Breve reflexão acerca da infinitude divina

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Transcrição:

1 Breve reflexão acerca da infinitude divina Autor: Sávio Laet de Barros Campos. Bacharel-Licenciado e Pós-Graduando em Filosofia Pela Universidade. Federal de Mato Grosso. E-mail: saviolaet@filosofante.org A presente reflexão nasceu na comunidade do orkut dedicada ao site Filosofante, num fórum onde se debatia o tema da existência de Deus. Quero agradecer ao Rev. Pr. Bosco, agudo partícipe da comunidade, que se acercou de nós levantando as argutas questões: 1) Qual é a definição de Deus? 2) Qual é a forma mais eficaz de provar a existência do Deus cristão em detrimento dos outros deuses das outras religiões não-cristãs? Em relação à definição de Deus. Antes de tudo, o que é definir? A palavra definição tenta, a princípio, exprimir o termo grego sµ. Todavia, é como tradução direta do termo latino definitio que ela se consagrou. Ora, definir é delimitar. Expressa, por assim dizer, o ato pelo qual, através do pensamento, dizemos o finito: de-finição. Mas o que de-fine uma coisa? O que a torna finita? E a sua essência, pois é a essência que diz o que uma coisa é e, desta forma, a distingue de todas as demais, delimitando-a. Portanto, a definição é a declaração da essência da coisa. Em relação a Deus, é preciso dizer, antes de qualquer coisa, que Ele é infinito. E é desta maneira que surge o problema: como podemos defini-lo, ou seja, dizê-lo num verbo interior, expressá-lo num conceito? Porém, antes de tirarmos qualquer conclusão, tentemos contornar a noção de infinito. Com efeito, como o infinito [infinitus] é, de certa forma, uma noção negativa 1, enquanto significa o que simplesmente não é finito [quod non est finitum], é somente mediante a análise do finito [finitus] que podemos conhecê-lo. Ora, há, pois, duas formas de finitude: a da matéria, que se torna finita enquanto é limitada 1 No decorrer do texto veremos que esta noção também comporta um sentido eminentemente positivo, mas que só foi logrado pela tradição cristã.

2 pela forma que recebe, e a da própria forma, que é limitada pela matéria que informa. Agora bem, é a forma que confere perfeição à matéria. Daí que, uma matéria informe, conquanto decerto infinita, posto que é a forma que a limita, seria um infinito que teria um caráter de imperfeição, visto que uma matéria privada de toda forma é uma matéria carente de qualquer perfeição. Por outro lado, uma forma que não fosse limitada por nenhuma matéria, seria uma perfeição infinita, porquanto a forma não recebe perfeição alguma da matéria, sendo ela mesma [i.e. a forma] portadora de toda perfeição que confere à matéria. Por conseguinte, o infinito formal é um infinito que indica máxima perfeição. Mas por que a matéria indica imperfeição e a forma, perfeição? Porque a matéria se refere à potência, ou seja, ao que ainda não é e nem foi consumado, mas que pode vir-a-ser arrematado, enquanto que a forma, ao contrário máxime em relação à matéria que informa comporta-se como ato, isto é, como aquilo que já é e que, de resto, realiza a perfeição que a matéria possuíra antes apenas em potência. De sorte que, como o termo perfectus indica o que está totalmente feito e é completo, é claro que a forma, em relação à matéria, mormente em relação à matéria que informa, é ato e signo de perfeição. 2 Agora bem, se a matéria indica potência, isto é, imperfeição, a matéria primeira, ou seja, o primeiro princípio material de todas as coisas é pura potência, e, desta feita, imperfeitíssimo. Ora, em sendo assim, as perfeições encontradas nas coisas não podem provir de um princípio material, salvo se admitirmos este absurdo: o perfeito procede do imperfeito enquanto causa eficiente. E o que, trocando em miúdos, faz o materialismo ao defender a autonomia ontológica da matéria. O materialismo é, pois, um absurdo! Na verdade, urge admitir um princípio formal de todas as coisas. Como a matéria indica potência e a forma implica ato [sobretudo em relação à matéria que informa], e como, além disso, a matéria primeira é pura potência, assim também o primeiro princípio formal de todas as coisas deve ser ato puro. Ademais, sendo a matéria signo de imperfeição por estar em potência, e a matéria primeira imperfeitíssima por ser pura potência, a forma, enquanto ato da matéria, é signo de perfeição, e o primeiro princípio formal de todas as coisas, sendo 2 TOMÁS DE AQUINO. Suma Teológica. Trad. Aimom- Marie Roguet et al. São Paulo: Loyola, 2001. v. I. I, 7, 1.

