Ponteira de Radiofrequência para hemostasia em Artroscopias 1
I - Data: 05/2012 II - Responsáveis Técnicos: Dra. Luíza de Oliveira Rodrigues**, Dra. Lélia Maria de Almeida Carvalho**, Dra. Daniela Castelo Azevedo**, Dra. Maria da Glória Cruvinel Horta**, Dra. Sandra de Oliveira Sapori Avelar**, Dra. Silvana Márcia Bruschi Kelles**, Dr. Alexandre Pagnoncelli*, Dr. Carlos Augusto Cardim de Oliveira*, Dra. Claudia Regina de O. Cantanheda*, Dr. Francisco José de Freitas Lima*, Dr. Giovanni César Xavier Grossi*, Dra. Izabel Cristina Alves Mendonça*, Dr. Jurimar Alonso*, Dr. Luiz Henrique P. Furlan*, Dra. Silvana Márcia Bruschi Kelles*, Dr. Valfredo de Mota Menezes*, Mariana Ribeiro Fernandes. E-mail para contato: viviam@unimed.com.br Declaração de potenciais de conflitos de Interesses Os membros da Câmara Nacional de Medicina Baseada em Evidências declaram que não mantêm nenhum vínculo empregatício, comercial ou empresarial, ou ainda qualquer outro interesse financeiro com a indústria farmacêutica ou de insumos para área médica. Todos os membros da Câmara Nacional de Medicina Baseada em Evidências trabalham para o Sistema Unimed. *Membro da CTNMBE ** Membro da Câmara Estadual de MBE 2
Sumário Resumo... 4 1. Questão Clínica... 5 2. Introdução... 5 2.1. Descrição da tecnologia... 5 3. Metodologia... 6 3.1. Bases de dados pesquisadas:... 6 4. Pergunta estruturada... 9 5. Conclusão e recomendações... 9 6. Conclusão... 11 7. Referências Bibliográficas:... 12 3
Resumo Pacientes - Pacientes com indicação de procedimento artroscópico de ombro ou joelho. Intervenção - Ponteira de radiofreqüência, como ferramenta de hemostasia, para procedimentos artroscópicos de ombro e joelho. Comparação - Técnicas tradicionais de hemostasia artroscópica, como eletrocautério e técnicas de aumento da pressão do fluido de irrigação. Desfecho procurado - Melhorar o controle de sangramento e a visualização do campo durante o procedimento artroscópico. Conclusão - Há pouca evidência científica sobre o uso da ponteira de radiofrequência como hemostático, ou mesmo sobre a comparação da radiofrequência com outras modalidades de hemostasia, durante a artroscopia. Recomendação - A CTNMBE não recomenda o uso rotineiro da ponteira de radiofrequência como hemostático em artroscopia uma vez que não há evidência científica que recomende ou contra-indique o uso da ponteira de radiofrequência para hemostasia durante procedimentos artroscópicos, tanto 1. de ombro quanto de joelho. O uso da radiofrequência é citado, por diversos autores, como técnica clássica de hemostasia para artroscopia de ombro, apesar de não haver evidências sólidas desta indicação. O uso da radiofrequência como recurso terapêutico parece ainda ter um papel na artroscopia de joelho, mas não mais na artroscopia de ombro. 4
Questão Clínica O uso da ponteira de radiofrequência para hemostasia durante procedimentos artroscópicos é eficaz e seguro? E esta técnica é superior, em termos de eficácia, segurança e/ou custo-efetividade a outras técnicas atualmente disponíveis para o mesmo fim? 2. Introdução A artroscopia é um procedimento minimamente invasivo, que tem finalidade tanto diagnóstica quanto terapêutica. Diversas doenças podem ser tratadas por essa via, que pode ser usada tanto para a articulação do ombro quanto para a do joelho, e até para tornozelos e punhos, mais recentemente quadril também. As doenças articulares podem ser traumáticas, degenerativas, inflamatórias ou neoplásicas. As técnicas terapêuticas artroscópicas são variadas e incluem instrumental amplo. Este parecer tem como foco o uso da ponteira de radiofrequência durante a artroscopia, não como um dispositivo terapêutico, mas como dispositivo de hemostasia. A boa hemostasia durante a artroscopia ajuda a manter a clareza visual durante a cirurgia e é essencial para o sucesso completo dos procedimentos artroscópicos. Técnicas comuns de hemostasia são o eletrocautério, a adição de adrenalina à solução de irrigação, o aumento da pressão do fluido de irrigação e o uso da radiofrequência. No entanto, não há estudos que comparem o uso destas técnicas, quanto à eficácia, segurança ou desfecho da cirurgia, sendo a escolha de uma técnica ou outra sujeita à experiência e preferência do cirurgião. 