cadernos Saúde Coletiva Relacionamento de Bases de Dados em Saúde EDITORES CONVIDADOS Claudia Medina Coeli Kenneth Rochel de Camargo Jr.



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cadernos Saúde Coletiva Relacionamento de Bases de Dados em Saúde EDITORES CONVIDADOS Claudia Medina Coeli Kenneth Rochel de Camargo Jr. NESC UFRJ

Catalogação na fonte Biblioteca do CCS / UFRJ Cadernos Saúde Coletiva / Universidade Federal do Rio de Janeiro, Núcleo de Estudos de Saúde Coletiva, v.xiv, n.2 (abr. jun 2006). Rio de Janeiro: UFRJ/NESC, 1987-. Trimestral ISSN 1414-462X 1.Saúde Pública - Periódicos. I I.Núcleo de Estudos de Saúde Coletiva/UFRJ.

RELACIONAMENTO PROBABILÍSTICO ENTRE BASES DE DADOS SOBRE MEDICAMENTOS E NOTIFICAÇÃO: UMA APLICAÇÃO NA VIGILÂNCIA DA AIDS Probalilistic linkage of medication and surveillance databases: an application in AIDS surveillance Sônia Maria Cezar Góes 1, Claudia Medina Coeli 2, Roberto de Andrade Medronho 3 RESUMO O presente estudo analisa a utilidade potencial de integração das bases de dados de um sistema de medicamentos e do sistema brasileiro de agravos de notificação para a vigilância da Aids em um hospital universitário. A cobertura do sistema de notificação em relação aos pacientes em terapia anti-retroviral, assim como a oportunidade da notificação na unidade hospitalar e no nível regional do sistema de vigilância epidemiológica, foram avaliados. Dos 1463 pacientes registrados no sistema de medicamentos, 1393 (95,2%) foram encontrados nas bases de dados do sistema de notificação. Para os pacientes na condição Aids, as medianas dos intervalos entre as datas do diagnóstico e notificação do caso na unidade local, e posterior registro na base de dados do nível regional, foram, respectivamente, 14 e 218 dias. Adicionalmente, no período sob análise, 16,5% (182/1106) dos casos de Aids identificados na base de dados do sistema de notificação no nível local, não foram encontrados no nível regional. Esses resultados sugerem que para melhoria da oportunidade do sistema de vigilância epidemiológica da Aids, é necessário otimizar o processo de transferência da informação sobre casos de Aids da unidade local, para o nível regional. PALAVRAS-CHAVE Síndrome da imunodeficiência adquirida, vigilância epidemiológica, registro médico coordenado ABSTRACT This study analyzes the potential advantage of the integrated use of a medication information system and the Brazilian information system for AIDS surveillance in a teaching hospital. The completeness of the surveillance database with regards to patients using anti-retroviral therapy, as well as the timeliness of case reports, both to the hospital surveillance department and to the county health department, were evaluated. Of the 1463 patients recorded in the medication database, 1393 (95.2%) were identified in the surveillance database. Among the AIDS patients the median 1 Mestre em Saúde Coletiva. Chefe da Seção de Epidemiologia e Estatística/Hospital Universitário Clementino Fraga Filho Universidade Federal do Rio de Janeiro. End.: Av. Brigadeiro Trompowsky s/nº - 5º andar, sala 5 A 47 - Edifício do Hospital Universitário CFF, Ilha do Fundão, Rio de Janeiro. CEP:21931-590 - e-mail: sgoes@hucff.ufrj.br 2 Doutora em Saúde Coletiva. Profª. Visitante do Departamento de Epidemiologia. Instituto de Medicina Social IMS/UERJ e Pesquisadora Visitante da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio/FIOCRUZ. 3 Doutor em Saúde Pública. Prof. Adjunto do Núcleo de Estudos de Saúde Coletiva NESC/UFRJ. C ADERNOS SAÚDE COLETIVA, RIO DE JANEIRO, 14 (2): 313-326, 2006 313

