Seminário de Iniciação Científica e Tecnológica, 9., 2012, Belo Horizonte Produção de queijo artesanal da Serra da Canastra: resíduos gerados e seus destinos Valkíria Elizabete Moreira (1), Claudety Barbosa Saraiva (2), Fernando Antônio Resplande Magalhães (2) (1) Bolsista PIBIC FAPEMIG/EPAMIG, valkiriaem@hotmail.com; (2) Pesquisadores/Bolsistas BIP FAPEMIG/EPAMIG - Juiz de Fora, claudety@epamig.br INTRODUÇÃO O queijo Minas artesanal é considerado como o queijo confeccionado conforme tradição histórica e cultural da região do Estado onde é produzido, a partir do leite integral, fresco e cru, de vaca, retirado e beneficiado na propriedade de origem. O leite deve apresentar consistência firme, cor e sabor próprios, massa uniforme, isenta de corante e conservantes, com ou sem olhaduras mecânicas (MINAS GERAIS, 2002). Esse queijo é produzido em regiões típicas de Minas Gerais, como a região da Serra da Canastra. O interesse no estudo desse tipo de queijo reside no fato de que é um alimento produzido a partir do leite cru, fabricado em queijarias artesanais quase sempre em baixa escala, se consideradas a produção individual da unidade fabril (DORES et al., 2007; MACHADO et al., 2008). Nas últimas décadas, a preocupação ambiental passou progressivamente a fazer parte do cotidiano de discussões internacionais e nacionais. Dessa forma, a legislação e os esforços políticos começaram a voltar-se para medidas que propiciem a proteção dos recursos naturais, forçando as indústrias a adequarem seus modelos de produção, tornando-se progressivamente sustentáveis (RAMOS, 2002 apud SILVA, 2006). A literatura voltada ao gerenciamento ambiental tem focado bastante a relação entre medidas ecologicamente corretas e aumento da competitividade (SETTE et al., 2005), sem no entanto haver um modelo que leve em consideração aspectos sociopolítico-culturais dos pequenos segmentos de produção, talvez por sua pouca visibilidade, muito embora sejam representativos e culturalmente ainda mais importantes.
EPAMIG. Resumos expandidos 2 A produção de queijo artesanal na Serra da Canastra (EMATER-MG, 2004), ilustra a necessidade de conhecer a relação cultural das pessoas envolvidas no processo produtivo e o meio ambiente, para posterior caracterização metodológica de possíveis impactos e a criação de um modelo de gestão que trabalhe essa relação, além de também atender às exigências da legislação. O objetivo deste trabalho é efetuar uma caracterização preliminar de produtores de queijo da Serra da Canastra, priorizando o levantamento de suas relações com o meio ambiente e os possíveis impactos causados pela produção de queijo Minas artesanal da Canastra, bem como a sua produção. MATERIAL E MÉTODO Foram escolhidas, juntamente com representantes da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado de Minas Gerais (Emater-MG), seis produtoras de queijos Minas artesanais da região da Serra da Canastra, consideradas em diferentes níveis de adequação quanto ao credenciamento ao IMA. O projeto foi realizado em duas etapas. A primeira etapa foi utilizado um questionário estruturado para levantamento de informações gerais a respeito das unidades produtoras de queijos Minas artesanais da região da Serra da Canastra. As perguntas foram divididas em macroblocos temáticos: produção, manejo do rebanho, água de consumo, resíduos sólidos e efluentes. A segunda etapa foi a verificação in loco do processo de produção, higienização e determinação do coeficiente de consumo de água por litro de leite nas queijarias e caracterização físico-química do efluente. Foram feitas visitas técnicas às queijarias em estudo para a realização das fases, sendo que para a primeira etapa as visitas foram feitas no período de 11 ao dia 15 de junho de 2009 e a segunda etapa de 26 ao dia 29 de outubro de 2010 e de 27 ao dia 30 de junho de 2011. Nas amostras de efluentes coletadas foram realizadas análises físicoquímicas e bioquímicas, como acidez, óleos e graxas, dureza, demanda química de oxigênio (DQO), demanda bioquímica de oxigênio (DBO), sólidos suspensos e sólidos dissolvidos, conforme Standard Methods.
