De gota em gota. Construídas em sequência em um mesmo rio ou bacia, pequenas centrais hidrelétricas têm forte impacto ambiental.

Documentos relacionados
Uso da Avaliação Ambiental Integrada para viabilização de empreendimentos hidrelétricos Bacia do rio Chapecó LASE 2016

VII SIMPÓSIO SOBRE PEQUENAS E MÉDIAS CENTRAIS HIDRELÉTRICAS DE PEQUENAS E MÉDIAS CENTRAIS HIDRELÉTRICAS. Eng. Vilson D Christofari 1

DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL E FONTES RENOVÁVEIS: UMA DISCUSSÃO SOBRE A MATRIZ ELÉTRICA DO ESTADO DE MINAS GERAIS

Micro e Pequenas Centrais Hidrelétricas. Fontes alternativas de energia - micro e pequenas centrais hidrelétricas 1

Estudos de Caso de Gestão Socioambiental em Operação de Empreendimentos

TE033 CENTRAIS ELÉTRICAS Capitulo II: Energia Hidráulica e Centrais Hidrelétricas Parte 2 de 2. Dr. Eng. Clodomiro Unsihuay Vila

INSTRUMENTOS DE PLANEJAMENTO

PROJETO DE LEI DE INICIATIVA POPULAR PARA A DECLARAÇÃO DO RIO SANTO ANTÔNIO E AFLUENTES COMO RIOS DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE

120 GW de capacidade de Geração GW médios de consumo. Crescimento anual de 3-5% no consumo

Segurança de Barragens do Setor Elétrico Ludimila Lima da Silva Superintendente Adjunta Superintendência de Fiscalização dos Serviços de Geração

MINISTÉRIO DE MINAS E ENERGIA

PCH PANDEIROS: UMA COMPLEXA INTERFACE COM A GESTÃO AMBIENTAL REGIONAL

2º Seminário Estratégias pra Conservação de Peixes em Minas Gerais Belo Horizonte, 18 de novembro de 2010

Procedimentos de licenciamento ambiental para implantação de Empreendimentos Hidrelétricos no Paraná

PROJETO PROVEDOR DE INFORMAÇÕES SOBRE O SETOR ELÉTRICO

AVALIAÇÃO AMBIENTAL ESTRATÉGICA E PLANEJAMENTO HIDROENERGÉTICO EM MINAS GERAIS: REFLEXOS AMBIENTAIS NA BACIA DO RIO UBERABINHA-MG

14. Usinas Hidrelétricas

José Queiroz de Miranda Neto Mestre em Geografia pelo Programa de pós graduação em Geografia da UFPA Prof. Assistente da UFPA

PEQUENAS CENTRAIS HIDRELÉTRICAS E IMPACTOS SOBRE A ICTIOFAUNA

O programa Aliança EcoÁgua Pantanal e sua contribuição para o Pacto em defesa das cabeceiras do Pantanal. Maitê Tambelini Ibraim Fantin da Cruz

capa Dupla função Foto: Chico Ferreira Reservatórios geram energia e controlam cheias

Distribuição Potencial de Peixes em Bacias Hidrográficas

II Seminário de Matriz Energética - FGV Rio de Janeiro, 29 de maio de 2012

de PCHs e CGHs em Minas Gerais

Desafios do Setor Elétrico: Uma Luz sobre a Situação Atual

ÊNFASE NO ANDIRÁ Henochilus wheatlandii

Quantidade de água no planeta

Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis. Atuação do Ibama no desastre de Mariana/MG

Características do potencial hidroenergético COPPE-UFRJ

CONHECENDO O SISTEMA ELÉTRICO BRASILEIRO PARA PLANEJAR OS ESTUDOS E PROJETOS DE HIDRELÉTRICAS

Segurança de Barragens: Regulação e Pontos de Atenção

1. A Bacia do rio Santo Antônio no Programa de Geração Hidrelétrica de Minas Gerais...3

Título Povos indígenas e o setor elétrico Veículo Planeta Sustentável- Editora Abril Data 26 Junho 2013 Autor Claudio J. D. Sales

O Setor Elétrico Brasileiro e a

USINA HIDRELÉTRICA GAMELA

As PCHs no contexto energético futuro no Brasil

INFORMATIVO MENSAL MAR.2014

Componentes e pesquisadores envolvidos

Boletim Informativo 027/ Expansão Brasília, 15 de dezembro de Assunto: Acompanhamento de Estudos, Projetos e Entrada em Operação.

