EXCLUSÃO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO



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EXCLUSÃO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO Pedro Guilherme Accorsi Lunardelli Advogado Mestre e Doutorando PUC/SP Professor do Curso de Especialização em Direito Tributário PUC/SP COGEAE Professor do Curso de Especialização em Direito Tributário do IBET e IBDT/USP Juiz do Tribunal de Impostos e Taxas SP Autor do Livro Isenções Tributárias Editora Dialética São Paulo - 1999 SUMÁRIO I Introdução II - A Posição da Doutrina a Respeito do Conceito de Isenção e sua Influência no Código Tributário Nacional CTN e na Jurisprudência Nacional III A Definição de Exclusão do Crédito Tributário nos Artigos 139, 141 e 175, inciso I, do CTN IV A Distinção entre os Conceitos de Isenção, Remissão e de Anistia V A questão da Alíquota Zero Posição do STF

2 I - INTRODUÇÃO É de longa data a controvérsia havida em nosso cenário jurídico, quando o tema em comento refere-se aos vários fenômenos normativos que se verificam sob a denominação de exclusão do crédito tributário, versado no Capítulo V, do Título III, do Livro Segundo do Código Tributário Nacional - CTN 1, editado com o advento da Lei n 5.172, de 25 de outubro de 1966 2. Com efeito, antes mesmo da sistematização dos tributos nacionais e de suas respectivas regras gerais advindas com edição deste Código Tributário Nacional, debatia-se a doutrina sobre o conceito de isenção, bem como sobre sua eventual distinção quando comparada com outros fenômenos que, em princípio, suscitam alguma semelhança. A prova da relevância destes debates e de sua atualidade verifica-se com a questão dos créditos do IPI relacionados a operações isentas, levado a julgamento no Plenário do Supremo Tribunal Federal 3. Justamente por conta disso, entendemos imprescindível mantermos contato com esta perspectiva histórica, pois é a partir da mesma que encontraremos os fundamentos necessários para compreender o porquê, por exemplo, a Corte Suprema de nosso país posicionou-se naquele sentido quando julgou a questão dos créditos do IPI. II - A POSIÇÃO DA DOUTRINA A RESPEITO DO CONCEITO DE ISENÇÃO E SUA INFLUÊNCIA NO CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL CTN E NA JURISPRUDÊNCIA NACIONAL Como é de notório conhecimento, é assente na doutrina nacional que a isenção tributária seria definida como uma dispensa legal do pagamento do crédito tributário. Certamente quem melhor retratou este posicionamento doutrinário foi o ilustre PROFESSOR JOSÉ SOUTO MAIOR BORGES em sua não menos prestigiada obra denominada Isenções 1 Apenas com a edição do Ato Complementar n 36, de 13 de março de 1967, é que as regras instituídas pela Lei n 5.172/66 passaram a compor uma estrutura normativa denominada Código Tributário Nacional. 2 Anteriormente à promulgação da Constituição Federal de 1988, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, reconheceu que o CTN havia sido incorporado ao sistema jurídico brasileiro com a qualidade de lei complementar. Isto ocorreu com o julgamento do Recurso Extraordinário n 93.850/MG DJU 27.08.1982. Com o advento da Carta de 1988, a recepção do CTN deu-se com a previsão contida no art. 34 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias ADCT. 3 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário n 212.484/RS. Publicado no DJU de 27.11.1998.

3 Tributárias 4, publicada, em primeira edição, no ano de 1969, em segunda, no ano de 1980 e, já sob a insígnia de Teoria Geral da Isenção Tributária 5, no ano de 2001. Deve-se exclusivamente a SOUTO MAIOR BORGES, o inegável mérito de ter conseguido concatenar o pensamento daquela época que, curiosamente, ainda ecoa em tempos hodiernos, salientando que tal definição de isenção não apresentava bases jurídicas sustentáveis. Para bem demonstrar o quão forte era o pensamento a respeito de tal definição, iremos reproduzir as mesmas passagens feitas por este inolvidável Mestre 6, dada a fidelidade aos extratos colhidos: A posição de GERALDO ATALIBA: Isenção é a dispensa legal do pagamento do tributo devido ; Na isenção, verifica-se o fato gerador e ocorre a incidência; entretanto, como não é exigido o crédito tributário, em virtude da dispensa do pagamento, não se recolhe o tributo 7. A posição de BERNARDO RIBEIRO DE MORAES: A isenção tributária consiste num favor concedido por lei, no sentido de dispensar o contribuinte do pagamento do imposto. Há a concretização do fato gerador do tributo, sendo este devido, mas a lei dispensa o seu pagamento. É o benefício fiscal da dispensa do pagamento de um tributo devido. Implica a isenção, sempre, na incidência do tributo, pois somente se pode dispensar o pagamento de um imposto realmente devido. Daí, a razão pela qual os estudiosos da matéria procuram dar a noção de isenção com base na incidência e não na exigibilidade do imposto devido ; Caracteriza-se a isenção pelos seguintes elementos: (...) 4 Editora Sugestões Literárias S/A, São Paulo. Esta, aliás, é a razão de ter adotado o homônimo no meu livro publicado em 1999, pela Editora Dialética, pois desejei, com isso, consignar a admiração pelo trabalho deste ilustre Professor, bem como pela incomensurável gratidão por ter participado da banca examinadora quando apresentei minha dissertação para obtenção do título de mestre na PUC/SP. 5 Malheiros Editores, São Paulo. 6 Teoria Geral da Isenção Tributária. São Paulo: Malheiros Editores, 2001, pág. 160. 7 Natureza Jurídica da Contribuição de Melhoria. São Paulo: Editora RT, 1964.

