O exame neurológico do paciente felino How to carry out a neurological examination for your feline patients

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Transcrição:

O exame neurológico do paciente felino How to carry out a neurological examination for your feline patients Hugo Matos Pereira, DVM A abordagem ao paciente neurológico felino é um desafio diagnóstico e terapêutico. As dificuldades inerentes à execução de um exame neurológico completo e os sinais atípicos que estes pacientes exibem frequentemente dificultam a neurolocalização das lesões. Os gatos não são susceptíveis aos mesmos tipos de doença que os cães e existem algumas diferenças importantes no funcionamento do seu sistema nervoso. Os gatos são animais de comportamento naturalmente furtivo, escondem facilmente sinais de doença mais subtis e dificultam a sua deteção precoce. Como as patologias sistémicas com repercussão no sistema nervoso são comuns, é importante abordar o seu diagnóstico e tratamento de forma agressiva. Mesmo na ausência de meios de diagnóstico avançados é possível, recorrendo às capacidades de observação e julgamento clínico, iniciar uma abordagem eficaz do paciente neurológico felino se esta for executada de forma lógica e sistemática. O objectivo da avaliação neurológica é responder às seguintes perguntas: - Os sinais clínicos são provocados por uma patologia neurológica? - Qual é a localização da lesão no sistema nervoso? - Quais são os mecanismos patológicos que podem explicar os sinais clínicos? - Qual é a gravidade da doença? As duas primeiras perguntas respondem-se através da realização do exame físico geral e do exame neurológico, definindo-se o diagnóstico neuroanatómico (localização e distribuição da lesão no sistema nervoso). Para responder à terceira pergunta é necessário correlacionar a resenha do paciente e a história do problema (rapidez de aparecimento e progressão) com o diagnóstico neuroanatómico para formular a lista de diagnósticos diferenciais e definir os exames diagnósticos mais adequados para descartar as várias hipóteses e atingir o diagnóstico definitivo. A severidade da doença depende não só do diagnóstico definitivo mas também da localização e extensão da lesão que podem determinar o risco de morte ou o grau de disfunção futura com impacto na qualidade de vida do paciente. Quando se suspeita que o quadro clínico tem uma base neurológica, é necessário excluir outras causas para o problema e confirmar a disfunção neurológica. Em primeiro lugar deve ser realizado o exame físico geral. Por um lado existem diversas patologias não neurológicas que podem imitar sinais neurológicos, como diversos problemas ortopédicos, cardio-respiratórios e metabólicos que podem produzir sinais como claudicação, fraqueza e colapso. Por outro lado, diversas patologias inflamatórias e neoplásicas podem afectar outros sistemas e produzir sinais de doença sistémica, além dos sinais neurológicos. Este exame físico deve incluir um exame ortopédico geral com palpação do aparelho músculoesquelético e dos pulsos femorais quando se examina um gato com alterações da marcha. Deve realizar-se ainda um exame oftálmico (das duas câmaras e da retina) em casos suspeitos de peritonite infecciosa felina, linfoma, hipertensão sistémica ou toxoplasmose. Em situações de colapso episódico e recorrente é necessária uma avaliação cardiovascular atenta. Em seguida, para confirmar que uma anomalia tem sede no sistema nervoso é necessário realizar o exame neurológico. Sem realizar e interpretar correctamente os testes que o

compõem, não é possível em muitos casos confirmar a disfunção e na esmagadora maioria dos casos não é possível estabelecer o diagnóstico neuroanatómico. A lista de diferenciais é inteiramente dependente do diagnóstico neuroanatómico e o exame neurológico permite não só confirmar a presença de patologia neurológica mas também localizar a lesão num determinado componente do sistema nervoso. Adicionalmente é possível perceber se a lesão é focal, multifocal (afectando várias partes do sistema nervoso) ou difusa (afectando global e simetricamente uma ou várias partes do sistema nervoso). Esta informação permite definir e limitar a lista de diagnósticos diferenciais. O stress e o consequente tónus simpático presentes em muitos gatos durante a consulta podem mascarar alguns défices e aparentemente criar outros. A intolerância à manipulação é comum nos pacientes felinos, manifestando-se