PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC SP SIWLA HELENA SILVA



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Transcrição:

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC SP SIWLA HELENA SILVA RESTAURANT À MODA DE PARIS : MUDANÇAS CULTURAIS E O SURGIMENTO DO RESTAURANTE NA CIDADE DE SÃO PAULO 1855-1870 MESTRADO EM HISTÓRIA SÃO PAULO 2007

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC SP SIWLA HELENA SILVA RESTAURANT À MODA DE PARIS : MUDANÇAS CULTURAIS E O SURGIMENTO DO RESTAURANTE NA CIDADE DE SÃO PAULO 1855-1870 MESTRADO EM HISTÓRIA Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em História, sob a orientação da Profª Drª Yvone Dias Avelino. SÃO PAULO 2007

_ Silva, Siwla Helena Si381r Restaurant à moda de Paris : mudanças culturais e o surgimento do restaurante na cidade de São Paulo 1855-1870 / Silva, Siwla Helena São Paulo, 2007. São Paulo, 2007. Orientadora: Profª Drª Yvone Dias Avelino Dissertação (Mestre em História) - Pontifícia Universidade Católica São Paulo, 1.História Social 2.Brasil Império 3.Origem do restaurante 4.São Paulo 5.Paris. I. Avelino, Yvone Dias (Orient.) III. Título CDD 647

BANCA EXAMINADORA

A meus pais, Beatriz e Nilson, inspiração e conforto Sol ou tempestade, eu sempre tive um porto

AGRADECIMENTOS sorrir; A Alexandre, pelo companheirismo, pela santa paciência e por me fazer Aos meus colegas e professores no Mestrado, por tudo que me ensinaram e pela paciência com o sapo de fora ; A minha orientadora, Yvone, pela confiança; À família e aos amigos, pelo apoio; Ao Senac SP Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial de São Paulo e às suas fantásticas pessoas, que nos últimos doze anos me proporcionaram conhecimento e diploma, trabalho e realização, amizade e desafios, boas risadas e algumas lágrimas e, last but not least, uma bolsa sem a qual este não seria possível.

A questão gastronômica é uma questão estética e filosófica: a cozinha relaciona-se com as belas-artes e com as práticas culturais das civilizações de todas as épocas. As cozinhas dos diversos períodos históricos representam-nos, tanto quanto as pinturas, as sonatas, as esculturas, as peças de teatro ou de arquitetura. Michel Onfray

RESUMO A conceituação do restaurante, do que o caracteriza como um tipo de empreendimento de alimentação diferenciado de tabernas, inns, traiteurs, casas de pasto etc., os fatores implicados em seu surgimento na cidade de Paris no final do século XVIII e aqueles que envolveram o mesmo processo na cidade de São Paulo no final do século XIX foram os temas centrais desta dissertação. A partir de literatura especializada, foi feito um breve relato sobre os tipos de estabelecimentos de alimentação anteriores ao restaurante, as circunstâncias de seu surgimento em Paris e realizada uma investigação bibliográfica sobre a influência dos conceitos de civilidade, espaço público e gosto neste fenômeno. Esta fundamentação teórica permitiu a identificação de possibilidades de verificar a repetição do fenômeno na cidade de São Paulo, através de registros bibliográficos de memorialistas e viajantes, mas, sobretudo através do jornal dirigido às elites da época, em seus anúncios. Os resultados obtidos dessas fontes demonstram que pelo menos as duas características principais do restaurante, ou seja, a possibilidade de ser servido em uma mesa à parte, sozinho ou com os acompanhantes escolhidos e a de escolher antecipadamente o que comer em uma carte (cardápio), pagando apenas pelo prato consumido, estavam presentes nos estabelecimentos pioneiros das duas cidades e períodos, bem como eram coincidentes suas clientelas no princípio, formadas pelas elites daquelas cidades. Palavras-chave: História Social; Brasil Império; origem do restaurante; São Paulo; Paris.

ABSTRACT The conceptualization of the restaurant, that which characterizes it as a type of food service differentiated from taverns, inns, traiteurs, diners etc., the factors implicated in its appearance in the city of Paris at the end of the 18th century and those involved in the same process in the city of São Paulo at the end of the 19th century were the central subjects of this dissertation. From specialized literature, a brief report was done on the types of establishments of food service prior to the restaurant, the circumstances of its appearance in Paris and a bibliographical investigation was carried out on the influence of the concepts of civility, public space and taste in this phenomenon. These theoretical fundaments allowed the identification of the possibility of verifying the repetition of the phenomenon in the city of Sao Paulo, through bibliographical research of memorialists and travelers, but especially through the newspaper directed to the elites of the time, in its announcements. The results obtained from these sources demonstrate that at least the two main characteristics of the restaurant, i.e., the possibility of being served on a separate table, alone or with chosen companions and of choosing in advance what to eat in a carte (menu), paying only for the consumed dish, was present in the pioneer establishments of the two cities and periods, as well as in their beginning their clienteles were coincident, formed from the elites of those cities. Key-words: Social History; Imperial Brazil; restaurant s origin; São Paulo; Paris.