S ÔNIA MARIA CEZAR GÓES, C LAUDIA MEDINA COELI, ROBERTO DE ANDRADE MEDRONHO delay from time of diagnosis to case report to the hospital surveillance department and to county health department were, respectively, 14 and 218 days. In addition, 16.5% (182/1106) of the AIDS cases reported to the hospital surveillance department were not found in the county health department database during the period analyzed. These results suggest that in order to improve the timeliness of the AIDS surveillance system it is necessary to optimize the process of transference of information on AIDS cases from the hospital surveillance department to the county health department. KEY WORDS Acquired immunodeficiency syndrome, epidemiologic surveillance, medical record linkage 1. INTRODUÇÃO Nos últimos anos, vem sendo observado um crescimento de bases de dados de abrangência nacional, regional e local, que são alimentadas em unidades locais. Essa multiplicidade é particularmente expressiva em hospitais universitários de grande porte em função da diversidade e quantidade de atividades desenvolvidas diariamente nessas instituições. Essas bases representam fontes importantes que podem ser empregadas na avaliação em saúde, na pesquisa e na vigilância epidemiológica. Entretanto, apesar do recente e promissor desenvolvimento na área de sistemas de informação, um problema que ainda persiste é a falta de integração entre seus subsistemas. No desenvolvimento das atividades básicas do sistema de vigilância epidemiológica da Aids, é primordial conhecer e detectar oportunamente qualquer alteração no perfil da doença, já que esta informação servirá de subsídio para o planejamento de ações de programas de prevenção e controle da doença. Essa função estará certamente prejudicada em um cenário em que coexiste uma multiplicidade de sistemas desordenados, inoperantes, superpostos e que não interagem. A ausência de integração do sistema de notificação com outras bases de dados dificulta as ações de vigilância, já que são sub-utilizadas informações relevantes, tais como morbidade, mortalidade, informações socioeconômicas e demográficas geradas por outros sistemas (Cruz et al., 2003). O uso integrado de diferentes bancos de dados favorece o monitoramento eficiente das doenças, óbitos e agravos em saúde, uma vez que amplia a base de coleta dos dados (Hammann & Laguardia, 2000). Adicionalmente, facilita o acompanhamento longitudinal dos casos. No âmbito da vigilância e pesquisa em HIV/Aids, alguns estudos foram desenvolvidos a partir do relacionamento de bases de dados. McAnulty et al. (1992) e Rizo et al. (1998), na Austrália e Espanha, respectivamente, avaliaram a cobertura de sistemas de notificação, utilizando como uma das fontes de comparação bases de dados sobre medicamentos anti-retrovirais. Crystal et al. (2001) avaliaram a associação entre persistência do tratamento, sobrevida e características 314 CADERNOS SAÚDE COLETIVA, RIO DE JANEIRO, 14 (2): 313-326, 2006

R ELACIONAMENTO PROBABILÍSTICO ENTRE BASES DE DADOS SOBRE MEDICAMENTOS E NOTIFICAÇÃO: UMA APLICAÇÃO NA VIGILÂNCIA DA AIDS sociodemográficas dos pacientes, a partir do uso integrado de bases do MEDICAID e do Sistema de Vigilância da Aids em New Jersey (EUA). No Brasil, alguns estudos voltados para a análise da subnotificação e da sobrevida de casos de Aids foram realizados a partir da integração do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN) com o Sistema de Informações Hospitalares (Ferreira & Portela, 1999; Ferreira et al., 2000; Mendes et al., 2000) e com o Sistema de Informações sobre Mortalidade (Sole Pla, 2000; Lemos & Valente, 2001). A recente disponibilidade no Brasil de bases de dados administrativas contendo informações sobre medicamentos representa uma alternativa para a condução de estudos que tenham por objetivo avaliar a cobertura e a oportunidade do sistema de notificação. Por meio do relacionamento probabilístico entre as bases de dados de notificação e de medicamentos de um hospital universitário, o presente estudo tem por objetivos avaliar a cobertura do sistema de notificação em relação aos pacientes em terapia anti-retroviral, assim como a oportunidade da notificação na unidade hospitalar (nível local) e no nível regional (municipal) do sistema de vigilância epidemiológica. Por fim, também foram avaliados fatores associados ao sub-registro nas bases de notificação de pacientes em uso de terapia anti-retroviral. 2. MATERIAIS E MÉTODOS DESENHO DO ESTUDO Foi desenvolvido um estudo seccional para o qual uma base de dados de medicamentos (Sistema de Controle de Medicamentos da Secretaria Municipal de Saúde SICOM/SMS) foi relacionada com as bases de dados do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN regional e SINAN local), empregando-se a metodologia de relacionamento probabilístico de registros. FONTES DOS DADOS Foram analisadas três diferentes bases de dados: 1) SINAN regional 1956 registros eletrônicos de casos de Aids notificados à Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro (SMS/RJ) no período de janeiro de 1985 a novembro de 2001. 2) SINAN local 2315 casos, sendo 1641 registros manuais (listagens nominais) de casos de Aids e HIV notificados ao Núcleo de Epidemiologia do hospital universitário, no período de janeiro de 1992 a dezembro de 1999, e 674 registros eletrônicos notificados no período de janeiro de 2000 a dezembro de 2001. C ADERNOS SAÚDE COLETIVA, RIO DE JANEIRO, 14 (2): 313-326, 2006 315

