Cerâmica 49 (2003) 11-16



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11 Cerâmica 49 (2003) 11-16 Influência de aditivos sobre a trabalhabilidade de concretos refratários de ultra-baixo teor de cimento (Influence of additives on the working time of ultra-low cement refractory castables) I. R. de Oliveira, A. R. Studart, F. A. O. Valenzuela, V. C. Pandolfelli Universidade Federal de S. Carlos, DEMa. Rod. Washington Luiz, km 235, C.P. 676, S. Carlos, SP, 13565-905 ivone@iris.ufscar.br, vicpando@power.ufscar.br Resumo A trabalhabilidade de concretos refratários é determinada principalmente pela cinética de hidratação do ligante hidráulico. Têm-se observado que o processo de gelificação/hidratação desse material em meio aquoso é sensivelmente influenciado pela presença de aditivos dispersantes. Em virtude disso, este trabalho investigou a correlação entre a trabalhabilidade de concretos refratários de ultrabaixo teor de cimento no sistema Al 2 -C e as características apresentadas por suspensões aquosas de cimento na presença de diferentes aditivos. A influência desses aditivos no processo de hidratação do cimento foi estudada através de ensaios de microscopia eletrônica de varredura, difração de raios X, sedimentação, condutividade elétrica e ensaios reológicos. Os resultados obtidos indicam que a pega inicial do concreto ocorre devido à aglomeração das partículas induzida pela formação de um produto coloidal amorfo ( gel ) entre elas. Observou-se que o citrato de sódio favorece a formação de uma quantidade significativa de gel entre as partículas, reduzindo a trabalhabilidade do concreto. Palavras-chave: cimento, hidratação, reologia, aditivos, concreto. Abstract The working time of refractory castables is mainly determined by the hydration kinetic of the hydraulic binder. It has been observed that the gelation/hydration process of this material in aqueous solutions is significantly influenced by the addition of dispersing additives. Hence, this work investigated the correlation between the working time of ULC refractory castables in the Al 2 - C system and the physic-chemical characteristics of cement aqueous suspensions in the presence of different sort of additives. The influence of these additives in the cement hydration process was studied by scanning electron microscopy, X-ray diffraction, sedimentation experiments, electrical conductivity and rheological tests. The initial setting of castables was found to be associated to particle coagulation and the development of an amorphous colloidal product (gel), that gives rise to a stiff gel-like structure. Sodium citrate favored the development of a significant content of such gel among particles, decreasing the castable working time. Keywords: cement, hydration, rheology, additives, castable. INTRODUÇÃO O controle das variáveis que afetam o comportamento reológico dos concretos é fundamental para que se determine suas características de aplicação. Dependendo da composição e do teor de água, os concretos podem ser moldados por técnicas que envolvem vibração de alta energia ou até mesmo se comportarem como fluidos auto-escoantes que preenchem os moldes por ação do próprio peso. Entretanto, a aplicação dos concretos não envolve apenas a sua moldagem, mas também a forma de transporte do material até o local onde será aplicado. No caso de um concreto para bombeamento, um endurecimento rápido limita o seu transporte em uma tubulação, aumentando o risco de entupimento. Dessa forma, um dos principais fatores a ser considerado na adequação da aplicação do concreto refratário é a sua trabalhabilidade. A trabalhabilidade de concretos refratários é determinada principalmente pela cinética de hidratação do ligante hidráulico. Cimentos de aluminato de cálcio constituem os ligantes hidráulicos mais utilizados em aplicações refratárias em virtude principalmente da sua grande disponibilidade, baixo custo e capacidade de conferir alta resistência mecânica aos concretos. Entretanto, têm-se observado que o processo de gelificação/ hidratação do cimento de aluminato de cálcio em meio aquoso é sensivelmente influenciado pela presença de aditivos dispersantes [1]. Em virtude disso, o principal objetivo desse trabalho é investigar a influência de diferentes tipos de aditivos na trabalhabilidade de concretos refratários de ultra-baixo teor

