Nos Limites da Legitimidade: Uma Análise do Risco no Mercado de Capitais Brasileiro



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Transcrição:

Nos Limites da Legitimidade: Uma Análise do Risco no Mercado de Capitais Brasileiro Autoria: Luciano Rossoni, Wesley Mendes-da-Silva Resumo Tendo em vista que em mercados emergentes, especialmente o mercado de capitais, a informação não é perfeita, tal como há maior grau de dúvidas e incertezas sobre as organizações, buscamos com esse artigo destacar o papel da legitimidade organizacional enquanto fator que diminui o risco de ativos de empresas de capital aberto. Entendemos que tal análise é relevante porque a estratégia, desempenho e sobrevivência de empresas de capital aberto estão relacionados à capacidade de angariar recursos, sendo essa última, condicionada também pelo risco dos ativos. Para tanto, apontamos que a legitimidade se apresenta como fator explicativo do risco porque, se as organizações fazem parte de um sistema social mais amplo, cujas ações são avaliadas a partir de um conjunto de crenças, valores e pressupostos, é provável que o julgamento, a aceitação e a credibilidade dessas organizações perante seus diversos stakeholders condicionem a capacidade delas serem mau ou bem avaliadas por investidores. Em face do exposto, a partir de um quadro teórico insticionalista, buscamos com este artigo demonstrar como origens de ordem formal regulatória, cultural-cognitiva e normativa da legitimidade das empresas listadas na Bolsa de Valores de São Paulo estão relacionadas com menor risco sistemático das ações de tais empresas. Para tanto, selecionamos 358 organizações entre os anos de 2002 e 2007, que possibilitaram a construção de uma matriz de dados em painel com um total de 1.004 observações. Sendo assim, entre as origens da legitimidade, consideramos a adesão ao Novo Mercado como origem de legitimidade formal regulatória, o conselho de administração como origem de legitimidade cultural-cognitiva e a reputação da organização como origem de legitimidade normativa. Além disso, partindo do pressuposto de que organizações com maior visibilidade tendem a aquiescer às normas e expectativas, avaliamos o efeito moderador do tamanho da organização na relação entre reputação e risco. Por fim, também se pautando no papel da proeminência das organizações, avaliamos se a adoção de práticas formais de governança modera o efeito das outras origens da legitimidade no risco sistemático. Nossos resultados apontam que somente em condições aparentes de melhor qualidade de governança corporativa, ou seja, quando empresas estão listadas no Novo Mercado, a reputação organizacional e a legitimidade do conselho têm influência sobre a redução no risco das ações negociadas em bolsa. Adicionalmente evidenciamos que o efeito da reputação é moderado pelo tamanho da organização, em que aquelas de maior porte tendem a ter sua reputação mais destacada. Diante desses resultados, podemos concluir que a legitimidade organizacional está relacionada a menor risco dos ativos das empresas de capital aberto, em que a adoção de práticas diferenciadas de governança condicionou a influência das demais origens da legitimidade. Por fim, o estudo aponta algumas implicações teóricas e práticas, tal como sugestões para estudos futuros.

INTRODUÇÃO Existem sinais de que mercados emergentes, especialmente o mercado de capitais, são cercados de dúvidas e incertezas, em que a informação não é perfeita (Ackerlof, 1970). Em tais circunstâncias, colocando-se no lugar de investidores, quais seriam os parâmetros adequados para avaliar se uma organização é confiável ou não para se investir? Além dos fatores de mercado comumentes relacionados à análise econômico-financeira das organizações, alguns autores propõem que as decisões acerca de investimentos são pautadas tanto na imersão em relações sociais (Granovetter, 1985), como em crenças e valores institucionalmente legitimados em tais mercados (Davis, 1996; Fiss, 2008). Neste trabalho, perpassamos sobre a questão da imersão social, mas daremos destaque à dimensão da legitimidade como fator explicativo de um dos elementos mais relevantes para a decisão de investimentos, que é o risco das ações negociadas em bolsa. Tal análise é relevante porque a estratégia, desempenho e sobrevivência de empresas de capital aberto estão relacionados à capacidade de angariar recursos, sendo essa última, condicionada também pelo risco dos ativos. Para tanto, apontamos que a legitimidade se apresenta como fator explicativo do risco porque, se as organizações fazem parte de um sistema social mais amplo, cujas ações são avaliadas a partir de um conjunto de crenças, valores e pressupostos, é provável que o julgamento, a aceitação e a credibilidade dessas organizações perante seus diversos stakeholders condicionem a capacidade delas serem mau ou bem avaliadas por investidores. Dessa forma, entendemos que o risco dos ativos das organizações não seja somente resultado de uma combinação de recursos e estratégias financeiras em contextos econômicos determinados, mas também condicionado pela capacidade das organizações validarem sua conduta perante suas audiências, tendo como base critérios legitimamente aceitos na sociedade. Em poucas palavras, enfatizamos neste estudo que aquelas organizações que incorporam elementos vistos como legítimos no ambiente tendem a ser vistas como legítimas (Meyer & Rowan, 1977), o que, por sua vez, tem implicações sobre o risco dos ativos. Entre o tipo de risco a ser explicado, escolhemos o risco sistemático das ações negociadas em bolsa pelas empresas de capital aberto, também conhecido como risco de mercado. Sendo assim, definimos risco sistemático como qualquer risco que afete um grande número de ativos, e cada um deles em maior ou menor intensidade (Ross, Westerfield & Jordan, 2003, p. 425). Tal indicador de risco capta a variação das ações de determinada firma em relação à variação do mercado, o que nos permite verificar o quanto as ações de uma firma oscilam em relação às demais, apontando, com isso, se ela tende a ter maior risco que as demais. Diante de tais definições, cabe questionar por que a legitimidade é importante para a estratégia das organizações de capital aberto e qual a relação entre risco e desempenho? Em termos teóricos, entendemos que se empresas listadas na Bolsa de Valores de São Paulo [Bovespa], quando apresentam algum vínculo com elementos legítimos, são consideradas legítimas. Se elas são legítimas, suas ações em bolsa são mais facilmente aceitas no mercado, o que aumenta a sua liquidez. Ao mesmo tempo que elas tendem a ter maior aceitação, o fato de estas empresas serem legitimadas lhes garantem maior credibilidade, o que, por consequência, diminui o risco de suas ações. Com maior liquidez e com menor risco, as ações tendem a se valorizar, contribuindo com o aumento do valor de mercado da empresa. Por fim, se as ações da empresa recebem uma valoração adicional, são mais transacionadas no mercado e possuem menor risco, as organizações têm maior facilidade em angariar recursos, o que lhes aumenta as chances de sobrevivência e de ter maior rentabilidade. Em poucas palavras, se há legitimidade, há recursos (Deephouse & Suchman, 2008; Meyer & Rowan, 1977; Parsons, 1956; Pfeffer & Salancik, 1978; Scott, 1995; Suchman, 1995). Já quando olhamos evidências no mercado, a declaração do presidente da Petros, Luiz Carlos Fernandes 2