S ÔNIA MARIA CEZAR GÓES, C LAUDIA MEDINA COELI, ROBERTO DE ANDRADE MEDRONHO 3) Sistema de Controle de Medicamentos (SICOM) 1463 registros de pacientes em acompanhamento no hospital universitário, em uso de terapia anti-retroviral, de março de 1998 a dezembro de 2001. As duas bases de dados de notificação (SINAN regional e local) abrangem casos de pacientes portadores de Aids, com 13 anos ou mais, acompanhados no hospital universitário e notificados à SMS/RJ. Essas bases, embora complementares, divergem em relação a número e tipo de variáveis, estrutura (manual e eletrônica), período de referência da captação dos dados, escopo de casos registrados (Aids ou HIV) e nível hierárquico de responsabilidade pelo gerenciamento. A coleta para o SINAN local é realizada através do preenchimento de formulário de investigação padronizado, que sofre processo de validação por meio de consulta ao prontuário do paciente, sendo, então, encaminhado ao Centro Municipal de Saúde da área, que o envia à coordenação do programa de DST/Aids da Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro, onde finalmente é digitado no SINAN regional. A partir de 2000, o interesse do hospital universitário em possuir registro eletrônico de todo dado enviado ao nível regional motivou a utilização interna do SINAN (SINAN local), passando a ser realizada a digitação do instrumento de coleta também no nível local. Estruturalmente, o SINAN só permite a entrada de casos de Aids, porém, no SINAN local, foram criados procedimentos que também possibilitaram a entrada de casos HIV. O Sistema de Controle Logístico de Medicamentos (SICLOM) (http:// sistemas.aids.gov.br/gerencial/) foi desenvolvido pela assessoria de informática da Coordenação Nacional de DST/Aids do Ministério da Saúde, visando o controle logístico de compra, distribuição, remanejamento, fornecimento e devolução de medicamento, sendo preconizado para atuar ao nível federal, estadual e municipal. Até agosto de 2000, estava implantado em 111 unidades, que respondiam à época por 65% dos pacientes (Ministério da Saúde, 2002). Embora tenha sido parcialmente implantado na unidade estudada no início de 2000, ainda era utilizado de modo irregular, apenas para cadastro de pacientes novos. Em março de 1998, a SMS/RJ implantou nas unidades da rede dispensadora um sistema semelhante, Sistema de Controle de Medicamento (SICOM), que contava, até fins de 2001, com 35 unidades cadastradas. A base de dados do SICOM dispõe de dados demográficos, clínicos e terapêuticos. O formulário de solicitação de medicamento anti-retroviral (protocolo padronizado) é preenchido pelo médico no momento em que ocorre a indicação para início ou alteração do tratamento. Os dados são digitados na própria unidade e transferidos mensalmente em meio eletrônico para o nível regional (SMS/RJ). 316 CADERNOS SAÚDE COLETIVA, RIO DE JANEIRO, 14 (2): 313-326, 2006

