Artilharia e referência cultural

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Transcrição:

Artilharia e referência cultural Adler Homero Fonseca de Castro Ahistória do Brasil e a dos canhões estão associadas desde o início: a frota de Cabral, que ia iniciar o comércio de especiarias na Ásia pela força se necessário já vinha com canhões em seus conveses. O primeiro assentamento de europeus em nossas terras, um forte construído em 1502 no Rio de Janeiro, tinha como parte de sua guarnição 12 espingardeiros, um tipo de arma que, na época, era classificado junto com as bocas-de-fogo. Da mesma forma, junto com as primeiras vilas, governamentais ou privadas (dos capitães hereditários), aparecem as primeiras defesas permanentes e, junto a estas, o material de artilharia. Por exemplo, o famoso alemão Hans Staden, que escreveu um livro sobre suas aventuras no Brasil (Duas Viagem ao Brasil, 1557), veio para São Paulo como artilheiro e foi contratado pelos moradores de São Vicente como artilheiro do forte da Ilha de Santo Amaro, devido à fama que os alemães de então tinham de lidar com canhões. Assim, muito antes da criação das primeiras unidades permanentes de artilharia, já havia aqui profissionais especializados no manejo das bocas-defogo: os condestáveis, marcando o estreito contato desses profissionais das armas com a história nacional. Mas esse papel dos canhões na história não se reduziu ao papel dos profissionais que os usavam o material de artilharia sempre teve uma importante função simbólica, pois por ser muito caro e de transporte complicado, ao mesmo tempo que tinha uma vida útil Detalhe de uma gravura do livro de Hans Staden, mostrando a vila de Igarassu (PE), organizada como aldeia indígena, mas já equipada com canhões, para repelir índios hostis muito longa (há casos de canhões que ficaram em uso por séculos após sua fabricação), eles sempre receberam grande atenção por parte dos governantes e fabricantes, como valiosos investimentos que eram. No caso do Brasil, as primeiras leis que regulam a defesa do território tratam do armamento que deveria 35

ser obrigatoriamente possuído por donatários, fazendas e moradores da colônia, determinando o rei ao primeiro governador do Brasil, Tomé de Souza (1548), o seguinte: Hei por bem e mando, que os Capitães das Capitanias da dita terra e senhorios dos engenhos e moradores da terra tenham a artilharia e armas seguintes, a saber: cada Capitão em sua Capitania será obrigado a ter ao menos dois falcões e seis berços, e seis meios-berços (...). E os senhorios dos engenhos e fazendas, que por este Regimento hão de ter torres ou casas fortes, terão ao menos quatro berços e dez espingardas, com a pólvora necessária (...) e todo morador das ditas terras do Brasil que nelas tiver casas, terras ou águas ou navio terá ao menos besta, espingarda, espada, lança ou chuça. Estes falcões, berços e meio-berços eram canhões do século XVI, mais primitivos e com um desenho simplificado, mas, devido ao alto custo da mão-deobra e matéria-prima agregados, eles foram, ao longo dos anos, se tornando cada vez mais decorados. Logo passarão a receber as armas nacionais, os retratos dos reis, frases alusivas ou os escudos heráldicos de seus proprietários, tudo como uma forma de se associar o valor do objeto ao prestígio do seu dono, mostrando a sua riqueza e poder. Da análise desses brasões, podese fazer uma história do país, como no caso de um canhão existente no Museu Histórico Nacional. Neste, pode-se observar um brasão com as armas dos reis de Espanha, com os brasões de Castela, Leão, Aragão, Sicília, Áustria, Borgonha, Brabante, Tirol e Portugal. Uma peça feita no momento de maior poder do Sacro Império Romano Germânico, durante a união das coroas ibéricas, quando o sol nunca se punha nas terras e colônias governadas pelo Rei Felipe, no primeiro império Global do mundo. Este tipo de análise e estudo é normal nas ciências sociais, nas especializações que trabalham com a cultura material, como a museologia e a arqueologia. Neste ramo, indo-se muito além da simples descrição, se estudam os vestígios materiais do trabalho e atividades da humanidade, em suas múltiplas vertentes e aspectos, através da análise de objetos, desde pequenos fragmentos de cerâmica até os mais complexos, como navios ou complexos arquitetônicos. Na análise, se procura estabelecer relações entre o objeto e a cultura que o produziu, em termos de técnica, trabalho, recursos disponíveis, relações sociais, a interação com o seu meio e época, as alterações que a sociedade sofreu ao longo do tempo, a interferência daquela cultura específica sobre outras e os resultados do uso do objeto sobre a cultura e sociedade, entre outras facetas. Alguns objetos ligados à história militar já foram tema de estudos desse ramo das ciências sociais, como Brasão de um canhão do século XVII, das coleções do Museu Histórico Nacional os que tratam de uniformes históricos ou armas portáteis, mas estes estudos ainda são poucos e esporádicos, além de ignorar, em grande parte, toda a categoria das bocasde-fogo, que são detentoras em potencial de um imenso volume de informações para nossa história. Por exemplo, a política de defesa de Portugal seguiu duas vertentes claras no que tange às suas colônias: na Ásia, a jóia da Coroa portuguesa nos séculos XVI e XVII, a defesa e a conquista eram, em princípio, 36