Afonso, de que o fundo está em busca de ativos de longo prazo, baixo risco, histórico de rentabilidade constante e crescente perspectiva de retorno para compor sua carteira de participações evidencia que investidores levam em consideração a trajetória das organizações, assim como o risco, reforçando o vínculo entre legitimidade da organização, acesso a recursos e desempenho. A partir de tais apontamentos sobre a relação entre legitimidade e risco, escolhemos um campo de pesquisa que apresentasse todos os elementos necessários para se fazer uma investigação que envolvesse o caráter multifacetado da legitimidade organizacional, assim como fosse terreno fértil para se analisar as práticas de governança corporativa. Por isso escolhemos pesquisar o mercado acionário brasileiro. As empresas de capital aberto com negociação em bolsa se configuraram como um campo relevante para se estudar o fenômeno da legitimidade porque ele envolve mais que decisões técnicas: ele incorpora expectativas dos investidores sobre as organizações. Assim, aspectos sociais relacionados com a legitimidade das organizações e das práticas que elas adotam afloram como importantes condicionantes da estabilidade e da capacidade das organizações em angariar recursos, já que ambas dependem da avaliação do mercado. Em face do exposto, a partir de uma perspectiva institucional de análise do fenômeno da governança corporativa (Fiss, 2008), buscamos com este artigo demonstrar como origens de ordem formal regulatória, cultural-cognitiva e normativa da legitimidade das empresas listadas na Bovespa estão relacionadas com menor risco sistemático das ações de tais empresas. Entre os elementos que suportam a legitimidade das organizações negociadas em bolsa, consideramos a adesão ao Novo Mercado como origem de legitimidade formal regulatória, o conselho de administração como origem de legitimidade cultural-cognitiva e a reputação da organização como origem de legitimidade normativa. Além disso, partindo do pressuposto de que organizações com maior visibilidade tendem a aquiescer às normas e expectativas do mercado e de stakeholders (Julian, Ofori-Dankwa & Justis, 2008), que, por sua vez, pode gerar maior proeminência da reputação (Rindova, Williamson, Petkova & Sever, 2005), avaliamos o efeito moderador do tamanho da organização na relação entre reputação e risco. Por fim, também se pautando no papel da proeminência das organizações, avaliamos se a adoção de práticas formais de governança modera o efeito das outras origens da legitimidade no risco sistemático. Tal hipótese é fruto do entendimento de que a ênfase dada à dimensão formal regulatória pelas empresas de capital aberto e investidores, que, em nosso caso, refere-se à crença disseminada de que a adoção de práticas formais de governança corporativa garante maior qualidade na gestão de empresas de capital aberto. Em poucas palavras, propomos que aquelas organizações que atuam dentro dos limites da legitimidade, tendem a ter menor risco. Nas seções seguintes, nós primeiramente delineamos o quadro teórico e as hipóteses relacionadas ao risco sistemático. Na sequência, detalhamos os procedimentos metodológicos e as variáveis, cujos resultados são apresentados na seção subsequente. Por fim, discutimos os resultados e concluímos o estudo apontando algumas implicações teóricas e práticas, assim como sugerimos estudos futuros. TEORIA E HIPÓTESES SOBRE LEGIMIDADE E RISCO No escopo do institucionalismo organizacional, a legitimidade vem sendo referenciada como o conceito mais importante (Deephouse & Suchman, 2008; Ruef & Scott, 1998; Scott, 1995; Suchman, 1995). Isso porque, como primeiramente apontaram Parsons (1956) e Pfeffer e Salancik (1978), desde que as organizações usam recursos do ambiente, a sociedade constantemente avalia se suas ações são apropriadas e se seus produtos ou resultados são socialmente úteis perante critérios legitimamente definidos. Dessa forma, a legitimidade organizacional é consequência da interpretação das ações a partir de sua comparação com 3

valores socialmente legítimos. Em face de tais apontamentos, entendemos que legitimidade é a percepção ou pressuposição generalizada de que as ações de uma entidade são desejáveis ou apropriadas dentro de algum sistema socialmente construído de normas, valores, crenças e definições (Suchman, 1995, p. 574). O problema elementar é que a legitimidade dessas entidades não é diretamente acessível. Por causa disso, convencionalmente busca-se avaliar se uma organização é legítima ou não a partir de seu vínculo com objetos e origens. Por objeto organizacional entendemos, por exemplo, aqueles atos, práticas, procedimentos, estrutura, sistema de governança, corpo de executivos, relacionamento ou a própria organização, que pode ser avaliado em termos de sua legitimidade (Deephouse & Suchman, 2008; Higgins & Gullati, 2006). Senso assim, um objeto é considerado legítimo se ele faz referência a uma origem tida como legítima. Por sua vez, origens da legitimidade são as diferentes audiências internas e externas que observam as organizações, como, por exemplo, o estado, a sociedade, a mídia e as relações organizacionais, que atribuem algum tipo de avaliação em face de algum aspecto da vida social (Ruef & Scott, 1998). Todavia elas devem manter como referência sua congruência com sistemas socialmente construído de normas, valores, crenças e definições (Suchman, 1995, p. 574), e não com a simples opinião de um estrato social em particular. Como consequência para as organizações, o grau em que elas estão relacionadas com origens e objetos considerados legítimos no ambiente reduz a turbulência e mantém a estabilidade, o que pode promover maiores chance de sucesso e sobrevivência (Meyer & Rowan, 1977). Isso ocorre porque, ao incorporar elementos legitimados em sua estrutura, as organizações aumentam o compromisso dos participantes internos (funcionários, unidades, etc.), assim como de seus constituintes externos (stockholders, público, estado, parceiros, etc.), protegendo a organização de ter sua conduta questionada (Deephouse & Suchman, 2008). Sendo assim, em concordância com o pressuposto de que a legitimidade organizacional aumenta a estabilidade das organizações, se estamos analisando a posição das empresas no mercado acionário, cuja atitude é analisada por meio do comportamento de suas ações, maior estabilidade significa menor risco de tais ativos. Evidências empíricas de que a legitimidade reduz o risco acionário podem ser vistas em Bansal e Clelland (2004), que estudaram o efeito da legitimidade no risco não sistemático, assim como em Certo e Hodge (2007), que avaliaram por meio de levantamento a percepção de risco dos investidores. Além disso, há evidências também de que organizações legitimadas tendem a ter o preço de suas ações menos voláteis, já que elas atenuam notícias e eventos negativos que essas organizações enfrentaram (Pfarrer, Pollock & Rindova, 2010). Entretanto, se existem diferentes origens da legitimidade, há evidências de que o efeito de cada uma delas pode afetar diferentemente o risco, já que elas podem apresentar diferentes graus de aceitação dentro do sistema (Ruef & Scott, 1998; Scott, Ruef, Mendel & Caronna, 2000). Analiticamente, essas origens podem ser delineadas em três dimensões: a formal regulatória, a cultural-cognitiva e a normativa. Por causa disso, discutiremos a relação de origens relacionadas a cada uma dessas dimensões separadamente. Novo Mercado como Origem de Legitimidade Formal Regulatória. Em linhas gerais, a base da legitimidade formal regulatória está na conformidade com as regras: organizações legítimas são aquelas que estão legalmente estabelecidas ou estão de acordo com as leis, regulamentos e regras criadas por governos, agências reguladoras e organizações influentes (Ruef & Scott, 1998; Scott, 1995; Scott et al., 2000). Neste estudo, pautamos a análise da legitimidade formal regulatória como derivada da adoção formal de práticas de governança corporativa, que são todo o conjunto de meios jurídicos, culturais e arranjos institucionais que determina o que as empresas de capital aberto podem fazer, quem pode controlá-las, como seu controle é exercido, e como os riscos e retornos das atividades das quais são responsáveis são alocadas (Blair, 1995, p. 3). 4