LISTA DE ILUSTRAÇÕES Figura 1: Taberna da cidade de Pompéia...21 Figura 2: Le Restaurant Justa, de 1815...32 Figura 3: O Triângulo....48 Figura 4: Sobrado do século XIX, da Rua XV de Novembro...54 Figura 5 Primeiro número do Correio Paulistano, de 26 de junho de 1854....57 Figura 6 Anúncio - 10 de julho de 1855- Cantos da Solidão...59 Figura 7 Anúncio - 31 de janeiro de 1855 - Teatro de São Paulo...60 Figura 8 Comunicado - 10 de janeiro de 1855 - Contra a prática do Entrudo...62 Figura 9 Anúncio - 17 de março de 1855 - fornecedor de carnes...63 Figura 10 Anúncio - 27 de junho de 1855 - entretenimento na cidade....65 Figura 11 Anúncio - 21 de agosto de 1855 - entretenimento na cidade....66 Figura 12 Anúncio - 28 de agosto de 1855 - serviços para o entretenimento...66 Figura 13 - Rua São Bento, esquina com Rua do Ouvidor, 1862...71 Figura 14 - Rua da Imperatriz, atual Rua 15 de Novembro, 1862....71 Figura 15 Anúncio - 01 de janeiro de 1865....73 Figura 16 Anúncio - 05 de fevereiro de 1867...74 Figura 17 Anúncios - 01 de janeiro e 12 de março de 1862 - Casa Garraux...77 Figura 18 Anúncio - 08 de fevereiro de 1867 - Casa Garraux....78 Figura 19 Anúncio - 01 de dezembro de 1870 Casa Garraux...79 Figura 20 Anúncios - 24 de abril de 1862 e 15 de março de 1865 - sofisticação da oferta de mercadorias pelos comerciantes da cidade de São Paulo....80 Figura 21 Anúncio - 25 de setembro de 1862...81 Figura 22 Anúncios - 06 de junho de 1862 e 28 de dezembro de 1862....81 Figura 23 Anúncio - 06 de junho de 1862...82 Figura 24 Anúncio - 15 de fevereiro de 1865...83 Figura 25 Anúncio - 25 de novembro de 1865...84 Figura 26 Anúncio - 24 de abril de 1862 Microscópio Solar...86 Figura 27 Anúncios - 28 de fevereiro de 1862 e 06 de janeiro de 1865....87 Figura 28 Anúncio - 04 de fevereiro de 1870 - Entrudo....87 Figura 29 O Teatro de São José, Largo de São Gonçalo, 1862...88 Figura 30 Anúncio - 26 de dezembro de 1855 - Aluguel de carros...93 Figura 31 Anúncio - 22 de maio de 1855 - Encomenda...94 Figura 32 Anúncios - 17 de fevereiro (Hotel Paulistano) e 30 de outubro de 1855 (Hotel do Universo e Cornélio )...95 Figura 33 Anúncios - 16 de abril e 09 de maio de 1856 - encomenda e mesa redonda...97 Figura 34 Anúncios - 11 de setembro de 1858 - serviço de encomenda, no Hotel des Voyageurs; e mesa redonda, no Hotel de Commerce....98 Figura 35 Anúncio - 26 de março de 1859 - mesa redonda e encomenda...98 Figura 36 Anúncio - 20 de fevereiro de 1862 - Café e refrescos.....100 Figura 37 Anúncio - 29 de novembro de 1862 - Freqüência de famílias a um estabelecimento de alimentação....101 Figura 38 Anúncios - 16 de março e 28 de dezembro de 1862- doces e refrescos...102 Figura 39 Anúncio - 02 de abril e em 24 de dezembro de 1865...102

Figura 40 - Rua do Comércio, esquina com a Rua da Quitanda, 1862....103 Figura 41 Anúncios - 29 de setembro de 1865 e em 03 de janeiro de 1867...104 Figura 42 Anúncio - 23 de março de 1870...104 Figura 43 Hotel Palm, Largo do Ouvidor, 1862...106 Figura 44 Anúncio - 03 de agosto de 1862....106 Figura 45 Anúncios publicados - 01 de janeiro, 12 de abril e 05 de setembro de 1862 - A tradicional mesa redonda começa a apresentar variações...107 Figura 46 Anúncios - 27 de novembro e 20 de dezembro de 1862 - Restaurant de Pariz...108 Figura 47 Anúncio - 07 de abril de 1864 Hotel de Quatro Nações...109 Figura 48 Anúncio - 02 de dezembro de 1865...111 Figura 49 Anúncios - 10 de maio e em 03 de setembro de 1865...111 Figura 50 Anúncio - 12 de março de 1865...112 Figura 51 Anúncios - 03 de janeiro e em 06 de fevereiro de 1867...113 Figura 52 Anúncio - 02 de setembro de 1869...113 Figura 53 Anúncios - em 27 de fevereiro e em 01 de julho de 1870...114

LISTA DE TABELAS Tabela 1 - Anunciantes estrangeiros de serviços no jornal Correio Paulistano, no ano de 1857... 67 Tabela 2 - Gêneros alimentícios anunciados nas páginas 3 e 4 do jornal Correio Paulistano, nos anos de 1857, 1859, 1867 e... 77 Tabela 3 - Anunciantes estrangeiros de serviços no jornal Correio Paulistano, no ano de 1867... 84

SUMÁRIO INTRODUÇÃO...12 1. PARIS E A ORIGEM DO RESTAURANTE NO OCIDENTE...20 1.1 Table d hôte: a fórmula antiga...22 1.2 Os cafés...24 1.3 Os restaurantes em Paris...27 1.3.1 Le restaurant qu es- ce que c est?...27 1.3.2 O espaço público urbano...32 1.3.3 A questão do gosto...36 1.3.4 O papel dos chefs...41 2. A CIDADE DE SÂO PAULO ATÉ 1870...46 2.1 Arraial de sertanistas até 1828...46 2.2 Burgo de estudantes 1828 até 1859...52 2.3 A chegada da Inglesa 1860 a 1870...68 3. RESTAURANT À MODA DE PARIS...90 3.1 Mesa redonda...90 3.2 Cafés, confeitarias e sorveterias paulistanos...99 3.3 Grande Restaurant de Pariz...105 CONCLUSÃO...116 FONTES E BIBLIOGRAFIA...121 APÊNDICE A RESUMO DOS ANÚNCIOS 1855/1857/1859/1862/1865/1867/1869/1870...126

12 INTRODUÇÃO A simples observação, nas ruas e na vida diária da cidade de São Paulo, já indica a grande importância atual da gastronomia e, em particular, dos restaurantes, tanto para a população residente como para visitantes da cidade, registrada não apenas pelo grande número e variedade de empresas que se dedicam à atividade, com todos os níveis possíveis de sofisticação de cardápio e serviço, mas também pelos eventos e feiras da área que aqui acontecem, dos artigos de jornais, reportagens televisivas, revistas especializadas, livros etc. São Paulo hoje é a maior cidade do país, com pouco mais de 11 milhões de habitantes e amplamente reconhecida como o maior mercado de gastronomia do Brasil: são cerca de 12.500 restaurantes, além de cerca de 15.000 bares, segundo dados da Prefeitura da Cidade de São Paulo. Em outro registro numérico, pode-se observar que a cidade do Rio de Janeiro, por exemplo, segundo dados do IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, apesar de sua estabelecida tradição turística e de contar com 6.136.000 habitantes, 56% da população da capital paulista, apresenta um total de 11.969 empresas de alojamento e alimentação, ou cerca de apenas 35% das 33.618 empresas destes setores localizadas na cidade de São Paulo. Aparentemente, não é sem motivos que existe a famosa brincadeira carioca sobre os restaurantes e bares serem a praia dos paulistanos. Visando ainda reforçar e incentivar esta característica existem, entre outras, iniciativas como o programa São Paulo - Capital Mundial da Gastronomia 1, por exemplo: uma iniciativa conjunta do SINHORES - Sindicato de Hotéis, Restaurantes, bares e Similares de São Paulo, ABRESI Associação Brasileira de Gastronomia, Hospedagem e Turismo e COMTUR - Conselho Municipal de Turismo de São Paulo, lançado em 1988 e retomado em 1997, quando se tornou anual, que busca identificar a cidade como um pólo turístico através da divulgação da variedade e qualidade de seus restaurantes. 1 Criado em 1997. Disponível em http://www.abresi.com.br/htmls/abresi/acoes_programas.htm, acessado em 18/09/2005, 17h23.

