O RELACIONAMENTO DO DIREITO INTERNACIONAL COM A ORDEM JURÍDICA ESTATAL

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Transcrição:

143 O RELACIONAMENTO DO DIREITO INTERNACIONAL COM A ORDEM JURÍDICA ESTATAL Christini Farias Coutinho 1 RESUMO O presente estudo propõe realizar uma análise da recepção do Direito Internacional no organismo estatal. Por vezes, este objeto analisado, encontrará divergências doutrinárias e conflitos, onde o papel do julgador será de extrema importância. Dentro deste objeto surgirão as teorias que irão nortear todo o estudo, o Monismo e o Dualismo. Na qual se analisa sucintamente recepção, aplicabilidade, e funcionalidade das mesmas, tanto em face do ordenamento interno, quanto da visão do Direito Internacional, percebendo assim a confusão doutrinária e jurisprudencial sobre este assunto tão polêmico e indagador. Palavras-Chave: Relacionamento. Divergência doutrinária. Direito interno. Direito externo. ABSTRACT The relationship of international law with legal order state This study proposes to conduct an analysis of the reception of international law in the State body. Sometimes, the object being analyzed, find doctrinal differences and conflicts, where the role of the judge is of extreme importance. Within this object will encounter the theories that will guide the entire study, Monism and Dualism. In which briefly analyze and understand the reception, applicability and functionality of the same, both in the face of domestic law, when in view of international law, seeing the confusion and jurisprudential doctrine on this subject so controversial and questioning. Keywords: Relationship. Doctrinal divergence. Domestic Law. Foreign law. 1 INTRODUÇÃO Neste estudo esmiúça-se o relacionamento da norma interna com o Direito Internacional, realizando breves comentários com relação às divergências doutrinárias, a 1 Graduanda em Direito pela Universidade Potiguar, bolsista pelo Programa de Incentivo à Educação Universitária (PROEDUC), foi monitora da disciplina Introdução à Ciência do Direito II e atualmente exerce a monitoria da disciplina Direito Civil II Obrigações. E-mail: chris_14h-ta@hotmail.com.

144 aplicabilidade no âmbito interno e no externo, a importância da posição do julgador diante deste conflito e as teorias que norteiam tal entendimento, bem como sua funcionalidade. O Direito Internacional também chamado de Direito das Gentes tem por objeto principal disciplinar as relações jurídicas nascidas dos atos praticados entre os sujeitos da sociedade internacional, que podem ser: a) Os Estados, b) Organizações internacionais, c) Pessoa Física, c) Pessoa Jurídica Privada e d) Movimento de libertação nacional. Em um primeiro momento, se faz importante vislumbrar, que a recepção oferecida às teorias que irão explicar a relação da norma interna com a norma externa, irá ocorrer de acordo com o Estado que esteja analisando-as, variando assim, de Estado para Estado. Em um segundo momento analisar-se-á o campo da doutrina a fim de que se perceba a existência de duas grandes correntes que tentam explicar como ocorre este relacionamento, no caso, a Teoria Monista, a qual sustenta a existência de um único ordenamento jurídico, e a Teoria Dualista, que defende duas ordens jurídicas distintas. Percebe-se neste breve comentário, que a principal dificuldade de um juiz perante um caso concreto será decidir qual das teorias terá aplicabilidade naquele exato momento, no caso, o conflito entre o direito interno e o direito internacional, isto é, uma norma interna e um tratado devidamente ratificado. Pode-se analisar tal conflito, segundo ensinamento de B. M. Boston, por dois sentidos: O teórico, consistindo na tomada do bloco normativo interno, para assim deduzir a unidade ou dualidade destes sistemas, e o prático, resultante da solução de conflitos, especificado em regras particulares de Direito Internacional 2 e resoluções singulares de Direito Interno 3. Em um terceiro momento, compreende-se que esta questão de um relacionamento entre a ordem jurídica interna com o Direito Internacional, envolve primeiramente, a questão sobre a conexão e existência de ambos, é neste embate que encontramos os problemas da ordem prática, especialmente com relação a qual teoria se filiar, isto é, qual prevalecerá em um caso concreto. 2 CRÍTICAS AOS APOSTOS TEÓRICOS CONSTITUTIVOS DAS DOUTRINAS MONISTA E DUALISTA 2 Há que compreender, portanto, que o Direito Internacional intervém continuadas vezes no Direito a doutrina internacional (ITUASSÚ, 1986). 3 LITRENTO, Oliveiros. Manual de Direito Internacional Público. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, p 140, 1979.

