CARTA PARA A PROTECÇÃO E VALORIZAÇÃO DO AMBIENTE EDIFICADO

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Transcrição:

Pág. 1 de 5 CARTA PARA A PROTECÇÃO E VALORIZAÇÃO DO AMBIENTE EDIFICADO CARTA DE APPLETON Publicada pelo ICOMOS Canadá sob os auspícios do Comité Anglófono, Ottawa, Canadá Agosto de 1983 Tradução por António de Borja Araújo, Engenheiro Civil IST Março de 2007

Pág. 2 de 5 A. Preâmbulo Esta carta reconhece a Carta Internacional para a Conservação e Restauro dos Monumentos e Sítios (Veneza, 1964), a Carta do ICOMOS da Austrália para a Conservação dos Sítios com Significado Cultural (Carta de Burra, de 23 de Fevereiro de 1981) e a Carta para a Preservação do Património do Québec (Declaração de Deschambault), sem as quais não poderia existir. Ela reconhece ainda que a gestão saudável do património edificado é uma actividade cultural importante; e que a conservação é uma componente essencial do processo de gestão. B. Enquadramento A intervenção no âmbito do património edificado pode acontecer a muitos níveis (desde a preservação até ao novo desenvolvimento), a muitas escalas (desde elementos construtivos individuais até sítios inteiros), e pode ser caracterizada por uma ou mais actividades, variando desde a manutenção até à adição. Como qualquer obra pode combinar diversas escalas, níveis e actividades de intervenção, as obras devem ser caracterizadas por um objectivo claramente declarado, a partir do qual podem ser avaliadas as decisões de pequena escala. O nível de intervenção apropriado só pode ser escolhido depois da cuidadosa consideração dos méritos dos pontos seguintes : significado cultural, condição e integridade da fábrica, valor contextual, apropriado uso dos recursos físicos, sociais e económicos disponíveis. As decisões respeitantes à importância relativa destes factores devem representar um consenso de base tão alargada quanto possível. Um consenso legítimo deve envolver a participação pública e deve preceder o início da obra. O relacionamento entre as escalas de intervenção, os níveis de intervenção e as actividades de intervenção está resumido a seguir. Actividade Níveis de intervenção : Manutenção Estabilização Remoção Adição Preservação X X Restauro de período X X X X Reabilitação X X X X Reconstrução de período Novo desenvolvimento X X

Pág. 3 de 5 Escalas de intervenção Níveis de intervenção : Elementos construtivos Edifícios Grupos de edifícios Edifícios e envolventes Sítios Preservação X X X X X Restauro de período Reabilitação X X X X X Reconstrução de período X X X X X Novo desenvolvimento X X X X X Níveis de intervenção: Preservação : retenção da forma, do material e da integridade existentes do sítio. Restauro de período : recuperação de uma forma, do material anterior e da integridade anteriores de um sítio. Reabilitação : modificação de um recurso de acordo com normas funcionais actuais, que possa envolver a adaptação para um novo uso. Reconstrução de período : recriação de recursos desaparecidos ou irreversivelmente degradados. Novo desenvolvimento : inserção de adições ou de estruturas actuais compatíveis com a envolvente. Actividades: Manutenção : actividade contínua para se garantir a longevidade de um recurso sem intervenções irreversíveis ou danificadoras. Estabilização : actividade periódica para detenção da degradação e para por a forma e o material existentes de um sítio num estado de equilíbrio, com a mínima alteração. Remoção : actividade periódica modificação que envolve a subtracção de superfícies, de camadas, de volumes e/ou de elementos. Adição : actividade periódica modificação que envolve a introdução de material novo.

Pág. 4 de 5 C. Princípios O respeito pela fábrica existente é fundamental para as actividades de protecção e de valorização. O processo de protecção e de valorização deve reconhecer todos os interesses e recorrer a todos os campos de competências que possam contribuir para o estudo e para a salvaguarda de um recurso. Ao intervir-se nas escalas, níveis e actividades descritas, as medidas para suporte da protecção e da valorização do património edificado devem implicar a adesão aos seguintes princípios: Protecção : A protecção pode envolver a estabilização; ela deve envolver um programa contínuo de manutenção. Valor de artefacto : Os sítios com mais elevado significado cultural, assim como os frágeis e complexos monumentos históricos, devem ser considerados primariamente como artefactos, necessitando de protecção. Envolvente : Todos os elementos do ambiente edificado são inseparáveis da história de que prestam testemunho, bem como da envolvente em que estão situados. Consequentemente, todas as intervenções devem tratar do conjunto da mesma forma como tratam das suas partes. Relocalização : A relocalização e o desmantelamento de um recurso existente só devem ser empregues como último recurso se não for possível a sua protecção por outra forma. Valorização : As actividades de remoção e de adição são características das medidas de apoio à valorização do recurso de património. Uso : Um edifício deve ser sempre usado para o seu objectivo original. Se isto não for possível, devem ser feitos todos os esforços razoáveis para se proporcionar um uso compatível que requeira alterações mínimas. A ponderação do novo uso começa pelo respeito pelos padrões tradicionais existentes e originais de movimento e de disposição interna. Adições : Podem ser necessários novos volumes, materiais e acabamentos para a satisfação de novos usos ou requisitos. Eles devem fazer eco das ideias contemporâneas, mas respeitar e valorizar o espírito do original. Controlo ambiental : Os sistemas de isolamento, de controlo ambiental e outras instalações técnicas devem ser melhorados por forma que respeite o equilíbrio existente e tradicional, e que não ponha em movimento processos de degradação.

Pág. 5 de 5 D. Prática Documentação : Conjectura : Quanto melhor um recurso for compreendido e interpretado, melhor será protegido e valorizado. Para se compreender e interpretar adequadamente um sítio, deve ser feita uma investigação abrangente sobre todas as qualidades que investem uma estrutura com significado. Esta actividade deve preceder a actividade no sítio. A própria obra no sítio deve ser documentada e registada. As actividades que envolvam a recuperação ou a recriação de formas anteriores devem ser limitadas às formas que possam ser conseguidas sem conjecturas. Identificabilidade : A obra nova deve ser identificável por observação próxima ou por visão treinada, mas não deve por em causa a integridade estética ou a coerência do conjunto. Materiais e técnicas : Patina : Os materiais e as técnicas devem respeitar a prática tradicional, a menos que existam substitutos modernos com sólidas bases científicas, que tenham sido fundamentados por um corpo de experiência e que proporcionem uma vantagem significativa que possa ser identificada. A patina faz parte da integridade histórica de um recurso, e a sua destruição só deve ser permitida quando for essencial para a protecção da fábrica. Deve ser evitada a falsificação da patina. Reversibilidade : Integridade : Deve ser sempre preferido o uso de processos reversíveis que permitam opções mais amplas para desenvolvimento futuro, ou para correcção de problemas imprevistos, ou quando a integridade do recurso possa ser afectada. Deve ser respeitada a integridade estrutural e tecnológica, e deve ser prestada atenção tanto ao desempenho como à aparência.