Implementação financeira e o impacto do mutirão de cirurgias de varizes, após a criação do Fundo de Ações Estratégias e Compensação (FAEC)

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Transcrição:

artigo original Implementação financeira e o impacto do mutirão de cirurgias de varizes, após a criação do Fundo de Ações Estratégias e Compensação (FAEC) Financial implementation and the impact of vascular surgery task force, after the creation of the Strategic Actions and Compensation Fund (FAEC) Maira Oliveira Souza 1, Fausto Miranda Júnior 2, Luiz Francisco Poli de Figueiredo 3, Guilherme Benjamin Brandão Pitta 4, José Aderval Aragão 5 Resumo Contexto: Apesar de reconhecer que o número apresentado pelo mutirão de cirurgias eletivas não refletisse inteiramente a realidade, foi significativa a implementação financeira do Ministério da Saúde do Brasil, bem como o aumento de cirurgias de varizes, após criação do Fundo de Ações Estratégias e Compensação (FAEC). Objetivo: Avaliar os resultados da aplicação do investimento financeiro do Ministério da Saúde no mutirão de cirurgias de varizes. Métodos: Foi realizado um estudo transversal de natureza retrospectiva, utilizando informações do banco de dados do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde. Foram incluídas na pesquisa todas autorizações de internação hospitalar das cirurgias de varizes de membros inferiores pagas pelo Ministério da Saúde do Brasil, no período de janeiro de 1998 a dezembro de 2004. Resultados: Em 1998, antes da implementação do mutirão de cirurgias eletivas foram realizadas 23.531 cirurgias de varizes e investidos R$ 5.819.033,27. Após a criação do FAEC, foram realizadas 457.026 cirurgias de varizes de membros inferiores, no período de 1999 a 2004, e foram investidos R$ 187.760.196,81 com média de R$ 31.293.336,13 por ano. Conclusão: O investimento feito pelo Ministério da Saúde durante o programa de mutirões de cirurgias eletivas pelo FAEC, proporcionou aumento significativo do número de cirurgias de varizes em todo Brasil. Palavras-chave: investimentos em saúde; cirurgia; varizes; insuficiência venosa; perfil de saúde. Abstract Background: In spite of the fact that the number of surgeries presented by the elective surgery task force did not entirely reflect the reality, it is possible to declare that the financial implementation of the Brazilian Ministry of Health has been significative, as well as the increasing number of varicose vein surgeries, especially after the creation of the Strategic Actions and Compensation Fund (FAEC). Objective: To evaluate the application of financial investment in the Ministry of Health campaign for varicose vein surgery. Methods: A transversal study of retrospective nature has been conducted, using information available at the Data Processing Department of the National Healthcare System database (DATASUS). All the authorization of hospital internment from the inferior member varicose vein surgeries, financed by the Brazilian Ministry of Health from January 1998 to December 2004, have been included in the research. Results: In 1998, before the implementation of the elective surgery task force, 23,531 varicose vein surgeries have been performed, and R$ 5,819,033.27 invested. After the creation of the FAEC, 457,026 inferior member varicose vein surgeries have been performed from 1999 to 2004, and R$ 187,760,196.81 were invested with an average of R$ 31,293,336.13 per year. Conclusion: Thus, it is possible to conclude that the bigger investment from the Brazilian Ministry of Health, represented by the implementation of the elective surgery task forces by the FAEC, has been responsible for increasing the number of varicose vein surgeries all around Brazil. Keyword: investments; surgery; varicose veins; venous insufficiency; health profile. Trabalho realizado na Universidade Estadual de Ciências da Saúde de Alagoas (UNCISAL) Maceió (AL), Brasil. 1 Titular da Sociedade Brasileira de Angiologia e de Cirurgia Vascular; cirurgiã vascular do Hospital de Urgência de Sergipe Aracaju (SE), Brasil; mestre em Ciências da Saúde pela Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) São Paulo (SP), Brasil. 2 Professor titular do Departamento de Cirurgia Vascular da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) São Paulo (SP), Brasil. 3 Professor titular do Departamento de Cirurgia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) São Paulo (SP), Brasil. 4 Doutor; professor adjunto da UNCISAL Maceió (AL), Brasil. 5 Doutor; professor adjunto de Anatomia Humana da Universidade Federal de Sergipe (UFS) Aracaju (SE), Brasil; professor titular da Faculdade de Medicina da Universidade Tiradentes (UNIT) Aracaju (SE); titular da Sociedade Brasileira de Angiologia e de Cirurgia Vascular. Fonte de financiamento: nenhuma. Conflito de interesse: nada a declarar. Submetido em: 31.05.11. Aceito em: 21.09.11. J Vasc Bras. 2011;10(4):302-307.