Seminário de Iniciação Científica e Tecnológica, 9., 2012, Belo Horizonte 3 As amostras foram mantidas refrigeradas para sua preservação, colocadas em gelo e acondicionadas em caixas isotérmicas para transporte e conduzidas ao laboratório de análises da Companhia de Saneamento Municipal (Cesama) de Juiz de Fora. Sendo que as análises de turbidez e ph foram feitas no momento das coletas. Para quantificação do consumo de água (coeficiente) nas queijarias, foi feita a medição da vazão da mangueira utilizada na queijaria, e, no momento do processamento, foi determinado com cronômetro digital o tempo em que a mangueira permaneceu aberta. O volume de água medido representaria o volume necessário à fabricação de determinado produto, englobando a higienização antes e depois do processo. RESULTADOS E DISCUSSÃO Os resíduos sólidos gerados nas queijarias são: embalagens de papelão, plásticos, restos de queijos, efluentes e embalagens de produtos químicos. Dos produtores entrevistados, 42,8% disseram queimar os resíduos sólidos gerados, prática bastante corriqueira na região. Com relação às embalagens de produtos químicos, 42% dos produtores retornam para os respectivos fornecedores. É importante ressaltar, dentre os que demonstraram algum conhecimento ou ciência, que existe a preocupação de os resíduos não atingirem as nascentes, a constatação de que é ruim ao ambiente e às vacas, ou simplesmente que não é adequado ou que causa impacto. Quanto ao destino dos efluentes, 71,43% afirmam ser o solo o local direto de deposição, afirmando os demais que o efluente se junta aos resíduos do curral. Do soro de queijo, 100% são destinados à alimentação animal (suínos), e, em 100% dos casos, o efluente da criação de porcos é lançado no solo, juntando-se aos da queijaria. Alguns dos produtores pesquisados disseram que esse efluente quando lançado no solo servirá como adubo, por conter nutrientes. De certa forma, sabemos que, as águas residuárias agroindustriais são, em geral, ricas em nutrientes de interesse agrícola, podendo ser fonte de água e nutrientes para plantas.
EPAMIG. Resumos expandidos 4 Entretanto, segundo Matos (2005), a disposição de águas residuárias oriundas de atividades agroindustriais no solo deve ser feita de tal forma que não venha a contribuir para o aumento dos problemas de qualidade ambiental, tais como contaminação de águas subterrâneas e superficiais, contaminação de plantas por metais pesados, e ainda trazer influências negativas sobre as características físicas e químicas do solo. A distância entre a queijaria e a pocilga variou de 30 a 60 m, e de 200 a 500 m entre a pocilga e o curso receptor. O Gráfico 1 ilustra a visão dos produtores quanto ao potencial impactante, merecendo relato as considerações dos que declararam algum tipo de percepção, a saber, do possível impacto do cloro no solo, preocupação de o efluente não chegar aos rios, ou a simples constatação de que cause impacto se jogado próximo ao corpo receptor. As Tabelas 1 e 2 mostram os resultados das duas análises realizadas com os efluentes das seis queijarias participantes do projeto. Como é possível observar, houve uma grande variação nos parâmetros avaliados entre as queijarias e também para os resultados de um mesmo parâmetro em períodos diferentes na mesma queijaria. Os valores de DBO 5 e DQO estão diretamente relacionados com a carga orgânica, ou seja, a quantidade de matéria orgânica (MO) oriunda do efluente da produção de queijos artesanais. Vários fatores podem afetar a DBO 5 e DQO, dos quais destacam o processo de higienização, formas de produção, produtos de limpeza, consumo de água, etc. Na primeira análise (Tabela 1) a menor quantidade de MO encontra-se na queijaria F sendo, DBO 5 e DQO de 37 e 36 mg/l, respectivamente. Nota-se que a queijaria F tem maior consumo de água (2,35 L de água/l de leite) ao passo que a maior quantidade de MO encontra-se na queijaria A com DBO 5 e DQO de 4.865 e 6.920 mg/l, respectivamente. Em uma segunda análise (Tabela 2), percebe-se um aumento na DBO 5 da queijaria F (1934 mg/l) que passa a ser a queijaria com maior quantidade de MO e a queijaria C com a maior DBO (2.154 mg/l). Podem-se observar variações entre as coletas, que são explicadas pela falta de padronização do processo de fabricação e higienização.