por fuga, rigidez ou agressividade, e geralmente dificulta o exame. Raramente é possível executar um exame neurológico completo, a não ser em pacientes muito cooperantes ou mentalmente deprimidos devido à doença subjacente. Alguns reflexos e respostas são mais confiáveis e menos influenciáveis pelo stress mas até estes podem ser difíceis de testar em pacientes assustados se o examinador não os executar de forma paciente e com o mínimo de manipulação. Para maximizar o sucesso do exame neurológico e torná-lo o mais curto e tolerável possível, este deve ser dividido em duas partes: a primeira de observação e a segunda de manipulação e, se necessário, contenção física. Os principais aspectos a avaliar são os seguintes: Primeira parte - observação nível de consciência comportamento postura marcha Segunda parte - manipulação reações posturais nervos cranianos reflexos espinhais tónus e volume muscular nociceção Desta forma, no início da consulta deve dar-se oportunidade ao paciente para deambular livremente no consultório. Normalmente é possível avaliar o estado mental, a postura e a marcha sem qualquer interferência directa. Este período é igualmente importante para a obter as informações mais relevantes do proprietário, como a história clínica, a rapidez do aparecimento e progressão do problema actual e as principais queixas e observações registadas. Em última análise, nada substitui a descrição detalhada dos sinais neurológicos observados pelo proprietário no ambiente natural do gato. É importante questionar acerca da presença de alterações comportamentais, tremores, convulsões, alteração das rotinas e dos ciclos de sono, aparente surdez ou cegueira, relutância em saltar e alterações da marcha como andar em círculos, tropeçar, cair, descoordenação ou locomoção compulsiva. A velocidade de aparecimento e a progressão dos sinais clínicos são dados muito importantes, fulcrais para a criação da lista de diagnósticos etiológicos diferenciais. O proprietário pode prestar uma ajuda valiosa ao filmar aspectos essenciais do paciente no seu ambiente familiar, como a locomoção, o comportamento e sinais episódicos não observados durante a consulta. A avaliação do estado mental é o primeiro passo do exame neurológico. Esta avaliação baseia-se na observação do nível de consciência e da reactividade aos estímulos do meio

envolvente. As alterações do nível de consciência classificam-se, por ordem de severidade, em depressão, torpor, obtundação, estupor (semi-coma) e coma. Geralmente os estados alterados de consciência reportam-se a lesões difusas ou multifocais de ambos os hemisférios cerebrais (telencéfalo) ou a uma lesão focal que afecta o sistema reticular activador ascendente (SRAA) do tronco encefálico. O SRAA estimula o córtex cerebral e regula os ciclos de sono. As alterações mais comuns da consciência incluem desorientação, agressividade, vocalização, andar em círculos ou compulsivamente e pressão com a cabeça. Este tipo de sinais refletem distúrbios do SRAA ou de componentes do sistema límbico (prosencéfalo ou mesencéfalo). A observação da postura e da posição corporal do gato em repouso permitem avaliar a simetria geral do animal e o seu equilíbrio em estação. Também permite detectar alterações como inclinação da cabeça (associada a distúrbios vestibulares), pleurotótono (lateralização da cabeça, pescoço e eventualmente de todo o corpo; associado a uma lesão prosencefálica ipsilateral), ventroflexão do pescoço (associada a doenças neuromusculares ou a lesões severas da substância cinzenta espinhal cervical), curvatura espinhal (cifose, lordose, p.ex.). Também é necessário prestar atenção a cada membro e à posição das articulações em estação, à postura de contacto das extremidades com o solo e à postura e ao movimento voluntário da cauda. Os gatos com perda significativa de equilíbrio geralmente colocam a cauda esticada e elevada dorsalmente. Uma postura de base alargada em estação indica perda de equilíbrio ou de coordenação cerebelar. A rigidez descerebrada indica uma afeção grave do tronco encefálico e caracteriza-se por estupor severo ou coma, tetraplegia hipertónica extensora e pode acompanhar-se de opistótono (extensão da cabeça e pescoço). A postura de Schiff-Sherrington pode ocorrer em lesões da medula espinhal toracolombar e caracteriza-se por hipertonicidade extensora dos membros torácicos e parésia ou plegia dos membros pélvicos. Os reflexos estão intactos