níveis da autarquia. O Decreto nº 61/2010 de 27 de Dezembro estipula, no nº 2 do artigo 2 que a «declaração do valor patrimonial é feita pelo proprietário do prédio urbano em formulário próprio, aprovado pelo Conselho da autarquia local», determinando o artigo 7 que a inscrição ou actualização do prédio urbano no cadastro fiscal deve ser efectuado pelo respectivo proprietário junto dos serviços competentes do Conselho da autarquia local quando ocorram as seguintes condições: obtenção da licença de utilização do prédio urbano; conclusão das obras de construção ou de melhoramento que produzam alterações aos dados constantes do cadastro; aquisição do prédio urbano. Caso o proprietário não proceda à declaração do valor patrimonial nos casos antes referidos o Conselho da autarquia local determina o valor patrimonial, cujo valor deverá ser notificado ao proprietário art. 2, nºs 4 e 5. Mas, nas suas disposições transitórias, o Decreto estipula que a «determinação do valor patrimonial, para efeitos de cálculo do Imposto Predial Autárquico relativo ao ano de 2011, dos prédios urbanos que já se encontrem registados à data de entrada em vigor do presente Decreto, deve ser efectuada com base na informação constante das matrizes prediais existentes, devendo proceder-se às actualizações previstas no presente Decreto». Esta norma permite que as autarquias calculem o Imposto Predial Autárquico a pagar no corrente ano de 2011, de acordo com a nova fórmula de cálculo, sem esperar, portanto, que se verifiquem as circunstâncias que obrigam o próprio proprietário a declarar o valor patrimonial do prédio urbano. Até à data, nem o Ministério das Obras Públicas e Habitação, nem o Conselho Municipal anunciaram qual o preço do metro quadrado de construção ou o preço médio de mercado. Também, até à data, o Conselho Municipal não anunciou qual a divisão em zonas da cidade de Maputo e o factor que será aplicado a cada zona de acordo com o seu valor urbanístico dentro dos parâmetros estipulados no Decreto n.º 61/2010 e conforme determinado por este. Sendo factores obrigatórios para o cálculo dum imposto que os contribuintes têm que pagar, os mesmos têm que ser publicados no Boletim da República e têm que ser do conhecimento público antes de se obrigar o seu pagamento. A publicação é importante 3
para que os proprietários dos imóveis possam eles próprios verificar qual o valor do Imposto Predial Autárquico que deverão (passar a) pagar. Além disso, dado que a maior parte do povo moçambicano, mesmo o urbano, não tem acesso ao Boletim da República, estes factores de cálculo do novo valor de IPA deveriam ter sido amplamente divulgados ao público em jornal de grande circulação, como aliás o Governo faz em relação a outros impostos - o que não foi feito até à data. Mesmo querendo acreditar que o Conselho Municipal da Cidade de Maputo tivesse tido tempo de 21 de Dezembro, data em que o diploma foi aprovado pelo Conselho de Ministros, até ao dia 3 de Janeiro de 2011, data em que se iniciou o pagamento deste imposto - para proceder ao cálculo dos novos valores a pagar a título de Imposto Predial Autárquico - com base nos dados constantes das matrizes prediais em seu poder -, tal só poderá ter sido feito se o Conselho Municipal já sabe qual o valor do preço do metro quadrado de construção ou o preço de mercado e a divisão por zonas das cidades ou centros urbanos, como obriga o Decreto. Ora, como se mencionou, estes factores de cálculo do Imposto Predial Urbano ainda não foram publicados e, nestas circunstâncias, os proprietários dos prédios urbanos não têm como aferir se os valores que lhes estão a ser cobrados são ou não correctos. E mais: caso concluam que o cálculo não foi bem feito, eles não têm como reclamar ou mesmo recusar-se a pagar, estando, assim, a ser coarctados do seu direito de defesa perante actos da administração pública ou autárquica. Além disso, esta disposição transitória para o cálculo do valor do IPA no corrente ano, não eliminou nem a obrigatoriedade da publicação dos factores de cálculo antes citados, nem a obrigatoriedade que o Decreto estabelece de notificação dos proprietários sobre o novo valor a pagar o que também não aconteceu. Terceira irregularidade: irrealismo do Conselho de Ministros O Conselho de Ministros tem perfeito conhecimento de que o lapso de tempo entre a aprovação dum diploma legal e a sua publicação pela Imprensa Nacional e, por publicação, queremos dizer a sua disponibilização pública e não a data da publicação que aparece no Boletim da República - varia, normalmente entre um a três meses, pelo menos. 4