4 c) Não permite a exigibilidade do tributo. A isenção não transforma o fato gerador do tributo em fato não imponível. Na isenção há a incidência do tributo, sendo seu pagamento dispensado por lei 8. A Posição de RUBENS GOMES DE SOUSA: Não se deve confundir o nascimento do crédito em sentido formal com o nascimento da obrigação tributária em sentido substantivo: a isenção, sendo uma dispensa de pagamento, pressupõe, com efeito, a incidência, ou seja, a existência da obrigação tributária substantiva 9.... isenção é o favor fiscal concedido por lei, que consiste em dispensar o pagamento de um tributo devido... 10. A posição de AMÍLCAR DE ARAÚJO FALCÃO: Nela (refere-se à isenção nossa é a ressalva) há incidência, ocorre o fato gerador. O legislador, todavia, seja por motivos relacionados com a apreciação da capacidade econômica do contribuinte, seja por motivos extrafiscais, determinada a inexigibilidade do débito tributário ou, como diz Rubens Gomes de Sousa, delibera dispensar o pagamento de um tributo devido 11. Convém não confundir o conceito de isenção com o de nãoincidência. Há não-incidência quando o fato gerador não ocorre concretamente, ou por não se configurarem os seus pressupostos de fato, ou por se tratar de fatos que hajam sido excluídos da competência impositiva de determinado ente público. Com a isenção coisa diversa se passa. Ocorre o fato gerador: o legislador, 8 Curso de Direito Tributário. São Paulo: Editora RT, Vol. 1º, págs. 673/674. 9 Estudos de Direito Tributário. São Paulo: Editora Saraiva, 1950, p. 168, nota 14-B. Neste mesmo livro, consultar trabalho do autor, às págs. 252 e 253, nominado Natureza dos Dispositivos Legais que Concedem Isenções. 10 SOUSA, Rubens Gomes. Compêndio de Legislação Tributária. 4ª Edição. Rio de Janeiro: Editora Financeiras, 1982, pág. 59. 11 Fato Gerador da Obrigação Tributária. Rio de Janeiro: Editora Financeiras, 1964, pág. 132.

5 entretanto, se limita a determinar a inexigibilidade do débito assim surgido 12. Também não podemos nos olvidar de reconhecer que foi SOUTO MAIOR BORGES o responsável pela inquestionável e até hoje irrefutada crítica a esta posição doutrinária que, segundo apontado por este digno Professor, teria incorrido na falácia da petição de princípio 13 ao empregar a doutrina estrangeira como suporte científico que pretensamente cumpriria a função de descrever o direito nacional posto. Em sua obra magistral, este Professor colacionou vários autores que teriam contribuído para a formação do pensamento pátrio sobre o fenômeno da isenção, tais como: A. D. GIANNINI 14, ANGELO DUS 15, JOSÉ LUIS DE JUAN Y PENALOSA e FELIX DIAS MONASTERIO 16, como também PABLO DE LA NUEZ DE LA TORRE 17. Tão relevante foi a influência destes autores que se pretendeu normatizar, no Brasil, a definição que até então pairava apenas no campo das especulações científicas, quer as estrangeiras, quer as nacionais. Com efeito, consultando o anteprojeto do Código Tributário Nacional elaborado por Rubens Gomes de Sousa 18, encontramos nos respectivos Capítulos I e II do Título V a proposta de redação para os seguintes dispositivos: Art. 219. Excluem a exigibilidade do crédito tributário: I A isenção; II A anistia. 12 FALCÃO.Amílcar de Araújo. Direito Tributário Brasileiro (Aspectos Concretos). Rio de Janeiro: Editora Financeiras, 1960, pág. 69. 13 COPI. Irving. Introdução à Lógica. 3ª Edição. São Paulo: Editora Mestre Jou, 1981, pág. 84. 14 I Concetti Fondamentalli del Diritto Tributário. Turim: UTET, 1956, pág. 299. 15 Teoria Generalle dell Illecito Fiscale. Milão: Giufrè, 1957, pág. 152. 16 Consideraciones sobre la Teoría de las Exenciones Fiscales XI Semana de Estudios de Derecho Financiero. Editorial de Derecho Financiero, 1964, vol. 1. 17 Estudio Juridico de las Exenciones en Derecho Tributario Español XI Semana de Estudios de Derecho Financiero. Editorial de Derecho Financiero, 1964, vol 1. 18 Publicado no Diário Oficial da União de 25.08.1953, pág. 14.567. Este anteprojeto recebeu várias publicações do Instituto Brasileiro de Direito Financeiro IBDF. A que tivemos acesso e utilizamos nestes comentários refere- à publicação n 4, do ano de 1955.