13 Para atender com mão-de-obra e informação toda esta vibrante área de atividade, os cursos livres ou formais, inclusive de nível superior, surgiram em grande número na última década e continuam a firmar-se como área cada vez mais reconhecida do conhecimento e de escolha profissional dos jovens. Levando-se em conta somente o nível de graduação, por exemplo, partindo de apenas três cursos em funcionamento no Brasil no período de 2000/2001, serão cinqüenta e um autorizados a funcionar em 2008, sendo vinte e cinco deles apenas na Região Sudeste (dos quais dezenove foram criados a partir de 2004), segundo dados do cadastro do Ministério da Educação e Cultura 2. Entretanto, o ensino e pesquisa de Alimentos e Bebidas 3 e de Gastronomia sofrem com um paradoxo: naquele que é talvez o seu momento de maior popularidade e expansão, continua marcante a falta de textos mais aprofundados que auxiliem um melhor entendimento da sua formação histórica em nosso país, sobretudo aqueles tragam à discussão aspectos como favorecimento e exclusão de classes sociais, gênero ou conseqüências de atividades econômicas. A produção da academia brasileira em geral (e a historiográfica em particular) sobre a alimentação e gastronomia vem se limitando, por muito tempo, aos aspectos da produção e consumo dos alimentos como movimento econômico e dentro do espaço privado, como pode ser visto, por exemplo, em Cascudo (1983) e Carneiro (2003). 2 Disponível em http://portal.mec.gov.br/sesu/, acessado em 15/07/2007, 10h57. 3 A área de Alimentos e Bebidas se diferencia da Gastronomia por tratar especificamente de técnicas administrativas e operacionais para empresas de alimentação, enquanto aquela trata mais especificamente das técnicas de preparo dos alimentos. Pode-se atualmente encontrar um vasto vocabulário de termos próprios comuns às duas, que podem surgir na reflexão proposta a seguir. Assim, brigada é a denominação dada às equipes de trabalho dentro de restaurante. Mais especificamente, são conhecidas como brigadas de cozinha (chef, cozinheiros, ajudantes, etc.) e de sala (maîtres, garçons). Ambas guardam posições altamente hierarquizadas e com relações bastante definidas entre elas. Uma das principais dificuldades em administrar um restaurante é conseguir harmonizar estas brigadas, que tendem a ter relações tensas. Cada cliente atendido pode receber a denominação de couvert, sendo que couvert médio é o índice obtido pela divisão da receita de um determinado período pela quantidade de clientes servidos no mesmo período, ou seja, o gasto médio dos clientes do estabelecimento. Número médio de couverts é o índice referente ao número médio de clientes atendidos por dia ou por turno (almoço/jantar) em um restaurante, obtido dividindo-se o total de clientes atendidos pelo número de dias ou turnos. O conjunto de tarefas executadas antes do início do expediente em um restaurante, objetivando-se a agilidade e organização no serviço ao cliente, é geralmente chamado mise-en-place. Na cozinha, no salão e no bar, a mise-en-place compreende a higiene do ambiente, montagem das mesas, o pré-preparo de alguns alimentos e a organização de temperos, utensílios, etc. Confira Davies (1999), Maricato (1997) e Fonseca (2000).

14 Outros trabalhos nas áreas de restaurantes e hotelaria, como os publicados pela Horwath Consulting/Soteconti Auditores (2000) e pela ABRESI (1996), apresentam um caráter quantitativo, de coletâneas de dados para formação de perfis estatísticos. Mesmo na esfera internacional, com notável ênfase da França (por se tratar da pátria gastronômica par excellence), existe um semivácuo sobre a história dos restaurantes, em especial nos períodos iniciais. Nas páginas que se seguem, buscou-se, portanto, suprir uma pequena parte desta necessidade, ao observar e analisar o surgimento dos primeiros restaurantes da cidade de São Paulo e seu desenvolvimento principalmente entre 1855 e 1870, como um fenômeno integrado em uma das fases mais ativas de transformações em São Paulo no século XIX. Englobando a fase inicial da economia do café no Estado e o aparecimento de seus barões, além da ligação da cidade ao interior e ao porto de Santos pela ferrovia São Paulo Railways, esta foi uma fase marcante pelas profundas alterações econômicas, políticas e culturais dela decorrentes. Sendo bastante extenso para propiciar a formação de um painel complexo e acompanhar as transformações, ao mesmo tempo este recorte temporal é curto o suficiente para permitir que se mantenha o foco no maior interesse do trabalho, ou seja, a mudança cultural da qual faz parte o aparecimento dos restaurantes e sua ligação com os movimentos sociais percebidos na cidade. Porém, são levantados brevemente alguns períodos antecedentes importantes como, por exemplo, a fase de instalação da Faculdade de Direito do Largo São Francisco e a conseqüente fase de burgo de estudantes proposta por Bruno (1991), pela qual passou a Capital paulista, permitindo um melhor entendimento daquela mudança. Com a análise dos fatores e processos que condicionaram o surgimento dos restaurantes na cidade de São Paulo, pretende-se contribuir assim para um maior entendimento da formação da sociedade paulistana e de sua cena gastronômica. Além disso, pode-se oferecer algum novo ângulo na compreensão do papel da cidade dentro da história do turismo e da hospitalidade no Brasil, do restaurante como local de socialização e lazer e, conseqüentemente, aumentar o