3 ato puro, ou seja, não sendo recebido e, portanto, limitado por matéria alguma, deve ser também perfeitíssimo. 3 Ora bem, nada pode estar em ato, salvo enquanto é, ou seja, enquanto possui o ato de ser ou existir [esse, actus essendi]. Com outras palavras, tudo é perfeito na medida em que possui o ser [esse, actus essendi], pois o ser é o que há de mais perfeito dentre todas as coisas [ipsum esse est perfectissimum omnium] e a fonte primeira de toda outra perfeição. Donde, aquilo que é maximamente formal, maximamente perfeito e maximamente infinito, é, antes de mais nada, maximamente ser, já que o ser é a atualidade de todas as coisas, da matéria, mas também da forma [ipsum esse est actualitas omnium rerum, et ipsarum formarum]. 4 Desta feita, sendo Deus o ser que não recebe a sua esseidade de outrem, Ele é o Ipsum Esse Subsistens. Ora, sendo o Esse Subsistens, Ele é maximamente formal e ato puríssimo. Sintetiza com meridiana lucidez Mondin: Deus é a suprema atualidade, ato puríssimo, porque a sua essência é o ser; Deus é esseidade. E, como sabemos, o que leva as coisas ao ato, o que as torna atuais e as faz ricas de perfeição, é o ser. Deus, sendo o ser, sendo totalmente ser, é necessariamente ato puro, ou melhor, ato puríssimo. É um céu claríssimo, sem nuvem, reluzente, luz plena. Em Deus não há nenhum ponto obscuro, tenebroso, opaco. É uma luz brilhante que ilumina todas as coisas e as coloca na órbita do ser, tornando-as partícipes da luz do próprio ser. 5 Destarte, Ele é infinito e infinito em perfeição, vale dizer, forma puríssima e ato puríssimo, como se acabou de descrever acima. Agora podemos arguir com maior propriedade: como definir Deus, como delimitá-lo num conceito unívoco? Como expressar a sua essência tal como é em si mesma? Se o que limita uma forma é a matéria e Deus é absolutamente imaterial, já que é maximamente formal, como circunscrevê-lo? Com efeito, qualquer definição, enquanto é uma circunscrição, precisa colocar a substância num gênero e depois numa espécie. Entretanto, sendo Deus o próprio SER, como colocá-lo num gênero ou numa 3 Idem. Ibidem. I, 4, 1, C. 4 Idem. Ibidem. I, 4, 1, ad 3. 5 MONDIN, Battista. Quem é Deus? Elementos de Teologia Filosófica. 2ª ed. Trad. José Maria de Almeida. São Paulo: Paulus, 2005. pp. 297 e 298.