e o movimento voluntário dos membros torácicos é normal. A análise do movimento pode ser particularmente difícil em consulta, pois muitos gatos recusam-se a andar por medo ou por desequilíbrio. Colocar o gato numa extremidade dum corredor com alguns obstáculos e a sua caixa transportadora na outra ou colocar o gato numa superfície pouco elevada e tocar-lhe levemente para o convencer a saltar são algumas estratégias que permitem frequentemente avaliar a força e a coordenação do movimento. A marcha normal implica o funcionamento do tronco encefálico, cerebelo, medula espinhal, nervos espinhais, junção neuromuscular e músculos. A contribuição do prosencéfalo para a marcha é mínima nos felinos quando comparados com os primatas. A marcha é avaliada relativamente à sua qualidade (coordenação) e à quantidade ou intensidade (força). A incoordenação define-se como ataxia e a perda de força como parésia. A ataxia classifica-se em três categorias, de acordo com as características do movimento observado, geralmente indicativas da disfunção presente: - ataxia geral proprioceptiva - lesão na medula espinhal ou em nervo(s) periférico(s); caracteriza-se por movimentos de menor amplitude, menos previsíveis e frequentemente com postura anormal das articulações e da extremidade em contacto com o solo. Como esta ataxia ocorre apenas por lesão dos tractos sensoriais ascendentes da medula espinhal, o movimento da cabeça é normal. Acompanha-se geralmente por um grau variável de parésia. - ataxia vestibular - lesão no aparelho vestibular central ou periférico; caracteriza-se por andar em círculos apertados, tendência para cair ou rebolar para o mesmo lado e acompanha outros sinais de distúrbio vestibular como desvio da cabeça e nistagmo. Os animais afectados conseguem compensar parcialmente o desequilíbrio com a

propriocepção e a visão. Quando se remove a informação visual tapando os olhos ao animal esta ataxia agrava-se. - ataxia cerebelar - lesão no cerebelo; postura de base alargada, movimentos de amplitude exagerada, oscilação do tronco e tremores de intenção da cabeça. A parésia pode ser provocada pela incapacidade de suportar peso (lesão de neurónio motor inferior - NMI) ou pela incapacidade de gerar movimento (lesão de neurónio motor superior - NMS) e classifica-se de acordo com a sua severidade e distribuição.o termo parésia implica que algum grau de movimento voluntário está preservado. Quando ocorre perda total do movimento voluntário empregam-se os termos plegia ou paralisia. Os prefixos que indicam a distribuição da parésia são os seguintes: - para- afeção dos membros pélvicos - tetra- afeção dos quatro membros - hemi- afeção dos dois membros de um lado do corpo - mono- afeção de um único membro. A parésia de neurónio motor superior provoca um atraso na recolha da extremidade que marca o início da fase de balanço da passada. Lesões em vários níveis do sistema nervoso central podem produzir os mesmos sinais de NMS. A maioria dos distúrbios da marcha que envolvem as vias de NMS também causam algum grau de ataxia geral proprioceptiva devido à proximidade anatómica destes tractos. Em termos de neurolocalização, a parésia de NMS e a ataxia geral proprioceptiva detectáveis na marcha ocorrem em lesões do tronco encefálico ou da medula espinhal. Por outro lado, a parésia produzida por lesões focais do prosencéfalo é tão ligeira que raramente é detectável. A parésia de NMI manifesta-se por dificuldade em suportar peso, produzindo anomalias da marcha que variam desde uma passada curta até ao colapso do membro sempre que lhe é aplicada carga. A lesão pode localizar-se nos nervos periféricos, na junção neuromuscular e/ou nos músculos. Os défices motores são ipsilaterais à lesão e não são acompanhados de ataxia. É necessário interpretar a marcha cautelosamente pois muitos gatos encolhem-se em ambiente hostil e adoptam uma postura plantígrada aparente. A descrição do movimento deve incluir qualquer movimento anormal, mesmo que não associado à marcha. Nestes movimentos incluem-se os tremores e as hipercineses. A mioclonia é um tremor rítmico, súbito e grosseiro de um músculo ou grupo muscular. Apesar de ser raro no gato, pode ocorrer em encefalomielites e em patologias radiculares cervicais ou lombo-sagradas. Os tremores são mais variados. Podem ser grosseiros (2 ou <4 ciclos por segundo), intermédios ou finos (>7 ciclos por segundo). O tremor grosseiro mais comumente observado é o