Por conta das peculiaridades do mercado acionário nacional, tais práticas de governança foram institucionalizadas no país de forma singular, resultando em uma forma própria de governança: os mercados diferenciados, em que seu nível maior de exigência é o Novo Mercado, possuindo outros dois com menor grau de exigência, o Nível 2 e 1. Inspirado na experiência alemã (o Neuer Markt), em 11 de dezembro de 2000 a Bolsa de Valores de São Paulo criou uma listagem separada de organizações denominada Novo Mercado. Segundo Ribeiro Neto e Famá (2002, p. 35), o Novo Mercado da Bovespa é uma seção destinada à negociação de companhias que se submetam [voluntariamente] a exigências mais avançadas em termos de direitos dos acionistas investidores e melhores práticas de governança corporativa. Como aponta a Bovespa (2009), essas regras [...] ampliam os direitos dos acionistas, melhoram a qualidade das informações usualmente prestadas pelas companhias, bem como a dispersão acionária e, ao determinar a resolução dos conflitos societários por meio de uma Câmara de Arbitragem, oferecem aos investidores a segurança de uma alternativa mais ágil e especializada. Por essas razões, a criação de mercados alternativos destaca-se como um importante mecanismo para garantir que o conteúdo normativo das práticas de governança corporativa seja incorporado pelas organizações de capital aberto (Fiss, 2008). Além do caráter coercitivo das obrigações formais, a adesão a mercados diferenciados está associada à maior grau de confiança do mercado, simplesmente por se submeterem ao conteúdo de uma regra aceita como legítima (Capron & Guillén, 2009). Dessa forma, organizações que estão vinculadas a um elemento legitimado tendem a ser vistas também como legítimas. No caso específico do mercado de ações brasileiro, a adesão ao Novo Mercado aufere maior credibilidade dessas organizações perante investidores, já que existe crença disseminada de que organizações que fazem parte desse mercado são mais bem gerenciadas, mais transparentes e mais confiáveis (Ribeiro Neto & Famá, 2002). Consequentemente, tais elementos podem levar a menor risco percebido pelos investidores, como assim já apontaram Tuschke e Sanders (2003), no mercado acionário alemão. Sendo assim, esperamos que as organizações que se adequam aos padrões formais de legitimidade, especificamente a adesão ao Novo Mercado da Bovespa, tenham menor risco, o que nos leva a seguinte hipótese: H1: Empresas que fazem parte do Novo Mercado da Bovespa apresentam menor risco. Capital Social do Conselho como Origem de Legitimidade Cultural-Cognitiva. A legitimidade cultural-cognitiva deriva da conformidade com modelos e padrões socialmente aceitos no ambiente organizacional (Ruef & Scott, 1998; Scott, 1995; Scott et al., 2000). Tais padrões são tomados como certos, cujas características são vistas como parte da realidade, ausente de julgamento, absolutamente necessárias ou inevitáveis (Scott, 1995). Assim, as organizações são legítimas por seguirem tais padrões tidos como certos. Entre esses padrões presentes no mercado de capitais, está a crença disseminada de que conselhos de administração são peças fundamentais na gestão corporativa (Davis, 1996; Higgins & Gulati, 2006). Sob essa perspectiva, estudos apontam que a qualidade (Higgins & Gulati, 2006), o prestígio (Certo & Hodge, 2007), a certificação (Zhang & Wiersema, 2009) e o capital social dos conselheiros (Kim, 2007; Mendes-da-Silva, Rossoni, Martin & Martelanc, 2008) são indícios de sua legitimidade, já que tais elementos são reconhecidamente relacionados à efetividade do conselho. Entre as formas de avaliar a legitimidade originada do conselho, nos baseamos em Davis (1996) e Mizruchi (1996), que apontam para a importância de se analisar a estrutura de relações entre conselhos, conhecida como board interlocking. Esses estudos partem da premissa de que bons conselheiros tendem a participar de maior número de organizações, tal como de diferentes grupos, sendo a centralidade e a posição desses conselheiros na rede indício de seu prestígio. Além disso, se eles estão mais fortemente imersos em uma teia de relacionamentos, eles sofrem maior pressão social para atuarem de forma responsável (Davis, 5

1996). Perante essas razões, acreditamos que aqueles conselheiros mais bem posicionados na rede tendem a ter maior capacidade de receber informação, recursos e conhecimento por meio do seu acesso privilegiado a diferentes grupos não conectados entre si (Davis, 1996), ou seja, maior capital social (Burt, 1992; Kim, 2007). Com efeito, a característica de abertura nas relações que conselheiros prestigiados possuem (capital social por meio dos laços fracos, vide Burt, 1992), também está relacionada ao fato de eles serem membros externos (Kang, Cheng & Gray, 2007; Kim, 2007), o que aumenta o controle sobre a organização (Mizruchi, 1996). Tais características dos laços dos conselheiros são incorporadas no conselho de administração (Mizruchi, 1996), por isso entendemos que aqueles conselhos com maior proporção de laços não redundantes, ou seja, maiores lacunas estruturais (structural holes), tendem a ser valorizados pelo mercado e investidores, apontando assim para sua legitimidade (Higgins & Gulati, 2006, Zang & Wiersema, 2009). Pautando-se nas razões expostas, defendemos que empresas com conselhos que apresentam maior parcela de lacunas estruturais são mais legítimos, que, por sua vez, remete à menor risco de suas ações, o que vai ao encontro com avaliações empíricas anteriores (Certo & Hodge, 2007). Portanto propomos que: H2: Quanto maior a proporção de lacunas estruturais (structural holes) do conselho de administração, menor o risco. Reputação como Origem de Legitimidade Normativa. A legitimidade normativa deriva das normas e valores da sociedade ou do ambiente social relevante para o negócio, (Ruef & Scott, 1998; Scott, 1995; Scott et al., 2000). As normas especificam como as coisas devem ser feitas, definindo quais meios são legítimos para se atingir determinados fins; os valores concebem quais padrões são utilizados para comparar e acessar estruturas e práticas existentes (Scott, 1995). Sendo assim, uma organização é apropriada e desejada, quando atende a tais normas e valores, obtendo uma avaliação normativa positiva da sociedade e de seus stakeholders (Suchman, 1995). Como as organizações atendem variavelmente a essas normas e valores, podemos diferenciá-las em termos de sua reputação, que nada mais é que a expectativa generalizada sobre o comportamento da firma, baseada em percepções coletivas sobre o comportamento e desempenho passado (Deephouse & Suchman, 2008), refletindo o sucesso de algumas organizações em suprir as expectativas de múltiplos stakeholders. Com efeito, se a reputação envolve o julgamento da audiência acerca do que é tolerável ou não como conduta, os termos desse julgamento são dados por aquilo que é legitimamente aceito como bom ou ruim. Dessa forma, se empresas tem uma boa reputação é porque elas incorporaram elementos legitimados no ambiente (Deephouse & Suchman, 2008). No caso do mercado acionário, como apontam Fombrun e Shanley (1990), a interpretação dos investidores acerca da informação dada por cada organização é condicionada pelos pressupostos que eles têm sobre cada firma. Por isso no mercado de ações alguns fatos repercutem tão mal para algumas empresas, e para outras nem tanto (Pfarrer et al., 2010). De acordo com estudos empíricos (Fombrun & Shanley, 1990; Pfarrer et al., 2010; Rindova et al., 2005), essa resposta diferenciada em relação a reputação das empresas pode levar a menor risco, assim como taxas duradouras de retorno. Sendo assim, esperamos que empresas de boa reputação, por serem consideradas legítimas, apresentem menor risco sistemático. Todavia, há indícios de que o efeito da reputação sobre a reação de investidores pode ser moderada pela visibilidade da organização. Como apontam Julian et al. (2008), firmas de maior tamanho têm maior visibilidade, o que atrai maior atenção do público, da mídia e de agentes regulatórios, dando-as proeminência. Sendo assim, é mais provável que quando elas tenham melhor reputação, ao mesmo tempo que sejam mais visíveis, aquiesçam em maior grau às demandas dos stakeholders e da sociedade, reduzindo a incerteza que esses têm em relação a sua conduta (Rindova et al., 2005). Em face do exposto, tecemos as seguintes hipóteses: 6