6 Parágrafo único. O disposto neste artigo não dispensa do cumprimento das obrigações tributárias acessórias. Art. 220. Isenção é a dispensa legal do pagamento do tributo devido. Art. 221. omissis 2 - A isenção equivale, para todos os efeitos legais, ao pagamento do tributo. Após os debates que ocorreram no Congresso Nacional, a promulgação do Código Tributário Nacional contemplou parcialmente a redação disposta no referido art. 219 do anteprojeto, com algumas modificações também inseridas no seu respectivo parágrafo único 19. Não obstante desaprovada a normatização deste conceito de isenção, isto não impediu a continuidade de sua adoção pela doutrina, bem como pelos aplicadores do direito, quer os meramente administrativos, quer os judiciais. No âmbito da administração tributária federal, podemos citar, como exemplo, o Parecer Normativo CST n 09, de 1984, no qual se assume, expressamente, a definição de que a isenção configuraria a referida dispensa do pagamento do tributo devido. No Judiciário verificou-se uma torrencial predominância deste conceito, chegando mesmo a compor a justificação para alguns enunciados sumulares do Supremo Tribunal Federal 20. O marco divisor do posicionamento da Suprema Corte a respeito do conceito de isenção pode ser constatado a partir da discussão levada a efeito pelos contribuintes, cujo pano de fundo foi o direito ao crédito do então ICM, quando em operações anteriores havia o mencionado benefício isencional. O caso específico que veio a ser julgado pelo Plenário 19 No Código Tributário Nacional vigente, este dispositivo está contido no art. 175. 20 A este respeito, consultar os precedentes que motivaram a edição das Súmulas 575 e 576.

7 desta Corte versou sobre a interpretação do inciso V, do parágrafo 4, do art. 1 do Decreto-lei n 406, de 31.12.1968, vazado nos seguintes termos: Art. 1 omissis Parágrafo 4. São isentas do imposto: V - a entrada de mercadorias importadas do Exterior quando destinadas à utilização como matéria-prima em processos de industrialização, em estabelecimento do importador, desde que a saída dos produtos industrializados resultantes fique efetivamente sujeita ao pagamento do imposto; De acordo com a interpretação sustentada pelos fiscos estaduais, inexistindo pagamento de tributo na operação de importação, dada a referida isenção, não haveria como reconhecer-se este alegado direito de crédito do ICM aos respectivos importadores, posto que nada havia sido recolhido ao Erário público. Esta tese, entretanto, não prevaleceu. Trabalhando-se também 21 com o argumento de que a isenção teria aquela postura de uma dispensa legal do pagamento, haveria de se pressupor que o fenômeno em tela teria apenas a finalidade de eliminar o dever atribuído ao contribuinte de efetuar o pagamento do crédito tributário, mantendo-se em pleno vigor, portanto, este referido crédito e a respectiva obrigação tributária, originada da concretização do fato gerador descrito em tal norma. Vários foram os pronunciamentos do Supremo Tribunal Federal neste sentido, valendo-se transcrever o seguinte, do seu Plenário 22 : 21 Não estamos, com isso, afirmando que o tema da isenção foi o central nesta orientação do STF. Na realidade, o fundamento principal foi o de que, sendo o então ICM um imposto não-cumulativo, a isenção em etapa anterior ficaria prejudicada se na subseqüente houvesse a incidência deste tributo sobre o valor integral da operação sem nenhum abatimento. Dada a necessidade de se evitar a cumulatividade, reconheceu-se, então, a possibilidade de os contribuintes efetuarem um crédito em suas respectivas escritas, crédito este que também ficaria legitimado porque ter-se-ia a figura da isenção, concebida, como visto, apenas como uma dispensa legal do pagamento e não do crédito tributário. 22 Recurso Extraordinário n 94.177/SP, publicado no DJU de 10.12.1982, pág. 2790. A propósito deste assunto, consultar também as seguintes decisões do STF: Recursos Extraordinários: n 87.610/SP (Primeira Turma, DJU,

8 Imposto sobre Circulação de Mercadoria. Havendo isenção na importação da matéria-prima, há o direito de creditar-se do valor correspondente, na fase de saída do produto industrializado. Inciso V, do parágrafo 4., do art-1., do Dec.-lei n. 406/68 (na redação da Lei Complementar n. 04/69), e art. 23, inciso II, da Constituição Federal. Esclarecedoras do modo de pensar dominante daquela época, foram as justificativas argüidas pela Procuradoria-Geral da República, ao se manifestar nos autos do Recurso Extraordinário n 87.617/SP 23, verbis: A isenção, que só pode ocorrer onde há incidência, importa na dispensa do ônus do tributo e o valor da operação isenta deve ser deduzido da operação subseqüente, evitando-se assim que o imposto que não incide em razão da isenção venha a ser posteriormente recolhido. No mesmo sentido, pronunciou-se o EXMO. MINISTRO SOARES MUNHOZ 24, nos autos do Recurso Extraordinário n 97.456/RS 25, conforme podemos verificar do seguinte trecho do seu voto acostado nos autos:... a seu tempo,. o art. 175, I, do mesmo diploma, define a isenção como causa excludente do crédito tributário, e o art. 140 estatui que as circunstâncias que excluem a exigibilidade do crédito não afetam a obrigação tributária que lhe deu origem. Não atingindo a primeira relação jurídica surgida com a ocorrência do fato imponível, a isenção a mantém intacta, pois é causa de exclusão tão-só do crédito. 17.02.1978); n 96.862-8/SP (Segunda Turma, DJU, 11.06.1982); n 104.963-4/SP (Plenário, DJU, 25.04.86); n 103.913-2/SP (Plenário, DJU, 30.05.1986). 23 Publicado no DJU de 17.12.1978. 24 Importante salientar que este Exmo. Ministro reporta-se a um parecer do Professor Heron Arzua que teria sido acostados nos autos postos a julgamento pelo STF. 25 Publicado no DJU de 17.12.1982.