145 Criada por Heinrich Triepel em 1889, na Alemanha, a Teoria Dualista tem como ponto inicial a existência de duas ordens jurídicas autônomas, independentes e separadas, funcionando como linhas paralelas que seguem lado a lado sem jamais se tocarem. Para esta corrente não há possibilidade de conexão entre a norma interna e a norma internacional; diante disto tal teoria compreende que não há conflito entre elas, por vez que ambas são noções jurídicas diferentes, caracterizando assim sistemas jurídicos independentes. Segundo esta teoria, ensina REZEK (2006, p 4) o direito internacional e o direito interno de cada Estado são sistemas rigorosamente independentes e distintos, de tal modo que a validade jurídica de uma norma interna não se condiciona a sua sintonia com a ordem internacional. Implicando dizer que está concepção compreende a diferença da ordem interna para a externa. Para esta concepção: o Direito interno, fundamentado na autoridade constitucional, regula as relações entre indivíduos entre si e dos indivíduos com sistema estatal em que estão inseridos. Já o Direito Internacional, fundamentado na norma pacta sunt servanda, regula as relações entre os Estados da Sociedade Internacional. Assim, enquanto o Direito Internacional teria fundamento na vontade individual ou comum dos Estados (...), o Direito Interno teria fundamento exclusivo na vontade soberana e unilateral do Estado nacional, (...) fundado na idéia de subordinação. 4 Diante do exposto, pode-se caracterizar estas duas ordens como distintas, autônomas e separadas, podendo afirmar que o Direito Internacional 5 está para as relações entre Estados de Sociedade Internacional, assim como o Direito Interno 6 está para os indivíduos perante seu sistema estatal. Dentro deste prisma o Dualismo 7 sofreu duas ramificações, fazendo surgir o Dualismo Radical ou Puro, que conduz a teoria da incorporação, segundo a qual, a norma internacional só terá aplicabilidade e eficácia no âmbito interno, se for transformada 8 por uma lei interna que a incorpore (Teoria da Incorporação 9 de Triepel) 10 ao ordenamento jurídico 4 SILVA, Roberto Luiz. Direito Internacional Público. 2. Ed. 2. tir. Belo Horizonte: Del Rey, 2005. p. 126. 5 Não ignora totalmente o Direito Interno. No entanto, tem como regra geral que um Estado não pode invocar uma norma ou uma lacuna de seu Direito Interno como defesa em face de uma reinvidicação baseada no Direito Internacional (SILVA, 2005). 6 É a designação técnica que os internacionalistas costumam atribuir ao Direito nacional de um Estado (SILVA, 2005). 7 O vocábulo dualismo foi usado para denominar esta teoria em 1914, por Verdross. Poucos anos depois em 1923, Triepel iniciador da doutrina a aceitou. Mas Verdross ao propô-la, fez-lhe ressalvas. Na verdade não existe uma ordem interna e uma ordem internacional, e sim coexiste uma ordem internacional e várias internas (RUSSOMANO, 1989). Além de ser adotado, por influência de Anzilotte, pela Corte Permanente de Justiça Internacional no caso Chorzow, de conhecidas repercussões, sendo doutrina compartilhada por muitos autores. 8 A Constituição Federal Brasileira não menciona a palavra transformação de norma externa em norma interna, mas sim em atribuir efeitos de normas internas às normas externas. 9 Laband chama esta teoria de mediatização. 10 Neste caso, os tribunais de ordenamento jurídico interno não aplicam, necessariamente, o tratado em sí, mas sim uma legislação interna, isto é, uma lei que põe em vigor o tratado.