H3a: Quanto melhor a reputação da organização, menor o risco. H3b: O tamanho da organização modera o efeito da reputação no risco, sendo que quanto maior o tamanho das organizações maior a influência da reputação no risco. Entendemos também que a visibilidade e proeminência das organizações de capital aberto não sejam derivadas somente do tamanho das organizações. Destarte, propomos que o Novo Mercado, enquanto origem formal regulatória da legitimidade, também seja fator de proeminência. Isso porque, como apontam Rindova et al. (2005), quando há agentes que dão suporte à outras organizações, seja por meio da certificação, da disponibilização da informação ou por meio da regulação, aquelas que são fruto de tal suporte tendem a ter maior proeminência, ou seja, tendem a ser julgadas de forma mais positiva. O Novo Mercado, em especial, tende a ser visto como uma entidade legítima porque sob seu bastião está um conjunto de regras e mecanismos formais legitimamente definidos e construídos no mercado, que devem ser seguidos pelas empresas que aderiram a tal nível de governança. Sendo assim, defendemos que as organizações que fazem parte do Novo Mercado são mais proeminentes, moderando o efeito da legitimidade do conselho e da reputação de tais organizações sobre o risco sistemático. Evidências desse efeito podem ser vistos em Rindova et al. (2005), que destacam que a proeminência diminui a incerteza do investidor, além de prover maior garantia e confiança na decisão. Na ausência da proeminência, o resultado se inverte, pois, como apontam Haleblian e Finkelstein (1993), em circunstâncias de incerteza e de desconfiança, a influência de fatores sociais como reputação da empresa e prestígio dos conselheiros tendem a ser menor. Perante tais razões, delineamos as seguintes hipóteses: H4: A presença no Novo Mercado da Bovespa modera o efeito das lacunas estruturais (structural holes) no risco de forma que, em sua presença, maior o efeito das lacunas estruturais sobre a diminuição do risco. H5a: A presença no Novo Mercado da Bovespa modera o efeito da reputação no valor de mercado da empresa de forma que, em sua presença, maior o efeito da reputação sobre a diminuição do risco. H5b: Entre as empresas do Novo Mercado, o tamanho da organização modera o efeito da reputação no risco em maior intensidade que entre empresas do Mercado Tradicional. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS População, Amostra e Dados. Definimos como população deste estudo as companhias listadas na Bolsa de Valores de São Paulo, restringindo nossa coleta a partir do ano de adesão das primeiras empresas ao Novo Mercado, que ocorreu no ano de 2002 (vide Procianoy & Verdi, 2009). De um total de 2.306 observações, que ocorreram entre os anos de 2002 e 2007 (intervalo de 6 anos), algumas destas tiveram que ser removidas devido a ausência de informações na base de dados Economatica. Sendo assim, tivemos como amostra 442 organizações, que geraram 2.091 observações (90,7 % da população). Como nossa variável dependente (Beta) só é gerada a partir de um nível mínimo de liquidez no mercado de ações, nossa amostra máxima nas análises foi de 1.004 observações geradas a partir de 358 organizações. Coletamos os dados por meio do Sistema de Divulgação Externa [Divext] da CVM, da base de informações da Bovespa e do aplicativo Economatica, que reúne informações financeiras, contáveis e econômicas das empresas de capital aberto brasileiro. Entre as fontes documentais listam-se a pesquisa anual sobre as Empresas Mais Admiradas no Brasil, realizada pela revista Carta Capital. Todas as informações foram agregadas em planilhas eletrônicas, sendo depois exportadas para os aplicativos utilizados: UCINET 6 e PAJEK para a análise de redes; SPSS, STATA e GRAETL para a análise estatística e de painel. 7