2.1. Descrição da tecnologia Utilizando um bisturi elétrico de baixa voltagem e alta frequência de corrente, cria-se um campo eletromagnético que estimula a movimentação de íons intracelulares. Essa movimentação aumenta a temperatura intracelular, levando à sua desintegração. Esse mecanismo leva à retração volumétrica de 5
tecido com pouco dano colateral subjacente, já que a temperatura não se eleva na superfície tecidual como ocorre com o uso do eletrocautério. 1 Inicialmente, os dispositivos de radiofrequência foram testados como terapêuticos (ablação e corte) e hemostáticos. Porém, os resultados em longo prazo para cirurgias de ombro com o dispositivo não foram satisfatórios, com eficácia inferior aos métodos tradicionais e com complicações adicionais, como a condrólise pós-artroscópica 2. Portanto, neste contexto, o uso da ponteira de radiofrequência ficou restrito à hemostasia, referido por diversos autores para tal 1,3, apesar de não terem sido encontrados na literatura dados que comparem o uso da radiofrequência com outras técnicas de hemostasia. Para cirurgias de joelho, o uso da radiofrequência ainda não está completamente esclarecido. Pode ser indicado em algumas situações, com resultados semelhantes a outros métodos. Mas, ainda assim, apresenta complicações peculiares ao método 4. 3. Metodologia 3.1. Bases de dados pesquisadas: Foi realizada uma ampla busca nas bases The Cochrane Library (via Bireme), Medline (via Pubmed), CRD (Centre for Reviews and Dissemination), Tripdatabase, Scielo (via Bireme), objetivando-se encontrar metanálises e revisões sistemáticas ou, na falta dessas, ensaios clínicos randomizados, considerados as evidências científicas de melhor qualidade, ou ainda, na falta destes, séries de casos e revisões descritivas. 6
Os termos utilizados nas buscas e os números de referências encontradas, selecionadas e disponíveis estão apresentados na tabela abaixo: Base Termos Resultados Referências selecionadas The "radiofrequency AND arthroscopy " Cochrane Library (via Bireme) Referências utilizadas Medline (via Pubmed) (("arthroscopy"[mesh Terms] OR "arthroscopy"[all Fields]) AND ("haemostasis"[all Fields] OR "hemostasis"[mesh Terms] OR "hemostasis"[all Fields])) AND (("shoulder"[mesh Terms] OR "shoulder"[all Fields]) OR ("knee"[mesh Terms] OR "knee"[all Fields] OR "knee joint"[mesh Terms] OR ("knee"[all Fields] AND "joint"[all Fields]) OR "knee joint"[all Fields])) AND Radiofrequency[All Fields] 18 8 6 Tripdatabas "radiofrequency AND arthroscopy " e Centre for Reviews and Disseminati on Scielo (via "radiofrequency AND arthroscopy " 1 1 1 Bireme) Busca Manual "radiofrequency AND arthroscopy " 11 2 1 Tabela 1: Pesquisa em bases de dados eletrônicas realizada em 05/2012. Estudos não selecionados: estudos sobre utilização da radiofrequência como tratamento para doenças articulares. 7
