Apelação Cível n. 2010.064573-3, de Camboriú Relator: Des. Nelson Schaefer Martins AÇÃO DE RECONHECIMENTO DE PATERNIDADE COM PEDIDO DE RETIFICAÇÃO DE REGISTRO PÚBLICO. PRETENSÃO DE ANULAÇÃO DE REGISTRO CIVIL E DE RECONHECIMENTO DA PATERNIDADE. SENTENÇA QUE APLICOU O DISPOSTO NA SÚMULA 301 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA APÓS A NEGATIVA DA GENITORA EM SUBMETER A CRIANÇA A EXAME DE DNA. PRELIMINAR DE CERCEAMENTO DE PROVAS TESTEMUNHAIS AFASTADA. DEMANDA DE CUNHO PERSONALÍSSIMO DO FILHO. CÓDIGO CIVIL DE 2002, ART. 1.606. PLEITO DE MANUTENÇÃO DO REGISTRO CIVIL DA INFANTE EM NOME DE PAI REGISTRAL. PATERNIDADE SÓCIOAFETIVA COMPROVADA. OBSERVÂNCIA AO MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA. RECURSO PROVIDO. Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 2010.064573-3, da comarca de Camboriú (1ª Vara Cível), em que é apelante H. B. G. da S., menor impúbere representada por sua mãe Z. L. G., e apelado D. E. do N.: ACORDAM, em Segunda Câmara de Direito Civil, por votação unânime, dar provimento ao recurso. Custas na forma da lei. RELATÓRIO H. B. G. da S., menor impúbere representada por sua mãe Z. L. G. opôs apelação cível contra a sentença de lavra do Juiz de Direito da 1ª Vara Cível da comarca de Camboriú, Dr. Iolmar Alves Baltazar que, em ação de reconhecimento de paternidade c/c retificação de registro público proposta por D. E. do N., julgou procedente o pedido para reconhecer D. E. do N. como pai de H. B. G., determinar a alteração do registro civil para que conste o sobrenome do pai no nome da menor e fixar os alimentos em 20% dos rendimentos do autor, a contar da citação. Condenou os demandados ao pagamento de custas processuais e honorários advocatícios, estes estipulados em R$ 4.000,00. A apelante suscitou, preliminarmente, a ocorrência de cerceamento de defesa em razão da dispensa de oitiva de duas testemunhas arroladas e da ausência
de intimação dos demandados acerca de documentos apresentados pelo autor. No mérito aduziu, em síntese que o autor não fora impedido de manter contato com a criança e que a paternidade socioafetiva existente entre a menina e M. A. da S. deveria prevalecer sobre qualquer ligação genética e não poderia ser ilidida pela realização de exame de DNA. Foram apresentadas contrarrazões e os autos ascenderam a esta Corte Estadual de Justiça. A douta Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer da lavra do Procurador de Justiça Dr. Aurino Alves de Souza, opinou pela extinção do feito sem resolução do mérito diante da carência da ação e, alternativamente, pelo provimento do recurso (fls. 342/347). VOTO 1. Da inocorrência de cerceamento de defesa. Os apelantes alegaram que não lhes foi oportunizada a produção das provas testemunhais requeridas e que não foram intimados para apresentar manifestação acerca dos documentos juntados pela parte autora, o que caracterizaria a ocorrência de cerceamento de defesa. No entanto, é pacifico o entendimento no sentido que o juiz é o destinatário das provas, de forma que cabe ao magistrado definir quais os procedimentos necessários ao deslinde da controvérsia, conforme previsto no art. 130 do Código de Processo Civil, verbis: "Caberá ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte, determinar as provas necessárias à instrução do processo, indeferindo as diligências inúteis ou meramente protelatórias". Nesse sentido, decisão da Corte Superior no Ag 1279732/RO, rel. Min. Sidnei Beneti, DJe 19.03.2010: [...] 6.