9 Em resumo: a isenção, pelo CTN, exclui o crédito (art. 175, I), mas não afeta a obrigação (art. 140). Isto posto, fica aplainado o caminho para o entendimento de que, em se revogando isenção, não se está criando nova obrigação tributária, nem aumentando o crédito dela decorrente, que apenas se achava neutralizado por força da norma isencional. Nada obstante, é de se assinalar a existência de prestigiosa doutrina que sustenta suprimir a norma legal da isenção a própria definição de incidência, de modo a obstar o nascimento da obrigação tributária. (Berliri Principi di Diritto Tributario, Milão, 1957, tomo I, vol. II, p. 22); Alfredo Augusto Becker, Teoria Geral de Direito Tributário, Saraiva, SP, 1963, 1ª edição, p. 276; Souto Maior Borges, Isenções Tributárias, Sugestões Literárias, SP, 1969, 1ª ed.). Mas, como observa Fábio Fanucchi, com a acuidade que lhe é característica, a tese se embate contra a opinião da maioria dos doutrinadores nacionais e, mais, contra o direito escrito, corporificado pelo texto do art. 175, do CTN. ( Curso de Direito Tributário Brasileiro, RT, 3ª ed., 1975, vol.!, p. 371). Na mesma direção, é a opinião de José Washington Coelho, que considera ter o Código Tributário Nacional situado a isenção supondo a ocorrência da obrigação, a qual só é atingida em seus efeitos. ( Código Tributário Nacional Interpretado, Eds. Correio da Manhã, 1968, p. 175, e segs.)... Esta orientação, como já afirmamos, vem fazendo história no cenário brasileiro e especialmente na Suprema Corte. Tanto é assim, que, atualmente, é possível depararmonos com pronunciamentos oficiais e com julgados recentes neste sentido. No âmbito da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional PGFN, há o Parecer n 405, de 2003 26, no qual este órgão analisa os reflexos da isenção e da não incidência quando 26 Publicado no Diário Oficial da União DOU de 26.03.2003.

10 consideradas no campo de abrangência da Não Cumulatividade do Imposto sobre Produtos Industrializados IPI. Em determinada passagem, sustenta este respeitável órgão o seguinte sobre tais fenômenos jurídicos:... C) Isenção é o favor fiscal concedido por lei, que consiste em dispensar o pagamento de um tributo devido; voltando ainda ao mesmo exemplo: se a lei concede isenção do imposto predial aos edifícios das embaixadas e consulados, um prédio situado na zona urbana, que como já vimos incide no imposto, se for ocupado por embaixada ou consulado fiscal ficará dispensado do seu pagamento, isto é, ficará isento por força de lei. É importante fixar bem as diferenças entre não-incidência e isenção: tratando-se de não incidência, não é devido o tributo porque não chega a surgir a própria obrigação tributária; ao contrário, na isenção o tributo é devido, porque existe a obrigação, mas a lei dispensa o seu pagamento; por conseguinte, a isenção pressupõe a incidência, porque é claro que só se pode dispensar o pagamento do tributo que seja efetivamente devido. Neste mesmo sentido, na Ação Direta de Inconstitucionalidade ADIn n 268/RO 27, o Plenário da Corte Constitucional brasileira, julgando a validade da instituição de um benefício fiscal pelo Estado de Rondônia, no âmbito do ICMS, renovou seu entendimento de que a isenção consistiria em uma efetiva dispensa do pagamento de um tributo devido em face da ocorrência de seu fato gerador, distinguindo-se, assim, da figura da não-incidência porque, sob este fenômeno, estariam abrangidas todas as situações de fato não contempladas pela regra jurídica da tributação e decorre da abrangência ditada pela própria norma. 27 Decisão publicada no DJU de 30.08.2002, pág. 60.

11 Todas estas citações, a nosso ver, reproduzem fidedignamente a orientação doutrinária e jurisprudencial que tem marcado o conceito da isenção tributária no cenário nacional. Com base nela, aliás, temos condições de estruturar um gráfico para demonstrar como dar-se-ia a sua fenomenologia. Vejamos: Tempo de Vigência das Normas Jurídicas D 1 D 2 D 3 Norma Tributária Lançto. Tributário Norma de Isenção Fato Gerador Obrigação Tributária Crédito Tributário Pagamento do Crédito Tributário Dispensa Legal do Pagamento