R ELACIONAMENTO PROBABILÍSTICO ENTRE BASES DE DADOS SOBRE MEDICAMENTOS E NOTIFICAÇÃO: UMA APLICAÇÃO NA VIGILÂNCIA DA AIDS RELACIONAMENTO PROBABILÍSTICO DE BASES DE DADOS O fato das bases de dados empregadas não apresentarem um campo identificador unívoco fez com que fosse utilizado o método do relacionamento probabilístico de registros (probabilistic record linkage) para a integração das mesmas. Esse método baseia-se na utilização conjunta de campos comuns presentes nas bases a serem relacionadas com o objetivo de identificar o quão é provável que um par de registros refira-se ao mesmo indivíduo. O relacionamento foi realizado empregando-se o programa Reclink II (Camargo Jr. & Coeli, 2000; 2002). A descrição detalhada do processo de relacionamento pode ser encontrada em Góes (2003). Resumidamente, foram utilizados cinco passos de blocagem com a combinação dos campos primeiro nome, último nome e sexo. Os campos nome completo e data de nascimento foram empregados para o cálculo de escores de semelhança. Para esse cálculo, foram utilizados valores de parâmetros de acordo com a literatura (Camargo Jr. & Coeli, 2002). ANÁLISE DE DADOS Para a avaliação da cobertura dos sistemas de notificação, foi calculada a proporção dos casos registrados (Aids ou HIV) na base de medicamentos que apresentavam registro correspondente nas bases de notificação (local ou regional). A análise da oportunidade do sistema de vigilância foi realizada através do cálculo dos intervalos de tempo existentes entre os seguintes eventos: o diagnóstico do caso; a captação para tratamento; o preenchimento da ficha de investigação epidemiológica no nível local e sua digitação no nível regional. Para essas análises, apenas foram considerados os casos captados pelo sistema de medicamentos quando já tinham diagnóstico de Aids e que apresentavam registro na base de dados do nível regional (N = 810). As variáveis utilizadas para construção dos intervalos de tempo foram a data de diagnóstico de Aids, preenchida segundo critérios estabelecidos pelo Ministério da Saúde (2002), a data de preenchimento da ficha de investigação, que traduz o momento da captação do caso pela unidade, e a data de registro na base de dados do SINAN regional. Por fim, buscando-se identificar o período transcorrido entre a captação dos casos de Aids e HIV nos dois sistemas (medicamento e notificação), calculou-se o intervalo entre a data de captação no sistema de medicamento e o preenchimento da ficha de investigação epidemiológica. As análises foram realizadas empregando-se o software Stata, versão 7 (StataCorp, 2001). Para a avaliação da significância estatística das diferenças entre os intervalos de tempo, empregou-se o teste não-paramétrico Mann- Whitney. Para verificar a presença de fatores associados a um caso registrado C ADERNOS SAÚDE COLETIVA, RIO DE JANEIRO, 14 (2): 313-326, 2006 317

S ÔNIA MARIA CEZAR GÓES, C LAUDIA MEDINA COELI, ROBERTO DE ANDRADE MEDRONHO no sistema de medicamento não ser encontrado nas bases de dados do sistema de notificação, foram estimados odds ratios brutas (ORb) e ajustadas (ORa) por meio de regressão logística. 3. RESULTADOS Na primeira etapa, relacionou-se o universo dos 1463 registros do Sistema de Controle de Medicamentos com 1956 registros do SINAN regional, sendo identificados 924 pares verdadeiros (63,1%) (Tabela 1). A seguir, foram relacionados os 539 registros do Sistema de Controle de Medicamentos não encontrados no relacionamento anterior com os 674 do SINAN local, sendo identificados, então, mais 193 pares verdadeiros (13,2%). Finalmente, foi realizada busca manual dos 346 casos restantes na listagem de 1641 registros do Núcleo de Epidemiologia, descobrindo-se mais 276 pares (18,9%). No total, foram localizados em bases de dados do sistema de notificação 95,2% (1393) dos pacientes registrados no sistema de medicamentos, restando apenas 70 pacientes (4,8%) que não foram encontrados. Tabela 1 Distribuição dos registros do Sistema de Controle de Medicamentos localizados em bases de dados do Sistema de Informação de Agravos de Notificação. Ao considerar-se o momento da captação no sistema de medicamentos, identificou-se que existiam 841 casos na condição Aids e 552 na condição HIV. Porém, entre estes últimos, 265 evoluíram para Aids até o final do período de observação do estudo, sendo, então, para fins da presente análise, classificados como casos Aids. Dessa forma, os 1393 pacientes registrados na base de medicamentos e que foram identificados em pelo menos uma das bases do SINAN (local e regional) apresentaram ao final do período de observação a seguinte distribuição: 1106 (79,4%) casos de Aids e 287 (20,6%) de HIV. Na Tabela 2, são apresentados alguns fatores (sexo, faixa etária e ano de captação) que poderiam estar associados a um caso registrado no sistema de medicamentos não ser encontrado em nenhuma das bases de dados do sistema 318 CADERNOS SAÚDE COLETIVA, RIO DE JANEIRO, 14 (2): 313-326, 2006