Participação das Fontes Alternativas no PAC

GRANDES OBRAS NA AMAZÔNIA:

Licenciamento e construção de 3 Usinas hidrelétricas no Rio das Antas (Bacia do Jacuí-Guaíba, Estado do Rio Grande do Sul)

ENCONTRO TÉCNICO DEFINIÇÃO DE PRIORIDADES PARA OUTORGA NA BACIA DO RIO SÃO MARCOS. Goiânia, 03 de agosto de 2016

Plano de Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco. O plano de bacias tem como objetivo a programação de ações no âmbito de cada bacia hidrográfica.

Disponibilidade Hídrica do Sistema Elétrico Brasileiro

TECNOLOGIAS DE PROTEÇÃO DA ICTIOFAUNA EM EMPREENDIMENTOS HIDRELÉTRICOS. A.A.Cesário Porto, E.M. de Faria Viana e C. Barreira Martinez.

Perspectives on the main benefits and opportunities associated with the development of large hydropower projects

O PROJETO BELO MONTE III SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE INTEGRACIÓN ENERGÉTICA PERU BRASIL

SEGURANÇA DE BARRAGENS NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO (Código 10940)

DISCUSSÕES PARA DEFINIÇÃO DE PRIORIDADES DE OUTORGA DE DIREITOS DE USO DE RECURSOS HÍDRICOS NA BACIA HIDROGRÁFICA DO RIO SÃO MARCOS A MONTANTE DA UHE

Belo Monte Crise do Sistema Ambiental e da Democracia

VULNERABILIDADE AMBIENTAL DO SISTEMA ELÉTRICO BRASILEIRO

PEDIDO DE VISTA IDENTIFICAÇÃO DO PROCESSO

Geração de Energia Elétrica - Hidrelétricas. SIE Sistemas de Energia Professora Camila Bastos Eletroeletrônica Módulo 8

ESTUDO TÉCNICO-CIENTÍFICO VISANDO A DELIMITAÇÃO DE PARQUES AQÜÍCOLAS NOS LAGOS DAS USINAS HIDROELÉTRICAS DE FURNAS E TRÊS MARIAS MG

ANO 123 Nº PÁG. - BELO HORIZONTE, QUINTA-FEIRA, 22 DE JANEIRO DE 2015 RESOLUÇÃO CONJUNTA SEMAD-IGAM Nº 2257 DE 31 DE DEZEMBRO DE 2014

O CONTROLE DE CHEIAS E A GESTÃO DE. Joaquim Gondim

ESCOLA DE ARTE, CIÊNCIA E HUMANIDADES EACH/USP

UHE Bem Querer EIA/Rima: reuniões públicas informativas início dos estudos

Licenciamento Ambiental Federal - Setor de Energia -

A SITUAÇÃO DA ENERGIA EÓLICA NO BRASIL

Ambiente Institucional

São Paulo, 07 de março de 2018

SEMINÁRIO DO JORNAL VALOR ECONÔMICO PARÁ OPORTUNIDADES DE INVESTIMENTOS A HIDROELETRICIDADE

4ª Jornada Científica e Tecnológica da FATEC de Botucatu 7 a 9 de Outubro de 2015, Botucatu São Paulo, Brasil

Perspectivas da EPE para a geração hidrelétrica. Avanços nos estudos de planejamento e discussões em andamento.

PANORAMA GERAL DA PRODUÇÃO DE ENERGIA ELÉTRICA NO PAIS

TÍTULO: INFLUÊNCIA DA PCH LUIZ DIAS SOBRE A COMPOSIÇÃO DA ICTIOFAUNA NO RIO LOURENÇO VELHO, MG

Resolução Conjunta SEMAD/IGAM nº 2257, de 31 de dezembro de 2014.

ABINEE TEC SUL. Seminário e Mostra de Produtos Eletroeletrônicos. Valter Luiz Cardeal de Souza Eletrobrás Diretor de Engenharia.

POLÍTICA ENERGÉTICA. Mauricio T. Tolmasquim Presidente

Migração e reprodução de Prochilodus costatus no alto rio São Francisco. Como conservar esta população se barragens forem instaladas?