tremor de intenção que ocorre em lesões do cerebelo. Caracteriza-se como um movimento repetitivo de vai-vem de alta amplitude das extremidades e do pescoço, que se intensifica com o movimento voluntário e é mais óbvio na cabeça, sendo fácil observá-lo quando o gato tenta comer. Os tremores finos são geralmente de baixa amplitude, discretos e detectáveis em repouso. São geralmente causados por patologias neuromusculares ou musculares, patologias da mielina, doenças metabólicas, intoxicações, encefalomielites virais ou lesões dos núcleos da base (prosencéfalo). Outras anomalias do movimento ou hipercineses com sede muscular que podem imitar tremores são raras nos gatos e incluem a fasciculação, a mioquimia e a neuromiotonia. A mioclonia caracteriza-se por uma contração grosseira de um músculo ou grupo muscular, não diminui durante o sono e ocorre devido à perda de inibição muscular, podendo ser provocada por lesões em diversas áreas do sistema nervoso central, geralmente associadas a meningoencefalomielites. Os ataques são alterações momentâneas do prosencéfalo que produzem movimento ou comportamento anormal. A sua natureza paroxística dificulta a sua observação em

consulta. Devido à grande variedade de padrões, é importante questionar directamente os proprietários acerca da eventual observação de movimentos repetitivos ou comportamentos bizarros e solicitar uma descrição pormenorizada desses episódios que permita não só a sua identificação mas também a sua caracterização morfofuncional. A duração dos ataques, a sua frequência, o comportamento observado nos períodos pré e pós ataque são informações igualmente valiosas para a caracterização das patologias epileptiformes e para o seu diagnóstico. Mesmo que a descrição seja clara, os proprietários devem ser instruídos no sentido de criar um registo cronológico dos ataques e a obtenção de vídeo sempre que possível. Os ataques mais frequentes nos gatos são focais, com ou sem generalização secundária. Não ocorre perda de consciência apesar do estado mental poder sofrer alterações. Os ataques podem ser violentos, o animal pode correr, saltar, rebolar, colidir com objectos, vocalizar, morder a língua, os dedos ou a cauda. No entanto também podem ser subtis e só identificados por contrações discretas das vibrissas, pálpebras, orelhas ou pele dorsal. A segunda parte do exame neurológico consiste em realizar os testes que implicam manipulação do paciente: reações posturais, reflexos espinhais e nervos cranianos. A sua execução e interpretação é particularmente desafiante pois diversos testes utilizados de rotina em cães são pouco fidedignos nos gatos, especialmente se estes estiverem alerta e reactivos. Além disso a tolerância do paciente é extremamente baixa. Apesar de poder seguir uma ordem constante e pré-determinada com base no grau de irritabilidade previsível de cada teste, a informação recolhida na primeira parte do exame pode levantar uma forte suspeita a respeito da neurolocalização. O clínico deve por isso selecionar os testes que considerar mais úteis para confirmar as suas suspeitas e realizálos primeiro, pois frequentemente é impossível realizar um exame neurológico completo. Por exemplo, é prioritário testar os reflexos espinhais e as reações posturais num gato paraparético, enquanto que num gato com alterações da consciência e marcha compulsiva é prioritário testar os nervos cranianos. O principal objectivo de testar as reações posturais é detectar défices subtis que não foram óbvios na observação da postura e da marcha. As respostas a estes testes são complexas mas envolvem sempre um componente sensorial aferente e um componente motor eferente. Uma lesão em qualquer destes componentes resulta em reação postural anormal. As reações comumente testadas são o posicionamento proprioceptivo ou propriocepção consciente (knuckling), salto, hemiestação, hemimarcha, carrinho de mão, impulso postural extensor, posicionamento visual e posicionamento táctil. A propriocepção consciente é muito pouco fiável nos gatos. O salto, o carrinho de mão e o posicionamento táctil são mais fiáveis mas a sua execução pode ser contrariada pelo paciente. O salto é mais fácil de executar fazendo a contenção de três membros e baixando subitamente o gato até o membro estendido tocar no chão. Logo que isto aconteça o gato deve ser movido lateralmente. Para realizar o carrinho de mão o pescoço deve estar esticado para orientar o olhar para a frente e os membros pélvicos devem estar levemente elevados, segurando-se o gato pela base do crânio e pelo abdomen. Para o posicionamento táctil, o gato deve ser seguro de forma semelhante ao carrinho de mão, e ser lentamente aproximado a uma marquesa. Logo que os seus carpos toquem na margem o gato deve colocar a extremidade correctamente na superfície da marquesa. Os testes dos nervos cranianos são potencialmente irritantes e devem por isso ser executados tranquilamente. Inicialmente deve dar-se oportunidade ao paciente de ser