O grau de recomendação tem como objetivos dar transparência às informações, estimular a busca de evidência científica de maior força e auxiliar a avaliação crítica do leitor, o responsável na tomada de decisão junto ao paciente. Nível de Evidência Científica por Tipo de Estudo - Oxford Centre for Evidence-based Medicine - última atualização maio de 2001 7 Grau de Recomendação Nível de Evidência Tratamento/ Prevenção Etiologia Diagnóstico Revisão Sistemática (com Revisão Sistemática (com homogeneidade) 1A homogeneidade) de Ensaios Clínicos Controlados e de Estudos Diagnósticos nível 1 Critério Diagnóstico de estudos nível 1B, em A Randomizados diferentes centros clínicos 1B Ensaio Clínico Controlado e Randomizado com Intervalo de Coorte validada, com bom padrão de referência Critério Diagnóstico testado em um 1C Confiança Estreito Resultados Terapêuticos do tipo tudo ou nada único centro clínico Sensibilidade e Especificidade próximas de 100% 2A Revisão Sistemática (com homogeneidade) de Estudos de Coorte Revisão Sistemática (com homogeneidade) de estudos diagnósticos de nível > 2 2B Estudo de Coorte (incluindo Ensaio Clínico Randomizado de Menor Qualidade) Coorte Exploratória com bom padrão de Referência Critério Diagnóstico derivado ou validado em amostras fragmentadas ou banco de dados B 2C 3A 3B C 4 D 5 Observação de Resultados Terapêuticos (outcomes research) Estudo Ecológico Revisão Sistemática (com Revisão Sistemática (com homogeneidade) homogeneidade) de estudos diagnósticos de nível > 3B de Estudos Caso-Controle Seleção não consecutiva de casos, ou Estudo Caso-Controle padrão de referência aplicado de forma pouco consistente Relato de Casos (incluindo Coorte ou Estudo caso-controle; ou padrão de referência Caso-Controle de menor qualidade) pobre ou não independente Opinião desprovida de avaliação crítica ou baseada em matérias básicas (estudo fisiológico ou estudo com animais) 8
4. Pergunta estruturada P Pacientes com doença articular de ombro ou joelho, com indicação de procedimento artroscópico. I Uso da ponteira de radiofrequência como hemostático C Técnicas alternativas de hemostasia, como eletrocautério, adição de adrenalina à solução de irrigação, aumento da pressão do fluido de irrigação, hipotensão arterial sistêmica controlada, compressão do sítio de sangramento com o próprio shaver. O Hemostasia adequada, com visibilidade satisfatória do campo artroscópico. 5. Conclusão e recomendações Não há evidências suficientes na literatura para se recomendar o uso de um método ou outro para hemostasia durante os procedimentos artroscópicos de ombro. Não há estudos randomizados que comparem os métodos entre si. O artigo descritivo de Levy et al de 2011 3 relata que há vários métodos descritos para se controlar o sangramento artroscópico. Os autores propõem como técnica hemostática o uso da extremidade sem corte do próprio shaver para compressão, por 3 segundos, do sítio de sangramento. Ao discutir o método proposto, os autores argumentam que o uso das técnicas alternativas está associado a desvantagens. Por exemplo, o aumento da pressão do líquido de irrigação pode levar ao aumento do extravasamento de líquido para os tecidos circunjacentes, associando-se a maior edema e dor no pós-operatório. Quanto ao uso do eletrocautério ou da ponteira térmica de radiofrequência, os autores ressaltam que envolve equipamento extra, com aumento do custo e troca constante de instrumental, prolongando o tempo cirúrgico. Os autores concluem que a técnica da compressão com o próprio shaver é segura, custoefetiva, simples e provê boa visibilidade artroscópica. O ensaio clínico randomizado de Diab et al de 2008 1, comparando a economia de tempo e custo no uso de radiofrequência bipolar e monopolar 9
para tratamento artroscópico de ombro, favoreceu o uso da radiofrequência bipolar sobre a monopolar. A ponteira bipolar tem propriedades de hemostasia e corte, substituindo o uso de dois instrumentos (monopolar e a lâmina de shaver), reduzindo custos somente por reduzir o tempo cirúrgico (não necessita a troca constante de instrumental), já que a ponteira bipolar tem custo maior do que a monopolar e a lâmina juntos. No entanto, esse ensaio clínico não cita dados sobre eficácia ou segurança de cada método, em curto ou longo prazo. Para tratamento de lesões do joelho, no