12 Explicamos: Tempo D 1 : ocorre a incidência da norma tributária, vigente no sistema, provocando a jurisdicização do respectivo fato gerador, observado o que prevê o art. 114 c/c os incisos I e II, do art. 116, do CTN; a concretização do fato gerador daria ensejo ao nascimento da respectiva obrigação tributária, vinculando sujeitos passivo e ativo, nos termos do parágrafo 1, do art. 113, do CTN; Tempo D 2 : opera-se a formalização da obrigação tributária mediante o lançamento tributário; nos termos do art. 139, do CTN, o crédito tributário, formalizado neste momento, teria a mesma natureza da obrigação tributária, dando ensejo, assim, à teoria que sustenta ser o lançamento um ato administrativo meramente declaratório daquela obrigação tributária; e Tempo D 3 : ocorre a incidência da norma de isenção; como conseqüência, o sujeito passivo da obrigação tributária que, neste momento, apresenta-se na sua feição formalizada de crédito tributário, fica, então, desobrigado do respectivo do pagamento, haja vista a dispensa legal contida nesta norma isencional. A descrição desta fenomenologia evidenciaria, assim, que a função da norma de isenção seria apenas a de atingir o dever de pagar a prestação tributária, contido na relação de crédito formalizada pelo lançamento tributário. Portanto, atingindo somente o fenômeno do pagamento, restariam incólumes a obrigação e o respectivo crédito tributários. III A DEFINIÇÃO DE EXCLUSÃO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO NOS ARTIGOS 139, 141 E 175, INCISO I, DO CTN Art. 139. O crédito tributário decorre da obrigação principal e tem a mesma natureza desta. Art. 141. O crédito tributário regularmente constituído somente se modifica ou extingue, ou tem sua exigibilidade suspensa ou excluída, nos casos previstos nesta Lei, fora dos quais não podem ser dispensadas, sob pena de responsabilidade funcional na forma da lei, a sua efetivação ou as respectivas garantias Art. 175. Excluem o crédito tributário:

13 I - a isenção;. A assunção da tese que trata a isenção como uma dispensa legal do pagamento do crédito tributário pressupõe a admissão de uma série de premissas que, em nosso entender, não parecem subsistir. A primeira delas seria a de que tal definição apresenta-se como um conceito legislado que obrigaria o intérprete a respeitar suas supostas características normatizadas 28. No entanto, fácil é a percepção de que a proposta de RUBENS GOMES DE SOUSA não logrou êxito no intento de normatizá-la. Do anteprojeto proposto, apenas foi conduzido à condição de texto normativo parte da redação dos incisos e do caput do art. 219, renumerado para art. 175, do CTN. Importante, salientar que o termo exigibilidade previsto nesse art. 219 do anteprojeto também não foi mantido na redação final do art. 175, o que, por si, já demonstra inaplicável a automática conjugação deste dispositivo normativo com o art. 140 também do CTN. A segunda premissa, neste caso implícita, que desacolhemos é a que pretende seja feita a interpretação de textos normativos considerando apenas e tão somente a sua literalidade, deixando de lado conceitos próprios a qualquer fenômeno normativo, como se verifica no da isenção tributária. A terceira, já objeto de crítica de SOUTO MAIOR BORGES, como aludimos anteriormente, diz respeito à inexistência do cuidado de se recorrer a opiniões estrangeiras, pretendendo, apenas com base no argumento de autoridade, torná-las descritivas do sistema tributário brasileiro. Desta sorte, por não acolhermos tais vertentes doutrinárias, seguiremos a que procura explicar as isenções tributárias de acordo com os critérios comuns a qualquer outro fenômeno jurídico, demonstrando a sua efetiva estrutura normativa. Vejamos. 28 A respeito das classificações normativas e o respeito que o intérprete deve ter em relação aos seus critérios, não se lhes aplicando, assim, os critérios de utilidade e inutilidade, consultar excelente trabalho do PROFESSOR EURICO MARCOS DINIZ DE SANTI denominado: As Classificações no Sistema Tributário Brasileiro. Justiça Tributária - 1 Congresso Internacional de Direito Tributário IBET. São Paulo, Editora Max Limonad, 1998, pág. 125.

14 Na realidade, não só o vocábulo exclusão, mas também a expressão crédito tributário, como sói acontecer com os enunciados lingüísticos, apresentam a característica da ambigüidade 29, impondo ao seu operador o dever de trabalhar com instrumentos que visem a eliminá-la. Para tanto, teremos como apoio os fundamentos por nós já expostos em nossa dissertação sobre este mesmo tema 30, com base nos quais acreditamos ter demonstrado que tal expressão não apresenta o mesmo vetor semântico daquele contido no art. 139 do CTN 31. Neste dispositivo, tal qual no art. 141 do mesmo Diploma 32, crédito tributário apresenta-se como uma típica relação jurídica intranormativa, vinculando, em termos específicos e individuais, o sujeito passivo e o ativo em função de uma determinada prestação também considerada tipicamente tributária. Em outras palavras, crédito tributário, neste contexto dos arts. 139 e 141 do CTN, significa exatamente a eficácia jurídica 33 decorrente da competente versão do evento em fato gerador tal qual previsto na hipótese da norma tributária. É efeito, é relação tributária específica e individual entre sujeitos passivo e ativo. Não é isto, no entanto, que ocorre quando examinamos esta figura do crédito tributário sob os influxos do inciso I, do art. 175, do CTN. Crédito tributário, aqui, assume a função de uma típica não-incidência, qual seja, a não incidência da regra matriz tributária sobre o evento que passou a integrar a hipótese da norma de isenção. Vejamos como isto acontece. Entendida a isenção como um fenômeno que se apresenta com estrutura normativa, devemos concebê-la com as respectivas hipótese e conseqüente, aquela prevendo a ocorrência do evento que, manifestado dentro dos estreitos limites normativos, 29 Ambigüidade é a característica dos enunciados lingüísticos relativa à possibilidade de apresentarem, no mínimo, dois significados diversos. A propósito, consultar CARLOS SANTIAGO NINO. Introducción Análisis del Derecho. 2ª edición, Buenos Aires: Editorial Astrea, 1993, pág. 260. 30 Isenções Tributárias. São Paulo: Editora Dialética, 1999, pág. 73. 31 A redação deste dispositivo é a seguinte: Art. 139. O crédito tributário decorre da obrigação principal e tem a mesma natureza desta. 32 A redação deste dispositivo é a seguinte: Art. 141. O crédito tributário regularmente constituído somente se modifica ou extingue, ou tem sua exigibilidade suspensa ou excluída, nos casos previstos nesta Lei, fora dos quais não podem ser dispensadas, sob pena de responsabilidade funcional na forma da lei, a sua efetivação ou as respectivas garantias. 33 O sentido de eficácia jurídica é o adotado por Pontes de Miranda, Tratado de Direito Privado, Tomo I, Bookseller Editora e Distribuidora, 1999, pág. 62.

