A BASE NACIONAL COMUM CURRICULAR E O ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA

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Transcrição:

A BASE NACIONAL COMUM CURRICULAR E O ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA Manassés Morais Xavier Universidade Federal de Campina Grande manassesmxavier@yahoo.com.br Maria de Fátima Almeida Universidade Federal da Paraíba falmed@uol.com.br Resumo: De natureza documental, esta pesquisa parte das seguintes questões-problema: 1) quais os objetivos que fundamentam a construção da Base Nacional Comum Curricular? e 2) qual a abordagem dada por este documento oficial enunciado pelo Governo Federal ao ensino de Língua Portuguesa?. Trata-se de uma discussão teórica, baseada na relação entre Análise Dialógica do Discurso (BAKHTIN/VOLOCHÍNOV, (2009) e BAKHTIN, (2013)) e o ensino de línguas, que visa analisar os fundamentos da Base Nacional Comum Curricular e a concepção de língua defendida por ela. Do ponto de vista dos resultados, a análise dos fragmentos apresentados evidencia uma aproximação conceptiva de língua entendida enquanto prática social intimamente cultural, bem como sugere novas reflexões sobre o corpus que certamente virão, haja vista esta comunicação funcionar como o início de novas discussões tematizadas pelo impacto da Base Nacional Comum Curricular no contexto contemporâneo do ensino de Língua Portuguesa. Palavras-chave: Base Nacional Comum Curricular, Ensino de Língua Portuguesa, Pesquisa Documental. Introdução O presente trabalho surge da necessidade de estar sempre revisitando concepções que, ao longo da História da Educação, têm norteado as práticas pedagógicas no tocante, particularmente, ao ensino de Língua Portuguesa. Neste sentido, visa situar uma discussão que na contemporaneidade toma fôlego e ganha espaço na conjuntura de pesquisas sobre o que se espera dos processos formativos no cenário da Educação Básica. Trata-se, portanto, de uma reflexão, vinculada à pesquisa documental, sobre o texto da Base Nacional Comum Curricular, 2ª versão, publicada pelo Ministério da Educação em abril de 2016. De modo pontual, esta comunicação propõe responder a dois questionamentos: 1) quais os objetivos que fundamentam a construção da Base Nacional Comum Curricular? e 2) qual a abordagem dada por este documento oficial enunciado pelo Governo Federal ao ensino de Língua Portuguesa? Portanto, constituindo-se como uma discussão breve e de cunho notadamente teórico, esta pesquisa documental configura-se como um momento inicial de nossas inquietações sobre o

discurso legitimado no documento supracitado a respeito do ensino de Língua Portuguesa, destacando, para tanto, o lugar, ou não, de uma concepção de língua vinculada aos pressupostos teórico-metodológicos da Análise Dialógica do Discurso (BAKHTIN/VOLOCHÍNOV, (2009) e BAKHTIN, (2013)). 1 O ensino de Língua Portuguesa numa perspectiva dialógica O ensino de Língua Portuguesa precisa, necessariamente, ser pautado pela concepção de linguagem enquanto interação. Isto porque a língua, conforme Almeida (2013, p. 11), é um processo interativo de cruzamento de diversas e variadas vozes que interagem para construir o sentido ; e este procedimento sempre está na ordem da pluralidade de significados. A Análise Dialógica do Discurso contribuiu para uma nova perspectiva a respeito da linguagem humana e de seus estudos. Segundo Brait (2012), a busca da compreensão das formas de produção do sentido, da significação e as diferentes maneiras de compreender o funcionamento discursivo foram fatores que impulsionaram Bakhtin, Volochínov e outros estudiosos na direção de uma estética e de uma ética da linguagem: uma postura que articula estética, ética e diferentes pressupostos filosóficos, (BRAIT, 2011, p. 87-88), faz com que suas reflexões sobre o sentido não sejam sistematizadas, unicamente, sob uma perspectiva linguística ou mesmo linguístico-literária. Nesse sentido, o que é dito sobre linguagem nos trabalhos de Mikhail Bakhtin não está comprometido, unicamente, com uma tendência linguística ou uma teoria literária, mas com algo maior: uma visão de mundo que, buscando formas de construção e formação de sentido, resvala pela abordagem linguístico-discursiva, pela teoria da literatura, pela filosofia, pela teologia, por uma semiótica da cultura (BRAIT, 2011, p. 88) e, também, por um conjugado de aspectos entrelaçados e ainda não inteiramente decifrados. Sobre os estudos bakhtinianos, Brait (2004, p. 11) elucida que a natureza dialógica da linguagem é um conceito que desempenha papel fundamental no conjunto de obras de Mikhail Bakhtin, funcionando como célula geradora dos diversos aspectos que singularizam e mantêm vivo o pensamento desse produtivo teórico. Esta colocação põe em vista a postura que toma os trabalhos do filósofo russo, nos quais se notam a atualização dos sentidos dos signos, enunciados, conforme a necessidade em que eles se apresentam. Isto coloca em prática o que se conhece sobre a heterogeneidade constitutiva da linguagem.