R ELACIONAMENTO PROBABILÍSTICO ENTRE BASES DE DADOS SOBRE MEDICAMENTOS E NOTIFICAÇÃO: UMA APLICAÇÃO NA VIGILÂNCIA DA AIDS de notificação. Foi observada associação significativa apenas para o sexo feminino, com as mulheres apresentando 1,9 vezes a chance dos homens de não ser encontrada em nenhuma base do sistema de notificação, após o ajuste para as demais variáveis. Tabela 2 Razão de chances bruta (ORb) e ajustada (ORa) de possíveis variáveis explicativas para um caso registrado no Sistema de Controle de Medicamentos não ser encontrado em nenhuma das bases de dados do Sistema de Informação de Agravos de Notificação. O atraso na notificação, medido pelo intervalo entre a data de diagnóstico no nível local e sua digitação no nível regional, apresentou uma mediana de 218 dias (intervalo interquartil IQ 119 413). Já o período transcorrido para detecção de um caso de Aids foi identificado através do intervalo entre a data do diagnóstico de Aids e o preenchimento da ficha de investigação. A mediana desse intervalo foi de 14 dias (IQ 0 95). Por fim, o intervalo transcorrido para transferência da informação foi avaliado pelo intervalo entre a data do preenchimento do formulário no nível local e a sua digitação no nível regional, com mediana de 140 dias (IQ 67 287). Na Figura 1, são apresentados os valores da mediana dos três intervalos de tempo acima descritos, segundo o ano de diagnóstico, no período compreendido entre 1996 e 2001 (que concentrou 89,6% dos casos). Com relação ao atraso de notificação, pôde ser observada queda da mediana entre 1996 e 1998, que voltou a aumentar posteriormente. Cabe destacar que o intervalo de tempo para detecção pouco variou neste período, exceto por um inexpressivo C ADERNOS SAÚDE COLETIVA, RIO DE JANEIRO, 14 (2): 313-326, 2006 319

S ÔNIA MARIA CEZAR GÓES, C LAUDIA MEDINA COELI, ROBERTO DE ANDRADE MEDRONHO aumento em 1999. Já o intervalo de tempo para transferência manteve padrões mais elevados do que o de detecção e acompanhou as oscilações identificadas no atraso da notificação. Figura 1 Distribuição da mediana dos intervalos de tempo do processo de notificação dos casos de Aids em tratamento no hospital universitário, registrados no sistema de notificação regional, segundo ano diagnóstico (1996 a 2001). Em análise complementar, observou-se a existência de 469 (33,7%) registros no sistema de medicamentos que foram encontrados nas bases de dados do SINAN local, mas não no SINAN regional. Após detalhamento da situação, identificou-se que, embora 61,2% (287) destes fossem HIV ao final do período de observação (não devendo mesmo ser localizados no nível regional), 38,8% (182) eram Aids. Logo, 16,5% (182/1106) dos casos de Aids registrados no sistema de medicamentos foram encontrados no nível local, mas não no nível regional do sistema de notificação. Foi observado que 46,2% destes 182 casos foram detectados precocemente pelo nível local ainda quando eram HIV. Para os captados quando já tinham diagnóstico de Aids (98), a mediana de detecção foi de 45 dias (IQ 17 229). Considerando a data limite de 31/12/2001 (data de aquisição da base de dados do nível regional), a mediana do atraso na notificação foi de 1164 dias (IQ 712 1985) e a da transferência, 1078 dias (IQ 651 1638). Ou seja, em 31/12/2001, metade destes 98 casos já tinha aguardado até 1164 dias desde o diagnóstico e 1078 dias desde o preenchimento da ficha de investigação para ser registrada na base de dados do nível regional. Por fim, buscando-se identificar o período transcorrido entre a captação dos 1393 casos nos dois sistemas (medicamento e notificação local), calculou-se o intervalo de tempo entre a data de captação no sistema de medicamento e o 320 CADERNOS SAÚDE COLETIVA, RIO DE JANEIRO, 14 (2): 313-326, 2006