O mutirão de cirurgia de varizes - Souza MO et al. J Vasc Bras 2011, Vol. 10, Nº 4 303 Introdução As doenças venosas constituem a sétima causa mais frequente de doença crônica na espécie humana, com grande demanda dos serviços de saúde não só por razões estéticas, mas também pela ocorrência de complicações, limitação de atividades e pelo sofrimento que impõem aos pacientes 1. No Brasil, a insuficiência venosa crônica ocupava o 14º lugar entre as 50 principais doenças que causaram ausência ao trabalho, e o 32º lugar entre as doenças que levaram à aposentadoria 2, segundo dados do Ministério da Saúde de 1984. A simples correção cirúrgica do sistema venoso superficial pode levar a provável melhora funcional não apenas do sistema venoso profundo, como também da insuficiência venosa 3-5. Assim, a realização precoce dessa correção cirúrgica poderia, muitas vezes, evitar a progressão da doença venosa e, em contrapartida, reduzir os custos do tratamento 6. Visando ampliar o acesso ao usuário do Sistema Único de Saúde (SUS) a procedimentos cirúrgicos eletivos, e sabendo que a doença venosa era potencialmente limitante ao ingresso e/ou permanência do cidadão no mercado de trabalho, o Ministério da Saúde (MS) em 07/04/1999, através da Portaria nº 279, criou a Campanha Nacional de Cirurgias Eletivas, direcionada para as cirurgias de varizes de membros inferiores, catarata, hérnias inguinais e próstata 7,8. A fim de mobilizar mais recursos para essas campanhas de cirurgias eletivas consideradas, naquele momento, estratégicas para o MS, também foi criado o Fundo de Ações Estratégicas e Compensação (FAEC) através da Portaria nº 531 de 30/04/1999, que correspondia a 50% do saldo de recursos não utilizados em atividades previstas nas programações determinadas 9. Desse modo, os recursos para essas ações de saúde passariam, então, a ser disponibilizados fora do orçamento regular. Isso significava ausência de uma programação prévia que anteriormente impunha um limite mensal na quantidade de cirurgias por hospital e região, e que emperrava burocraticamente a autorização de internação hospitalar (AIH) 9,10. No Brasil, os recursos destinados à saúde seguem normas de distribuição orçamentária entre regiões e Estados que, em geral, são distribuídos conforme a média dos gastos prévios per capita, o que constitui o teto financeiro, fator que, em regra, limita as ações de saúde a uma programação orçamentária. Assim em 01/09/2000, o MS em parceria com a Sociedade Brasileira de Angiologia e de Cirurgia Vascular, e através da Portaria nº 309, instituiu o Comitê Técnico Assessor em Cirurgia de Varizes para orientar a programação e a divulgação da Campanha 7,10. O presente trabalho teve como objetivo avaliar os resultados da aplicação do investimento financeiro do MS, bem como o crescimento do número de cirurgias de varizes durante o mutirão após a criação do FAEC. Método Foi realizado um estudo transversal de natureza retrospectiva utilizando, como material, informações do banco de dados do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DATASUS). Os dados foram acessados via Internet, no diretório Informações de Saúde da página ou sítio do DATASUS que fornece dados a respeito de: procedimentos hospitalares por local de internação, número de autorizações de internação hospitalar pagas por ano/competência segundo região por Unidade da Federação (UF), o custo total por ano/competência segundo a região/uf e de informações demográficas e socioeconômicas da população residente, por ano, segundo a região da UF. Foram incluídas na pesquisa todas as AIH das cirurgias de varizes de membros inferiores pagas pelo MS do Brasil, conforme dados consecutivos fornecidos pelo DATASUS, no período de janeiro de 1998 a dezembro de 2004. O ano de 1998 foi estabelecido como o ano-controle, uma vez que a Campanha foi iniciada a partir de setembro de 1999. Este trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual de Ciências da Saúde de Alagoas (UNCISAL), Protocolo nº 260. Resultados Em todas as regiões do Brasil, houve expressivo aumento do número de cirurgias de varizes realizadas a partir de 1999, quando teve início a Campanha do Mutirão das Varizes, em comparação com o ano de 1998. Na região Centro-Oeste, no ano de 2002, o aumento foi de 15 vezes, enquanto nas demais regiões esse aumento oscilou em torno de 4 a 5 vezes (Figura 1). Quanto ao índice anual de cirurgia de varizes/1.000 habitantes, a região Centro-Oeste teve o melhor desempenho, seguido das regiões Sul e Sudeste. Na região Norte, esse índice foi de 0,2335 (aumento de 76,29%), alcançado em 2002, correspondendo a 4,21 vezes mais cirurgias em relação a 1998; no Nordeste 0,3779 (aumento de 75,26%), alcançado em 2001. O índice também se manteve em torno de 0,33 (aumento de 71,67%), nos anos de 2002 a 2004, o que correspondeu a um número 4 vezes maior de cirurgias. No Sudeste, o índice foi de 0,6346 (aumento de 69,50%), alcançado em 2003, com um aumento de aproximadamente 3,28 vezes de cirurgias. No Sul, foi de 0,7606 (aumento de 76,95%), alcançado em 2003, aumento de 4,33 vezes a mais que 1998. Na região Centro-Oeste esse índice foi de 1,2686 (aumento de 92,79%), alcançado em 2002, aumento de aproximadamente 15 vezes maior em relação ao ano controle (Figura 2).