Enfatizando a ideia da linguagem como heterogênea, nota-se que a concepção de diálogo de Bakhtin é constitutiva da linguagem enquanto fenômeno heterogêneo, não entendido como uma conversa entre duas pessoas, mas pela leitura e escrita compreendidas enquanto formas de produzir sentidos possíveis e previsíveis no texto, como um tipo de diálogo. Tal heterogeneidade deve ser levada em conta quando nos referimos a interação, enquanto comunicação verbal entre os humanos; essa comunicação tem um caráter não linear da informação, não há uma direção única de emissor (escritor/autor) e receptor (leitor/autor), mas um caráter dialético. (ROTAVVA, 1999, p. 157) Os escritos de Mikhail Bakhtin vão demonstrando a natureza constitutivamente dialógica da linguagem, em que deixa claro que o dialogismo diz respeito ao permanente diálogo, nem sempre regular (entende-se regular como harmonioso) que existe entre os variados discursos que configuram uma sociedade no geral. Pode-se entender que o dialogismo também diz respeito às relações que se estabelecem entre o eu e o outro nos processos discursivos instaurados historicamente pelos sujeitos. 2 A Base Nacional Comum Curricular: da gênese, dos objetivos O texto da Base Nacional Comum Curricular (doravante, BNCC) surge da exigência imposta ao sistema educacional brasileiro pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, pelas Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais da Educação Básica e pelo Programa Nacional de Educação. Segundo tais documentos, o ensino precisa ser pautado por condições didático-pedagógicas que oportunizem a formação humana integral e uma educação de qualidade social. Nestes termos, acentuamos a finalidade e o fundamento da BNCC no fragmento a seguir. Fragmento 01 Finalidade da BNCC A BNCC, cuja finalidade é orientar os sistemas na elaboração de suas propostas curriculares, tem como fundamento o direito à aprendizagem e ao desenvolvimento, em conformidade com o que preceituam o Plano Nacional de Educação (PNE) e a Conferência Nacional de Educação (CONAE). Fonte: BNCC (2016, p. 24) Como vemos, dialogicamente, o discurso da BNCC, por se tratar de um documento assinado pelo Ministério da Educação se pauta pelo próprio discurso do direito que se reporta ao fato de que

sua legitimidade se fortalece pelos parâmetros de outros textos de ordem legal também autorizados pelo órgão ministerial que cuida da educação. Essa dialogia reforça uma concepção de ensino como direito do cidadão, como condição garantida por lei, isto é, por forças jurídicas. O Fragmento 02 demonstra claramente a cadeia de textos oficiais que empreenderam a produção dialógica do texto da BNCC. Fragmento 02 Construção participativa da BNCC Fonte: BNCC (2016, p. 26) Desse modo, conforme a Figura 02, observamos que a BNCC prega o investimento em quatro políticas: Política Nacional de Formação de Professores, Política Nacional de Materiais e Tecnologias Educacionais, Política Nacional de Infraestrutura Escolar e Política Nacional de Avaliação da Educação Básica. Tais eixos são pensados para garantir as condições que geram a qualidade no sistema de Educação Básica. Pensar os investimentos nessas políticas compreende, a nosso ver, situar esforços que abordem o currículo nacional a partir de focos específicos de atividades educacionais, como: 1) o professor, agente mediador de conhecimentos e multiplicador de práticas culturais, profissional que