146 nacional do Estado, e o Dualismo Moderado 11, que não exige uma transformação, apenas se faz necessário, antes da ratificação dos tratados pelo chefe do Estado, uma prévia apreciação do Poder Legislativo. Há por tanto uma autorização 12. Observa-se que enquanto o Dualismo radical ou puro exige uma lei ordinária para que ocorra esta incorporação da norma internacional na norma interna, o Dualismo moderado requer apenas a passagem pelo Poder Legislativo. Devido à adoção do fenômeno da transformação, esta teoria não é suficiente para explicar a importância dos costumes, mostrando debilidade em seu raciocínio, além que a distinção das fontes originárias não é correta. No entanto, para esta teoria o relacionamento internacional se dá, apenas, de Estado para Estado, excluindo-se os demais Sujeitos de Direito Internacional, até porque tal entendimento pressupõe que: O Direito Internacional não cria obrigações para o indivíduo, a não ser que suas normas sejam transformadas em direito interno 13 (ACCIOLY, 2002). E ainda pose-se observar decisões das cortes internacionais, e até artigos de convenções 14 diretamente aplicáveis aos Sujeitos de Direito Internacional, independentemente de serem incorporadas pelo direito interno (SILVA, 2005). Por sua vez, em contra ponto a Teoria Dualista, surge a Teoria Monista, Criada por Hans Kelsen no ano de 1926, esta teoria 15 tem como ponto de partida a unidade do conjunto das normas jurídicas e do Direito em sí, no caso, não há de se falar em direito interno ou em direito internacional, uma vez que as duas se encontram na mesma esfera. Este sistema normativo é construído em cima do princípio da subordinação, em razão que todas as normas jurídicas se subordinam umas às outras (LITRENTO, 1979) criando uma escala hierárquica, e, como esclarece Accioly, em princípio o direito é um só, quer se apresente nas relações de um Estado, quer nas relações internacionais. Neste sentido a principal discussão é a prevalência da ordem interna sobre a internacional, ou vice-versa, uma vez que este sistema tem como base o princípio da 11 Posicionamento adotado pelo STF em dois leading cases: a ADIN 1.480 (Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade, ajuizada com o objetivo de questionar a validade Jurídico Constitucional do Decreto Legislativo nº 68/92, que aprovou a Convenção nº 158 da Organização Internacional do Trabalho (O.I.T.), e do Decreto nº 1.855/96, que promulgou esse mesmo ato de direito internacional público) e a CR 8.279 (Trata-se de carta rogatória expedida pela Justiça da República da Argentina com a finalidade de viabilizar a efetivação, em território brasileiro, de atos de caráter executório). 12 Observando o artigo 49, inciso I da Constituição Federal, esta autorização atribui ao tratado o status de supralegalidade (acima da lei), mas infraconstitucional (abaixo da lei), sendo sua revogação, apenas possível, por uma lei constitucional. 13 Perante o exposto, compreende-se que a validade jurídica de uma norma interna não se condicionaria à sintonia com a ordem internacional. 14 A Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados adotou em seu artigo 27 diz: Uma parte não pode invocar as disposições de seu direito interno para justificar o inadimplemento de um tratado. 15 Portanto, pode-se perceber que o monismo parte do princípio de que todas as normas emanam de uma só fonte, uma unidade que visa superar o aspecto doutrinário para almejar a realidade da ordem jurídica.

147 subordinação. Diante desta análise podemos dividir a teoria em: a) Monismo radical, também conhecido como monismo com primazia do Direito Internacional, esta teoria, Escola de Viena no século XX, acredita que o tratado se sobrepõe à ordem jurídica interna, baseia-se na Teoria Pura do Direito e sua pirâmide do ordenamento jurídico, onde toda norma tira sua obrigatoriedade de uma norma superior, em outras palavras, para esta teoria a ordem jurídica deve ceder quando a mesma se encontrar em conflito com a norma internacional; e b) Monismo Moderado 16, também chamado de monismo com primazia do direito interno, esta teoria, Escola de Bonn, tem suas raízes em Hegel, que afirmava a presença de um Estado com Soberania absoluta, no caso, o Estado não está sujeito a nenhum sistema jurídico que não esteja sujeito a sua própria vontade, voluntarismo uniestatal, fundamentando-se na autolimitação 17 que o estado dá à manifestação de sua vontade (SILVA, 2005). 2 RESOLUÇÃO DE CONFLITOS NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO Como pode compreender pela análise do RE 8.004/77, o Brasil adotou a tese que a promulgação de uma norma internacional a nacionaliza, incorporando-a ao sistema brasileiro (SILVA, 2005), os tratados internacionais gerais integram-se ao ordenamento jurídico pátrio 18 no mesmo nível hierárquico de uma norma ordinária, incorporando-a no sistema; partindo desta premissa conclui-se que: se tal norma internacional, promulgada no sistema pátrio, entrar em desacordo com preceitos legislativos e executivos nacionais, não irá se tratar de um conflito entre o relacionamento dos tratados e as normas internas (teorias monista e dualista), uma vez que ratificado o mesmo assumirá, isto é, terá atribuições de Lei Ordinária, e sendo possuidor tais preceitos estaremos diante de um conflito de normas interna (leis no tempo), que será solucionado segundo os preceitos da Lei de Introdução as Normas do Direito Brasileiro. Desta forma o tratado internacional e a norma interna convivem no âmbito do ordenamento jurídico brasileiro, e do ponto de vista hierárquico, equiparam-se, prevalecendo a hipótese de antinomia, que a norma mais recente, princípio lex posterior derogat legi priore (lei posterior revoga lei anterior), ou então, lex posterior generalis non derrogat priori 16 Na década de setenta, o STF decidiu no RE 71.154 (Trata-se de um Recurso Extraordinário sobre o cheque, adotada pela convenção de Genébra; aprovada essa convenção pelo congresso nacional, e regularmente promulgada, suas normas tem aplicação imediata, inclusive naquilo em que modificarem a legislação interna). 17 Implica a impossibilidade, devido a sua soberania, de submissão a qualquer outro vínculo superior. Assim, o Direito Internacional nada mais seria que a projeção exterior do sistema jurídico estatal (ITUASSÚ, 1986). 18 Com relação à aprovação do legislativo e o respeito a Constituição de cada Estado, uma parte da doutrina tem criticado a teoria dizendo que a validade e eficácia não dependem da Constituição de cada país, alguns tratados possuiriam força própria.