Localização da bacia e aspectos políticos

Seminário - Grandes Construções NOVEMBRO 2011

Impacto de barragem hidrelétrica na reprodução de peixes NILO BAZZOLI

Sessão 4 A Gestão Socioambiental de PCHs e CGHs

O MERCADO ATUAL DA PCHS E SUAS PERSPECTIVAS

José Cláudio Junqueira Ribeiro. Belo Horizonte, 23 de setembro de 2008

DELIBERAÇÃO NORMATIVA CERH/MG Nº 266 DE 23 DE DEZEMBRO DE 2010

Apresentação do resultado dos Estudos de Inventário Hidrelétrico do rio Uruguai - trecho binacional entre Argentina e Brasil

Procedimentos para Outorga de PCH. Fórum. CanalEnergia. PCHs. A visão da Apine. Luiz Fernando Leone Vianna

PIRACICABA/SP 20/08/2016

Setor ElétricoBrasileiroe Oportunidades. Claudio Semprine Furnas Centrais Elétricas

TERMO DE REFERÊNCIA PARA AVALIAÇÃO AMBIENTAL INTEGRADA (AAI) DA BACIA DO RIO TIJUCO MINAS GERAIS

PERÍODO DE OBSERVAÇÃO:

FUNDAÇÃO AGÊNCIA DAS BACIAS HIDROGRÁFICAS DOS RIOS PIRACICABA, CAPIVARI E JUNDIAÍ AGÊNCIA DAS BACIAS PCJ

CONSTITUIÇÃO FEDERAL LEIS FEDERAIS ESTADUAIS MUNICIPAIS DECRETOS PORTARIAS RESOLUÇÕES CONAMA RESOLUÇÕES ANEEL RESOLUÇÕES ANA RESOLUÇÕES CNRH

Reversíveis e os Múltiplos Usos da Água. Dr. Julian David Hunt IVIG/COPPE/UFRJ

Usina Hidrelétrica de Belo Monte

Legislação LEGISLAÇÃO APLICÁVEL A INVESTIMENTOS EM PCH S. Leis:

TE033 CENTRAIS ELÉTRICAS Capitulo III: EstudoHidrenergético Parte 1. Dr. Eng. Clodomiro Unsihuay Vila

Execução da Estratégia de Crescimento

Gestão do Potencial Hidráulico e o Transporte Hidroviário no âmbito da ANEEL. Superintendência de Gestão e Estudos Hidroenergéticos SGH

A POSIÇÃO ESTRATÉGICA DO COMPLEXO HIDRELÉTRICA DO RIO MADEIRA PARA O SETOR ELÉTRICO BRASILEIRO. Felipe Botelho Tavares

É COM VOCÊ. cartilha. Reservatórios: degradação ambiental (?) Meio Ambiente / Série: Água Nº 2 Escassez de chuva ou. Janeiro/ ,00 556,00

O LICENCIAMENTO AMBIENTAL DE PEQUENAS CENTRAIS HIDRELÉTRICAS E A SUA EFETIVIDADE NO PLANEJAMENTO TERRITORIAL DA BACIA DO RIO UBERABINHA-MG

COMITÊ DA BACIA HIDROGRÁFICA DO RIO DAS VELHAS

ESTUDO SOBRE MÉTODOS DE DETERMINAÇÃO DE VAZÃO ECOLÓGICA PARA O GERENCIAMENTO DOS RECURSOS HÍDRICOS DA BACIA HIDROGRÁFICA DO RIO MARACAÇUMÉ

Desafios Técnicos e Socioeconômicos da Oferta de Energia

Rio Doce: passado, presente e futuro

Transcrição:

De gota em gota Construídas em sequência em um mesmo rio ou bacia, pequenas centrais hidrelétricas têm forte impacto ambiental. Por: Isabela Fraga Bancos de areia abaixo de barragem no rio Santo Antônio, onde foi determinada a suspensão dos processos de licenciamento ambiental para a construção de centrais hidrelétricas. Biólogos celebram a decisão. (foto: Isabela Lopes Cançado) As pequenas centrais hidrelétricas (PCHs) são consideradas mais limpas e sustentáveis e, por isso, muitas são construídas em sequência em um mesmo rio ou bacia. O risco de dano socioambiental, no entanto, foi reconhecido oficialmente em agosto último. A juíza Lílian Maciel Santos, da 2ª Vara da Fazenda Pública Estadual de Belo Horizonte, determinou a suspensão de todos os procedimentos de licenciamento ambiental e das licenças já concedidas a sete PCHs que seriam construídas na bacia do rio Santo Antônio uma sub-bacia do rio Doce, em Minas Gerais. A decisão da juíza trouxe à ribalta uma questão que tem mobilizado empresas e habitantes de diversos municípios do estado: as PCHs são um dos principais focos de atuação da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) no que se refere ao aumento da oferta de energia elétrica no Brasil, nas palavras do próprio órgão público. Seu licenciamento ambiental mais simples, porém, ignora a possibilidade de um impacto conjunto de duas ou mais PCHs construídas em um mesmo rio ou bacia. Perda de biodiversidade, invasão e expansão de espécies exóticas, remoção de população e inviabilidade dos rios para outros usos são alguns dos principais impactos mencionados por biólogos e ambientalistas.

Em linhas gerais, uma pequena central hidrelétrica é uma usina com potência de 1 MW até 30 MW, e reservatório com área igual ou inferior a 3 km². Em alguns casos, no entanto, os reservatórios podem chegar a ter até 13 km² de extensão, seguindo uma equação proposta na Resolução n 652 da Aneel, de 9 de dezembro de 2003, que leva em consideração a potência e as diferenças entre os níveis de água a jusante (abaixo) e a montante (acima) da barragem. Barragem da pequena central hidrelétrica (PCH) Funil, em construção em 2007, em MG. Em agosto de 2011, a justiça determinou a suspensão de todos os procedimentos de licenciamento ambiental e das licenças já concedidas a sete PCHs que seriam construídas no estado. (foto: Isabela Lopes Cançado) Definição em xeque Tais critérios de definição de PCH, que levam em conta apenas a potência e a área do reservatório, diferem bastante de conceituações internacionais para pequenas centrais hidrelétricas. Segundo a Comissão Internacional de Grandes Barragens (Icold, na sigla em inglês), da qual participam países como Argentina, França e Coreia, uma pequena central hidrelétrica é assim definida a partir da altura de suas barragens e o volume de seus reservatórios. Ou seja: são consideradas pequenas as estruturas com altura abaixo de 15 m ou entre 5 e 15 m cujos reservatórios tenham capacidade de acumulação inferior a 3 milhões de metros cúbicos. Para o biólogo Morel Queiroz Ribeiro, analista ambiental da Fundação Estadual do Meio Ambiente de Minas Gerais (Feam/MG), os critérios e sua flexibilidade propostos pela Aneel causam o enquadramento de empreendimentos maiores e mais complexos como PCHs. Os critérios de definição de PCH usados no Brasil - potência e área do reservatório - diferem bastante de conceituações internacionais para pequenas centrais hidrelétricas. Essas pequenas centrais hidrelétricas teriam, por consequência, maior capacidade de alteração dos regimes fluviais dos cursos d água, escreveu Ribeiro em artigo apresentado no 3 Encontro Latino-americano de Ciências Sociais e Represas, realizado em dezembro de 2010 no Pará.