15 entendimento de alguns aspectos da cultura local. O tema é de interesse, portanto, não apenas para os historiadores, mas também e, talvez, principalmente para estudantes e docentes de cursos de graduação e pósgraduação de Hotelaria, Gastronomia e Turismo e para o público em geral. Numa nota mais pessoal, parte do interesse pelo tema surgiu quando a autora era estudante de Tecnologia em Hotelaria na Faculdade SENAC de Águas de São Pedro. O município de Águas de São Pedro (SP) é o menor do Brasil, com pouco mais de 2.000 habitantes. A Faculdade SENAC começou a funcionar em 1995 e em pouco tempo havia cerca de 200 jovens (quase 10% da população!), a grande maioria entre 18 e 20 anos, necessitando com urgência de locais para morar, comer, divertir-se etc. Essa súbita invasão provocou as mais diversas reações da população local, algumas bastante negativas (embora engraçadas, em retrospecto). Nas leituras durante o curso, despertou o interesse da pesquisadora uma obra na qual em determinada altura são descritas por Podanovski (1988) algumas reações iniciais da São Paulo do início do século XIX aos recém-chegados estudantes do Largo São Francisco e alguns dos problemas enfrentados pelos mesmos para se alojarem e se alimentarem numa cidade então pequena e acanhada. Achando muito interessantes os paralelos entre os estudantes das duas épocas e cidades, iniciou-se assim uma série de pesquisas que, alguns anos depois, resultaram em um texto publicado em conjunto com Fonseca (2000), e que se pretende, em alguns aspectos, aprofundar com o atual trabalho. Da literatura então consultada, sobretudo memorialistas da cidade de São Paulo e autores técnicos de Alimentos e Bebidas, surgiram algumas constatações e dúvidas que determinaram a temática do presente trabalho. Constatou-se, primeiramente, que havia fortes indícios de que existia na cidade de São Paulo, até meados do século XIX, uma franca hostilidade a empresas de hospedagem e alimentação. Também foi notado que não havia uma definição específica do que caracteriza efetivamente uma empresa de alimentação como sendo um restaurante, diferenciando-a dos demais tipos de estabelecimentos de alimentação. Assim, a pesquisa passou também, como ponto de partida, a visar à definição deste conceito: o que é um restaurante?

16 Levantou-se então a questão central, voltada ao quadro local da cidade de São Paulo: por quê, partindo daquele quadro hostil em princípios do século XIX e para atingir a pujança hoje demonstrada em seus números e qualidade, os paulistanos começaram a considerar aceitável a freqüência aos estabelecimentos de hospitalidade em geral, e aos restaurantes em particular? Desejava-se também verificar quando surgiram ali os verdadeiros restaurantes, com as características os definem? A partir destes problemas, algumas outras perguntas se levantaram, sobre o tipo de cozinha e serviços oferecidos e quem seriam seus proprietários. Para tentar esclarecer estes problemas, buscou-se inicialmente a ajuda de autores da área e Alimentos e Bebidas, onde são enfocados, sobretudo, os aspectos técnicos e administrativos, como nas propostas de Davies (2000), Fonseca (2000) e Pacheco (2005), a fim de obter subsídios para a definição de restaurante. Em relação às origens históricas, foram recebidas contribuições dos trabalhos desenvolvidos por Cascudo (1983), Flandrin e Montanari (1998), Barreto (2000), Bolaffi (2000), Franco (2000) e Carneiro (2003), que ajudaram a criar um suporte básico: porém, revelou-se inestimável e fundamental a discussão levantada por Rebecca L. Spang (2003), que procurou entender o surgimento e o desenvolvimento do restaurante na Paris do século XVIII e suas principais características, sendo um de seus focos as transformações na esfera pública da burguesia propostas pelo filósofo Jürgen Habermas (1984), a cujo corpo teórico também se recorreu. Também importante para o desenvolvimento do tema foi o trabalho de Norbert Elias (1994), em sua discussão do processo civilizador, sobretudo em sua análise da evolução das maneiras à mesa e das formas de convívio, bem como a lógica apresentada quanto à evolução dos sentimentos e das práticas de convivência na sociedade ocidental a partir de fins da Idade Média. Para dar mais corpo a este sentido do surgimento dos restaurantes e como um dos focos para traçar seu desenvolvimento, em locais tão distintos quanto a Paris do século XVIII e a São Paulo do século XIX, procurou-se trazer à reflexão

17 o trabalho de Bourdieu (2002) sobre o sentido do gosto estético, principalmente no que se refere ao seu papel no senso de distinção entre as classes sociais. O entendimento do processo de urbanização da cidade de São Paulo, discutido por Porto (1992), é também importante para esse estudo, bem como a contribuição de diversos autores importantes da sua historiografia e da do Brasil, como Holanda (1995), Dias (1995), Toledo (2003), Moura (1998), Cruz (2000), entre outros. A pretensão desta reflexão é, portanto, antes traçar um panorama amplo e propor algumas conexões e paralelos que esgotar completamente um ponto específico, numa tentativa de lançar luzes e estimular futuros aprofundamentos sobre o desenvolvimento histórico dos estabelecimentos de alimentação e seus papéis na trama social, no qual atualmente se sentem tantas lacunas. Tem-se aqui como hipótese de trabalho que, em São Paulo como em Paris, o surgimento dos restaurantes acompanhou mudanças culturais profundas e que os mesmos surgiram, inicialmente, como resposta a necessidades estéticas e sociais das elites, só mais tarde se popularizando. A pesquisa se desenvolveu principalmente por pesquisa qualitativa, e busca, conforme Dencker e Da Viá (2000, p.25) entender o quadro referencial dentro do qual os indivíduos interpretam seus pensamentos, sentimentos e ações. Utilizaram-se também métodos quantitativos básicos, para tabular a freqüência do aparecimento dos anúncios. Pelas características definidas da pesquisa, sentiu-se a necessidade da utilização de uma boa variedade de fontes. Primeiramente, foi feito amplo uso do trabalho de memorialistas e viajantes, uma vez que foi constatado que estes geralmente registram dados do cotidiano, como os locais para hospedagem e alimentação, usualmente esquecidos nas fontes historiográficas mais formais. Houve ainda, inspirada pelo brilhante trabalho de Gilberto Freyre na reconstituição da presença de trabalhadores e negociantes ingleses no Nordeste 4, a opção de um grande uso de anúncios publicados no jornal Correio Paulistano, escolhido por ser, entre os periódicos da cidade, aquele que abrange