148 speciali (lei geral posterior não derroga especial anterior). Caracterizando-nos, desta forma, de acordo com o artigo 84, inciso VIII da Constituição Federal, como Dualista moderado. Tal posição foi reafirmada na liminar da ADIn n. 1480 19, relatado pelo Ministro Celso de Mello. Alguns doutrinadores, como Roberto Luiz Silva, compreende que o nosso ordenamento jurídico adota o monismo com primazia no direito interno, observando tal afirmação 20 pude concluir que o mesmo compreendeu que a norma interna ao adentrar no sistema jurídico estatal, independentemente se por transformação, atribuição ou qualquer outro meio possível, passa a identificar uma ordem unitária (o monismo), por vez que o tratado internacional (norma internacional) teria força de lei ordinária (norma interna), e esta ordem estaria submetida apenas ao ordenamento interno, sobrepondo-se a soberania estatal. Em outras palavras, seria como se o tratado fisicamente representa-se a norma internacional, sendo que suas atribuições receberiam um caráter interno, havendo desta forma uma união de ambos em um único ordenamento, formando um estado unitário, um monismo com primazia no direito interno. De forma mais sucinta, seria como se o tratado e a norma interna fizessem parte de um único ordenamento, que este, por sua vez, seria o interno; vale-se dizer que tal teoria (monismo com primazia no direito interno), sustentada por Kelsen, e colocada na pirâmide do ordenamento jurídico, seria como se a Constituição Federal estivesse no ápice da pirâmide, a Grundnorm (norma fundamental), e a partir dela emanasse as demais normas, assim como os tratados que se enquadrariam em Leis Ordinárias. 3 CONCLUSÃO Apesar da divergência reinante em vários pontos, questionamento, decisões de tribunais e doutrinas, os Estados se relacionam com intensidade cada vez maior, pois a Sociedade Internacional é interdependente. Os pioneiros a estudar tais polêmicas, sistematicamente, só ocorreram no século XIX. Mas isto não implica dizer que tais questionamentos só começaram a surgir neste período, muito pelo contrário, tal embate já gerava fervorosas polêmicas, mesmo que anteriore, a tal período. 19 ADIn n. 1.480 DF (...) É na Constituição da República e não na controvérsia doutrinaria que antagoniza monistas e dualistas que se deve buscar a solução normativa para a questão da incorporação dos atos internacionais ao sistema de direito positivo interno brasileiro.(...) No sistema jurídico, brasileiro, os tratados ou convenções internacionais estão hierarquicamente subordinados a autoridade normativa da Constituição da República.(...) O primado da Constituição, no sistema jurídico brasileiro, é oponível ao princípio pacta sunt servanda, inexistindo, por isso mesmo, no direito positivo nacional, o problema da concorrência entre tratados internacionais e a Lei Fundamental da República, cuja a suprema autoridade normativa deverá sempre prevalecer sobre os atos de direito internacional público. 20 SILVA, Roberto Luiz. Direito Internacional Público. 2. Ed. 2. tir. Belo Horizonte: Del Rey, 2005. p. 130.