Variáveis Variável Dependente: Risco Sistemático (Beta). Em consonância com Fombrun e Shanley (1990) e Silveira (2006), nós avaliamos o risco sistemático dos ativos por meio do coeficiente Beta, presente no modelo de precificação de ativos financeiros (CAPM). De ~ ~ acordo com Copeland e Weston (1992), podemos definir o CAPM pela função Ra a R ~ m sa, em que R ~ a = logaritmo neperiano da taxa de retorno semanal do ativo a, R ~ m é o logaritmo neperiano do retorno semanal da carteira de mercado, em nosso caso o índice Bovespa; é o termo que indica o risco sistemático e ~ sa partir de tal modelo, que é um modelo de regressão linear, utilizamos o termo é o risco não sistemático, inerente à empresa. A para avaliar a o risco sistemático, o qual indica o comportamento de um ativo em relação ao comportamento do mercado. Nesse caso, o valor do Beta de referência para o mercado é igual a 1, com os Betas dos ativos das empresas listadas considerados em relação a esse valor. Dessa forma, quanto maior o valor do Beta, maior o risco do ativo. O coeficiente Beta para cada observação foi extraído a partir do aplicativo Economática, circundando o intervalo de um ano. Variáveis Moderadoras Legitimidade Formal Regulatória. Utilizamos três indicadores de participação nos mercados diferenciados da Bovespa: presença no Novo Mercado, no Nível 2 de Governança; no Nível 1 de Governança. Consideramos como categoria de comparação o Mercado Tradicional. Para tanto, definimos cada um dos indicadores por meio de variáveis dummy (binárias), que assumiram valor igual a 1 se a empresa participava do mercado indicado (Novo Mercado, Nível 2 ou Nível 1), em determinado ano, e valor 0 para os outros casos, assim como fizeram estudos anteriores (p.ex. Mendes-da-Silva, Ferraz-Andrade, Famá e Maluf Filho, 2009; Procianoy & Verdi, 2009; Silveira, 2006; Silveira, Barros & Famá, 2006). Vale destacar que assumimos o Novo Mercado tanto como variável independente, quanto variável moderadora. Tamanho da Empresa. Avaliamos o tamanho da empresa em relação ao valor contábil do ativo total (vide Mendes-da-Silva et al., 2008; Mendes-da-Silva et al., 2009; Silveira, 2006), que foi logaritmizado para diminuir problemas de simetria e curtose. Tal variável também serviu como variável de controle e, enquanto variável de moderação, foi centrada pela média para evitar problemas de colinearidade. Variáveis Independentes Legitimidade Cultural-Cognitiva. Seguindo estudos anteriores (Certo & Hodge, 2007; Davis, 1996; Higgins & Gulati, 2006; Zhang & Wierserma, 2009), nós operacionalizamos a dimensão cultural-cognitiva a partir da legitimidade do conselho de administração. Tal legitimidade foi avaliada por meio da posição dos conselhos de administração em relação aos demais conselhos de outras organizações, o que evidência a existência de board interlocking (vide Mizruchi, 1996). Para tanto, utilizamos o método de análise de redes sociais para mapear o relacionamento corporativo das organizações, considerando como laços entre elas o compartilhamento de conselheiros e executivos (vide, por exemplo, Mendes-da-Silva et al., 2008 e a extensa revisão de Davis, 1996 e Mizruchi, 1996). Especificamente, utilizamos o indicador de Lacunas Estruturais (Structural Holes), que são aqueles tipos de relacionamentos não redundantes entre dois contatos (Burt, 1992). Assim, quanto menor o número de laços redundantes, maior o número de lacunas estruturais, havendo menor redundância de informação. Especificamente utilizamos a medida de eficiência dos laços (Burt, 1992, p. 53), que mensura o número de contatos não redundantes EffSize em relação ao total de contatos n de um ator i. Como trabalhamos com dados binários, utilizamos a forma simplificada da equação desenvolvida por Borgatti (1997). Formalmente, considerando que um ator i apresenta n número de contatos, podemos avaliar o número de contatos redundantes a 8

por meio da equação D alters 2l n, em que l é o número de laços entre n (alters). Já que D alters indica o total de laços redundantes, consideramos como laços não redundantes EffSize como n D alters. Dessa forma, a proporção de laços não redundantes Efficiency é dado por EffSize/n. Como há variação anual de conselheiros que fazem parte das organizações, calculamos essa medida para cada ano de participação da empresa na bolsa. Utilizamos as lacunas estruturais como proxy da legitimidade do conselho porque elas evidenciam características amplamente aceitas como válidas e desejáveis em conselhos de administração. Entre elas estão a existência de conselheiros externos (Kang et al., 2007 e Kim, 2007), a presença de conselheiros muito bem posicionados, o que é indício de prestígio e capital social (Certo & Hodge, 2007; Davis, 1996), além de se contar o fato que conselheiros imersos em vários conselhos são mais pressionados por agirem de acordo com as normas do mercado (Davis, 1996; Granovetter, 1985). Legitimidade Normativa. Seguindo estudos anteriores, a legitimidade normativa foi operacionalizada por meio da reputação da organização perante sua audiência (Fombrun & Shanley, 1990). Utilizamos como medida de reputação o escore das Empresas Mais Admiradas no Brasil, segundo pesquisa anual desenvolvida no país pela revista Carta Capital. A pesquisa, inspirada na The Most Admired Companies da revista americana Fortune (que foi fonte de estudos como os de Fombrun & Shanley, 1990 e Pfarrer et al., 2010), realizada há mais de 10 anos, é desenvolvida pela Carta Capital/InterScience, na qual incorpora a percepção do empresariado em relação a critérios econômicos e financeiros de empresas que atuam no Brasil, assim como aspectos relacionados à imagem (marca, atitudes, qualidade, administração, etc.), envolvendo aproximadamente 1.224 casos por ano. Operacionalizamos essa variável considerando a posição da empresa no ranking geral das Empresas Mais Admiradas em cada um dos seis anos avaliados (2002-2007). No entanto destacamos somente as vinte primeiras da listagem, já que, a partir desse ponto, a discriminação entre elas é menos precisa. Destacamos também as melhores empresas de cada setor. Após isso, verificamos quais delas faziam parte da Bovespa, vinculando os resultados da pesquisa aos outros indicadores. Para manter a natureza ordenada da reputação (vide Deephouse & Suchman, 2008), atribuímos o maior valor para empresas que alcançaram o primeiro lugar do ranking em determinado ano, diminuindo o valor em uma unidade para cada posição inferior (valor da variável = 22 - posição no ranking). No caso das melhores do setor, quando não estavam entre as 20 primeiras da análise geral, atribuímos valor 1, e para todas as demais empresas, valor 0. Variáveis de Controle Retorno sobre o Ativo (ROA). Além do tamanho da empresa, já definido anteriormente entre as variáveis moderadoras, controlamos o efeito das variáveis independentes a partir da rentabilidade do ativo. Ela foi definida formalmente como: ROA = LAJIR / AT, em que LAJIR = lucro antes dos juros e impostos, AT = valor contábil do ativo total. Essa medida é conhecida também como LAJIRDA (vide Silveira, 2006). Idade. Definimos a idade da empresas a partir do logaritmo natural dos anos de operação da empresa no mercado acionário brasileiro (vide Mendes-da-Silva et al., 2009). Alavancagem Financeira. Operacionalizamos este indicador por meio da avaliação da dívida financeira total da organização em relação ao ativo total (Carvalhal da Silva & Leal, 2005; Silveira et al., 2006). Vista como medida que relata a estrutura de capital da organização (Silveira, 2006), ela aponta a extensão que a organização utiliza capital de terceiros para financiar suas operações. Setor. Seguindo estudos anteriores (Procianoy & Verdi, 2009; Silveira, 2006), controlamos o efeito do setor, já que existe evidência de que ele é antecedente de várias das variáveis utilizadas (vide Silveira et al., 2006). Para tanto, criamos (s - 1) variáveis dummy em 9