Ao mesmo tempo, os incentivos do governo para que se invista nesse tipo de energia são intensos: quem investiu em PCHs até 2003 não precisa pagar taxas pelo uso da rede de transmissão e distribuição; nenhuma PCH precisa remunerar municípios e estados pelo uso dos recursos hídricos; empreendedores que obtiveram a outorga de uma PCH até o final de 2010 têm garantida a compra de toda a energia que produzirem pela Eletrobras por 20 anos; e o Banco Nacional do Desenvolvimento (BNDES) já investiu bilhões de reais em empreendimentos do tipo. O licenciamento ambiental também é mais simples para as PCHs e, em alguns estados, sequer são necessários o Estudo Prévio de Impacto Ambiental (EIA) e o Relatório de Impacto Ambiental (Rima). Feitos isoladamente, sem levar em conta outras usinas hidrelétricas no mesmo rio ou bacia, os licenciamentos ignoram o conjunto dos impactos socioambientais dos empreendimentos. Um caso exemplar Em todo o Brasil, há 409 pequenas centrais hidrelétricas em funcionamento. Dessas, cerca de 20% (121) estão situadas no estado de Minas Gerais. Das empresas envolvidas, ao menos 15 realizam autoprodução de energia ou seja, a energia produzida em suas PCHs é usada para as atividades da própria empresa. Mas as construções, outorgas e licenciamentos não se desenrolam sem problemas no estado. As populações de muitos municípios afetados manifestam-se contra, o que pode ser observado nas audiências públicas de consulta à população. Um desses casos é justamente o da bacia do Santo Antônio, onde a juíza Lílian Maciel Santos determinou a suspensão dos processos de licenciamento ambiental. Esse é um caso paradigmático, afirma a bióloga Andrea Zhouri, do Grupo de Estudos de Temáticas Ambientais da Universidade Federal de Minas Gerais (Gesta-UFMG). O motivo: originalmente, havia nada menos que 15 projetos de hidrelétricas na bacia além das duas PCHs e duas usinas hidrelétricas de energia (UHEs) em operação. A bacia hidrográfica de Santo Antônio abrange 29 municípios, que reúnem cerca de 182 mil pessoas, segundo o IBGE, em torno do rio homônimo, seus afluentes principais rio Preto do Itambé, Peixe, Guanhães e Tanque e afluentes menores. O rio que dá nome à bacia nasce na serra do Espinhaço e percorre 280 km até desaguar no rio Doce. Uma parte da área foi considerada de importância biológica especial, categoria máxima para conservação da biodiversidade no estado, com quatro espécies de peixes ameaçadas de extinção (andirá, pirapitinga, surubim do rio Doce e um tipo de timburé), que vivem principalmente no trecho médio da bacia.

Aproveitamentos energéticos em operação e outorgados na bacia hidrelétrica do rio Doce. Até a suspensão dos licenciamentos, havia projetos de outras PCHs na mesma região. (mapa: reprodução) Os dados foram obtidos durante a tese de doutorado do biólogo Fábio Vieira na UFMG, ao estudar a importância desse trecho do rio Santo Antonio para a biodiversidade de peixes na região. Cerca de 70% das espécies de peixes da bacia do rio Doce vivem em 50% dela acima das UHE de Salto Grande, explica Vieira. Ou seja, com a renúncia ao aproveitamento de um potencial energético praticamente insignificante, e com a reserva dessa área para a sobrevivência dos peixes, mantém-se a maior parte das espécies do rio Doce, das quais uma vive somente nesse local. Vieira refere-se à Henochilus wheatlandii, conhecida como andirá. Duas outras espécies têm as maiores populações conhecidas também nessa área: Leporinus thayeri, conhecida popularmente como timburé, e Brycon opalinus, chamado localmente de pirapitinga. O grande risco das barragens para a biodiversidade de peixes da região, explica Vieira, está no fato de elas alterarem definitivamente os hábitats necessários para essas espécies completarem seus ciclos de vida impacto que não pode ser contornado com as tecnologias disponíveis hoje. A suspensão dos licenciamentos e o requerimento de uma análise ambiental integrada demonstram que toda a dinâmica dos processos de licenciamento de PCHs está sendo reconsiderada O biólogo Jorge Dergam, da Universidade Federal de Viçosa, faz coro e complementa: O processo de assoreamento do Santo Antônio, já intenso, tende a aumentar se parte da cobertura vegetal for eliminada com a construção de barragens seriadas. A intensificação do assoreamento certamente diminuirá a vida útil das próprias barragens. A suspensão dos licenciamentos e o requerimento de uma análise ambiental integrada, para Vieira e Dergam, demonstram que toda a dinâmica dos processos de licenciamento de PCHs está sendo reconsiderada.

Até 2006, todos os licenciamentos eram feitos na própria Fundação Estadual do Meio Ambiente (Feam) de Minas Gerais, quando foram criadas as superintendências regionais. Nessas superintendências, os funcionários não têm preparo técnico para avaliar os projetos, que normalmente são aprovados, a não ser que haja alguma falha gritante no EIA/Rima, alfineta Dergam. Questionada a respeito do tema, a Feam não quis dar entrevistas até o fechamento desta edição. Isabela Fraga Ciência Hoje/ RJ Texto originalmente publicado na CH 288 (dezembro de 2011).