I. R. de Oliveira et al. / Cerâmica 49 (2003) 11-16 12 de cimento no sistema Al 2 -C. Visando auxiliar o entendimento do processo de gelificação/hidratação do ligante hidráulico, suspensões aquosas de cimento contendo diferentes aditivos também foram avaliadas. MATERIAIS E MÉTODOS A preparação de concretos refratários de ultra-baixo teor de cimento no sistema Al 2 -C envolveu a pesagem de 3 kg de matérias-primas de acordo com a Tabela I, seguida da adição do aditivo defloculante na forma sólida e da homogeneização em um misturador duplo cone por 5 minutos. Posteriormente, as composições foram misturadas utilizandose um reômetro especial para concretos [2], seguindo um procedimento ótimo de mistura, [3]. Tabela I - Teores de matérias-primas e água usados para a preparação de concretos refratários no sistema Al 2 -C. [Table I - Content of raw materials and water used to prepare the refractory castables in the Al 2 -C system.] Matérias-primas %-volume %-peso Agregados Alumina eletrofundida branca (EK8R, malha 5/16-200) 51,1 57,0 SiC (EC6R, malha 6-200) 22,3 20,0 Al 2 calcinada A-3000FL 9,0 10,0 Al 2 calcinada A-2G2,7 3,0 Finos Coque (Unicarbo 50) 3,6 2,0 Microssílica (971-D) 7,9 5,0 Cimento (CA270) 3,4 3,0 Água destilada 15,1 5,0 Área superficial do concreto= 1,54 m 2 /g Fornecedor das matérias-primas: Alcoa Alumínio, exceto coque (Unimetal) e microssílica (Elkem Refractories). Os aditivos defloculantes avaliados foram citrato de sódio (Mercocítrico, PM = 257,9 g/mol), polimetacrilato de sódio (Darvan-7S, Vanderbilt, 2500 g/mol) e poliacrilato de sódio (Sokalan PA20, Basf, 2500 g/mol). Além desses aditivos, um teor ótimo do surfactante polyoxyethylene (n=20) cetyl ether (Brij 58, Sigma Aldrich Química, 1120 g/mol) foi utilizado a fim de promover a molhabilidade das partículas de coque e possibilitar sua homogeneização na suspensão. O teor dos defloculantes é expresso como a razão percentual (massa do aditivo)/(massa de cimento). Após a mistura, avaliou-se a variação do torque aplicado aos concretos em função do tempo a uma rotação constante (28 rpm), visando verificar a influência dos diferentes aditivos sobre a sua trabalhabilidade. O processo de gelificação/hidratação do cimento foi estudado através de ensaios reológicos, microscopia eletrônica de varredura (MEV), difração de raios X, sedimentação e condutividade elétrica. Para a obtenção de amostras para ensaios de MEV e de difração de raios X foram preparadas suspensões aquosas de cimento (37%-p sólidos) dispersas com Darvan-7S ou citrato de sódio. Alíquotas dessas suspensões foram secas rapidamente com etanol/hmds de modo a interromper a reação do cimento com a água em diferentes tempos, a temperatura ambiente (26-27 0 C). Nos ensaios de sedimentação, as suspensões aquosas de cimento (37%-p sólidos) foram preparadas na presença de diferentes teores de Darvan-7S ou citrato de sódio e adicionadas a tubos de ensaio. As medidas de condutividade elétrica em função do tempo foram realizadas a cada 15 segundos a partir da adição de cimento à soluções aquosas contendo Darvan-7S, citrato de sódio ou poliacrilato de sódio (37%-p sólidos). Nesses ensaios, utilizou-se um condutivímetro B 330 da Micronal e a temperatura foi mantida constante em 25 0 C. Os ensaios reológicos, por sua vez, foram efetuados em um equipamento digital Brookfield modelo LVDV-III, utilizando-se um acessório para pequenas amostras (SC4). Inicialmente, avaliou-se a variação da viscosidade em função do tempo à uma taxa de cisalhamento de 50 s -1 utilizando-se suspensões representativas da matriz do concreto Al 2 -SiC- SiO 2 -C (80%-p de sólidos). Tais suspensões foram preparadas pela adição da mistura das matérias-primas; constituída pelas aluminas calcinadas (A-2G e A-3000FL), microssílica e cimento; à soluções aquosas contendo Darvan-7S ou citrato de sódio. A fim de se isolar o efeito do aumento da força iônica provocado pela dissolução dos íons do cimento sobre o comportamento reológico da matriz, suspensões representativas foram preparadas sem cimento. Avaliou-se a variação da viscosidade dessas suspensões em função da