Pesquisas no Forte Real do Bom Jesus, centro da resistência portuguesa nas guerras contra os holandeses. O trabalho de arqueólogos em sítios como este permite adquirir mais conhecimentos sobre a vida diária dos nossos ancestrais do que seria possível pela simples análise de documentos de responsabilidade da Coroa, a ponto de todos os portugueses que iam para lá, no início do processo da conquista, serem funcionários do governo e, normalmente, ligados à burocracia militar ou eclesiástica. No caso do Brasil, a política de defesa era o oposto: a manutenção da conquista, desde o começo da colonização, foi deixada a cargo da iniciativa privada inicialmente as capitanias hereditárias e depois dos próprios colonos, que pagavam por sua defesa, não só com o sangue de seus soldados, mas também com as moedas de seus cofres, o suor dos escravos e o doce mel da canade-açúcar do Nordeste e o ouro das Minas. O resultado dessas políticas diferenciadas foi que a Ásia, desde cedo, foi provida de instalações fabris de certo porte, capazes de produzir o material de artilharia necessário para a defesa dos interesses da metrópole, enquanto o Brasil, com exceção de pequenas e esporádicas experiências, não fabricou canhões durante todo o período colonial. Na verdade, um inventário de artilharia da Ásia de 1525 mostra que lá havia dez vezes mais canhões do que haveria no Brasil de cem anos depois. Do ponto de vista da análise da cultura material militar do Brasil, o resultado desse fator histórico é que há em museus europeus e asiáticos um número razoável de peças de artilharia fundidas pelos portugueses nos séculos XVI e XVII em suas possessões asiáticas, enquanto os casos de peças de artilharia feitas no Brasil ainda são desconhecidas. De fato, mesmo desconsiderando a origem do material, há em museus e coleções brasileiras um número muito pequeno de canhões, de todos os tipos e anos, e estes normalmente sofrem de problemas de classificação e identificação correta, o que é particularmente sério, em se tratando de museus. O problema é, por outro lado, diferente, mas não menos sério nas unidades militares que possuem canhões sob sua guarda. Estas unidades são detentoras e guardiães de um acervo histórico cultural deixado por nossos antepassados. Contudo, a missão primeira das Forças Armadas é estar preparada para a defesa do país e os aspectos culturais, apesar de não serem de forma alguma ignorados, são algumas vezes tratados de forma secundária. Parte das razões desses múltiplos problemas é oriunda de uma questão de base: ainda não se criou no país uma mentalidade de preservação no âmbito da sociedade como um todo e, naturalmente, aquilo que diz respeito à história militar não é exceção, apesar da vantagem que há do ponto de vista da conservação, do material de artilharia ter alto valor sentimental/evocativo 37