18 todo o recorte temporal, pois foi editado de 1854 a 1963. Nas páginas de anúncios deste periódico foram observados, além da freqüência e conteúdo dos anúncios de estabelecimentos da área de alimentação, o aparecimento de gêneros alimentícios que eram sua matéria prima e a possibilidade de que os locais de alimentação sejam citados em crônicas, reportagens etc. Dada a vastidão do material disponível no Arquivo do Estado de São Paulo, optou-se por trabalhar a tabulação detalhada do aparecimento dos estabelecimentos por uma amostragem de metade dos dezesseis anos do recorte temporal, com intervalos de dois a três anos, iniciando-se em 1855 e finalizando em 1870, embora exemplos isolados tenham sido recolhidos de quase todos os anos. Assim, a tabela final de sumarização do aparecimento dos restaurantes, no Apêndice A, refere-se apenas aos anos de 1855, 1857, 1859, 1862, 1865, 1867, 1869, 1870, embora no corpo do texto encontrem-se figuras e exemplos de 1856, 1858 ou 1864. Outra fonte de informações foi o trabalho literário, na forma de trechos de poemas ou peças teatrais, de autores que, de alguma forma, estivesse ligados ao desenvolvimento da cidade nestes períodos. Além disso, realizou-se levantamento de possíveis fontes primárias corroborativas, junto ao Arquivo Histórico municipal, que se materializaram nos livros de registros das Avenças da Câmara Municipal, taxas recolhidas anualmente para a permissão do exercício de comércio. Destes documentos, referentes ao período de 1808 a 1843, obteve-se evidências qualitativas, principalmente da substituição de nomenclatura: os registros das vendas, botiquins são eventualmente substituídos por tabernas, indicando a probabilidade de uma maior sofisticação dos serviços Também foram utilizadas fotografias e ilustrações da época, na busca de evidências que contribuem para a formação de um quadro referencial mais completo do período. Na apresentação desta reflexão, a discussão inicial, no capítulo um, gira em torno do aparecimento do modelo ocidental de restaurante (cuja conceituação 4 FREYRE, Gilberto. Ingleses no Brasil. Rio de Janeiro: Topbooks, 2000.

19 também é um de seus objetos), na Paris do final do século XVIII, alguns de seus antecedentes, implicações sócio-econômicas e culturais e alguns de seus personagens, procurando demonstrar, além disso, o papel decisivo exercido pelas necessidades das elites parisienses no seu surgimento. Nos dois capítulos seguintes, passa-se à discussão das evidências deste mesmo desenvolvimento na cidade de São Paulo. No capítulo dois, são abordados o processo de formação e a urbanização da cidade: brevemente se discute o período anterior a 1855, buscando esclarecer algumas de suas peculiaridades econômicas e culturais, formas de convívio etc., e, mais detalhadamente, as mudanças importantes na configuração urbana, social e econômica de São Paulo já dentro do recorte temporal. Já no capítulo três são mapeados os tipos de serviços de alimentação disponíveis aos seus habitantes e visitantes. e oferecidas as evidências recolhidas sobre o aparecimento de locais de alimentação dentro do modelo de restaurante. Busca-se contextualizá-las demonstrando, ainda, um paralelo com o fenômeno francês, ou seja, que o desenvolvimento inicial dos restaurantes paulistanos, como os parisienses, atenderam a uma necessidade de distinção para as elites.

20 1. PARIS E A ORIGEM DO RESTAURANTE NO OCIDENTE Desde a Antiguidade até o quarto final do século XVIII, os viajantes ocidentais que não tinham família ou conhecidos em seus locais de destino e outras pessoas que estavam, por alguma circunstância, dépourvus de cuisine, como encontrado em Dumez (2003, p.23), tinham que recorrer, conforme sua localização, às tabernas, inns, traiteurs, osterias e casas de pasto. Estes eram os estabelecimentos que no Velho Mundo e, posteriormente, nas colônias mais fiéis à cultura colonizadora, ofereciam o serviço de alimentação (junto com bebidas alcoólicas e/ou alojamento) antes da aparição dos restaurantes modernos, cujas características e diferenciais específicos são discutidos adiante. As mais antigas e representativas destes estabelecimentos, as tabernas, de acordo com Smith, Wayte e Marindin (1901, p.1091), eram originalmente pequenas lojas ou oficinas destinadas ao trabalho manual formadas por um só cômodo e feitas de tábuas (traberna, em latim). Utilizadas pelos romanos, elas originalmente ficavam apenas à volta dos mercados centrais das cidades romanas. Mais tarde, elas se estabeleceram permanentemente como lojas que faziam parte de prédios maiores, normalmente onde viviam seus proprietários com as famílias e passaram a ter também cômodos de aluguel. Com o passar dos anos, o termo passou a designar mais especificamente os estabelecimentos que forneciam bebidas alcoólicas e comida preparada, como pode ser visto na Figura 1. Com a expansão do Império Romano, este tipo de loja espalhou-se por todas as regiões conquistadas, tornando-se aos poucos parte das culturas locais e adaptando-se aos modos de vidas dos diversos povos. Entretanto, sua origem latina continuou a ser detectada na linguagem, pois a denominação passou a fazer parte, com pouca alteração, do dia-a-dia de diversas línguas: taberna ou taverna em português, taberna em espanhol, tavern em inglês, taverne em francês, taverna em italiano, sempre designando um estabelecimento onde se consomem, principalmente, bebidas alcoólicas; às vezes, pratos mais simples. Os outros tipos de serviços de hospitalidade e alimentação também existentes, como inns, osterias etc., privilegiavam o aluguel de quartos e estrebarias e a venda de refeições mais completas.

21 Figura 1: Nesta gravura, feita a partir de um afresco do século I encontrado em uma taberna da cidade de Pompéia, sepultada pela erupção do Vesúvio de 79, no sul da Itália, representa-se um grupo de freqüentadores sentados à mesa comendo e bebendo em copos de chifre, sendo servidos por uma criança. Na parte superior, aparecem pendurados o que os autores interpretam como alimentos, queijos e embutidos. A cena, embora com condições bastante primitivas, já apresenta o que seria o espaço de convivência e o serviço encontrado nas tabernas e outros locais de alimentação pública no Ocidente até pelo menos final do século XVIII. Fonte: SMITH, W., WAYTE, W., MARINDIN, G.E. A dictionary of Greek and Roman antiquities. Londres: J. Murray, 1901, p.388. Estes eram os tipos de estabelecimentos, portanto, que existiam há um longo tempo em todas as cidades com um mínimo de atividade comercial da Europa (e em outras partes do mundo), onde quer que houvesse suficiente movimentação econômica para gerar visitantes de outras localidades ou pessoas da própria cidade e redondezas com necessidade de alimentar-se fora de casa. A França no quarto final do século XVIII era o maior e mais populoso país da Europa ocidental, com governo central e principais fronteiras estabelecidos há séculos. A agricultura era ainda a força econômica dominante, e a França contava com solo fértil e recursos naturais abundantes. Embora o governo de

