UTILIZAÇÃO DA COMUNIDADE PROTOZOOPLANCTÔNICA COMO BIOINDICADORA DA QUALIDADE DA ÁGUA E COMPARAÇÃO COM O ÍNDICE DE ESTADO TRÓFICO NO RESERVATÓRIO DE ILHA SOLTERIA-SP. Adrislaine da Silva Mansano, Cylene Zambrozi Garcia, Maurício Augusto Leite Zoologia - Ciências Biológicas - Departamento de Engenharia Civil - Faculdade de Engenharia Campus de Ilha Solteira. O reservatório de Ilha Solteira localiza-se entre os estados de São Paulo e Mato Grosso do Sul, Minas Gerais e Goiás e apresenta como principais tributários os rios Paranaíba e Grande, formadores do rio Paraná. Com uma bacia hidrográfica de 365.460 quilômetros quadrados e comprimento de 70 quilômetros, o reservatório apresenta importância pela geração de energia elétrica, recreação, irrigação e navegação. Alguns problemas relacionados aos usos dos reservatórios podem ser citados como carreamento de defensivos agrícolas e eutrofização, sendo seu monitoramento de grande importância para detectar alterações em sua qualidade de água. Assim sendo, o protozooplâncton além de ser um excelente bioindicador de matéria orgânica em sistemas aquáticos (Sladecék, 1973), também desempenha importante papel como elo de ligação nas redes tróficas de ambientes aquáticos (Porter et al, 1985) e nos processos de auto-purificação em estações de tratamento de água e de esgoto. Diversos índices são utilizados para classificar ambientes aquáticos, como por exemplo, o Índice de Estado Trófico (IET). No entanto, muitos índices bióticos têm sido sugeridos para reduzir a complexidade das comunidades de organismos em simples medidas quantitativas (Foissner, 1992). Alguns desses índices são utilizados para medir a saprobidade do sistema, ou seja, o conteúdo de matéria orgânica putrescível, decomposta por microrganismos aquáticos (Sládecková & Sladecek, 1994). Dessa forma, tem-se como objetivo neste trabalho classificar o reservatório de acordo com o Índice de Saprobidade (IS) proposto por Pantle & Buck (1955) (apud Foissner, 1992), por meio dos protozoários bioindicadores comparando-o com o Índice de Estado Trófico (IET) proposto por Carlson (1977) modificado por Toledo-Jr (1983). Para tanto, foram amostrados seis pontos no reservatório de Ilha Solteira (Figura 1) nos meses de janeiro e março de 2007, onde o protozooplâncton foi coletado na superfície da água com garrafa de Van Dorn (5 litros). A água coletada (500 ml) foi acondicionada, fixada com 21,5 ml de cloreto de mercúrio e corada com azul de bromofenol a 0,04%. Após a sedimentação, o sobrenadante foi retirado sendo o material homogeneizado e transferido para uma câmera de Sedgewick-Rafter (1 ml) para contagem sob microscópio ótico (aumento de 200X) (adaptado de Regali-Seleghim, 2001). Figura 1: Localização dos pontos de coleta. Imagem NOOA. O Índice de Saprobidade proposto por Pantle & Buck (1955) (apud Foissner, 1992) distingue, segundo a quantidade de matéria orgânica, quatro tipos de ambientes: oligossapróbico, betamesossapróbico, alfa-mesossapróbico e polissapróbico.