15 transveste-se em fato jurídico isento e, este, prescrevendo a relação jurídica entre sujeito isento e fisco. Antes de entrarmos especificamente nestes termos da norma da isenção, é preciso firmar o entendimento de que, quando posta no sistema normativo, opera efeitos nos critérios da regra matriz tributária, atuando, assim, neste momento, como uma típica norma de estrutura, conforme definição clássica de NORBERTO BOBBIO 34. Esta função, inclusive, é o mote da linha de pensamento sustentada pelo PROFESSOR PAULO DE BARROS CARVALHO 35, para quem, atuando com esta função apenas estrutural, a isenção provocaria a eliminação parcial de um ou mais elementos versados nos critérios da regra matriz tributária. Em nossa opinião, a norma de isenção atua também e não somente com esta função 36 estrutural, dando novo perfil à regra matriz tributária, até porque provoca a revogação 37 dos elementos que, até então, estavam dispostos exclusivamente nos critérios desta regra matriz tributária. Com efeito, admitindo a assertiva de SOUTO MAIOR BORGES 38 de que a norma de isenção pressupõe a mesma competência que é exercida para a inserção da regra matriz (tributária) no sistema tributário e, ainda, acatando-se a premissa de que tal competência venha a ser manifestada por intermédio de um veículo introdutor 39 com o mesmo nível hierárquico adotado para a formulação daquela regra matriz, inevitável concluir-se que a norma de isenção determina a revogação 40 de algum ou alguns dos 34 Teoria do Ordenamento Jurídico. Brasília: Polis/Universidade de Brasília, 1991, pág. 45. 35 Curso de Direito Tributário. 15ª edição. São Paulo: Editora Saraiva, 2003, pág. 484. 36 A respeito do conceito de função, como a operação própria de uma coisa, consultar: Abbgnanno, Nicola. Dicionário de Filosofia. 2ª edição, São Paulo: Editora Mestre Jou, 1982, pág. 450. 37 O Supremo Tribunal Federal, ao fazer editar a Súmula n 615, supedaneada nos julgamentos do Mandado de Segurança n 13.947, de 17.05.66 (RTJ 39/64), do Recurso Extraordinário n 97.456, de 26.10.82 (RTJ 105/819), do Recurso Extraordinário n 97.455, de 10.12.82 (RTJ 107/752, do Recurso Extraordinário n 99.430, de 01.03.83 (RTJ 106/428) e do Recurso Extraordinário n 99.431, de 18.03.83 (RTJ 106/868), encampou o entendimento de que norma de isenção não provocaria a revogação da norma tributária, posição esta que pode ser qualificada como coerente se tivermos em mente de que modo este Tribunal concebe o fenômeno isencional. Admitindo-o, como visto, segundo uma dispensa legal do pagamento do crédito tributário, a norma de isenção não chegaria a alterar os critérios da norma tributária. No entanto, infirmando tais premissas, as conclusões são diversas. A propósito deste assunto, consultar nosso Isenções Tributárias, pág. 143. 38 Id.,ib, pág. 38. 39 No caso, por exemplo, lei ordinária, medida provisória, ou mesmo lei complementar. 40 Neste ponto, admitimos a tese de que a revogação é um fenômeno que se opera, especificamente, por força do cálculo relacional havido entre normas. Portanto, verificado no plano relativo ao Conjunto Articulado das

16 elementos contidos nos critérios de tal regra. Isto, aliás, confirma a função estrutural da norma de isenção, conforme anotado por BARROS CARVALHO. No entanto, em nossa opinião, a função da norma de isenção não se esgota nos efeitos que provoca no âmbito da regra matriz tributária. A norma de isenção manifesta-se também como uma típica norma de comportamento. Isto porque, a isenção é, antes de tudo, norma, e, além disso, jurídica, trazendo consigo, portanto, todas as características do gênero norma jurídica, às quais somam-se as características da espécie, tornando-se, assim, norma jurídica de isenção. A respeito da utilização das categorias do gênero próximo e da diferença específica para a formação de classes, firmes são as palavras do PROFESSOR EURICO MARCOS DINIZ DE SANTI 41 : Um nome geral denota uma classe de objetos que apresentam um mesmo atributo. Nesse sentido, atributo significa a propriedade que manifesta um dado objeto. Todo nome cuja significação está constituída de atributos é em potencial o nome de um número indefinido de objetos. As classes de objetos são criadas por nomes gerais. Ordinariamente, um nome geral é introduzido porque temos a necessidade de uma palavra que denote determinada classe de objetos e seus atributos peculiares. Um naturalista, em vista das exigências de sua ciência particular, vê uma razão, como mais interessante que outras, para distribuir o mundo animal ou vegetal em certos grupos. As classes que denotam grupos de objetos são, como todas as demais, constituídas por certos atributos comuns, e seus nomes significam esses attributos e não outra coisa. Os nomes das classes e ordens de CUVIER: os plantígrados (tribo de mamíferos que andam sobre as plantas dos pés), dos ditígrados (que andam nas pontas dos dedos) etc., ainda que nascidos de sua classificação dos animais, são também expressão de atributos, como se os houvesse precedido. O atributo ou atributos que distinguem uma determinada Significações Normativas o sistema de normas strictu sensu de que trata o PROFESSOR PAULO DE BARROS CARVALHO, id., ib., pág. 122. 41 Id.ib., pág. 129.