Selvagem, tipo de canhão, fundido na Ásia portuguesa em 1627, acervo do Museu do Forte Nelson, Inglaterra para as Forças Armadas mesmo considerando que este valor é relativo e sujeito a múltiplas interpretações. No entanto, hoje em dia a hipótese desses tristes exemplos do passado ocorrer de novo foi afastada totalmente, pelo menos no campo militar, mas como escrevemos mais acima, isso ainda não se reflete na sociedade como um todo. Uma solução possível para este problema é a difusão das informações sobre a história militar em todos os seus ramos, no que se chama de educação patrimonial. Esta é a educação centrada no objeto. Ela trata do uso educacional de bens culturais, seja em museus, nos monumentos e objetos isolados, de forma que estes bens se tornem uma fonte de recursos para a formação e desenvolvimento do indivíduo. Este trabalho baseia-se na evidência cultural, isto é, nos testemunhos materiais, possibilitando a compreensão do presente através da observação e interpretação de objetos da história, criando um sentimento de identidade, de orgulho nas nossas tradições e passado, não só para a preservação, mas também para enriquecer a vida de cada cidadão. Mas para que essa política tenha pleno efeito, não basta realizar atividades como as que já são feitas de difusão cultural e comunicação social. Como dissemos, a missão do Exército é, primordialmente, estar preparado para a defesa, mas esse objetivo pode ser mais facilmente alcançado se houver um forte sentimento de nacionalidade e um dos caminhos é o respeito e estudo daquilo que nos faz únicos no mundo, do que cria o sentimento de nacionalidade entre nós. No que tange ao assunto deste texto, é fundamental se fazer, o quanto antes, um trabalho de estudo dos canhões existentes no Brasil, como o que já foi feito no Canadá e África do Sul, para se conhecer o nosso acervo e para protegê-lo adequadamente, especialmente considerando o caráter único de muitas das peças daqui. Canhão que se encontrava no museu de armas de Lapa, Paraná, aparentemente de fabricação centro-européia, do século XVI, mas ainda não estudado para confirmar-se o fato 38

Ruínas do Forte do Buraco (PE), após a demolição parcial do mesmo pela Marinha, em 1957, com canhão holandês em primeiro plano Por exemplo, será que o país ainda dispõe de um exemplar do canhão-obus João Paulo, desenvolvido e fabricado no Brasil na década de 1850, junto com os países mais avançados de então? Quantos e que variantes de canhões Whitworth, de alma hexagonal, existem no país? (Uma pergunta importante, já que o Brasil foi o único no mundo a usar este tipo de material em grande número.) Sabe-se que os canhões Whitworth do Forte do Presépio, que ficam junto dos dois únicos canhões Parrot do Brasil, participaram de combates da Guerra do Paraguai, o que lhes dá grande valor. Será que há outros, espalhados por unidades que ignoram a sua importância? Para resolver essas dúvidas é necessário um trabalho de referência cultural que cadastre o material de artilharia existente no país. Este é um traba- lho que não implica apenas o inventário das bocasde-fogo, mas que efetue o seu estudo, visando a se conhecer plenamente os objetos e sua história. Passos iniciais para isso estão sendo tomados pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), com o seu programa Inventário Nacional de Material de Artilharia, já tendo começado a realizar o levantamento dos canhões dos fortes do Pará e Amapá, em colaboração com o Exército. Da mesma forma, a Diretoria de Assuntos Culturais do Exército também já começou a trabalhar nesse sentido, pedindo a colaboração das unidades do Exército para o envio de informações sobre o acervo histórico existente, visando a criar um banco de dados sobre estes objetos. Com estes dados, será criado um mecanismo de proteção a este acervo. Mas tão ou talvez mais importante do que isso, será a possibilidade de se dar um retorno não só aos guardiães dos objetos, mas à sociedade como um todo sobre esse patrimônio histórico e seu valor para a criação de um sentimento de nacionalidade, o que atenderá aos objetivos maiores do Exército. Atividade educativa no Museu Militar Conde de Linhares, acompanhada por monitor treinado, do quadro do museu Adler Homero Fonseca de Castro, natural da cidade do Rio de Janeiro, é mestre em História. Pesquisador do IPHAN, vem realizando, há vinte anos, pesquisa sobre a história das armas e fortificações. Atualmente é membro do Conselho de Curadores do Museu Militar Conde de Linhares e do Museu das Armas Ferreira da Cunha. 39