- No que se refere à alegação de cerceamento de defesa em decorrência da negativa de produção de prova testemunhal, é de se ter presente que o destinatário final das provas produzidas é o juiz, a quem cabe avaliar quanto à sua suficiência e necessidade, em consonância com o disposto no parte final do artigo 130 do CPC. Aliás, é firme a jurisprudência desta Corte no sentido de que compete às instâncias ordinárias exercer juízo acerca das provas produzidas, haja vista sua proximidade com as circunstâncias fáticas da causa, cujo reexame é vedado em âmbito de Especial, a teor do enunciado 7 da Súmula deste Tribunal. Nesse sentido: PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. NECESSIDADE DE PRODUÇÃO DE PROVA PERICIAL. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 05 E 07 DO STJ. DISCUSSÃO AFETA AO LIVRE CONVENCIMENTO MOTIVADO DO MAGISTRADO. AGRAVO REGIMENTAL CONHECIDO E IMPROVIDO. 1. O aresto ora hostilizado deu por suficiente a simples análise do contrato celebrado entre as partes para saber se era ou não oneroso. Tal conclusão, definitivamente, não se desfaz sem a apreciação detida do instrumento contratual, circunstância que atrai a incidência das súmulas 05 e 07 desta Corte. 2. Ademais, a análise da plausibilidade da prova requerida é questão afeta ao livre convencimento motivado do magistrado, não configurando nulidade ou cerceamento
de defesa o indeferimento de provas reputadas imprestáveis ao deslinde da controvérsia. 3. Agravo regimental conhecido e improvido. (AgRg no Ag 1044254/RS, Rel. Min. LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, DJe 09/03/2009); [...] No tocante à manifestação acerca dos documentos juntados pelo autor às fls. 201/207 a insurgência não merece prosperar, uma vez que a procuradora dos demandados compareceu às audiências de 17.03.2010 e 28.04.2010 (fls. 218 e 240) e quedou-se silente, o que supriria a mencionada intimação. Logo, não há que se falar em cerceamento de defesa. 2. Da paternidade. D. E. do N. formulou ação de reconhecimento de paternidade c/c retificação de registro público de H. B. G. da S. sob o argumento de que mantivera relacionamento amoroso com a genitora da demandada, que resultara no nascimento desta. Na sequência, apresentou aditamento à petição inicial requerendo a inclusão no pólo passivo de M. A. da S., pois este ajuizara anterior ação de reconhecimento de paternidade que culminou no registro da menina como sua filha. O autor, então, pleiteou pela anulação do referido registro com o reconhecimento da paternidade biológica defendida inicialmente. Após a apresentação de contestação e a tentativa frustrada para realização de audiências com coleta de material genético para a realização de exame de DNA sobreveio sentença que julgou procedente o pedido para reconhecer o autor como pai da demandada H. B. G.. Ocorre que a presente demanda, proposta em 14.10.2008 (fl. 01), foi precedida de ação declaratória de paternidade proposta por M. A. da S. em 11.01.2008, com sentença transitada em julgado em 29.04.2008. Havendo o reconhecimento voluntário da paternidade da criança H. G. B., não cabe ao suposto pai biológico ajuizar demanda de retificação de registro, que consiste em direito personalíssimo do filho, conforme dispõe o Código Civil de 2002: Art. 1.606. A ação de prova de filiação compete ao filho, enquanto viver, passando aos herdeiros, se ele morrer menor ou incapaz. Parágrafo único. Se iniciada a ação pelo filho, os herdeiros poderão continuá-la, salvo se julgado extinto o processo. Sobre o tema, colhe-se decisão desta Corte Estadual de Justiça em Apelação Cível n. 2009.037289-8, de Blumenau, rel. Des. Ronaldo Moritz Martins da Silva, Quarta Câmara de Direito Civil, j. 19.04.2010: Apelação cível. "Ação de reivindicação de paternidade" proposta por suposto pai biológico. Petição inicial indeferida por ilegitimidade ativa. Caráter de negatória da paternidade constante no registro. Ação investigatória