4 espécie? 6 Com efeito, o ser não está precisado em nenhum gênero e tampouco em espécie alguma, uma vez que nada pode ser distinto do ser exceto o nada, que nada é. 7 Neste sentido, qualquer definição que pretenda apreender a essência divina, limitaria a sua perfeição. Destarte, qualquer conceito que busque compreendê-lo exaustivamente, transformá-lo-ia num ídolo. Sem embargo, no que toca à essência divina, tomada in se, a definição menos imperfeita que podemos ter dela é: id quod superat omnes cogitationes nostras [ aquilo que supera todos os nossos pensamentos ]. E preciso acrescer e ponderar, no entanto, que a infinitude divina não é indefinida ou indefinível num sentido negativo, como, aliás, é a infinitude potencial da matéria e como aparenta ser a própria noção de infinito. Deus é um infinito positivo, um infinito formal e atual, por conseguinte, perfeito. E uma luz inabarcável de perfeição que contém em si, de forma eminentíssima e simplicíssima, as perfeições de todas as coisas, a saber, todas as perfeições relativas ao ser que Ele doa, de forma boníssima e ininterruptamente, às suas criaturas. Decerto que Ele é indefinível para o pensamento humano, mas não porque seja incognoscível in se, antes, ao contrário, é precisamente porque é sobremaneira cognoscível, um oceano de cognoscibilidade, que a sua luz torna-se intangível e inacessível à nossa razão limitada. E por abundância e não por carência de luz e ser que deixamos de vê-lo tal como é em si mesmo. Portanto, é por transcender sobejamente todos os graus de perfeição que encontramos nas coisas criadas, que Ele se encontra muito além das capacidades naturais do nosso espírito finito. Sua essência nos é inatingível, porque a sua luz incriada e pulcríssima, fulgurante de inteligibilidade, cegar-nos-ia se a contemplássemos com a nossa inteligência criada. Mondin, em duas passagens emblemáticas, confirma o que havemos dito: Dizendo que Deus é infinito não queremos simplesmente dizer que ele não tem limites, como quando dizemos que a série dos números cardeais é infinita. Infinito não significa indefinido. Embora aparentemente seja negativo, o termo tem um 6 TOMÁS DE AQUINO. Suma Contra os Gentios. Trad. D. Odilão Moura e Ludgero Jaspers. Rev Luis A. De Boni. Porto Alegre: EDPUCRS, 1996. 2 v. I, XIV, 2 [117] e 3 [118]. 7 Idem. Suma Teológica. I, 3, 5, C: Ora, o Filósofo, no livro III da Metafísica, demonstra que ente não pode ser o gênero de alguma coisa, pois todo gênero comporta diferenças que não pertencem à essência deste gênero. Ora, não existe diferença alguma que não pertença ao ente; porque o nãoente não pode constituir uma diferença. Donde se conclui: Deus não está em gênero algum.

5 significado eminentemente positivo: denota uma riqueza inesgotável de perfeição e não uma potencialidade ilimitada [como pode ocorrer com a matéria]. Deus possui a qualidade da infinitude porque é a esseidade e, assim, encerra em si todo o oceano do ser, sem limites, sem restrições, sem margens. 8 Repito que Deus é infinito em sentido positivo e não negativo: é plenitude ilimitada, totalidade inesgotável, sendo aquele que tudo possui e de quem tudo procede. A infinitude de Deus nada tem em comum com o indefinido, com aquilo que ainda não tem rosto, uma forma, uma figura e pode, portanto, ser qualquer coisa. Deus não é infinito no sentido potencial [...], mas no sentido atual, de quem já é tudo: é todas as formas, todos os atos, todas as perfeições; é a plenitude de tudo, porque fora de Deus não há nada. A incapacidade da razão humana de conceber o infinito não cria em Deus uma absurda carência de ser, cuja profundeza não podemos sondar nem imaginar. Ao contrário: dando a Deus o título de infinitude, queremos dizer que ele encerra em si todas as perfeições em grau eminente, isto é, segundo um grau que transcende todos os graus atingíveis pelo pensamento humano. 9 Agora bem, acerca da existência de Deus, de certa forma, a questão é outra. De fato, é mister distinguir, sem separar, duas questões no que concerne a Deus: se Ele é ou existe [an est] e o que Ele é [quid est]. Quanto à primeira, deveras a nossa razão é capaz de admitir, por meio de uma demonstração racional que procede partindo das coisas sensíveis, que Deus é ou existe, como bem atesta o Apóstolo: De fato, as perfeições invisíveis não somente seu poder eterno, mas também a sua eterna divindade são claramente conhecidas, através de suas obras, desde a criação do mundo [Rm 1, 20]. Quanto à segunda, só podemos saber algo por analogia com as coisas criadas, como também declara o Apóstolo na mesma perícope. Com efeito, acerca de um conhecimento direto e imediato da essência divina in se, diz Sto. Tomás: [...] de Deus só podemos saber o que Ele não é, e não o que é [ quia de Deo scire non possumus quid sit, sed quid non sit ] 10. Em outro lugar, no que concerne ao conhecimento, in via, da essência divina in se, ele diz: Este é o máximo grau do conhecimento humano de Deus: saber que não O conhecemos 11. Finalmente, o 8 MONDIN. Op. Cit. p. 298. 9 Idem. Op. Cit. p. 299. 10 TOMÁS DE AQUINO. Suma Teológica. I, 3.