304 J Vasc Bras 2011, Vol. 10, Nº 4 O mutirão de cirurgia de varizes - Souza MO et al. Figura 1. Número total de cirurgias de varizes realizadas por região/ano. 1,4 1,2 1 0,8 0,6 0,4 0,2 REGIÃO NORTE REGIÃO NORDESTE REGIÃO SUDESTE REGIÃO SUL REGIÃO CENTRO-OESTE 0 1998 0,05578 0,0935 0,1935 0,1753 0,0915 1999 2000 2001 2002 2003 2004 0,0903 0,1481 0,1475 0,2353 0,1793 0,2148 0,1972 0,3414 0,3779 0,3451 0,353 0,3321 0,2557 0,3168 0,3589 0,5425 0,6346 0,6132 0,3331 0,5657 0,5043 0,6689 0,7606 0,7269 0,1635 0,4469 0,6394 1,2686 1,0341 1,0067 Figura 2. Índice anual de cirurgias por 1.000 habitantes por região do Brasil. Em todo território nacional no ano de 1998, foram investidos em torno de R$ 5.819.033,27 em tratamento de cirurgias de varizes dos membros inferiores. Após implementação da campanha do mutirão de varizes, os investimentos nestas cirurgias atingiram, em 2003, a quantia de R$ 43.787.806,85 (Figura 3). O investimento maior com cirurgias de varizes ocorreu na região Sudeste em 2003 (R$ 21.064.911,60) e o menor, na região Norte (R$ 1.395.965,31), em 2002. As regiões Centro- Oeste, Nordeste e Sul, no período de 2002 a 2004, receberam aproximadamente investimento na ordem de seis, sete e oito milhões de reais, respectivamente (Figura 4). Discussão Com a implementação da Campanha Nacional de Mutirões de Cirurgias Eletivas em 1999, o MS pareceu ter atingido alguns objetivos, como: redução das dificuldades

O mutirão de cirurgia de varizes - Souza MO et al. J Vasc Bras 2011, Vol. 10, Nº 4 305 45000000 40000000 39829422,17 43787806,85 42942644,62 35000000 30000000 25000000 22321402,67 26506366,53 20000000 15000000 10000000 5819033,27 12372553,97 5000000 0 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 Figura 3. Gasto total (em reais) das cirurgia de varizes no Brasil por ano. 25000000 20000000 15000000 10000000 5000000 0 REGIÃO NORTE REGIÃO NORDESTE REGIÃO SUDESTE REGIÃO SUL REGIÃO CENTRO-OESTE 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 164175,44 355979,05 708601,07 790469,33 1395965,31 1107862,07 1382497,92 1061943,97 3327874,72 990771,35 274267,79 3112191,78 5629656,24 2635324,47 639402,43 5941359,5 8434550,42 5152425,63 2084466,05 7048359,42 10509742,34 4978682,44 3179113 7120123 17341906,41 7126069,75 6845357,7 7493677,38 21064911,69 8338551,23 5782804,48 7151106,93 20618849,76 8036498,16 5753691,85 Figura 4. Gastos das cirurgias (em reais) de varizes por região do Brasil. enfrentadas pelos usuários do Sistema Único de Saúde (SUS) para realização de procedimentos cirúrgicos eletivos; aumentou a oferta de cirurgias de varizes, reduzindo as longas filas de esperas; favoreceu a população de baixa renda e finalmente ampliou o acesso à assistência hospitalar. Convém, entretanto, ressaltar que foi a partir do envolvimento dos cirurgiões vasculares e, em especial, o apoio da Sociedade Brasileira de Angiologia e de Cirurgia Vascular que a política de incentivo estabelecida com os mutirões mostrou-se eficaz e o volume de cirurgias através do SUS