22 Luís XVI fosse considerado fraco e ineficaz e o mercantilismo e as novas colônias ultramar tivessem elevado outros países a posições importantes na economia mundial, o país continuava a ser o poder dominante cultural, intelectual e militarmente na Europa. Paris, portanto, era por muitos aspectos o centro comercial e cultural mais importante desta época e é citada freqüentemente em textos históricos e sociológicos como o local de emergência do modelo de restaurante na Europa, embora só recentemente o minucioso trabalho de Rebecca Spang (2003) tenha identificado mais apropriadamente as raízes desta origem. Não se pode deixar de lembrar aqui, entretanto, que em outras regiões do mundo esse desenvolvimento se deu de forma diferenciada. Kiefer (2002, p.63) discute, por exemplo, o caso da China, onde um processo similar foi bem anterior, datando pelo menos da dinastia Sung (1127-1279), antes da conquista pelos mongóis. Sua luxuriante capital, Hangchow, já então apresentava, segundo relatos de viajantes ocidentais, estabelecimentos com cardápios e serviços bastante próximos do modelo de restaurante, com uma grande variedade de cozinhas de diversas partes do país e uma extensa rede de fornecedores de carnes, legumes, especiarias e frutas para atendê-los. 1.1 Table d hôte: a fórmula antiga Os tipos de estabelecimentos existentes no Ocidente até o aparecimento dos restaurantes normalmente serviam em table d'hôte (literalmente, mesa do anfitrião), ou seja, refeições completas pré-determinadas pelo hospedeiro, em horas e com preços fixos. Os clientes na maioria das vezes eram freqüentadores regulares e o serviço era sempre "familiar", sendo os pratos deixados sobre a mesa para que cada um se servisse, resultando, na maioria das vezes, em um porcionamento bastante irregular (ou seja, os mais rápidos e menos inibidos comiam melhor). Não havia nenhuma possibilidade de escolha, sendo servido o mesmo para todos e o pagamento era por um lugar à mesa mais que pela quantidade ou qualidade do que era consumido. Segundo Kiefer (2002, p.60), muitas vezes aos clientes mais assíduos era permitido manter uma conta e pagá-la periodicamente, tornando-os pensionistas

23 regulares. Os desconhecidos, porém, ainda de acordo com Kiefer, tinham os preços fixados na hora e muitos se queixavam de serem explorados, além de relatarem uma qualidade quase que uniformemente baixa das refeições. Uma queixa também comum no século XVIII, como a do estudioso alemão Joachim Nemeitz, conforme Spang (2003, p.18) era quanto à qualidade da comida. Embora afirmando que as pessoas abastadas comiam muito bem em Paris, porque todos tinham seus próprios cozinheiros, finalizava com uma opinião nada lisonjeira para os estalajadeiros e traiteurs: (...) todos crêem que se come bem na França, mas estão enganados. (...) Em nome dos turistas, essa é a única coisa que desejo ver mudada. Paga-se com satisfação um pouco mais para comer algo bom e ocasionalmente variado. Outro problema eram os horários, que eram fixos (ou seja, só era servido quem chegasse exatamente na hora marcada) e variavam de estabelecimento para estabelecimento, fazendo com que às vezes os clientes famintos tivessem o incômodo de tentar diversos lugares antes de encontrar uma refeição sendo servida quando precisavam dela, de acordo com Spang (2003, p.7). Os relatos dos viajantes demonstram ainda, freqüentemente, um forte desconforto causado pela imprevisível companhia à mesa. Spang (2003, p.19) transcreve descrições de viajantes que freqüentaram alguns destes estabelecimentos e se sentiram incomodados pela vulgaridade dos outros comensais: mesmo viajantes de bom poder aquisitivo, como o agrônomo inglês Arthur Young, que visitava a França da década de 1780, ainda tinham de freqüentar as tables d hôte e lamentar a rudeza dos companheiros de mesa glutões, que se atiravam sobre a comida e engoliam ruidosamente grandes porções. Isto mesmo em uma sociedade em que já se multiplicavam os guias de boas maneiras, conforme nos lembra Elias (1994, p.107), citando as regras descritas na obra Les règles de la bienséance et de la civilité chretienne, de La Salle, editada em 1774, o qual exorta, por exemplo, que nada é mais impróprio do que lamber os dedos, tocar na carne (...) mexer o molho com os dedos. Pode-se aqui distinguir em ação o que Hoggart (1973, v.1, p.28)

24 descreve, ao falar da cultura e de sua evolução: A nítida distinção entre atitudes antigas e novas é fruto de uma intenção de clareza, não implicando uma sucessão cronológica exata. Desta forma, a existência de novas regras de etiqueta e novos modelos de servir a alimentação não foi imediatamente assimilada em todas as instâncias da sociedade, mas antes as formas antigas e novas passaram por um período de adaptação e convívio, coexistindo e sendo utilizadas ao mesmo tempo. Assim, apesar de tudo, os estabelecimentos que serviam no sistema de table d hôte não estavam fadados a simplesmente desaparecer. Como qualquer outra instituição humana, eles continuaram a se desenvolver mesmo quando o novo modelo, o dos restaurantes, já se iniciava e, muitas vezes, um mesmo local oferecia os dois, como bem lembra Kiefer (2002, p.59-60), agradando assim a dois segmentos diferentes de mercado. No entanto, mesmo as tabernas mais rudes já contavam com uma longa tradição em fornecer bebidas conforme pedidos individuais, um conceito necessário ao restaurante moderno. Só era preciso ligar a idéia de pedidos e de pagamentos individuais ao fornecimento também de alimentos, de acordo com o prato requisitado. Como já estava presente nas tabernas, este tipo de atendimento migrou a seguir para os cafés, os quais viriam a desempenhar importante papel na transição para o novo modelo de servir alimentos. 1.2 Os cafés Os cafés, talvez os estabelecimentos da área de alimentos e bebidas mais discutidos nas ciências sociais, surgiram depois das tabernas ou inns, mas seguramente antes dos restaurantes. O café e os cafés já existiam na Arábia e na Pérsia no século XV, e no império turco desde o século XVI: em Kiefer (2002, p.60), ficamos sabendo de uma carta de fevereiro de 1615, em que Pietro della Valle, um viajante italiano a Istambul, escreveu: Les Turcs ont un breuvage dont la couleur est noire ( ) On l avale chaud ( ) non pas durant le repas, mais après ( ) 5 5 Os turcos têm uma bebida cuja cor é negra (...) É tomada quente (...) não durante a refeição, mas depois (...)