17 espécie de todas as demais espécies de um mesmo gênero denomina-se diferença. Segundo STUART MILL, o gênero compreende a espécie. Daí decorre que o gênero ou denota mais que a espécie ou é predicado de um número maior de indivíduos. Segue-se que a espécie deve conotar mais que o gênero. (...) O excesso de conotação, que uma espécie acumula sobre o gênero, é a diferença ou diferença específica. Para dizer o mesmo com outras palavras, a diferença é aquilo que deve ser adicionado à conotação do gênero para completar a conotação da espécie. Tendo estes preceitos em linha de conta, a norma de isenção apresenta, além das mesmas características, ou atributos, que marcam o gênero norma jurídica, outras que lhe conferem o predicado da espécie norma jurídica - de isenção. Definimos norma jurídica, em termos sintáticos, como a estrutura hipotético-condicional modalizada deonticamente pelo dever-ser neutro 42. Em termos semânticos, como a estrutura que tem a função de regular condutas intersubjetivas das pessoas, quer físicas, quer jurídicas. Com relação aos atributos do gênero, a norma de isenção também contém uma estrutura hipotético-condicional modalizada deonticamente. Semanticamente, regula um comportamento específico tanto do seu sujeito ativo, quanto do seu sujeito passivo. A diferença específica da norma de isenção pode ser vista exatamente no modo como tais comportamentos são regulados, o que a distingue das demais normas, especialmente as tipicamente tributárias. Vejamos: Descreve em sua hipótese um certo evento X.1.isento que, revestido na forma exigida pelo ordenamento jurídico, converter-se-á em fato jurídico isento X.1.jurídico.isento ; 42 Este dever-ser neutro subparte-se nos modais permitido, obrigado e vedado quando examinado o vetor semântico da norma jurídica.

18 Tomado o sistema jurídico por uma perspectiva estática, este evento X.1.isento, descrito na hipótese da norma de isenção, conforme o tempo D 3 do gráfico elaborado no Tópico II deste trabalho, apresenta os mesmos atributos do evento X.1.tributário, previsto na hipótese da regra matriz tributária, observada no tempo D 1 do mencionado gráfico; tomado este mesmo sistema pelo prisma dinâmico, verificamos, assim, que, a partir do tempo D 3, haverá no sistema, pelo menos duas normas: (i) a de isenção prevendo, em sua hipótese, o evento X.1.isento ; e (ii) a regra matriz tributária, descrevendo, em sua hipótese, os eventos X n-1.tributário ; No conseqüente da norma de isenção há a prescrição da relação jurídica isencional, atrelando o comportamento do contribuinte, na qualidade de sujeito ativo desta relação, e o do fisco, na condição de sujeito passivo da mesma; tais comportamentos são regulados do seguinte modo: ao sujeito ativo nesta relação de isenção, está permitido omitir o cumprimento de uma certa conduta, qual seja, a realização da prestação tributária; ao fisco, sujeito passivo nesta relação, está vedado exigir o cumprimento da mesma; Considerando que a norma de isenção pode ser inserida na classe das obrigações patrimoniais de que trata a doutrina civilista, posto apresentar uma determinada dimensão econômica, a sua base de cálculo corresponderá ao valor da prestação regulada no conseqüente da regra matriz tributária, caso a mesma viesse a se concretizar; A alíquota será de 100% se quisermos falar em isenção plena ou total; desta forma, a dimensão econômica da norma de isenção equivale ao valor da prestação tal qual delineada pela respectiva regra matriz.

19 De acordo com o acima exposto, verifica-se que a regra matriz tributária, a partir daquele hipotético tempo D 3, tem seu campo de possível incidência parcialmente reduzido, posto que o evento, até então descrito na sua hipótese, passa a compor a hipótese da norma de isenção, na condição de evento isento. Esta parcela reduzida da regra matriz tributária corresponde a um campo de não incidência que, pela perspectiva adotada neste trabalho, coincide com o que denominamos de exclusão do crédito tributário. Esta explicação permite-nos também compreender o porquê o art. 177, do CTN pontua que a norma de isenção não é extensiva às taxas, contribuições de melhoria, nem tampouco a tributos que venham a ser instituídos posteriormente à sua publicação. A questão que impera, aqui, é puramente de Legalidade, que implica, por assim ser, tipicidade restrita tanto da hipótese, quanto do conseqüente de qualquer norma jurídica. Os critérios descritos, por exemplo, na hipótese da norma de isenção, restringem o seu campo de aplicação apenas e tão somente aos objetos que atenderem a tais critérios. A denotação de uma classe está diretamente ligada à respectiva conotação dos seus atributos, ou como dito, dos seus critérios. Portanto, se estes critérios apontam para uma determinada classe de objetos nominados de impostos, não há como acatar a tese de que também, aí, estariam albergados objetos denominados de taxas ou mesmo de contribuições de melhoria, porque tais nomes contêm atributos próprios e não coincidentes. Assim, se os atributos da hipótese de uma certa norma isencional referem-se aos critérios da hipótese de uma determinada regra matriz tributária, por exemplo, do imposto de renda de pessoas jurídicas, disso deduz-se que esta mesma hipótese isencional não pode referir-se à regra matriz do imposto de importação. Distinção de atributos ou de critérios implica, diversidade de classe de objetos denotados. Tal conclusão não é infirmada pelo salvo disposição de lei em contrário contido no caput deste mencionado art. 177, do CTN. A sua releitura em termos normativos, aponta para a conclusão de que esta ressalva apenas diz que se determinado enunciado normativo permitir a construção de hipóteses de normas isencionais com critérios diversos, teremos, então, diversas normas de isenção, tantas quantas forem as hipóteses verificadas.