submetido a estes testes sem qualquer contenção para minimizar a interferência do tónus simpático na sua interpretação. A resposta de ameaça é provocada pela execução dum gesto ameaçador em direção ao olho do gato com uma mão. Este teste é relativamente sensível à presença de doença intracraniana pois nele participam várias estruturas encefálicas. A via aferente envolve a retina, o nervo óptico (nc II), o tracto óptico contralateral e o prosencéfalo contralateral. A via eferente envolve o prosencéfalo contralateral, o cerebelo ipsilateral e o nervo facial (nc VII). A resposta esperada é um piscar de olhos imediato. O olho contralateral deve ser coberto com a outra mão para avaliar cada olho em separado. Este teste deve ser executado com o cuidado de não tocar nas vibrissas ou gerar correntes de ar que estimulem a sensibilidade facial a cargo do nervo trigémio (nc V) e assim provoquem os reflexos palpebral ou corneano. Muitos gatos não exibem reacção de ameaça em ambiente hostil. Pode ser útil repetir este teste diversas vezes e alterná-lo com o reflexo palpebral para captar a atenção do paciente e assim permitir uma resposta mais consistente. Alternativamente a visão pode ser testada usando estímulos visuais como bola de algodão ou ponteiro laser ou executando o teste de posicionamento visual, no qual o paciente é aproximado duma marquesa e deverá estender os membros para se suportar na sua superfície antes que as extremidades toquem na margem. O tamanho das pupilas resulta do equilíbrio entre o sistema parassimpático, que responde à quantidade de luz que entra no olho, e o sistema simpático que responde ao estado emocional do gato. O componente parassimpático do nervo oculomotor (nc III) controla a contração pupilar em função da intensidade luminosa. O tónus do músculo dilatador da íris é mantido pelo ramo ocular do tronco simpático. Este mantém a pupila parcialmente dilatada em condições normais e dilata-a em períodos de stress e medo e em resposta a estímulos dolorosos. Também regula o tónus da musculatura lisa da periórbita e das pálpebras, mantendo o globo ocular exteriorizado, a fissura palpebral alargada e a terceira pálpebra retraída. O tamanho e a simetria das pupilas devem ser determinadas em ambiente luminoso e na penumbra. Em gatos com anisocoria ou discoria, a identificação da pupila anormal é determinada pelo reflexo pupilar à luz (RPL) e pelo teste de adaptação ao escuro. O RPL testa as vias inconscientes da visão, que divergem das conscientes no tracto óptico e não envolvem o prosencéfalo. A partir do tracto óptico a via aferente dirige-se para a área pré-tectal do mesencéfalo e integra-se com o núcleo parassimpático do nervo oculomotor, de onde parte a via eferente até ao olho. O teste de adaptação ao escuro permite perceber se a anisocoria é acentuada na presença ou na ausência de luz. Com dois minutos de ausência de luz o músculo esfíncter pupilar funcional relaxa completamente. A combinação da ameaça com o posicionamento visual e o RPL permite determinar se a lesão se encontra na parte comum das vias da visão. Esta fase deve incluir um exame oftálmico completo para permitir descartar doenças oculares que possam ser responsáveis pelas anomalias visuais detectadas (atrofia da íris, sinéquia, uveíte, luxação do cristalino, glaucoma...) e para identificar sinais comuns a doenças oftálmicas e neurológicas. Diversas doenças infecciosas felinas com tropismo para o sistema nervoso central causam frequentemente uveíte anterior e/ou posterior. As patologias que provocam acidentes vasculares hemorrágicos encefálicos podem igualmente provocar hemorragia retiniana. O papiledema pode ser observado em gatos com aumento da pressão intracraniana. O síndrome de Horner é mais frequente em gatos que em cães e quando presente deve ser testado farmacologicamente para distinguir lesão pós-ganglionar (com causa frequente no ouvido médio/interno) de pré-ganglionar (mediastínica cranial ou espinhal). O nc III contém adicionalmente um componente eferente somático que é responsável pelo controlo do músculo elevador da pálpebra superior e pela maioria dos músculos estriados extra-oculares, permitindo a orientação do globo ocular, juntamente com os músculos controlados pelos nervos cranianos troclear (nc IV) e abducente (nc VI). Lesões nestes