25 Já os primeiros cafés franceses foram abertos em Marselha em 1671, mais ou menos ao mesmo tempo em que começaram a aparecer em Paris. Inicialmente, tratava-se de balcões ao ar livre, onde se servia apenas a infusão recém-chegada à Europa. Aos poucos, os estabelecimentos foram se sofisticando e serviam chá, chocolate quente e café, e logo também ofereciam novos produtos, como licores, doces, chocolate, sorvetes. Assim, os cafés já faziam parte da vida em Paris quase 100 anos antes da Revolução e, em meados do século XVIII, os cafés eram também centros de atividade social. As discussões literárias e políticas atraíam estudantes, intelectuais, revolucionários, informantes e agitadores, formando parte das instituições que serviram de base para que o contato e a discussão entre aristocratas humanistas em contato com os intelectuais burgueses criasse o que Habermas (1984, p.45) descreve como a esfera pública burguesa. Estes integrantes da vida urbana burguesa encontram (...) suas instituições nos coffeehouses, nos salons (...), onde: (...) logo passam a transformar suas conversações sociais em aberta crítica, rebentam a ponte existente entre a forma que restava de uma sociedade decadente, a corte, e a forma primeira de uma nova: a esfera pública burguesa. Em Richard Sennet (2002, p.81) também é encontrada uma reflexão sobre o papel dos cafés no desenvolvimento econômico europeu entre o final do século XVII e o início do XVIII, ressaltando seu caráter de espaço público aberto ao convívio das diversas classes sociais e à troca de informações, de que se aproveitavam os capitalistas e mercadores: The coffeehouse was a meeting-place common to both London and Paris in the late 17 th and the early 18 th Century ( ) the prime information centers at both cities at this time. ( ) As information centers, the coffeehouses naturally were places in which speech flourished. When a man entered the door, ( ) talk was governed by a cardinal rule: in order

26 for information to be as full as possible, distinctions of rank were temporarily suspended; anyone sitting in the coffeehouse had a right to talk to anyone else ( ) 6 Além de seu importante papel social, esses cafés já tinham algumas características que marcariam o restaurante moderno, tais como pedidos individuais em mesas separadas, contas e, em alguns casos, listas de produtos e preços afixados em cartazes nas paredes dos estabelecimentos pelos proprietários. Mas acima de tudo, talvez, os cafés exerceram o importante papel de tornar comum, segura e respeitável, aos olhos da boa sociedade, a freqüência a estabelecimentos públicos de comercialização de alimentos e bebidas. Foi um dos primeiros passos no sentido de permitir que as classes sociais mais privilegiadas pudessem freqüentar espaços públicos de hospedagem e alimentação, tais como os cafés, sem risco de confundir-se com a ralé tradicionalmente ligada às tabernas e cabarés e até mesmo fazendo disso uma marca de distinção. Em seu início, de acordo com a forma de vida da sociedade ocidental da época, entretanto, apenas aos homens era permitida esta freqüência. O café foi, enfim, um desenvolvimento precedente de extrema importância no surgimento e na aceitação do restaurante pelo público de elite. A partir das grandes mudanças econômicas e culturais na sociedade francesa do final do século XVIII, sobretudo na cidade de Paris, as peças estavam no lugar para a sua formação. 6 O café era um local de reuniões comum a Londres e Paris no final do século XVII e início do século XVIII ( ) os principais centros de informação de ambas as cidades naquela época ( ) Como centros de informação, os cafés naturalmente eram locais onde a conversa florescia. Quando um homem entrava, ( ) a conversa era governada por uma regra principal: para que a informação fosse o mais completa possível, distinções de posição eram suspensas temporariamente; qualquer um que se sentava em um café tinha o direito de conversar com qualquer outra pessoa ( )

27 1.3 Os restaurantes em Paris 1.3.1 Le restaurant qu es- ce que c est? Como diversas outras nas áreas de Alimentos e Bebidas e Gastronomia, provavelmente em razão, até, do desenvolvimento muito recente destes campos de conhecimento dentro de um modelo acadêmico mais formal, a definição conceitual do que é um restaurante ainda é bastante vaga. Mesmo autores técnicos, como Fonseca (2004, p.13), fazem uso de definições de dicionário 7 ou, como Barreto (2000), Maricato (1997), Davies (1999) e Pacheco (2005), discutem já aspectos mais específicos de planejamento de cardápios, serviço e administração operacional para restaurante sem se ater a uma preocupação prévia com a conceituação mais minuciosa do que o define e diferencia de outros tipos de serviço de alimentação. Numa avaliação macro-econômica brasileira, o IBGE em sua CNAE - Classificação Nacional de Atividades Econômicas, define a classe 5611-2/01 Restaurantes e Similares 8 como aquela que compreende as atividades de vender e servir comida preparada, com ou sem bebidas alcoólicas, com ou sem entretenimento, ao público em geral, com serviço completo, ou seja, serviço efetuado por atendentes na mesa do cliente. Nota-se aqui que a ênfase vai para o tipo de atendimento, em detrimento ao tipo de oferta de cardápio. De qualquer forma, sabe-se que a idéia geral do restaurante, um estabelecimento onde alguém pode sentar-se para comer como se fosse em sua casa, contra pagamento, conforme proposto por Flandrin e Montanari (1998, p.767), ou seja, pedindo de acordo com seu gosto e possibilidades de 7 Em Houaiss, Vilar e Franco (2001), restaurante é definido como um substantivo masculino, com data de entrada aproximada no léxico em 1845, e é, em seu significado mais importante, um estabelecimento que se dedica ao negócio de servir refeições; salão ou aposento onde são servidas refeições. Informa-se ainda que sua origem é o vocábulo francês restaurant, que a partir de 1521 tinha o significado de aquilo que repara as forças, alimento ou remédio fortificante e a partir de 1803 entra nos dicionários com o significado de estabelecimento público para restabelecer as forças pela alimentação. 8 Disponível em http://www.cnae.ibge.gov.br/subclasse.asp?tabelabusca=cnae_110@cnae%201.0&codsubclas se=5521-2/01&codclasse=55212&codgrupo=552&coddivisao=55&codsecao=h, consultado em 29/06/2007.