concentração de CaCl 2. RESULTADOS E DISCUSSÃO Inicialmente avaliou-se a influência dos aditivos sobre a trabalhabilidade de concretos refratários de ultra-baixo teor de cimento no sistema Al 2 -C. Na Fig. 1 são apresentadas as variações de torque em função do tempo e pode-se verificar que o tempo de pega hidráulica é sensivelmente influenciado pelo tipo e teor de aditivo adicionado. O aumento do teor de citrato, ao contrário do que se observa no caso de Darvan-7S, reduziu sensivelmente a trabalhabilidade do concreto. Para compreender o efeito dos aditivos sobre a trabalhabilidade dos concretos UBTC é necessário analisar o mecanismo de pega hidráulica promovido pelo cimento. A pega hidráulica é um fenômeno de dissolução de íons e subsequente precipitação de géis e/ou hidratos. Quando ocorre a mistura

13 I. R. de Oliveira et al. / Cerâmica 49 (2003) 11-16 do cimento (aluminato de cálcio) em água, há a dissociação dos compostos iniciais (fases anidras), gerando uma solução com íons de cálcio (Ca 2+ ) e hidróxido de alumínio (Al(OH) 4- ). Quando a solução torna-se saturada, esses íons começam a nuclear e precipitar na forma de hidratos de aluminato de cálcio, tornando a solução novamente insaturada e, portanto capaz de dissolver outras fases anidras. O processo então prossegue com a nucleação e crescimento de cristais, que vão precipitando e formando uma estrutura rígida entre as partículas [4]. Dessa forma, baseado nos resultados da Fig. 1, pode-se supor que o cimento esteja hidratando-se mais rápido na presença de citrato. Entretanto, as observações feitas por meio de microscopia eletrônica de varredura para as amostras de cimento submetidas a diferentes tempos de hidratação revelaram que não ocorre a formação de fases hidratadas na presença de citrato até 12 dias após a preparação da suspensão. Por outro lado, no caso do Darvan-7S foram observados hidratos após 12 dias de hidratação, como apresentado na Fig. 2. Esses resultados foram confirmados por meio de análise de difração de raios X, cujos difratogramas exibiram picos característicos das fases hidratadas somente para a amostra de cimento dispersa com Darvan-7S, após 12 dias de hidratação. Testes complementares de acompanhamento da temperatura das suspensões de cimento em função do tempo mostraram que a formação de fases hidratadas na presença de 5%-p de Darvan-7S ocorre cerca de 26 horas após a adição da água ao cimento. Com isso, tudo indica que a pega inicial do concreto responsável pelo aumento do torque não é causada pela formação de hidratos. A hidratação inicial das partículas de cimento de silicato de cálcio resulta na formação de um produto coloidal amorfo ou gel, constituído basicamente por íons de Ca 2+, Si e água [5]. Os ensaios de sedimentação em tubos de ensaio revelaram a formação de um gel espesso nas suspensões de cimento contendo citrato de sódio, como apresentado na Fig 3. Dessa forma, a pega inicial do concreto poderia ser explicada pela formação dessa estrutura amorfa, a qual provavelmente ocorre mais rápido na presença de citrato de sódio do que na presença de Darvan-7S. Isso poderia ser uma conseqüência da mais rápida dissolução das partículas de cimento na presença desse aditivo. Essa hipótese foi avaliada através de ensaios de condutividade elétrica das suspensões de cimento em função do tempo. De fato, as medidas de condutividade elétrica apresentadas na Fig. 4, mostraram que na presença de citrato de sódio o aumento da condutividade é mais rápido do que no caso do Darvan-7S. A posterior queda da condutividade elétrica pode ser explicada pela formação do gel, justificando o decréscimo Figura 1: Curvas de torque em função do tempo para composições de concreto Al 2 -C na presença de (a) poliacrilato de sódio (D) e de diferentes teores de Darvan-7S (A, B, C) e de (b) citrato de sódio (E, F, G). O teor dos aditivos é expresso como a razão percentual (massa do aditivo)/(massa de cimento). [Figure 1: Torque as a function of the time for Al 2 -C castables compositions in the presence of (a) sodium polyacrylate (D) and different Darvan-7S (A, B, C) and (b) sodium citrate (E, F, G) contents. The additive content is presented in terms of the ratio (mass of additive)/(mass of cement).]