Para a determinação do Índice de Estado Trófico de Carlson, modificado por Toledo-Jr, et al. (1983) utilizaram-se os dados de transparência da água pelo desaparecimento do disco de Secchi. O fósforo total foi determinado pela oxidação com Hidróxido de Sódio (Valderrama, 1981), o ortofosfato foi determinado por Golterman, et al. (1978) e a clorofila-a foi determinada pela extração com choque térmico com etanol a 80% (Nusch & Palme, 1975). Para a classificação do grau de trofia utilizou-se o critério de CARLSON (1977): Estado Trófico Índice de Estado Trófico Oligotrófico < 44 Mesotrófico 44-54 Eutrófico 54-74 Hipereutrófico > 74 Por meio dos resultados obtidos, pode-se analisar que existiram poucas variações durante os meses amostrados (Figura 2), sendo que a média do IS em janeiro foi de 2,03 (máximo de 2,12 e mínimo de 1,78) e em março de 2,01 (máximo de 2,11 e mínimo de 1,90). Ìndice de Sabrobidade de Pantle & Buck 2,50 2,30 2,10 1,90 1,70 1,50 P1 P2 P3 P4 P5 P6 Estações amostradas Janeiro Março Figura 2: Índice de Saprobidade nas 6 estações de coleta em janeiro e março de 2007. Essas oscilações ocorreram devido às espécies que predominaram em cada estação, onde o valor máximo, em janeiro (Tabela 1), foi obtido na estação 1, quando os táxons Pseudodifflugia sp. (betamesossapróbico), Pelagostrombidium mirabile (beta-mesossapróbico) e Cyclidium sp. (alfamesossapróbico), tendo IS de 2,0; 2,0 e 2,6; representaram 45% da densidade total, influenciando o índice de saprobidade do ponto. O valor mínimo foi observado na estação 3, pelo fato do táxon Cothumia annulata, com IS de 1,4 e classificado como de oligossapróbico para beta-mesossapróbico ter apresentado uma predominância de 42%, diminuindo o índice nesta estação de coleta. No entanto, a estação citada não obteve a mesma classificação desse táxon porque os demais táxons (58%) obtiveram uma classificação que foi de beta-mesossapróbico à polissabróbico. No mês de março (Tabela 2), o valor máximo foi alcançado pela estação 5, onde as espécies predominantes foram Vorticella aquadulcis-complex e Pseudodifflugia sp., que apresentaram IS de 2,1 e 2,0; sendo classificados como beta para alfa-mesossapróbico e beta-mesossapróbico. Assim alcançaram uma representatividade de 62% da densidade total, demonstrando significativa influência no índice de saprobidade. A estação 1 foi a que apresentou o menor valor devido ao fato do táxon Cothumia annulata ter apresentado uma predominância de 31%, diminuindo o índice do ambiente, porém, a estação citada não teve a mesma classificação desse táxon porque os demais táxons (69%) obtiveram uma classificação que foi de beta-mesossapróbico à polissabróbico. Em todas as estações amostradas o IS variou na faixa de 1,5-2,5, sendo então, todas estações consideradas como beta-mesossapróbico, ou seja, levemente a moderadamente poluído.
Tabela 1: Táxons encontrados no mês de Janeiro nos seis pontos amostrados, classificação sapróbica (S) (segundo Foisser,1992), índices de saprobidade (IS), densidades em protoz.l -1 (D) e densidade em protoz.l -1 multiplicada pelo índice de saprobidade (N.SI). p = polissabrobidade, a = alfamesossaprobidade, b = beta-mesossabrobidade, o = oligossaprobidade. Táxons S IS Ponto 1 Ponto 2 Ponto 3 Ponto 4 Ponto 5 Ponto 6 D N.IS D N.IS D N.IS D N.IS D N.IS D N.IS Campanella sp. a-b* 2,8 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 116,5 326,2 0,0 0,0 0,0 0,0 Cinetochilum margaritaceum b-p 2,8 143,0 400,4 63,8 178,5 64,0 179,2 0,0 0,0 61,8 172,9 0,0 0,0 Coleps cf. hirtus b-a 2,5 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 174,8 436,9 0,0 0,0 0,0 0,0 Cothurnia annulata o-b 1,4 357,5 500,5 318,8 446,3 2816,0 3942,4 1223,3 1712,6 802,8 1123,9 1028,0 1439,2 Ctedoctema acanthocryptum b 2,0 143,0 286,0 127,5 255,0 704,0 1408,0 291,3 582,5 247,0 494,0 192,8 385,5 Cyclidium sp. a-b 2,6 429,0 1115,4 255,0 663,0 384,0 998,4 233,0 605,8 308,8 802,8 257,0 668,2 Enchelys gasterosteus b-a 2,5 286,0 715,0 127,5 318,8 64,0 160,0 116,5 291,3 370,5 926,3 257,0 642,5 Halteria cf. chlorelligera