entanto, a radiofrequência parece ainda ser uma opção terapêutica, não sendo usado somente como ferramenta para hemostasia, de acordo com a revisão narrativa de Cavalcanti Filho et al, 2012 4. Mas, assim como para a artroscopia de ombro, não foram encontrados estudos randomizados que comparem o uso da radiofreqüência para hemostasia com outras técnicas durante a artroscopia de joelho. A revisão de Cavalcanti Filho et al, 2012 4 relata que técnicas não reparativas e não restaurativas cirúrgicas para tratamento de lesões parciais, como o desbridamento e a radiofrequência, podem ser realizadas. Estas visam promover uma superfície mais regular e são feitas artroscopicamente, para minimizar dor e melhorar mobilidade, mas não restauram completamente a estrutura e as funções da cartilagem. Quanto à radiofrequência, os autores afirmam que é uma alternativa popular pela facilidade de se usar artroscopicamente e pela eficácia para regularizar as lesões condrais parciais. No entanto, a alta temperatura intra-articular associada a este método pode ter potencial de destruir parcial ou completamente a cartilagem articular. Temperatura acima de 50ºC foi definida, por outros estudos, como limiar crítico para a morte de condrócitos. A ocorrência de necrose associada com o uso da radiofrequência depende da quantidade e do tempo da aplicação da energia; e, segundo os autores desta revisão, a técnica ideal de uso deste dispositivo visa utilizá-lo como um pincel, no qual o aparelho é mantido em movimento contínuo. Nos últimos anos, aparelhos de radiofrequência com indicadores de temperatura têm sido desenvolvidos, para que a temperatura possa ser monitorada durante a artroscopia. Os autores ainda ressaltam que um estudo (Spahn et al, 2008), randomizado, controlado e prospectivo, comparando o uso 10
da radiofrequência com o desbridamento mecânico nas lesões condrais do joelho, concluiu que todos os pacientes foram beneficiados, por ambos os tratamentos, embora os pacientes tratados com a radiofrequência tivessem resultados clínicos (em termos de dor, sintomas, uso de AINEs, AVDs e qualidade de vida) superiores aos pacientes tratados por desbridamento mecânico no primeiro ano de seguimento. 6. Conclusão Não há evidência científica que recomende ou contra-indique o uso da ponteira de radiofrequência para hemostasia durante procedimentos artroscópicos, tanto de ombro quanto de joelho. O uso da radiofrequência é citado, por diversos autores, como técnica clássica de hemostasia para artroscopia de ombro, apesar de não haver evidências sólidas desta indicação. O uso da radiofrequência como recurso terapêutico parece ainda ter um papel na artroscopia de joelho, mas não mais na artroscopia de ombro. 11
7. Referências Bibliográficas: 1. Diab MA, Fernandez GN, Elsorafy K. Time and cost savings in arthroscopic subacromial decompression: the use of bipolar versus monopolar radiofrequency. Int Orthop. 2009;33(1):175-9. Epub 2008/04/17. 2. Marecek GS, Saltzman MD. Complications in shoulder arthroscopy. Orthopedics. 2010;33(7):492-7. Epub 2010/07/09. 3. Levy O, Haddo O, Sforza G, Copeland S, Rath E. "Put your 'extended' finger on the bleeder": the use of direct pressure from the shaver blade to achieve hemostasis. Arthroscopy. 2011;27(6):867-9. Epub 2011/04/23. 4. Cavalcanti Filho MMdC, Doca D, Cohen M, Ferretti M. Atualização no diagnóstico e tratamento das lesões condrais do joelho. Revista Brasileira de Ortopedia. 2012;47:12-20. 5. Grupo Técnico de Auditoria em Saúde. UNIMED. Parecer do Grupo Técnico de Auditoria em Saúde 041/05. Tema: Ponteira de radiofreqüência para artroscopia de ombro e joelho. UNIMED-BH, 2005. 6. ls of Evidence and Grades of Recommendations - Oxford Centre for Evidence Based Medicine. Disponível em URL: http://cebm.jr2.ox.ac.uk/docs/old_levels.html 12