I. R. de Oliveira et al. / Cerâmica 49 (2003) 11-16 14 Figura 2: Micrografias obtidas por MEV de amostras de cimento hidratadas por 12 dias na presença de 5%-p de Darvan-7S ou citrato de sódio, a temperatura ambiente (26-27 0 C). [Figure 2: Micrographs obtained by scanning electron microscopy of hydrated cement samples after 12 days in the presence of 5 wt% of Darvan-7S or sodium citrate, at room temperature (26-27 0 C).] dos íons livres em suspensão. No entanto, pode-se observar na Fig. 4b que na presença de poliacrilato de sódio também ocorreu uma rápida dissolução das partículas de cimento, porém concretos preparados com esse aditivo apresentaram elevada trabalhabilidade, semelhante ao comportamento observado no caso do Darvan-7S (Fig. 1). Assim sendo, acredita-se que apenas a mais rápida dissolução das partículas de cimento não justificaria a reduzida trabalhabilidade do concreto na presença de citrato de sódio. Um outro fator a ser considerado é a conseqüência do aumento da força iônica resultante da dissolução das partículas de cimento no estado de dispersão da matriz. O aumento da força iônica resulta na compressão da dupla camada elétrica das partículas, reduzindo a repulsão eletrostática entre as mesmas e tornando-as mais susceptíveis a aglomeração [6, 7]. Quando a matriz é dispersa com citrato de sódio, a camada estérica e eletrostática gerada é pouco espessa deixando de impedir a coagulação das partículas tão logo a força iônica começa a aumentar. Isso pode ser observado pelo aumento da viscosidade da matriz em função do aumento do teor de CaCl 2, como apresentado na Fig. 5. Por outro lado, a estrutura polimérica apresentada pelo Darvan-7S proporciona uma camada protetora mais espessa na superfície das partículas e portanto menos sensível ao aumento da força iônica. Inicialmente, a neutralização das cargas superficiais pelos íons do cimento fazem com que o polímero adquira uma conformação mais enovelada, liberando a água aprisionada em torno das partículas, o que contribui para o decréscimo da Figura 3: Teste de sedimentação em tubos de ensaio de suspensões de cimento (37%-p de sólidos) na presença de 10%-p de Darvan-7S e citrato de sódio, indicando a formação de gel. [Figure 3: Sedimentation tests of cement suspensions (37 wt% solids) in the presence of 10 wt% Darvan-7S and sodium citrate, showing development of an amorphous colloidal product (gel).]

15 I. R. de Oliveira et al. / Cerâmica 49 (2003) 11-16 Figura 4: Curvas de condutividade elétrica em função do tempo de suspensões de cimento (37%-p de sólidos) na presença de 5%-p de (a) Darvan-7S e citrato de sódio e (b) poliacrilato de sódio. [Figure 4: Electrical conductivity curves as a function of the time of cement suspensions (37 wt% solids) in the presence of 5 wt% of (a) Darvan-7S and sodium citrate and (b) sodium polyacrylate.] viscosidade (Fig. 5). Posteriomente, observa-se um aumento acentuado na viscosidade da matriz devido a efetiva coagulação das partículas. A Fig. 6 mostra o efeito do cimento sobre a variação da viscosidade da matriz em função do tempo. Pode-se observar que o efeito do cimento sobre o comportamento reológico da suspensão contendo citrato de sódio é bem mais pronunciado do que o efeito verificado com o simples aumento da força iônica (Fig. 5). Isso confirma a influência do gel formado entre as partículas sobre a trabalhabilidade dos concretos preparados com citrato de sódio. Experimentos adicionais estão sendo efetuados para investigar as causas da formação de uma elevada quantidade de gel nas suspensões contendo citrato de sódio se comparada com aquelas preparadas com Darvan-7S. Tudo indica que os íons resultantes da dissolução das partículas de cimento (Ca 2+ ) neutralizam rapidamente a repulsão proporcionada pelo citrato de sódio, ficando disponíveis para a rápida formação do gel. Dessa forma, as partículas permanecem interconectadas pelo gel, o qual fortalece a ligação entre elas resultando numa estrutura rígida. Isso pode justificar o abrupto aumento da viscosidade da matriz (Fig. 6) bem como a redução da trabalhabilidade do concreto contendo citrato (Fig. 1). No caso do Darvan-7S o consumo de íons até a neutralização da dupla camada elétrica é maior, dificultando a formação do gel. A adsorção de Darvan-7S à superfície das partículas provavelmente aumentou com a adição de maiores teores desse aditivo, justificando o aumento da trabalhabilidade do concreto verificado na Fig. 1. Isso é possível pelo fato do número de Figura 5: Curvas de viscosidade em função da concentração de CaCl 2 de suspensões (80%-p de sólidos) sem cimento representativas da matriz do concreto Al 2 -C na presença de 5%-p de Darvan- 7S ou citrato de sódio. [Figure 5: Viscosity curves as a function of CaCl 2 content for matrix suspensions (80 wt% solids) of zero-cement refractory castables in the Al 2 -C system adding 5 wt% of Darvan-7S or sodium citrate.]