que s é o número de setores identificados no Economatica, considerando como categoria de referência o setor outros por esse apresentar maior número de observações. Ano. Para evitar efeitos relacionados à sazonalidade, assim como tendências temporais, controlaremos o efeito do tempo por meio de variáveis dummy (vide Carvalhal da Silva & Leal, 2005; Procianoy & Verdi, 2009). Assim, o primeiro ano será considerado como categoria de referência, em que teremos (a - 1) variáveis dummy representando cada um dos outros anos, em que a é o número de anos avaliado no estudo. Procedimentos de Análise Análise de Dados em Painel. De forma intuitiva, os dados em painel são utilizados quando temos vários casos (N) com um número razoável de observações no tempo (T), configurando-se em NxT observações (Greene, 2000). Três categorias de modelos econométricos de regressão podem ser empregados: o agrupamento de dados de corte a partir dos Mínimos Quadrados Ordinários (OLS agrupado), os efeitos fixos (EF) e os efeitos aleatórios (GLS). Segundo Greene (2000), a escolha depende do ajuste do modelo aos pressupostos, que são avaliados por meio de três hipóteses: (a) a existência ou não de um único intercepto das unidades de corte transversal (avaliada por meio do teste de F de Chow); (b) se a variância do intercepto é igual a zero (teste Multiplicador de Lagrange modificado pela proposição de Breusch e Pagan); (c) se os estimadores são consistentes a partir da estimação dos Mínimos Quadrados Generalizados (teste de Hausman). A partir da avaliação dessas hipóteses, escolhemos o melhor modelo para cada uma das relações entre variáveis. Também avaliamos se os modelos apresentavam problemas de heterocedasticidade por meio do teste de White. No caso de a hipótese nula ser verdadeira, não há problema de heterocedasticidade, caso contrário, há heterocedasticia. Repetimos tais procedimentos acima para cada uma das subamostras utilizadas. Análise da Moderação. Utilizamos duas formas diferentes para analisar o efeito moderador. No caso em que buscamos avaliar o efeito a moderação do tamanho da empresa na reputação, por ambas variáveis serem de razão, o procedimento mais adequado é efetuar a interação por meio da multiplicação dos termos. No entanto, como apontam Jaccard, Turrisi e Wan (1990), antes de efetuar tal procedimento as variáveis devem ser centradas, dividindo o valor de cada caso pela média da variável correspondente. Tal procedimento evita problemas de colinearidade, o que pode enviesar os coeficientes das variáveis. Mesmo assim avaliamos se a inclusão do termo de interação em cada um dos modelos afetava o valor da tolerância e do VIF. Em nenhum dos modelos encontramos coeficientes cujo valor do VIF fosse maior que 5, assim como valores de tolerância menor que 0,2, o que indica que não há maiores riscos de viés resultante de multicolinearidade. Já em relação ao efeito moderador do Novo Mercado nas variáveis independentes, não foi possível utilizar o procedimento anterior, pois a variável moderadora era binária. Por causa disso, utilizamos o procedimento de Arnold (1982), que consiste em dividir a amostra em grupos, que, em nosso caso, foram duas: uma composta por empresas participantes do Novo Mercado; outra formada por empresas do Mercado Tradicional. Feitas as análises de dados em painel para cada uma das amostras, subtraímos o coeficiente de cada variável na amostra do Novo Mercado pelo coeficiente da mesma variável na amostra de empresas no Mercado Tradicional. Após tal procedimento, avaliamos a significância de cada uma das diferenças entre coeficientes por meio do teste Qui-quadrado, cuja fórmula dispõe-se abaixo: Em que, o valor do beta1 é o coeficiente da variável do grupo 1 (Novo Mercado); o valor do beta2 é o coeficiente da variável do grupo 2 (Mercado Tradicional); se 1 é o erro padrão do coeficiente do grupo 1; se 2 é o erro padrão do coeficiente do grupo 2. Com o valor 10

do Qui-quadrado calculado, aceitamos o efeito moderador quando a probabilidade de erro do teste foi menor que 0,05. RESULTADOS O efeito dos indicadores relacionados à legitimidade no risco sistemático pode ser visto na Tabela 1. Em tal tabela, o Modelo 1 expõe somente as variáveis de controle, enquanto que no Modelo 2 estão incluídas todas as variáveis independentes. Ambos modelos apresentaram resultados mais robustos para o modelo aleatório de dados em painel, pois o Teste de Hausman e de Breusch-Pagan apontaram para superioridade do modelo GLS em relação aos modelos OLS e Fixo. Além disso, a não significância do Teste de White remete a inexistência de problemas de heterocedasticia. Entre as variáveis de controle, somente a rentabilidade do ativo (ROA) foi significativa (p<0,1), em que o aumento em 1% na rentabilidade está relacionado à queda de 0,3% no risco sistemático. Já entre as variáveis independentes, aquela relacionada à legitimidade formal regulatória foi significativa (p<0,05): ações de empresas que fazem parte do Novo Mercado apresentam, em média, um risco sistemático 24,8% menor do que de empresas listadas no Mercado Tradicional, corroborando a Hipótese 1. Em relação aos demais níveis de governança, ações de empresas do Nível 1 não apresentaram diferença significativa em relação à ações das listadas no Mercado Tradicional, enquanto ações relacionadas à empresas do Nível 2 apresentaram maior risco (p<0,05). No caso do indicador relacionado à legitimidade cultural-cognitiva, podemos verificar que organizações com maior proporção de laços não redundantes apresentaram menor risco, corroborando a Hipótese 2. Um aumento de 10% nas lacunas estruturais está relacionado a uma queda de 1,78% no risco sistemático. No que se refere à legitimidade normativa, diferentemente do esperado, verificamos que a reputação da organização não influencia a queda no risco sistemático. Pelo contrário, há indícios de que organizações com incremento de um grau na reputação tendem a ter incremento de 4,4% no risco, indo de encontro com a Hipótese 3a. Temos que considerar que essa mesma variável também foi avaliada a partir da moderação do tamanho da empresa, a qual não foi significativa, levando-nos a refutar a Hipótese 3b. Como há evidências de acentuada heterogeneidade no mercado de capitais brasileiro, efetuamos as mesmas análises, todavia separando as empresas listadas no Novo Mercado (Modelos 3 e 4) das presentes no Mercado Tradicional (Modelos 5 e 6). A partir dos resultados dos testes de ajuste dos estimadores e dos erros, verificamos que o método dos mínimos quadrados ordinários (OLS) foi o mais adequado para todos os modelos. Contudo os Modelos 3 e 4 exigiram o uso de erros padrões robustos, já que o teste de White foi significativo. Como pode ser verificado no Modelo 4, todas as variáveis mostraram-se significativas, indo ao encontro de nossa hipótese de proeminência. As lacunas estruturais de empresas do Novo Mercado apresentaram forte relação com a queda do risco sistemático (p<0,01), em que o aumento de 10% nas lacunas está relacionado à queda de 8,72% no risco. A reputação, ao contrário do hipotetizado, está associada à maior risco, cujo aumento em uma posição no ranking das empresas mais admiradas proporciona, em média, um aumento de 42,8% no risco (p<0,01). Entretanto, quanto moderada pelo tamanho da organização, o mesmo aumento na posição no ranking reduz em 50,8% o risco (p<0,01). Devido ao maior valor do coeficiente da variável moderada, podemos entender que o tamanho é um necessário preditor do efeito da reputação sobre o risco, o que vai de encontro com a Hipótese 3b. Entre as empresas com níveis baixos de governança corporativa, presentes no Mercado Tradicional (Modelo 6), verificamos que nenhuma das variáveis independentes foram significativas. Isso remete de forma clara que, na ausência da legitimidade formal regulatória atribuída por meio da governança corporativa, o que dá proeminência às organizações, as origens culturalcognitivas e normativas perdem toda a influência. 11