nervos podem resultar em diferentes tipos de estrabismo. No entanto os gatos de algumas raças (Siamês, Himalaia e Birmanês) apresentam frequentemente estrabismo convergente (medial) e nistagmo pendular espontâneo resultantes de uma anomalia congénita nas vias da visão considerada normal para a raça e que não é acompanhada de patologia neurológica. O nervo trigémio (nc V) é responsável pela inervação sensitiva da face (pele, córnea e mucosas do septo nasal e cavidade oral) e pela inervação motora dos músculos mastigadores. O componente motor é avaliado pelo tamanho e simetria muscular e pela resistência voluntária à abertura da boca. Ao abrir a boca do paciente é também possível observar a simetria da língua, a cargo do nervo hipoglosso (nc XII) e o reflexo de deglutição (inserindo um dedo no pós-boca), a cargo dos nervos cranianos glossofaríngeo (nc IX) e vago (nc X). O componente sensitivo do nc V é testado pelos reflexos corneano (ramo oftálmico), palpebral (ramo oftálmico no canto medial e ramo maxilar no canto lateral), pela resposta à estimulação táctil do plano nasal (ramo oftálmico) e pelo toque nas vibrissas ou pelo pinçamento da pele da face (que provocam pestanejar ou contração facial ipsilateral). O nervo facial (nc VII) é responsável pela inervação dos músculos da expressão facial. Esta função é avaliada através da observação do movimento voluntário das orelhas, cílios supra-oculares, lábios e narinas, e pelo componente motor dos reflexos corneano e palpebral, da reação de ameaça e da estimulação táctil da face e das vibrissas. O teste de Schirmer permite avaliar a inervação parassimpática da glândula lacrimal associada ao nc VII. Tal como ocorre na ameaça, a resposta à estimulação nasal requer o funcionamento do prosencéfalo contralateral. As narinas são estimuladas separadamente com um cotonete ou outro objecto fino enquanto os olhos do gato estão tapados para impedir qualquer estímulo visual concorrente. A resposta esperada é um movimento de recuo da cabeça e do pescoço. O componente aferente envolve o ramo oftálmico do nc V que conduz a informação ao tronco encefálico, a partir do qual é projectada para o prosencéfalo contralateral. A observação da postura e da marcha fornece muitas informações acerca do funcionamento do componente vestibular do nervo vestibulococlear (nc VIII). Esta função pode ser testada mais especificamente pelo reflexo oculovestibular e pela deteção de nistagmo patológico (espontâneo). O nistagmo fisiológico ocorre em animais normais e serve para estabilizar o campo visual na retina durante o movimento da cabeça. Em qualquer nistagmo existe uma fase lenta e uma fase rápida. O nistagmo fisiológico pode ser observado em pacientes normais provocando o reflexo oculovestibular. Este é mais fácil de observar segurando o gato na vertical e rodando-o em torno do examinador, primeiro para um lado e depois para o outro. Este reflexo ocorre sempre no plano de rotação da cabeça e consiste numa fase lenta oposta à direção de rotação e numa fase rápida na direção da rotação da cabeça. Existem dois tipos de nistagmo patológico observáveis em gatos com patologia vestibular: espontâneo (que ocorre em repouso) e/ou posicional (que ocorre após uma mudança súbita na posição da cabeça e persiste durante algum tempo em repouso). A melhor forma de observar o nistagmo posicional nos gatos consiste na sua colocação rápida em decúbito dorsal e na extensão do pescoço. O nistagmo classifica-se também em função da direção: horizontal, vertical ou rotacional. Em patologias do aparelho vestibular periférico o nistagmo é geralmente horizontal ou rotacional. As lesões do aparelho vestibular central podem causar nistagmo em qualquer direção e a direção pode mudar ocasionalmente com diferentes posições da cabeça. O nistagmo vertical é mais frequentemente provocado por lesões centrais. Os restantes testes de nervos cranianos são difíceis de executar e interpretar no paciente felino e por isso não contribuem significativamente para a neurolocalização da lesão.