306 J Vasc Bras 2011, Vol. 10, Nº 4 O mutirão de cirurgia de varizes - Souza MO et al. saltou de pouco mais 23.000 cirurgias/ano, em 1998, para aproximadamente 100.000 cirurgias/ano, em 2004 11. Apesar de reconhecer que os números apresentados pelo DATASUS sejam dados oficiais do governo, eles podem não refletir inteiramente a realidade epidemiológica em nosso país, podendo muitas vezes ser decorrentes de falhas na seleção, onde se privilegiou pacientes mais jovens, classes C2-C3 em detrimento das classes C4-C6 da classificação CEAP, o que consequentemente requer cirurgias de médio e grande porte. Mas ninguém pode negar numericamente que o enorme incremento no volume de cirurgias, desde a implementação do modelo de mutirões, foi significativo. O custo socioeconômico da assistência aos portadores da doença venosa por insuficiência de sistema venoso superficial (varizes), incluindo interrupção ao trabalho, complicações, terapias clínica e cirúrgica, internação, bem como técnicas de investigação, tem consumido milhões de dólares dos países. Estima-se que alguns países europeus, como Reino Unido, França e Alemanha Ocidental, utilizam de 1,5 a 2,0% de seus orçamentos total da saúde na assistência médica e social da doença venosa, correspondendo em média ao valor do câmbio corrente de 1992 de 418 a 1.135 milhões de euros por ano 12. Em 1995, foi calculado, na Bélgica, gasto médio per capita com seguro de saúde de 40.092 francos belgas, sendo 39% com despesas hospitalares, 16,7% com drogas e 14,6% no tratamento ambulatorial; porém foram gastos 85.320 francos belgas, em 7.913 pessoas operadas de varizes de membros inferiores, isto é, 2,13 vezes mais que a média de gasto per capita calculada inicialmente 13. No Brasil, o contribuinte só terá direito a receber os benefícios da agência governamental de seguro de saúde depois de ter contribuído para isso durante um período mínimo de 12 meses, e se a sua ausência do trabalho ultrapassar 15 dias. Caso contrário, a responsabilidade dos gastos cairá para o empregador. O MS gasta aproximadamente U$ 1.000.000,00 (um milhão de dólares) por ano só com pagamento de benefícios 2. Neste custo, não eram incluídos os gastos com atendimentos hospitalar e ambulatorial, medicamentos e curativos realizados nos postos de saúde públicos, faltas ao trabalho e custos com o sistema privado de assistência à saúde. Isto motivou aos governantes ficarem cada vez atentos no tocante à doença venosa, que a cada ano que passava vinha causando um grave problema social e de saúde pública. A doença venosa crônica representa uma das doenças mais prevalentes no mundo de hoje e é responsável por um impacto significativo na qualidade de vida dos pacientes por ela afetados 14. Estima-se que entre 1 e 38% dos homens e entre 1 e 61% das mulheres sejam portadores de varizes de membros inferiores. No Brasil, essa prevalência pode chegar a 50% da população, sendo a 14ª causa de absenteísmo no trabalho e a 32ª causa de aposentadorias por invalidez 2,15. No início de 2006, o Governo Federal modificou a Política Nacional de Procedimentos Cirúrgicos Eletivos de Média Complexidade, dobrando os recursos destinados ao custeio dessas cirurgias para algo em torno de 368 milhões de reais e ampliando o número de especialidades contempladas pelo programa 16. Dessa forma, 67 tipos diferentes de procedimentos passaram a ser custeados pelo FAEC. Sabendo que cerca de um terço das mulheres do mundo têm varizes tronculares e que a prevalência aumenta com a idade e a incidência de novos casos parece ser constante no decorrer da vida adulta 17, daí a importância que seja mantida a política de incentivo estabelecida pelo governo aos mutirões de varizes para benefício de toda a população usuária do SUS. No entanto, apesar do sucesso alcançado pelos mutirões de varizes, sete anos após a implementação do programa e mais de dois milhões de cirurgias realizadas, constata-se hoje que esses mutirões caíram em quase um completo esquecimento e consequente abandono, devendo, portanto, serem reativados com o apoio da Sociedade Brasileira de Angiologia e de Cirurgia Vascular. É saber comum que a correção cirúrgica da insuficiência venosa superficial melhora funcionalmente o sistema venoso profundo. Como consequências ocorre uma subsequente melhora das lesões tróficas da pele 5 e também uma melhora clínica desses pacientes, viabilizando o retorno desses à atividade social e laboral, o que colabora para a redução dos custos socioeconômicos 6,18. Por essas razões, é possível, reconhecer a necessidade de maior investimento no tratamento cirúrgico das varizes como uma forma de minimizar ou solucionar o problema. Conclusão Com o investimento maior pelo MS com a implementação dos mutirões de cirurgias eletivas pelo FAEC, houve aumento do número de cirurgia de varizes em todo Brasil. Agradecimentos Agradecemos aos professores Winston Yoshida e Francisco Prado Reis pela leitura, correções e apoio na escrita deste artigo. Referências 1. Luccas GC, Menezes FH, Barel EV. Varizes de membros inferiores conceito, etiopatogenia, quadro clínico e diagnóstico. In: Brito CJ, editor. Cirurgia vascular. Rio de Janeiro: Revinter; 2002. p.1013-32.

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