o 1,2 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 128,5 154,2 Halteria cf. grandinella b-a 2,2 429,0 943,8 1466,3 3225,8 256,0 563,2 582,5 1281,5 1111,5 2445,3 642,5 1413,5 Limnostrombidium viride b 2,0 286,0 572,0 127,5 255,0 128,0 256,0 116,5 233,0 61,8 123,5 128,5 257,0 Mesodinium pulex b 2,0 71,5 143,0 255,0 510,0 128,0 256,0 233,0 466,0 617,5 1235,0 449,8 899,5 Paradileptus elephantinus b b 0,0 0,0 127,5 229,5 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 Pelagostrombidium mirabile b* 2,0 715,0 1430,0 382,5 765,0 192,0 384,0 291,3 582,5 61,8 123,5 0,0 0,0 Pseudodifflugia sp. b 2,0 1501,5 3003,0 573,8 1147,5 128,0 256,0 699,0 1398,0 308,8 617,5 1156,5 2313,0 Rimostrobilidium humile b 1,8 429,0 772,2 573,8 1032,8 128,0 230,4 233,0 419,4 123,5 222,3 192,8 347,0 Tintinnidium pusillum b 2,2 357,5 786,5 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 61,8 135,9 0,0 0,0 Uronema sp. a* 3,0 214,5 643,5 63,8 191,3 128,0 384,0 116,5 349,5 0,0 0,0 64,3 192,8 Urotricha cf.globosa b 2,3 429,0 986,7 1020,0 2346,0 192,0 441,6 1689,3 3885,3 494,0 1136,2 1477,8 3398,8 Vorticella aquadulcis-complex b-a 2,1 71,5 150,2 446,3 937,1 0,0 0,0 116,5 244,7 370,5 778,1 0,0 0,0 Total 5863,0 12448,2 5928,8 12501,4 5312,0 9459,2 6232,8 12815,0 5001,8 10337,0 5975,3 12111,1 * Utilizou-se IS de outra espécie deste gênero, por não haver índice para esta espécie. Tabela 2: Táxons encontrados no mês de Março nos seis pontos amostrados, classificação sapróbica (S) (segundo Foisser,1992), índices de saprobidade (IS), densidades em protoz.l -1 (D) e densidade em protoz.l -1 multiplicada pelo índice de saprobidade (N.SI). p = polissabrobidade, a = alfamesossaprobidade, b = beta-mesossabrobidade, o = oligossaprobidade. Táxons S IS Ponto 1 Ponto 2 Ponto 3 Ponto 4 Ponto 5 Ponto 6 D N.IS D N.IS D N.IS D N.IS D N.IS D N.IS Cinetochilum margaritaceum b-p 2,8 50,0 140,0 0,0 0,0 101,8 284,9 0,0 0,0 44,8 125,3 114,0 319,2 Coleps cf. hirtus b-a 2,5 0,0 0,0 161,0 402,5 0,0 0,0 39,4 98,4 358,0 895,0 190,0 475,0 Cothurnia annulata o-b 1,4 2350,0 3290,0 362,3 507,2 2594,6 3632,5 708,8 992,3 179,0 250,6 304,0 425,6 Ctedoctema acanthocryptum b 2,0 350,0 700,0 483,0 966,0 661,4 1322,8 551,3 1102,5 268,5 537,0 190,0 380,0 Cyclidium sp. a-b 2,6 400,0 1040,0 161,0 418,6 203,5 529,1 315,0 819,0 223,8 581,8 76,0 197,6 Enchelys gasterosteus b-a 2,5 200,0 500,0 120,8 301,9 305,3 763,1 78,8 196,9 268,5 671,3 76,0 190,0 Halteria cf. chlorelligera o 1,2 0,0 0,0 483,0 579,6 254,4 305,3 0,0 0,0 134,3 161,1 228,0 273,6 Halteria cf. grandinella b-a 2,2 300,0 660,0 362,3 797,0 457,9 1007,3 236,3 519,8 223,8 492,3 190,0 418,0 Limnostrombidium viride b 2,0 0,0 0,0 40,3 80,5 0,0 0,0 39,4 78,8 0,0 0,0 38,0 76,0 Mesodinium pulex b 2,0 450,0 900,0 684,3 1368,5 101,8 203,5 78,8 157,5 44,8 89,5 114,0 228,0 Pelagostrombidium mirabile b* 2,0 0,0 0,0 362,3 724,5 0,0 0,0 39,4 78,8 44,8 89,5 0,0 0,0 Pseudodifflugia sp. b 2,0 550,0 1100,0 1569,8 3139,5 356,1 712,3 826,9 1653,8 1655,8 3311,5 1330,0 2660,0 Rimostrobilidium humile b 1,8 150,0 270,0 80,5 144,9 50,9 91,6 39,4 70,9 44,8 80,6 38,0 68,4 Uronema sp. a* 3,0 250,0 750,0 161,0 483,0 152,6 457,9 118,1 354,4 0,0 0,0 0,0 0,0 Urotricha cf.globosa b 2,3 550,0 1265,0 1247,8 2869,8 2035,0 4680,5 866,3 1992,4 537,0 1235,1 456,0 1048,8 Vorticella aquadulcis-complex b-a 2,1 50,0 105,0 40,3 84,5 0,0 0,0 78,8 165,4 2416,5 5074,7 798,0 1675,8 Vorticella campanula b-a 2,4 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 38,0 91,2 Total 5650,0 10720,0 6319,3 12867,9 7275,1 13990,6 4016,3 8280,6 6444,0 13595,1 4180,0 8527,2 * Utilizou-se IS de outra espécie deste gênero, por não haver índice para esta espécie. Ao analisar os resultados do Índice de Estado Trófico (Tabela 3) segundo Carlson (1977) modificado por Toledo-Jr (1983) todos os pontos amostrados foram classificados como oligotrófico. Tabela 3 Classificação do Estado Trófico (ET) de acordo com o Índice de Estado Trófico médio (IET) nas 6 estações de coleta em janeiro e março de 2007. Oligo = oligotrófico, ND = não determinado.