Tabela 1 Efeito da Legitimidade no Risco Sistemático (Beta). Amostra: Completa Novo Mercado Mercado Tradicional Novo Mercado x Tradicional Modelo 1 Modelo 2 Modelo 3 Modelo 4 Modelo 5 Modelo 6 Moderação Variáveis Independentes Novo Mercado (Dummy) -0,248** (0,124) Nível 2 (Dummy) 0,350** (0,196) Nível 1 (Dummy) -0,129 (0,127) Structural Holes -0,178** -0,872*** -0,143-0,729*** (0,081) (0,252) (0,094) [7,357] Reputação 0,044* 0,428*** 0,019 0,409*** (0,026) (0,044) (0,125) [9,470] Tamanho x Reputação -0,012-0,508*** -0,005-0,504*** (0,008) (0,047) (0,025) [91,291] Variáveis de Controle ROA -0,003* -0,003* 0,001-0,011-0,002* -0,002* -0,008 (0,001) (0,001) (0,009) (0,011) (0,002) (0,002) [0,534] Idade (ln) -0,017-0,044-0,136-0,037 0,010 0,001-0,038 (0,037) (0,039) (0,090) (0,085) (0,056) (0,057) [0,136] Tamanho (ln do Ativo) -0,018-0,002 0,301*** 0,030-0,016-0,008 0,037 (0,019) (0,021) (0,093) (0,081) (0,022) (0,026) [0,193] Alavancagem 0,000-0,001-0,009-0,010 0,000 0,000-0,010 (0,001) (0,001) (0,008) (0,007) (0,001) (0,001) [2,035] Constante 0,725*** 0,685** -1,397 3,047*** 0,625** 0,601* 2,446** (0,271) (0,285) (1,391) (0,997) (0,308) (0,340) [5,389] Teste de White 67,75 270,87 41,68** 50,25** 93,53 142,42 - Tesde F de Chow 1,01 0,98 0,41 0,53 1,17 1,17 - Teste de Breusch-Pagan 3,95** 5,10** 2,44 1,78 1,22 1,27 - Teste de Hausman 3,45 5,67 9,14** 9,40 1,71 3,87 - Modelo GLS GLS OLS OLS OLS OLS Arnold (1982) Número de Casos 1.004 1.004 87 87 708 708 - Empresas 358 358 66 66 235 235 - Critério de Akaike 2.722,1 2.715,0 266,1 242,6 1.860,3 1.863,8 - F - - 1,26 2,33*** 1,14 1,11 - Wald 24,67 42,44** - - - - - R² 0,026¹ 0,045¹ 0,340 0,530 0,045 0,048 - Δ R² - 0,018-0,190-0,003 0,482 R² Ajustado - - 0,070 0,303 0,006 0,005 - Erro Padrão entre Parênteses. Dummies dos Setores e dos Anos ocultadas. Resultado do teste Qui-quadrado de comparação dos betas entre colchetes. *** p < 0,01 ** p < 0,05 * p < 0,1 ¹ Overall Pseudo R². Todavia, para corroborar a existência de efeito moderador do Novo Mercado, há necessidade de se avaliar a diferença entre os coeficientes das variáveis no Modelo 4 (Novo Mercado) com os do Modelo 6 (Mercado Tradicional). Como pode ser observada no último modelo (Arnold Model, 1982), no Novo Mercado, a influência das lacunas estruturais sobre o 12

risco sistemático é bem mais intensa que no Mercado Tradicional (diferença de -0,729 pontos, p<0,01), o que nos leva a confirmar a Hipótese 4. Em se tratando da reputação, apesar da diferença ser significativa (diferença de 0,409 pontos, p<0,01), o efeito foi contrário ao esperado, o que levou-nos a refutar a Hipótese 5a. Por fim, quando comparamos o efeito do termo da reputação moderado pelo tamanho (variável Tamanho x Reputação), verificamos que no Novo Mercado esta variável está relacionada à queda muito mais acentuada do risco do que no Mercado Tradicional (diferença de -0,504 pontos, p<0,01), corroborando a Hipótese 5b. Figura 1 Efeito das Variáveis sobre o Valor de Mercado, Moderado pelo Nível de Governança. Legenda: No gráfico à esquerda, a linha sólida representa a relação entre lacunas estruturais e risco no Mercado Tradicional, já as linhas pontilhadas representam a mesma relação, porém no Novo Mercado. No gráfico à direita, apresentamos as relações entre reputação e risco para o Mercado Tradicional (linhas sólidas, que estão sobrepostas), assim como para o Novo Mercado (linhas pontilhadas). No caso do Novo Mercado, a linha sem marcadores mostra a relação entre reputação e risco em organizações de menor tamanho, enquanto a linha com marcadores apresenta a mesma relação, porém em organizações maiores. Para facilitar a interpretação dos resultados, na Figura 1 apresentamos graficamente a influência das lacunas estruturais e da reputação no risco sistemático. As linhas sólidas representam a relação entre as variáveis na amostra de empresas que fazem parte do Mercado Tradicional. Já as linhas pontilhadas representam a relação entre as mesmas variáveis, entretanto incorporando empresas que fazem parte somente do Novo Mercado. Como observado, a inclinação negativamente mais acentuada das linhas pontilhadas indicam que a influência das lacunas estruturais e da reputação no risco é maior entre empresa de níveis diferenciados de governança. Adicionalmente, no gráfico à direita, a relação entre reputação e risco foi separada em dois grupos: um para empresas de menor tamanho (ln do ativo = 11,27), outro para empresas de maior tamanho (ln do ativo = 14,9). Como pode ser observado, enquanto a moderação do tamanho é irrelevante no Mercado Tradicional (linhas sólidas sobrepostas), entre as empresas do Novo Mercado há uma queda maior no risco para empresas de maior tamanho (linha com marcadores), se comparado com aquelas de menor tamanho. Tal fato ressalta nossa hipótese da moderação da proeminência e do tamanho sobre a relação da reputação na queda do risco sistemático. DISCUSSÃO E CONCLUSÃO Neste artigo, baseando-se em uma perspectiva institucional de análise do fenômeno da governança corporativa, buscamos demonstrar como origens de ordem formal regulatória, cultural-cognitiva e normativa da legitimidade das empresas listadas na Bovespa estão relacionadas com menor risco sistemático. Para tanto, consideramos diferentes origens, cada 13