28 pagamento, é bastante novo, datando do final do século XVIII. Estes novos empreendimentos se diferenciaram dos antigos serviços de alimentação em table d hôte por algumas características marcantes, tal como hoje são majoritariamente entendidas e passam, aqui, a ser definidas: há, primeiramente, um maior cuidado com a forma de serviço, surgindo a brigada de sala, composta de profissionais especializados em apresentar e servir alimentos e bebidas ao cliente em sua mesa; existe ainda uma organização profissional na cozinha, dividindo o serviço por etapas e empregando também uma brigada. Porém, talvez os pontos mais importantes e que o tornam único, são que, num restaurante, o cliente tem a possibilidade de ser servido em uma mesa à parte, sozinho ou apenas com os acompanhantes escolhidos por ele e pode escolher antecipadamente o que comer em uma carte (cardápio), fixa ou rotativa, a qual lista pratos e preços, e então pagar apenas de acordo com aquilo que consumir. Ou seja, torna-se importante, aceita e incorporada a este tipo de serviço de alimentação uma maior preocupação com a individualidade do consumidor e em oferecer uma variedade de produtos que atendam a gostos e bolsos diversos. Aparentemente, segundo Barreto (2000, p.21), os hoteleiros e traiteurs parisienses já (...) eram obrigados a afixar na porta dos estabelecimentos uma listagem com as produções culinárias desde 1549 (...), mas a palavra menu provém da Paris do século XVIII, quando ainda sobreviviam as guildas de ofícios, que poderiam ser consideradas como precursoras dos atuais sindicatos. Prossegue o autor: (...) nelas estavam agrupados os diversos segmentos e profissionais, havendo os rôtisseurs, charcutiers, vinaigriers, sauciers, moutardiers, pâtissiers, traiteurs e restaurateurs, etc. A confraria dos traiteurs, isto é, aquele que tratava com o cliente qual o tipo de alimentação a ser levada para casa, separou-se da corporação dos tripiers em 1738, tinham por hábito cozinhar tripas, vísceras e miúdos menus morceaux em grandes caldeirões. As pessoas ao se aproximar pediam então pelos menus morceaux ou simplesmente menus. Mas o menu impresso só apareceu por volta de 1770, mais ou menos à mesma época em que a palavra restaurant começou a ser aplicada aos estabelecimentos que comercializavam restaurants, caldos restauradores que se propunham a restaurar as forças de seus consumidores. O menu, segundo Franco (2001, p.204-205), começou a ser usado no século XVIII para informar

29 quais entradas, prato principal e sobremesas compunham uma refeição completa, oferecida pelo anfitrião ou pelo chef. Para informar de todas as opções de um restaurante, entretanto, era e é usada a carte, ementa ou cardápio, que lista todas as produções daquele estabelecimento. Antes de continuar a discussão, deve-se aqui tentar esclarecer o mito de Boulanger, o taberneiro que num dado dia do ano de 1765 teria colocado à sua porta a primeira placa anunciando restaurants, do qual seu estabelecimento tomou o nome. Sem origem ainda determinada, esta informação vem sendo repetida nos últimos duzentos e tantos anos por vários autores, como Franco (2001, p.196) e Barreto (2000, p.21), sem que, entretanto, houvesse jamais sido apresentada confirmação documental dos fatos. A compreensiva pesquisa de Spang (2003, p.20) em fontes originais da época, inclusive dos registros de negócios e de imóveis da cidade de Paris, entretanto, não conseguiu levantar evidência irrefutável de que tenha sequer existido um M. Boulanger. Embora os restaurantes tenham se multiplicado e popularizado em Paris apenas durante os cinco últimos anos do século XVIII, para Spang (2003, p.14), a idéia do tipo de estabelecimento, com mesas e pedidos individuais, serviço a preços listados, existia pelo menos três décadas antes da Revolução. Kiefer (2002, p.61) concorda que os restaurantes floresceram somente após a Revolução (mais precisamente após 1794), mas já existiam em Paris, com todas as suas características, inclusive cardápios, bem antes disso. Spang (2003, p.25) defende a versão de que a idéia foi primeiramente posta em prática, como empreendimento comercial exclusivo, por um dedicado seguidor das propostas do Iluminismo, Mathurin Roze de Chantoiseau, filho de um proprietário de terras que se mudou para Paris no início da década de 1760. Após uma série de atividades mais ou menos bem sucedidas (inclusive, pioneiramente, o lançamento de um tipo de livreto de anúncios próximo do que hoje chamamos classificados) e que tinham em comum um interesse em revitalizar e criar condições lógicas e racionais para a circulação de mercadorias e títulos de crédito, beneficiando assim a economia francesa, Roze de Chantoiseau abriu, em 1766, um estabelecimento inovador que pretendia servir apenas alimentos que mantivessem ou recuperassem a saúde. Estes eram caldos e

30 cremes muito concentrados, os restaurants, em pequenas taças e chávenas de porcelana, supostamente indicados à reconstituição das saúdes frágeis dos nobres e da alta burguesia, pois extraíam das carnes e vegetais todos os nutrientes e ofereciam esta nutrição sem sobrecarregar o sistema digestivo, já que quase não apresentavam fibras ou gorduras. Um ponto importante é que estes restaurants eram sempre os mesmos, seguindo as mesmas receitas e destinados, cada qual, a um diferente tipo de mal, os quais podiam ser escolhidos (ou recomendados pelo restaurateur) a partir de uma lista fixa, disponível a qualquer hora. Inicialmente, durante as décadas de 70 e 80 do século XVIII, os salões dos restaurateurs, restauradores (da saúde, subentendido), vendiam apenas os restaurants propostos por Roze de Chantoiseau, participando, desta forma, do grande projeto do Iluminismo de melhorar a vida diária através da aplicação da razão e de bases científicas. A influência do Iluminismo sobre as elites francesas foi, para Spang (2003, p.30), uma forte inspiração para seu criador e razão importante para a aceitação e a popularidade dos restaurantes junto às elites. Uma mudança significativa que se pode detectar ainda na idéia do restaurante, além de sua ligação com a saúde e bem-estar, é a aceitação do mecanismo de comércio de alimentos, por seu criador e por outros empreendedores que o seguiram, além dos consumidores, como uma possível forma de benefício e desenvolvimento social. Até então, os que trabalhavam (bem como, em menor grau, os comerciantes em geral) e freqüentavam estes estabelecimentos sofriam com um sistematizado preconceito: este é o momento em que esta posição começa a mudar e passa a haver uma nova aceitação do espaço e das atividades públicas desempenhadas pelos mesmos. Estes primeiros estabelecimentos, como o de Roze de Chantoiseau, do período anterior à Revolução Francesa ainda dominado pelas guildas, podiam inicialmente vender apenas seus caldos restauradores, embora essa situação não durasse por muito tempo: por volta de 1773 já serviam refeições completas, mas que ainda enfatizavam a saúde e a higiene e eram bastante caras. Alguns traiteurs, entretanto, vendo o sucesso de seus concorrentes, logo combinaram elementos do restaurante a seus negócios, fornecendo a table