Janeiro Março Pontos IET Class IET Class 1S 38,3 OLIGO 40,6 OLIGO 2S 28,2 OLIGO ND ND 3S 39,0 OLIGO 39,4 OLIGO 4S 37,5 OLIGO 40,0 OLIGO 5S 31,0 OLIGO 41,2 OLIGO 6S 21,6 OLIGO 43,7 OLIGO Observou-se que, de acordo com o Índice de Saprobidade o reservatório de Ilha Solteira foi classificado como levemente a moderadamente poluído. No entanto, ao utilizar o Índice de Estado Trófico, este foi classificado como oligotrófico durante o período de estudo. Também não foram observados lançamentos de efluentes in natura nos pontos amostrados, o que demonstra uma ligeira distinção entre o Índice de Saprobidade e o Índice de Estado Trófico. Dessa forma, conclui-se que para se utilizar o IS com maior precisão, seriam necessários mais estudos sobre a comunidade protozooplanctônica de corpos d água brasileiros e a atribuição de valores de IS (Índice de Saprobidade da espécie) para os protozoários comumente encontrados em ambientes tropicais, uma vez que os dados existentes são provenientes de estudos realizados em regiões temperadas. Referências Bibliográficas CARLSON, R.E. (1977) A trophic state index for lakes. Limnol. and Oceanogr. v.22 (2).p. 261-269. GOLTERMAN, H.L. ; CLYMO, R.S. & OHNSTAD, M.A.M. (1978) Methods for physical and chemical analysis of freshwaters. 2ed. Oxford, Blackweel Scientific Publications. (IBP, 8). 213 p. FOISSNER, W. (1992) Evaluating water quality using protozoa and saprobity indexes. In: Protocols in Protozoology. I Ed.LEE, J.J. ; SOLDO, A.T. Vol. II. B 11.1 - B11.20. NUSCH, E. A. & PALME, G. (1975) Bilogische methoden für die Praxis der gewässeruntersuchung. Gmf. Wasser/Abwasser, n.116, p.562-565. PORTER, KG, Sherr, EB, Sherr, BF, Pace, M. & Sanders, RW (1985) Protozoa in planktonic food webs. Journal of Protozoology 32: 409-415. REGALI-SELEGHIM.M.H. (2001) Rede trófica microbiana em um sistema eutrófico raso (reservatório do Monjolinho, São Carlos, SP), estrutura e função. Tese (Doutorado). Universidade Federal de São Carlos. 92p. SLADECÉK, V. (1973) System of water quality from the biological point of view. Arch. Hydrobiol. Beih. Ergebn.Limnol. Planktonik. 7: 1-218p. SLÁDECKOVÁ A. & SLADECEK V. (1994) Bioindication Within the Aquatic Environment. Acta Universitatis Carolinae Environmentalica 7: 3. 69. TOLEDO-Jr, A.P.; TALARICO, M.; CHINEZ, S.J.; AGUDO, E.G. (1983) A aplicação de modelos simplificados para a avaliação do processo da eutrofização em lagos e reservatórios tropicais. CONGRESSO BRASILEIRO DE ENGENHARIA SANITÁRIA E AMBIENTAL. Balneário Camboriú, Santa Catarina. p. 1-34. VALDERRAMA, J.C. (1981) The simultaneous analysis of total nitrogen and phosphorus in natural waters. Marc. Chem., v. 10, p. 1109-122. Bolsa: FAPESP Agência de Fomento do Projeto: FAPESP Processos 03/07355-7, 05/58333-9 e 06/57209-5.
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