personalíssima. Legitimidade ativa limitada ao filho e aos seus herdeiros, se faleceu menor ou incapaz. Artigo 1.606 do Código Civil. Negatória de paternidade privativa do pai registral, marido da mãe. Artigo 1.601 do mesmo diploma legal. Certidão de nascimento dotada de fé pública e presunção de veracidade. Inaplicabilidade da exceção prevista no artigo 1.604 da lei civil. Ilegitimidade ativa verificada. Sentença de extinção mantida. Recurso desprovido. Verifica-se, pelos elementos probatórios que instruem os autos, que M. A. da S. manteve relacionamento com Z. L. G, genitora da menor, bem como
acompanhou o período gestacional e desde seu nascimento exerceu a paternidade de H. B. G.. Acerca da paternidade socioafetiva, MARIA BERENICE DIAS, em Manual de Direito das Famílias, 4. ed, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, p. 334, ensina: A filiação pode resultar do estado de filho e constitui modalidade de parentesco civil de "outra origem", isto é, de origem afetiva (CC 1.593). A filiação socioafetiva corresponde à verdade aparente e decorre do direito à filiação. A necessidade de manter a estabilidade da família, que cumpre a sua função social, faz com que se atribua um papel secundário à verdade biológica. Revela a constância social da relação entre pais e filhos, caracterizando uma paternidade que existe não pelo simples fato biológico ou por força de presunção legal, mas em decorrência de uma convivência afetiva. Em matéria de filiação, a verdade real é o fato de o filho gozar da posse de estado, que prova o vínculo paternal. Questiona Zeno Veloso: se o genitor, além de um comportamento notório e contínuo, confessa, reiteradamente, que é o pai daquela criança, propaga esse fato no meio em que vive, qual a razão moral e jurídica para impedir que esse filho, não tendo sido registrado como tal, reivindique, judicialmente, a determinação de seu estado- Certamente há um viés ético na consagração da paternidade socioafetiva. Constituído o vínculo da parentalidade, mesmo quando desligado da verdade biológica, prestigia-se a situação que preserva o elo da afetividade. Não é outro o fundamento que veda a desconstituição do registro de nascimento feito de forma espontânea por aquele que, mesmo sabendo não ser o pai consangüíneo, tem o filho como seu. (grifo no original). Ainda que não comprovado o vínculo biológico entre M. A. da S. e H. B. G., a paternidade afetiva restou claramente demonstrada. Como bem salientou o Procurador de Justiça Dr. Aurino Alves de Souza: [...] In casu, ficou devidamente comprovado a existência de relação paterno-filial afetiva entre H. B. G. da S. e seu pai registral, M. A. da S., reconhecida pelo próprio juízo a quo. M. A. da S. há muito registrou a infante e, além disso, pelas provas dos autos, sempre exerceu a figura paterna com muito zelo e carinho pela infante, que o reconhece como pai. A relação entre pai e filha (H. X M.) se perfectibilizou e assim é que são reconhecidos perante a sociedade (fls. 136/145; 165/169; 172/174 e 206/207). Desta forma, não há como desconstituir essa paternidade já consolidada. Nem mesmo o exame de DNA é capaz de desconstituir a paternidade socioafetiva, muito menos será uma presunção, diante da negativa materna em realizar o exame pericial. [...] (fl. 346). Desta forma, em virtude dos elementos constantes dos autos, dá-se provimento ao recurso para manter o M. A. da S. como pai da menina H. B. G., reformando-se a sentença. DECISÃO Ante o exposto, dá-se provimento ao recurso. Participaram do julgamento, realizado em 09 de junho de 2011, os
Exmos. Srs.Luiz Carlos Freyesleben e Des. Sérgio Izidoro Heil. Florianópolis, 21 de junho de 2011. Nelson Schaefer Martins PRESIDENTE E RELATOR