6 próprio São Paulo assevera acerca de Deus: [...] o único que possui a imortalidade, que habita numa luz inacessível, que ninguém viu nem pode ver. [I Tm 6, 16]. Por fim, quanto a uma demonstração que alcance o Deus cristão, reputo que as cinco vias [quinque viis] de Sto. Tomás e a dialética de O Ente e a Essência [De ente et essentia] satisfazem esta exigência. De fato, ambas chegam ao Ipsum Esse Subsistens [O Próprio Ser Subsistente], que é, em outros termos, o nome que o absoluto Deus revela a Moisés: Se os israelitas perguntarem sobre o vosso nome, o que lhes responderei? Disse-lhe, então, o Senhor: AQUELE QUE É mandou-me a vós (Ex 3, 13-14). 12 Termino fazendo minhas as palavras do célebre historiador da filosofia medieval, Étienne Gilson, no não menos célebre opúsculo L athéisme difficile, publicado postumamente [1979]: Hoje, o meu ponto de vista é este: enquanto o tomista permite deixar que cada qual chegue a Deus como melhor puder, alguns não nos querem permitir ir a Deus segundo o caminho que santo Tomás recomenda e que a Igreja prefere. 13 11 Idem. Quaestiones Disputate de Potentia Dei. 7, 5, ad 14. In: LAUAND, Luiz Jean. Tomás de Aquino: vida e pensamento estudo introdutório geral (e à questão Sobre o verbo). In: Verdade e Conhecimento. São Paulo: Martins Fontes, 1999. p. 36. 12 Vide: Idem. Suma Contra os Gentios. I, XXII, 7 [211]. 13 GILSON, Étienne. L athéisme difficile. In: REALI, Giovanni. ANTISERI, Dario. História da Filosofia: Do Romantismo até nossos dias. 5ª ed. Rev. L. Costa e H. Dalbosco. São Paulo: Paulus, 1991. p. 777.

7 BIBLIOGRAFIA GILSON, Étienne. L athéisme difficile. In: REALI, Giovanni. ANTISERI, Dario. História da Filosofia: Do Romantismo até nossos dias. 5ª ed. Rev. L. Costa e H. Dalbosco. São Paulo: Paulus, 1991. MONDIN, Battista. Quem é Deus? Elementos de Teologia Filosófica. 2ª ed. Trad. José Maria de Almeida. São Paulo: Paulus, 2005. TOMÁS DE AQUINO. Quaestiones Disputate de Potentia Dei. In: LAUAND, Luiz Jean. Tomás de Aquino: vida e pensamento estudo introdutório geral (e à questão Sobre o verbo). In: Verdade e Conhecimento. São Paulo: Martins Fontes, 1999.. Suma Contra os Gentios. Trad. D. Odilão Moura e Ludgero Jaspers. Rev Luis A. De Boni. Porto Alegre: EDPUCRS, 1996. 2 v.. Suma Teológica. Trad. Aimom- Marie Roguet et al. São Paulo: Loyola, 2001. v. I.

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