R ELACIONAMENTO PROBABILÍSTICO ENTRE BASES DE DADOS SOBRE MEDICAMENTOS E NOTIFICAÇÃO: UMA APLICAÇÃO NA VIGILÂNCIA DA AIDS preenchimento da ficha de investigação epidemiológica, encontrando-se uma mediana de 128 dias (IQ 25 537), isto é, metade dos 1393 casos foi captada pelo sistema de notificação até 128 dias antes de ter sido identificada pelo sistema de medicamentos. Sendo assim, 86,6% (728) dos casos na condição Aids e 75,9% (419) na condição HIV foram detectados pelo sistema de notificação mais cedo do que pelo sistema de medicamentos. Adicionalmente, foi observado que o grupo de casos captados para tratamento na condição de Aids apresentou uma mediana do intervalo de tempo para a captação pelo sistema de notificação local de 156 dias (IQ 31 636), que foi significativamente maior (p<0,001) do que a observada para o grupo captado na condição HIV, que apresentou mediana de 87 dias (IQ 1 470). DISCUSSÃO A cobertura de 95,2% do sistema de notificação em comparação ao sistema de medicamentos no âmbito da unidade hospitalar sugere uma boa atuação do mesmo para os casos em tratamento. Porém, a princípio, todos os pacientes com diagnóstico de Aids em tratamento com anti-retroviral e cadastrados no sistema de medicamentos deveriam ser localizados em alguma das bases de dados do sistema de notificação. Mesmo os casos HIV deveriam ter sido captados pelo SINAN local. Por outro lado, para a melhor avaliação da cobertura do SINAN, seria indicado estimar o provável número de casos existentes a partir da aplicação da metodologia de captura-recaptura (Coeli et al., 2000), o que não foi possível neste estudo em função da base do SINAN local não estar disponível para todo o período sob análise. Três possibilidades podem ser levantadas para explicar a não identificação de 70 casos Aids ou HIV em pelo menos uma das bases de dados do sistema de notificação, a saber: os casos pertencerem ao grupo de profissionais acidentados com material biológico; erro no processo de relacionamento das bases; ou falha do sistema de notificação para captação de casos em tratamento. A primeira hipótese é justificada pelo motivo dos profissionais de saúde mesmo não sendo Aids ou HIV utilizarem anti-retroviral para quimioprofilaxia. O fato da variável acidente de trabalho, apesar de presente na base de medicamentos, não ter sido preenchida e da Comissão de Controle de Infecção Hospitalar da unidade não possuir esta informação de forma estruturada dificultou a confirmação da hipótese. Entre os 46 casos que iniciaram tratamento na condição HIV (TCD4+ acima de 350 células/mm 3 ), 26 (57%) apresentaram esquemas terapêuticos padronizados, que, embora não exclusivos, são recomendados para a quimioprofilaxia de acidentes com material biológico (resultados não apresentados). Estes últimos eram predominantemente do sexo feminino (única característica associada ao caso não ser encontrado). C ADERNOS SAÚDE COLETIVA, RIO DE JANEIRO, 14 (2): 313-326, 2006 321

S ÔNIA MARIA CEZAR GÓES, C LAUDIA MEDINA COELI, ROBERTO DE ANDRADE MEDRONHO Cabe ressaltar, que, mesmo considerando o sub-registro, a Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro (2003) identificou, no período de 1997 a 2000, 6700 acidentes, com média de idade de 34 anos, sendo que mais de dois terços ocorreram em profissionais do sexo feminino. As categorias mais freqüentemente envolvidas foram enfermeiros, médicos e profissionais de limpeza. A segunda hipótese, de erro no processo de relacionamento de registros, é pouco provável, uma vez que, em cada passo, procedeu-se uma revisão manual exaustiva dos pares, não sendo também observada elevada proporção de nomes e sobrenomes comuns em nosso meio (por exemplo, Maria, Silva) nos pacientes do sistema de medicamentos identificados no sistema de notificação, em relação aos não encontrados. Esses nomes costumam gerar múltiplos links (isto é, um registro se relaciona com vários outros registros da segunda base de dados), tornando mais difícil a classificação do status final do par (falso ou verdadeiro). Por fim, a falha na captação dos casos poderia ocorrer devido à existência de fluxo colateral, no qual a ficha de investigação não fosse preenchida pelo médico, ou se a mesma não seguisse encaminhada para o Núcleo de Epidemiologia, criando uma interrupção no canal de comunicação, com a conseqüente perda na captação do caso. Este fato pode ter ocorrido, uma vez que 13,4% dos casos na condição Aids e 24,1% na condição HIV foram detectados pelo sistema de medicamentos antes da detecção pelo sistema de notificação. Alguns trabalhos foram desenvolvidos para avaliar a cobertura a nível regional do SINAN/Aids do Município e do Estado do Rio de Janeiro, apresentando diferentes resultados na dependência da fonte complementar de informação selecionada. Lemos e Valente (2001), ao utilizarem o Sistema de Informação sobre Mortalidade como fonte complementar, identificaram subnotificação de 51,9% (4785/9213). Ferreira e Portela (1999) compararam o SINAN/Aids ao Sistema de Informações Hospitalares, encontrando subnotificação de 42,7% (823/1929). Estes resultados revelam um desempenho inferior ao observado no presente trabalho, provavelmente pelo fato de ter-se trabalhado com a análise da cobertura ao nível local, eliminando-se, dessa forma, o intervalo de tempo para transferência de casos, e restrita apenas a pacientes em tratamento, o que aumenta a probabilidade do caso ser notificado. Com relação aos diversos intervalos de tempo identificados no processo de notificação, observou-se que o atraso na notificação de um caso de Aids no nível regional foi mais influenciado pelo tempo de transferência da informação do nível local ao regional do que pelo de detecção do caso na própria unidade. Esses resultados refletem o fluxo complexo percorrido pela informação, resultado de um conjunto de fatores desfavoráveis, como o preenchimento manual de papéis, que são encaminhados de um setor a outro, decorrendo em demoras, 322 CADERNOS SAÚDE COLETIVA, RIO DE JANEIRO, 14 (2): 313-326, 2006