I. R. de Oliveira et al. / Cerâmica 49 (2003) 11-16 16 moléculas de Darvan-7S ser inferior às de citrato, para um mesmo teor em massa adicionado [8]. Dessa forma, um maior teor de Darvan-7S deve ser adicionado a fim de recobrir totalmente a superfície das partículas. Com o aumento do número de moléculas adsorvidas, o consumo de íons Ca 2+ aumenta retardando a formação do gel. CONCLUSÕES pouco espessa. Assim, supõe-se que os íons resultantes da dissolução das partículas de cimento (Ca 2+ ) neutralizem rapidamente as cargas superficiais das partículas, ficando disponíveis para a formação do gel de aluminato de cálcio. O Darvan-7S, por ser constituído de moléculas com superior comprimento, proporciona uma camada protetora mais espessa na superfície das partículas. Neste caso, a neutralização dos efeitos eletrostático e estérico é mais lento, retardando a formação do gel. Adicionalmente, com o aumento do teor de Darvan-7S adicionado mais moléculas são adsorvidas à superfície das partículas resultando no aumento da trabalhabilidade do concreto. AGRADECIMENTOS Os autores agradecem à Alcoa Alumínio S.A. e à Unimetal pelo fornecimento das matérias-primas e à FAPESP pelo apoio financeiro recebido. REFERÊNCIAS Figura 6: Curvas de viscosidade em função do tempo de suspensões (80%-p de sólidos) com cimento representativas da matriz do concreto Al 2 -C na presença de 5%-p de Darvan-7S ou citrato de sódio. [Figure 6: Viscosity curves as a function of the time for matrix suspensions (80 wt% solids) of refractory castables in the Al 2 -SiC- SiO 2 -C system adding 5 wt% of Darvan-7S or sodium citrate.] Os resultados obtidos neste trabalho indicam que a pega inicial do concreto ocorre devido a aglomeração das partículas induzida pela formação de um produto coloidal amorfo ( gel ). Dessa forma, as partículas permanecem interconectadas pelo gel, o qual fortalece a ligação entre elas resultando numa estrutura rígida. O citrato de sódio, quando adsorvido à superfície das partículas, proporciona uma camada estérica e eletrostática [1] I. R. Oliveira, A. R. Studart, B. A. Menegazzo, V. C. Pandolfelli, Dispersion and setting control of ULC refractory castables in the Al 2 -C system Am. Ceram. Soc. Bull. (2002) submetido. [2] R. G. Pileggi, V. C. Pandolfelli, A. E. Paiva, J. Gallo, Novel rheometer for refractory castables, Am. Ceram. Soc. Bull. 79, 1 (2000) 54-58. [3] R. G. Pileggi, A. R. Studart, V. C. Pandolfelli, How mixing affects the rheology of refractory castables, Am. Ceram. Soc. Bull. Part I-80, 6 (2001) 27-31; Part II-80, 7 (2001) 38-42. [4] K. M. Parker, J. H. Sharp, Refractory calcium aluminate cements, Brit. Ceram. Soc. Trans. J. 81, 2 (1982) 35-42. [5] W. G. Lei, L. J. Struble, Microstructure and flow behavior of fresh cement paste, J. Am. Ceram. Soc. 80, 8 (1997) 2021-2028. [6] E. P. Luther, J. A. Yanez, G. V. Franks, E. F. Lange, D. S. Person, Effect of ammonium citrate on the rheology and particle packing of alumina slurries, J. Am. Ceram. Soc. 78, 6 (1995) 1495-1500. [7] I. R. Oliveira, A. R. Studart, R. G. Pileggi, V. C. Pandolfelli, Dispersão e empacotamento de partículas: princípios e aplicações em processamento cerâmico, São Paulo, Fazendo Arte Editorial (2000) p. 214. [8] J. Cesarano III, I. A. Aksay, Processing of highly concentrated aqueous α-alumina suspensions stabilized with poly-electrolytes, J. Am. Ceram. Soc. 71, 12 (1988) 1062-1067. (Rec. 06/05/02, Ac. 18/10/02)