149 Pois bem, como se fazia necessário um resposta, que acalmasse e trouxesse possibilidades de melhores discussões, e que estas respostas, no mínimo, se fundamentar-se em alguma idéia ou ideal. Diante deste cenário houve o surgimento de correntes, umas visando à supremacia do direito internacional sobre a norma interna, e outra, em contraponto, a supremacia do direito interno sobre o internacional. E estes vinculado a uma idéia de união, unidade do Direito, e outra na distinção e separação deste. Então surge a Teoria Monista, entendendo que a ordem internacional e a interna fazem parte de um único sistema, havendo, equiparação entre sujeitos, fontes, objetos e estrutura que se comunicam; e em contraponto surge a Teoria Dualista, entende que a norma interna e o direito internacional, são duas esferas distintas, quando muito tangentes, mas nunca secantes. Assim, começaram as polêmicas de qual corrente deveria ser seguida. Sabendo que o Direito não é uniforme e entendendo que há vários Estados com distintos sistemas de governo, e levando em consideração que o sistema jurídico, independentemente de qual Estado, muda com o tempo e a lógica de determinado período, houveram momentos em que a teoria recepcionada foi a Monista e por ora houveram dias que a recepcionada foi a Dualista. Mediante isto, houveram várias sentenças, no mesmo Estado, de ambas teorias, gerando divergências tanto na recepção, quanto na doutrina e mais fortemente nas jurisprudências. Ainda há polêmicas quanto qual é a melhor teoria a ser aceita, mas alguns Estados já decidiram qual doutrina seguir, um exemplo é: Alemanha, Itália, Holanda, França, entre outros. No Brasil, não muito diferente de outros Estados, temos algumas jurisprudências com base na Teoria Monista, quanto na Teoria Dualista, após tantas polêmicas, a solução foi encontrada na Constituição Federal, que determina que a norma internacional só irá ter eficácia no âmbito interno após ser incorporada, atribuindo a norma internacional efeitos de normas internas; para isto, a norma internacional, terá que passar por duas fases, tais: analise pelo Poder Legislativo, e autorização pelo Chefe do Executivo, desmistificando a idéia de incorporação obrigatória, defendida por alguns doutrinadores. REFERÊNCIAS ARAÚJO, Luis Ivani de Amorim. Curso de Direito Internacional Público. ed. rev. E atual. Rio de Janeiro: Ed. Forense, 1998.. História do Direito Internacional público. Rio de Janeiro: Forense, 1988.

150 BOBBIO, Noberto. O positivismo Jurídico: Lições de filosofia do direito; compiladas por Nello Morra; tradução e notas Márcio Pugliesi, Edson Bini, Carlos E. Rodrigues. São Paulo: Ícone, 2006. http://www.jusbrasil.com.br. Acesso: 03.10.11, às 14h e 17 min. http://www.stj.jus.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp. Acesso: 07.10.11, às 9h e 24 min. http://www.stf.jus.br/portal/principal/principal.asp. Acesso: 29.09.11, às 16h e 13 min. ITUASSÚ, Oyama Cesar. Curso de Direito Internacional Público. Rio de Janeiro: Forense, 1986. KELSEN, Hans. Teoria pura do direito [tradução: João Batista Machado]. 6º ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998. LITRENTO, Oliveiros. Manual de Direito Internacional Público. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1979. NASCIMENTO, G. E. SILVA. ACCIOLY, Hildebrando. Manual de Direito Internacional Público. 15. ed. rev. E atual. Por Paulo Borba Casella São Paulo: Saraiva, 2002. PEREIRA, Bruno Yepes. Curso de Direito Internacional Público. 3º ed.saraiva. FRAGA, Mirtô. O conflito entre tratado internacional e a norma de direito interno: estudo analítico da situação do tratado na ordem jurídica brasileira. Rio de Janeiro: Forense, 1997. REZEK, J. Francisco. Direito Internacional Público: Curso elementar. 10. ed. Ver. e atual. São Paulo: Saraiva, 2005. ROSSOMANO, Gilda Maciel Corrêa Meyer. Direito Internacional Público. vol. 1. Rio de Janeiro: Forense, 1989. SILVA, Roberto Luiz. Direito Internacional Público. 2. Ed. 2. tir. Belo Horizonte: Del Rey, 2005.