uma delas relacionadas às três dimensões ou pilares das instituições (vide Scott, 1995): a adesão ao Novo Mercado como origem de legitimidade formal regulatória, o conselho de administração como origem de legitimidade cultural-cognitiva e a reputação da organização como origem de legitimidade normativa. Adicionalmente, avaliamos a influência da visibilidade da organização, projetada pelo seu tamanho, como moderadora da relação entre reputação e risco sistemático. Por fim, avaliamos se a proeminência gerada pela presença no Novo Mercado moderava o efeito das outras origens da legitimidade no risco sistemático. Conforme nossos resultados, empresas que fazem parte do Novo Mercado apresentam menor risco sistemático. Em consonância com o quadro teórico de referência do institucionalismo organizacional, podemos entender que aquelas organizações que buscaram se adequar a regras formalmente estabelecidas gozaram de maior crédito perante investidores. Dessa forma, o Novo Mercado funciona como uma espécie de certificação de boa conduta corporativa das organizações que fazem parte da listagem, gerando maior confiança nos investidores, o que provavelmente está relacionado à menor risco. Esse resultado converge com outros estudos empíricos que evidenciaram que existe relação entre menor risco percebido e adoção de práticas e regras legítimas (Haleblian & Finkelstein, 1993; Pfarrer et al., 2010; Tuschke & Sanders, 2003). No que se refere ao capital social do conselho, que foi avaliado a partir das lacunas estruturais, verificamos que tal origem de legitimidade cultural cognitiva está fortemente relacionada à menor risco sistemático. Pautando-se em uma explicação institucional, entendemos que essa relação entre risco e capital social do conselho é fruto da crença disseminada de que conselhos de administração são peças fundamentais na gestão corporativa (Davis, 1996; Higgins & Gulati, 2006; Mizruchi, 1996). Além disso, os resultados apontam que essa relação não é significativa entre as empresas que fazem parte do Mercado Tradicional. Tal resultado evidencia que somente quando há um mínimo de salvaguardas reconhecidamente efetivas de bom funcionamento do conselho, há melhor avaliação do mercado frente ao risco dos ativos das empresas negociadas em bolsa. Nossa avaliação de legitimidade normativa, pelo menos na amostra completa, não evidenciou relação entre reputação da empresa e menor risco sistemático, nem quando moderada pelo tamanho da organização. Essa relação só foi significativa entre as empresas que fazem parte do Novo Mercado, o que ressalta a importância da proeminência das regras formais legítimas como fator que antecede à reputação, indo ao encontro de outros estudos (Rindova et al., 2005). Os resultados demonstraram que a proeminência do Novo Mercado não só explica o aumento da influência da reputação sobre a queda no risco sistemático, mas também a existência de tal relação. Cabe destacar que esse resultado só foi válido quando a reputação foi moderada pelo tamanho da empresa. Assim, para empresas de maior tamanho a queda no risco sistemático tende a ser maior que nas demais, o que vai ao encontro da proposição de Julian et al. (2008), de que somente quando algumas características organizacionais são minimamente visíveis elas têm influência sobre o desempenho. No entanto, o resultado mais intrigante foi a relação entre maior reputação e aumento do risco para empresas de menor tamanho, tanto na amostra completa, quanto na amostra do Novo Mercado. A única forma que encontramos para explicar tal relação é que, para organizações de menor tamanho e visibilidade, despender recursos para atender demandas de diversos stakeholders pode até levar à melhor reputação da firma, no entanto pode ser visto pelos investidores como um desvio da função-objetivo da firma de maximizar a riqueza dos acionistas (Jensen, 2001). Por fim, os resultados apontaram que o Novo Mercado, enquanto origem formal regulatória da legitimidade e destacado fator de proeminência, moderou significativamente a relação das outras origens de legitimidade no risco sistemático, indo ao encontro de estudos empíricos anteriores (Rindova et al., 2005). Comparando os resultados da influência das 14

lacunas estruturais e da legitimidade no Novo Mercado com o Mercado Tradicional, percebemos que, na presença do primeiro, as variáveis influenciaram significativamente e em maior intensidade o risco sistemático, enquanto que no segundo nenhuma delas foi significativa. Esses resultados reforçam a importância da legitimidade relacionada aos mecanismos formalmente instituídos no Novo Mercado pela Bovespa como importante mecanismos de redução no risco sistemático das ações negociadas em bolsa. Como já apontamos anteriormente, o único resultado que apontou resultado inverso ao esperado foi a reputação, quando não moderada pelo tamanho da empresa. Implicações Teóricas e Práticas. Em primeiro lugar, nosso estudo contribui para a literatura do institucionalismo organizacional de forma geral, e para o campo dos estudos da governança corporativa de uma forma específica, por destacar a importância de as empresas de capital aberto aquiescerem a pressões ambientais, já que existem fortes indícios de que a aprovação social e a legitimidade são importante mecanismos de redução de risco, de aumento de estabilidade das organizações e de acesso à recursos (Deephouse & Suchman, 2008; Meyer & Rowan, 1977). Evidência disso é o maior poder de explicação das variáveis relacionadas ao ambiente institucional, se comparadas com as outras variáveis de controle. A segunda implicação teórica remete ao fato de avaliarmos a natureza multifacetada da legitimidade no mercado de capitais, com elementos dos três pilares institucionais, como assim fizeram Judge, Douglas e Kutan (2008). Isso é importante porque, apesar de Scott (1995) apontar que a distinção entre as diferentes dimensões da legitimidade é somente analítica, empiricamente elas se diferenciam (vide o próprio autor em Scott et al., 2000). Isso ocorre porque a legitimidade, enquanto dimensão estrutural incorporada em agentes e objetos absorve a legitimidade de sua origem. Sendo assim, se a legitimidade pode variar em cada origem, sua influência sobre as organizações também pode. Em terceiro lugar, avaliamos uma variável pouco estudada, que é o risco dos ativos, que está diretamente relacionada com a capacidade da organização captar recursos. Ademais, se somarmos os resultados da influência da legitimidade na queda no risco (Bansal & Clelland, 2004; Certo & Hodge, 2007), com a influência no aumento do valor de mercado (Certo & Hodge, 2007; Tuschke & Sanders, 2003), podemos inferir que há um prêmio adicional pago pelo mercado no preço da ação que vai além do risco incorporado. Por fim, a última implicação teórica envolve o efeito moderador da visibilidade na reputação e da proeminência relacionada à presença no Novo Mercado nas demais dimensões da legitimidade. Tais elementos mostram que as diferentes origens da legitimidade apresentam interações complexas, que podem afetar de diferentes maneiras as organizações. Entre as implicações práticas, nosso estudo demonstra que executivos devem dar atenção especial aos valores e normas instituídos legitimamente no mercado, já que eles acarretam em menor risco dos ativos. Recomendações de Estudos Futuros. Nosso estudo avaliou o risco utilizando somente um único indicador. Estudos futuros poderiam buscar diferentes formas de avaliar o risco além do Beta do CAPM, incorporando indicadores como, por exemplo, risco não sistemático. Ademais, outras variáveis relacionadas ao desempenho da organização poderiam ser analisadas, entre elas o custo de capital e retornos abnormais. Poder-se-ia também avaliar outros indicadores relacionados às origens aqui discutidas, como também outras origens de legitimidade. Elementos relacionados à estrutura de propriedade, e estruturas piramidais poderiam ser incorporados, já que há evidências de sua influência sobre o desempenho (Tuschke & Sanders, 2003). Além disso, poder-se-ia avaliar a influência das relações de propriedade cruzada, assim como os laços com governos, bancos e fundos de pensão na legitimidade e desempenho das empresas de capital aberto. Por fim, sugerimos que metaanálises sejam feitas, buscando evidências mais consistentes sobre a relação entre legitimidade e desempenho, levando em consideração as características das variáveis estudadas, assim como dos mercados nacionais. 15

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