precisa refletir sobre sua ação para, por meio desta reflexão, promover o desenvolvimento humano e social seu e de seus alunos; 2) as novas tecnologias da comunicação e da educação, aparato tecnológico auxiliador de professores e de alunos em prol de metodologias inovadoras que tragam significados efetivos às aulas; 3) a infraestrutura escolar, política que ofereça condições de aprendizagens nos ambientes educacionais, com o abastecimento de materiais de consumo que possibilitem a realização de atividades e 4) a avaliação de ensino na Educação Básica, oferecendo oportunidades de reflexão contínua sobre o currículo, objetivando melhorias e dando o direito de voz a todos os atores do espaço escolar: professores, alunos, gestores, funcionários, comunidade escolar, dentre outros. Sendo assim, percebemos que faz parte da criação da BNCC políticas de integração de saberes que convocam um ensino, no contexto da Educação Básica, que agregue efeitos gerais/comuns como o direito a aprendizagem para os alunos e condições de trabalho para professores, gestores, funcionários, bem como efeitos particulares/específicos das comunidades como a preocupação com a infraestrutura, com os materiais tecnológicos das unidades escolares e, sobretudo, com a avaliação reflexiva do currículo que regula singularmente as escolas. No foco de conhecermos o objetivo gerador da BNCC, apresentamos a Figura 03. Fragmento 03 Objetivo gerador da BNCC Aprendizagem e desenvolvimento são processos contínuos que se referem a mudanças que se dão ao longo da vida, integrando aspectos físicos, emocionais, afetivos, sociais e cognitivos. Ao tratar do direito de aprender e de se desenvolver, busca-se colocar em perspectiva as oportunidades de desenvolvimento do/a estudante e os meios para garantir-lhe a formação comum, imprescindível ao exercício da cidadania. Fonte: BNCC (2016, p. 33) Para alcançar seu intento, o texto do documento em análise organiza as etapas da escolarização a partir da seguinte ordem: - Educação Infantil: tendo como eixos curriculares o eu, o outro e o nós; o corpo, gestos e movimentos; traços, sons, cores e imagens; escuta, fala, linguagem e pensamento e espaços, tempos, quantidades, relações e transformações. - Ensino Fundamental: anos iniciais e finais, tendo como eixos curriculares os letramentos e capacidades de aprender; leitura do mundo natural e social; ética e pensamento crítico e solidariedade e sociabilidade.

- Ensino Médio: tendo como eixos curriculares: os letramentos e capacidades de aprender; solidariedade e sociabilidade; pensamento crítico e projeto de vida e intervenção no mundo natural e social. A BNCC ainda convoca a necessidade de temas especiais que estabeleçam a integração entre os componentes curriculares da Educação Básica, a saber: economia, educação financeira e sustentabilidade; culturas indígenas e africanas; culturas digitais e computação; direitos humanos e cidadania e educação ambiental. O documento congrega os componentes curriculares da Educação Básica dividindo-os em áreas: Linguagens Língua Portuguesa, Línguas Estrangeiras Modernas, Educação Física e Arte, Matemática Matemática; Ciências da Natureza Ciências, Física, Química e Biologia; Ciências Humanas História, Geografia, Sociologia e Filosofia e Ensino Religioso. Nesse momento de nossa comunicação, inclinamos o nosso olhar para refletirmos sobre a área de Linguagens, especificamente o ensino de Língua Portuguesa. 3 A BNCC e o ensino de Língua Portuguesa: qual concepção de língua é defendida? Em se tratando do ensino de Língua Portuguesa, convocamos, especificamente, o Fragmento 04 que clareia um posicionamento conceptivo da BNCC a respeito das práticas linguageiras. Fragmento 04 Primeiro parágrafo da Área de Linguagens As relações pessoais e institucionais e a participação na vida em sociedade se dão pelas práticas de linguagem. É por meio dessas práticas que os sujeitos (inter)agem no mundo e constroem significados coletivos. As práticas de linguagem permitem a construção de referências e entendimentos comuns para a vida em sociedade e abrem possibilidades de expandir o mundo em que se vive, ampliando os modos de atuação e de relacionar-se. Fonte: BNCC (2016, p. 86) Nele, vemos o enquadramento dado pelos autores da BNCC aos usos da linguagem, notadamente, situados em contextos sociais de comunicação e de interação. É por meio dessas práticas que os sujeitos (inter)agem no mundo e constroem significados coletivos (BRASIL, 2016, p. 86) e as práticas de linguagem (...) abrem possibilidades de expandir o mundo em que se vive, ampliando os modos de atuação e de relacionar-se (BRASIL, 2016, p. 86) evidenciam a postura que compreende a língua enquanto interação.