É caso frequente que os diplomas legais, até os aprovados pela Assembleia da República, entrem em vigor antes da sua disponibilização pública. Não se compreende, por isso, que o Conselho de Ministros e a Assembleia da República - continuem a aprovar diplomas legais para entrada em vigor a curto prazo quando se sabe de antemão que a sua publicação e disponibilização pública só ocorrerá, muito provavelmente, um mês ou mais, mais tarde. Em especial, tratando-se de diplomas legais com impacto directo na vida do cidadão, a administração pública deveria garantir uma vacatio legis 3 suficiente para abranger esse período de tempo que ocorre entre a aprovação dum diploma legal e a sua disponibilização pública. No caso concreto do Decreto nº 61/2010, de 27 de Dezembro, tal situação ainda é mais gritante, já que o próprio diploma legal é aprovado a pouco mais de uma semana de entrar em vigor. Era, por isso, um dado certo, que a sua disponibilização pública não iria ocorrer antes da sua entrada em vigor. Por outro lado, tratando-se dum diploma legal que para a sua aplicação prevê factores de cálculo que estão dependentes da publicação doutros diplomas legais e que mexe directamente com o orçamento familiar do cidadão, o mesmo não poderia entrar em vigor, sem que se garantisse a prévia aprovação, publicação e ampla divulgação desses factores de cálculo, e do próprio diploma legal. Além disso, o diploma legal tira com uma mão, aquilo que dá com a outra: por um lado, refere os casos em que um proprietário é obrigado a proceder à inscrição e actualização dos dados no cadastro e os casos em que os Conselhos das autarquias podem proceder à correcção do valor declarado pelo proprietário, estipulando, ainda a obrigatoriedade de notificação dos proprietários abrangidos por tal correcção; por outro lado, permite que no ano de 2011, os Conselhos das autarquias calculem o valor a pagar de IPA, oficiosamente e sem que estejam aprovados e publicados os factores de determinação do valor patrimonial dos prédios urbanos. Não se entende, ainda, a urgência da aplicação dos novos critérios de determinação do valor patrimonial e consequente IPA a pagar, já no ano de 2011, conforme determina o n.º 2 do artigo 12, sabido que é que o respectivo prazo de pagamento ocorre logo em Janeiro de cada 3 Vacatio legis tempo que decorre entre a aprovação dum diploma legal e sua entrada em vigor 5
ano, ainda mais, quando o n.º 1 da mesma disposição orienta os Conselhos das autarquias a proceder à actualização do valor patrimonial no decurso de 2011. Esta norma transitória fará com que mais uma vez o disposto num diploma legal não possa ser aplicado ou a sua tentativa de aplicação possa ser objecto de contestação pública, já que ninguém poderá ser obrigado a pagar um imposto cujos factores de cálculo não estão publicados em diploma legal com força coerciva. Recomendações do Centro de Integridade Pública Por isto, o CIP propõe a alteração do n.º 2 do artigo 12 do Decreto n.º 61/2010 de 27 de Dezembro, como se segue: a) No ano de 2011, o Imposto Predial Autárquico será cobrado pelo mesmo valor que o cobrado no ano anterior; b) Os proprietários que procederam já ao pagamento do IPA em valor superior ao do ano anterior, serão compensados pela diferença paga, aquando do pagamento do IPA em 2012. c) Durante os primeiros 6 meses do ano de 2011, os proprietários que o desejarem, poderão proceder à declaração do valor patrimonial do respectivo prédio urbano perante os Conselhos das autarquias locais, conforme as regras estipuladas no presente Decreto; d) No caso dos proprietários não procederem à declaração do valor patrimonial do respectivo prédio urbano nos primeiros seis meses do ano de 2011, os Conselhos das autarquias locais procederão à actualização do valor do IPA a pagar no ano de 2012, conforme as regras estabelecidas no presente Decreto, e de acordo com os dados constantes das matrizes prediais, devendo proceder à respectiva notificação dos proprietários até ao dia 31 de Dezembro de 2011. Propõe-se, ainda, a introdução dum novo artigo que estipule o prazo máximo de 60 dias para aprovação, publicação em Boletim da República e sua disponibilização pública, e divulgação nos órgãos de comunicação social do valor do preço de construção do metro quadrado pelo Ministro que superintende as obras públicas, bem como a divisão dos centros urbanos consoante o valor urbanístico de cada zona, conforme dispõem, respectivamente os números 3 e 5 do artigo 4 do Decreto. Para mais informações: CENTRO DE INTEGRIDADE PÚBLICA Boa Governação-Transparência-Integridade 6
Rua Frente de Libertação de Moçambique (ex-pereira do Lago), 354, r/c. Tel: 00 258 21 492335 Fax:00 258 21 492340 Caixa Postal:3266 www.cip.org.mz Maputo-MOCAMBIQUE i SOBRE O OBSERVATÓRIO DE DIREITO O Observatório de Direito é uma das novas áreas de intervenção do CIP, no âmbito do seu Plano Estratégico 2010-2014. Fundamentalmente o que se pretende com o Observatório do Direito é proceder à análise técnico-jurídico do ordenamento legal do País. As implicações legais as consequências noutros diplomas legais - se tais alterações foram suficientemente acauteladas e recomendar a cobertura de lacunas na lei. (in Plano Estratégico 2010-2014 - Reforçando a governação em Moçambique, CIP) Em termos de actividades, o Observatório de Direito vai: Proceder a análise do quadro jurídico nacional, com vista a detectar possíveis incongruências no processo de revisão e produção da legislação anti-corrupção e diversa, que neste momento se encontra em fase de produção Fazer a análise da legislação aprovada, indicando caminhos para buscar soluções para problemas que possam surgir após a aprovação de certas leis Alertar para a não existência no ordenamento jurídico de legislação necessária e adequada para tratar de determinadas materiais de interesse nacional. Os trabalhos do Observatório de Direito serão igualmente publicados como suplemento do Newsletter do CIP. 7