Seminário de Iniciação Científica e Tecnológica, 9., 2012, Belo Horizonte 5 CONCLUSÃO A aplicação do questionário deixa evidenciada de forma sistemática a carência de informações que atinge os produtores de queijo da Serra da Canastra. Neste aspecto, fica mais que evidenciada a importância da Emater-MG em toda a cadeia produtiva, no que tange à qualificação e à informação. A tradição cultural associada à falta de informação e ao baixo poder aquisitivo da maioria dos produtores contribui para que não haja a preocupação efetiva com medidas de redução de consumo de água. Os resíduos gerados por tal atividade e lançados de forma inadequada no solo possuem características físico-química passível de impacto ambiental. Percebe-se a necessidade urgente de desenvolver pesquisas para diagnosticar, de forma mais precisa, os tipos de resíduos gerados e o manejo dispensado a estes, a fim de possibilitar a elaboração de estratégias de redução, reciclagem, reúso da geração desses resíduos, bem como a possibilidade de manejos alternativos, considerando o meio ambiente como parte do processo produtivo, visando mudança no comportamento dos produtores e melhoria da qualidade de vida da população como um todo. AGRADECIMENTO À Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig), pelo financiamento das pesquisas e pelas bolsas concedidas. REFERÊNCIAS DORES, M.T. das et al. Evolução da proteólise durante a maturação do queijo Minas artesanal da região da Serra da Canastra-MG. Revista do Instituto de Laticínios Cândido Tostes, Juiz de Fora, v.62, n.357, p. 446-450, jul./ago. 2007. Anais do XXIV Congresso Nacional de Laticínios, Juiz de Fora, 2007. EMATER-MG. Caracterização da microrregião da Canastra como produtora do queijo Minas artesanal. Belo Horizonte, 2004. 20p MACHADO, G. de M. et al. Estudo da maturação de queijos Minas artesanal das regiões da Canastra e do Serro em Minas Gerais. In: CONGRESSO
EPAMIG. Resumos expandidos 6 NACIONAL DE LATICÍNIOS, 25., 2008, Juiz de Fora. Anais eletrônicos Juiz de Fora: EPAMIG, 2008. 1 CD-ROM. MATOS, A.T. Manejo e tratamento de resíduos agroindustriais. Viçosa, MG: AEAGRI, 2005. 128p. (AEGRI. Cadernos Didáticos, 31). MINAS GERAIS. Lei n o 14.185, de 31 de janeiro de 2002. Dispõe sobre o processo de produção do queijo Minas artesanal e dá outros providências. Minas Gerais, Belo Horizonte, 1 fev. 2002. Diário do Executivo. SETTE, A. T. M. S. et al. Perfil estratégico da gestão ambiental: o caso de uma agroindústria. In: CONGRESSO DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE ECONOMIA E SOCIOLOGIA RURAL, 43.; INTERNATIONAL PENSA CONFERENCE ON AGRI-FOOD CHAIN/NETWORKS ECONOMICS AND MANAGEMENT, 2005, Ribeirão Preto. Anais... Instituições, eficiência, gestão e contratos no sistema agroindustrial. Ribeirão Preto: SOBER, 2005. p. 1-13. SILVA, D. J. P. Diagnóstico do consumo de água e da geração de efluentes em uma indústria de laticínios e desenvolvimento de um sistema multimídia de apoio. 2006. 101f. Dissertação (Mestrado em Ciência e Tecnologia de Alimentos) Universidade Federal de Viçosa, Viçosa, MG, 2006. Tabela 1 - Primeira coleta de efluentes - 29/10/2010 Análises realizadas A B C D E F DBO 5 (mg/l) 4.865 852 2190 989 724 37 DQO (mg/l) 6.920 1.530 3.230 1.228 740 36 DBO 5 /DQO 0,7 0,55 0,68 0,8 0,97 1,02 MBAs (mg/l) 1,25 7,55 6,4 2,48 1,84 0,32 Óleos e graxas (mg/l) 420 66 311 94 34 23 Sólidos suspensos totais (mg/l) 1.075 79 614 530 181 1 Sólidos totais dissolvidos (mg/l) 8.363,10 1.399,30 3.447,30 3.511 549 69,6 Acidez <1 <1 <1 <1 <1 <1 NOTA: DBO - Demanda bioquímica de oxigênio; DQO - Demanda química de oxigênio.
Seminário de Iniciação Científica e Tecnológica, 9., 2012, Belo Horizonte 7 Tabela 2 - Segunda coleta de efluentes - 30/06/2011 Análises realizadas A B C D E F DBO 5 (mg/l) 1.588 248 734 1.664 172 1.934 DQO (mg/l) 797 1.063 2.154 1.833 252 140 DBO 5 /DQO 1,99 0,23 0,34 0,90 0,68 13,81 MBAs (mg/l) 5,83 6,93 0,80 2,84 0,46 <0, 018 Óleos e graxas (mg/l) 70,30 94,60 96,40 77,10 25 25 Sólidos suspensos totais (mg/l) 91 886 627 333 64 16 Sólidos totais dissolvidos (mg/l) 91 886 627 333 64 16 Acidez <1 <1 <1 <1 <1 <1 NOTA: DBO - Demanda bioquímica de oxigênio; DQO - Demanda química de oxigênio. Percebem impacto (ainda que de forma incipiente) Não percebem impacto Sem resposta Gráfico 1 - Visão de produtores da Serra da Canastra acerca de impacto ambiental gerado por efluentes