Essa postura nos autoriza chamar Bakhtin/Volochinov (2009, p. 34): os signos só emergem, decididamente, do processo de interação entre uma consciência individual e uma outra. E a própria consciência individual está repleta de signos. A consciência só se torna consciência quando se impregna de conteúdo ideológico (semiótico) e, consequentemente, somente no processo de interação social. As palavras de Bakhtin/Volochínov (2009) esclarecem o entendimento de língua enquanto atividade social e mais: acrescenta o fator ideológico. Este fator precisa ser reconhecido nas aulas de Língua Portuguesa e se encontra nos objetivos dos eixos curriculares para os Ensinos Fundamental e Médio: pensamento crítico como norte para as práticas pedagógicas na Educação Básica. Bakhtin (2013, p. 23) acentua que as formas gramaticas não podem ser estudadas sem que se leve sempre em conta seu significado estilístico. Quando isolada dos aspectos semânticos e estilísticos da língua, a gramática inevitavelmente degenera em escolasticismo. Portanto, todo e qualquer ensino de línguas necessita orientar sua intervenção didática para a compreensão dos valores institucionais/ideológicos contidos nos mais variados enunciados, nos mais variados gêneros. Sobre os fundamentos do componente curricular Língua Portuguesa, a BNCC traz à tona dois pontos determinantes: um referente à própria área do conhecimento Linguagens: Fragmento 05 Fundamento para o ensino da área de Linguagens Fonte: BNCC (2016, p. 86) e outro especificamente para o ensino de Língua Portuguesa: Fragmento 06 Fundamento para o ensino de Língua Portuguesa

Fonte: BNCC (2016, p. 88) Os fragmentos supracitados exemplificam a presença da Análise Dialógica do Discurso no texto da BNCC, sobretudo através dos termos formas de interação (BRASIL, 2016, p. 86), como se interagem na construção, de identidades, pertencimentos, valores (BRASIL, 2016, p. 86), perspectiva discursiva da linguagem (BRASIL, 2016, p. 88), forma de ação interindividual (BRASIL, 2016, p. 88), os enunciados ou textos são produzidos em uma situação de enunciação (BRASIL, 2016, p. 88), dentre outros. Essas relações dialógicas reforçam o investimento dos estudos bakhtinianos como contributivo para o ensino de línguas: foco das discussões do Grupo de Trabalho Ensino de Língua Portuguesa na edição do III Congresso Nacional de Educação (CONEDU). Considerações não finais Do ponto de vista dos resultados, a análise dos fragmentos apresentados evidencia uma aproximação conceptiva de língua entendida enquanto prática social intimamente cultural, bem como sugere novas reflexões sobre o corpus que certamente virão, haja vista esta comunicação funcionar como o início de novas discussões tematizadas pelo impacto da Base Nacional Comum Curricular no contexto contemporâneo do ensino de Língua Portuguesa. Referências ALMEIDA, M. F. O desafio de ler e escrever na escola: experiências com formação docente. João Pessoa: Ideia, 2013. BAKHTIN, M. Questões de estilística no ensino na língua. Tradução de Sheila Grillo e Ekaterina Vólkova Américo. São Paulo: 34, 2013.

; VOLOCHÍNOV, V. N. Marxismo e Filosofia da Linguagem: problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. 13. ed. São Paulo: HUCITEC, 2009. BRAIT, B. Construção coletiva da perspectiva dialógica: história e alcance teórico-metodológico. In: FIGARO, R. (Org.). Comunicação e Análise do Discurso. São Paulo: Contexto, 2012, p. 79-98.. Ironia: em perspectiva polifônica. 2. ed. Campinas, SP: Editora da UNICAMP, 2011.. Bakhtin: dialogismo e construção do sentido. 2. ed. rev. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2005.. As vozes bakhtinianas e o diálogo inconcluso. In: BARROS, D.; FIORIN, J. L. (Orgs.). Dialogismo, polifonia, intertextualidade: em torno de Bakhtin. São Paulo: Edusp, 2004. BRASIL. Base Nacional Comum Curricular. 2ª versão. Brasília: Ministério da Educação, 2016. ROTTAVA, L. (Doutoranda em Linguística Aplicada UNICAMP). A perspectiva dialógica na construção de sentidos em leitura e escrita. Linguagem & Ensino, Vol. 2, No. 2, 1999 (145-160). Disponível em: http://www.rle.ucpel.tche.br/index.php/rle/article/viewfile/294/260 Acessado em 12 de janeiro de 2014.