R ELACIONAMENTO PROBABILÍSTICO ENTRE BASES DE DADOS SOBRE MEDICAMENTOS E NOTIFICAÇÃO: UMA APLICAÇÃO NA VIGILÂNCIA DA AIDS perdas e erros, que poderiam ser minimizados com a informatização total do sistema (Ferreira & Portela, 1999). As mudanças de definição de critério de Aids também podem ter influenciado a detecção de casos pelo sistema de notificação, uma vez que casos anteriormente identificados e regularmente acompanhados pelo Núcleo de Epidemiologia como HIV mudaram bruscamente de categoria a partir da inclusão da quantificação de linfócitos TCD4/CD8+ abaixo de 350 células/mm 3 como definidor de caso de Aids em adultos. A existência de casos de Aids em tratamento encontrados apenas nas bases de dados do nível local do sistema de notificação apontou para a possibilidade de que o tempo de observação do estudo não tenha sido suficiente para seu registro no nível regional. Porém, ao considerar a data limite de 31/12/2001 como final do período de observação, identificou-se que a mediana do atraso na notificação, detecção e transferência dos casos de Aids não encontrados foram, respectivamente, 1164, 44 e 1078 dias, padrão bastante superior ao identificado para aqueles que foram encontrados na base de dados do nível regional: 218, 14 e 140 dias, respectivamente. Embora a possibilidade de atraso não possa ser afastada para alguns casos, a ocorrência de erro grave, como falha na transmissão da informação entre a unidade hospitalar, o Centro Municipal de Saúde e a Coordenação do Programa de DST/Aids da SMS/RJ, deve ser considerada. Um elemento relevante para a compreensão do problema é a prática do nível regional em devolver para o nível local as fichas preenchidas de forma incorreta ou incompleta (por exemplo, faltando datas de nascimento ou diagnóstico) sem registrar o caso na sua base de dados. A diferença entre o número de casos de Aids diagnosticados e notificados, considerando o atraso no registro e a subnotificação, já foi constatada no Brasil, inclusive com aplicação de métodos que fazem esta correção (Barbosa & Struchiner, 2002; Luiz & Costa, 2001). Finalmente, o intervalo de tempo transcorrido entre a captação nos dois sistemas demonstrou que 82,3% dos casos de Aids e HIV foram captados pelo sistema de notificação mais cedo do que pelo sistema de medicamentos, sendo mais precoce a captação para os casos na condição Aids do que na condição HIV. Este resultado pode ser explicado pelo fato dos casos de Aids estarem há mais tempo em acompanhamento na unidade do que os HIV, sendo oportunamente captados pelo sistema de vigilância epidemiológica em outras fontes (enfermaria, ambulatório e emergência), antes de iniciar o tratamento anti-retrovial. Concluindo, os resultados do presente estudo sugerem que para a melhoria da oportunidade do Sistema de Vigilância Epidemiológica da Aids é necessário otimizar o processo de transferência dos casos da unidade local para o nível regional. Investimento que envolva descentralização e compatibilização de bases de dados é um passo essencial para o aprimoramento desse sistema. C ADERNOS SAÚDE COLETIVA, RIO DE JANEIRO, 14 (2): 313-326, 2006 323

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