Os reflexos espinhais devem ser considerados como a continuação natural da marcha e das reações posturais. Após avaliar a marcha e as reações posturais, o clínico já deve poder localizar a lesão cranialmente a T3, caudalmente a T3 ou no sistema nervoso periférico. A avaliação dos reflexos espinhais ajuda a delimitar ainda mais a lesão ao testar as intumescências cervicotorácica (C6-T2) e lombo-sagrada (L4-S3), os nervos espinhais que lhes estão associados e os territórios motores e sensitivos por eles inervados. Os reflexos espinhais não testam a sensibilidade consciente ou a nocicepção. As lesões que ocorram nos segmentos espinhais referidos provocam diminuição dos reflexos dos membros torácicos e pélvicos respectivamente, bem como redução do volume e do tónus muscular. A avaliação dos reflexos espinhais no gato é facilitada se este for posicionado em decúbito dorsal entre as coxas do examinador ou, alternativamente, do proprietário. Esta posição permite que os membros se mantenham em ligeira flexão e permite avaliar a sua simetria. São descritos diversos reflexos espinhais mas infelizmente no gato a maioria é de interpretação muito difícil. Os reflexos espinhais mais fiáveis nos gatos são o reflexo flexor de retirada e o reflexo patelar. No reflexo flexor normal deve ocorrer uma flexão generalizada do membro em resposta à pressão de um dígito. A observação atenta da força da retirada e a participação de todos os grupos musculares no movimento reflexo pode ser muito útil na deteção de patologias periféricas ou de neurónio motor inferior. A observação do extensor cruzado (extensão anormal do membro oposto) durante o reflexo flexor é igualmente importante, pois a sua presença é indicativa de patologia de neurónio motor superior (encéfalo ou medula espinhal). No membro torácico este teste avalia a integridade dos segmentos espinhais C6-T2, o plexo braquial, os nervos periféricos radial, axilar, musculocutâneo, mediano e ulnar e respectivos músculos inervados. No membro pélvico permite avaliar os segmentos L4-S1, os nervos femoral e ciático e os respectivos músculos por estes inervados. Este reflexo não depende da percepção consciente de estímulos nociceptivos. O reflexo patelar consiste na contração do músculo quadricípede e extensão do joelho e é provocado pela percussão do tendão patelar. este reflexo avalia a integridade dos segmentos medulares L4-6 e do nervo femoral. A sua diminuição indica uma lesão nestas estruturas, mas também pode ocorrer em gatos com doença articular. A avaliação do tónus extensor do membro pélvico pode ser usado como controlo em gatos com reflexo patelar ambíguo pois envolve os mesmos componentes neuroanatómicos. Uma lesão cranial ao segmento L4 pode provocar um reflexo patelar normal ou exagerado. Na ausência de outros défices neurológicos, um reflexo patelar exagerado não tem significado e é observado frequentemente em gatos excitados ou nervosos. O reflexo patelar também pode parecer exagerado em gatos com lesão nos segmentos espinhais L6-S1 ou no nervo ciático. Esta pseudo-hiperreflexia resulta da diminuição do tónus dos músculos que flectem o joelho e que normalmente contrariam a extensão do joelho no final do arco reflexo. A avaliação do tónus e volume muscular pode ser feita por observação directa e por palpação durante a avaliação das reações posturais e dos reflexos espinhais. A palpação pode ser mal tolerada pelo paciente felino e por isso pode ser preferível reservá-la para o final da consulta. O clínico deve começar por palpar todo o corpo superficialmente e registar qualquer alteração de volume, assimetria, desvio ou fonte de dor, desde a cabeça à cauda. Deve-se fazer a retropulsão dos globos oculares. A palpação mais profunda da coluna deve ser realizada lentamente. Deve-se flectir e estender o pescoço e a cauda nos três planos. A distribuição da atrofia muscular dá indicações da disseminação do processo em curso mas não permite, só por si, diferenciar patologias musculares. As alterações do tónus muscular ocorre geralmente por lesão nas vias motoras. A flacidez é indicativa de lesão

de neurónio motor inferior. Na lesão de neurónio motor superior o tónus muscular pode estar aumentado. A avaliação da nociceção é por natureza a parte mais desagradável e deve por isso finalizar o exame neurológico. Para que o estímulo seja consistente deve usar-se uma pinça hemostática. A sensibilidade dolorosa superficial avalia-se pinçando uma prega de pele. A sensibilidade profunda avalia-se pinçando osso (falanges ou vértebras caudais). O estímulo inicial deve ser suave e gradualmente aumentado até se obter uma resposta, para não provocar dor desnecessária. A resposta positiva é comportamental e não deve ser confundida com o reflexo flexor (no caso dos membros) ou do panículo (no caso do dorso). A perda generalizada de sensibilidade profunda em patologias medulares indica lesão severa. A diminuição ou perda de nociceção dum lado do corpo pode indicar lesão prosencefálica contralateral. Em suspeitas de lesão ao nível dos nervos espinhais provenientes das intumescências medulares é útil testar a nociceção dos dermátomos individuais para identificar os nervos periféricos afectados. Após a realização do exame neurológico é geralmente possível localizar a lesão numa das divisões funcionais do sistema nervoso: - prosencéfalo (telencéfalo e diencéfalo) - tronco cerebral (mesencéfalo, ponte e medula oblonga) - cerebelo - medula espinhal: - cervical (C1-5) - intumescência cervico-torácica (C6-T2) - toracolombar (T3-L3) - intumescência lombo-sagrada (L4-S3) - sistema nervoso periférico: - localizada na cabeça - localizada num membro - generalizada. As lesões em cada uma destas divisões provocam sinais neurológicos previsíveis e específicos. No entanto, para localizar a lesão não é necessária a presença de todos os sinais produzidos por lesões nessa região específica. É apenas necessário que todos os sinais observados possam ser explicados por uma localização concreta. Quando isto não é possível devemos repetir o exame neurológico para confirmar a presença de patologia multifocal ou difusa. A partir da neurolocalização, e com base na resenha do paciente, a apresentação clínica do problema, o seu início (agudo, subagudo, crónico ou episódico) e progressão (estático, progressivo, em resolução ou recidivante), é possível dar o segundo passo na abordagem ao paciente neurológico: a elaboração duma lista de diagnósticos etiológicos diferenciais. Sabendo à partida que diferentes etiologias têm formas de aparecimento e de progressão distintas, bem como susceptibilidade diferente com base na idade, sexo, raça e estilo de vida, é possível eliminar diversas etiologias e restringir a lista de diferenciais a cinco - preferencialmente três - causas ou mecanismos de doença mais prováveis dos dez identificados:

Mecanismo Início Evolução Progressão Vascular agudo ou subagudo não progressivo ou regressivo focal e geralmente assimétrico Inflamatório / Infeccioso agudo, subagudo ou insidioso progressivo ou flutuante na fase precoce focal ou multifocal simétrico ou assimétrico Tóxico agudo progressivo difuso, bilateral e simétrico Traumático agudo estático ou regressivo geralmente focal assimétrico ou simétrico Anómalo crónico ou ocasionalmente agudo estático ou lentamente progressivo durante a fase juvenil variável Metabólico variável, frequentemente agudo flutuante ou progressivo difuso, bilateral e simétrico Idiopático agudo estático ou regressivo específico para cada síndrome Neoplásico crónico ou ocasionalmente agudo progressivo geralmente focal assimétrico ou simétrico Nutricional variável, agudo ou insidioso progressivo difuso, bilateral e simétrico Degenerativo crónico progressivo geralmente difuso e simétrico Este exercício é fundamental para a seleção dos meios de diagnóstico mais adequados para cada caso. Como trabalhamos quase sempre com limites orçamentais e temporais, devemos determinar, para cada localização e apresentação clínica, as doenças mais frequentes dentro de cada categoria de diferenciais etiológicos da lista previamente elaborada e assim optimizar a escolha dos exames diagnósticos a realizar. Estes devem ser realizados começando pelo menos invasivo e terminando no mais invasivo. O desconhecimento da localização da lesão no sistema nervoso e do tipo de mecanismo de doença envolvido é a principal causa de falha no diagnóstico das doenças neurológicas dos felinos. As características biológicas destes pacientes podem condicionar largamente a recolha de informação relevante da história e dos sinais clínicos. Frequentemente isto representa uma barreira que tende a negligenciar a avaliação neurológica consistente e que impede a escolha acertada dos exames diagnósticos mais convenientes. Apesar do paciente neurológico felino poder ser frustrante, o sucesso do seu tratamento requer ferramentas simples: abordagem lógica e sistemática, observação atenta, colaboração do proprietário e um consultório tranquilo. Bibliografia: - Bailey KS, Dewey CW. The seizuring cat: diagnostic work-up ant therapy. J Feline Med Surg 2009; 11: 385 394 - de Lahunta A, Glass, E. Veterinary neuroanatomy and clinical neurology. 3rd ed. St Louis, Missouri: WB Saunders Co, 2008.

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