20 Façamos um último esclarecimento a respeito da performance da norma de isenção até aqui exposta. Ao nos referirmos àqueles eventos previstos nas hipóteses da regra matriz e nas da norma de isenção, não estamos limitando este fenômeno ao referente de tais estruturas normativas. Na realidade, a intenção de nos apegarmos à hipótese foi a de exemplificar como isto se dá, mas nada impede que o legislador escolha, tanto na hipótese, quanto no conseqüente, quais critérios da regra matriz serão mutilados por conta do seu confronto com a norma da isenção. A confirmação dessa assertiva está claramente prevista no parágrafo único, do art. 176, do CTN, ao prever que a norma de isenção poderá atentar apenas para determinada porção do território da pessoa jurídica competente para instituí-la, considerando circunstâncias peculiares à mesma. Ora, teremos, neste caso, uma norma de isenção demarcada, primordialmente, pelo aspecto espacial. Vê-se, portanto, que tal escolha cabe ao legislador, desde que limitado, conforme já observara BARROS CARVALHO 43, ao fato de que as mutilações que se pretendam fazer no âmbito da regra matriz tributária não impliquem sua revogação pela eliminação total dos elementos contidos em seus critérios, quer os da hipótese, quer os do conseqüente. IV A DISTINÇÃO ENTRE OS CONCEITOS DE ISENÇÃO, REMISSÃO E DE ANISTIA Art. 156. Extinguem o crédito tributário: IV remissão; Art. 175. Excluem o crédito tributário: II - a anistia. Postos a lume a postura da norma de isenção, façamos a sua distinção quando comparada à norma de remissão. 43 Id. ib., pág. 492.

21 Para facilitar a compreensão iremos tratar, primeiramente, das distinções havidas nas respectivas hipóteses destas normas. Vimos de ver que a norma de isenção abarca a previsão de um evento. O aspecto temporal e o material da hipótese da norma de isenção apontam, respectivamente, para o tempo futuro e um evento por ocorrer. Diferentemente se dá com a hipótese da norma de remissão. Aqui, tais aspectos apontam o tempo e o evento já ocorridos. Este, identifica-se com a relação jurídica inadimplida pelo sujeito passivo indicado no conseqüente da regra matriz tributária. No conseqüente de ambas, temos relações jurídicas sendo prescritas. No da isenção, a relação jurídica tal qual demonstrada linhas acima. No da remissão, a relação jurídica que implica a extinção daquela relação inadimplida pelo mencionado sujeito passivo da regra matriz tributária. No caso da anistia, a distinção verifica-se, também, a partir da análise da hipótese desta norma jurídica. Se por um lado há uma certa aproximação com a norma da remissão, pelo fato de prever, em tal hipótese, o tempo e um evento já ocorridos 44, afasta-se significativamente quando examinado o perfil deste evento. Trata-se, no caso, da relação jurídica sancionatória, implicada pelo descumprimento da relação jurídica tributária a que nos referimos acima. No seu conseqüente verificamos também uma certa semelhança com a norma da remissão, no sentido de que prescreve uma relação que produz, no campo normativo, a extinção da relação jurídica primária sancionatória 45. Dentro desta perspectiva, aproximamo-nos de uma outra definição para a expressão crédito tributário aludida no caput do art. 175, do CTN. 44 Daí, em nosso entendimento, a razão para a redação contida no caput do art. 180, do CTN, verbis: Art. 180. A anistia abrange exclusivamente as infrações cometidas anteriormente à vigência da lei que a concede,.... 45 A respeito das distinções havidas entre norma primária dispositiva, norma primária sancionatória e norma secundária, consultar o PROFESSOR EURICO MARCOS DINIZ DE SANTI, Lançamento Tributário. 1ª Edição, São Paulo: Editora Max Limonad, 1996, pág. 37.

22 Diversamente das demais analisadas até agora, crédito tributário, no contexto da norma de anistia, aponta para a relação jurídica primária sancionatória, excluída por força da aplicação desta norma (de anistia). Vejam que, pelo fato de termos tratado de uma relação sancionatória, pressupõe-se a ocorrência de um ilícito que, no caso, referese exatamente ao descumprimento, pelo sujeito passivo, do previsto na relação jurídica tributária. Isto nos obriga a redimensionar a extensão do conceito tributário ligado ao termo crédito, para que o mesmo possa denotar também outras relações que não apenas as tipicamente tributárias, definidas a partir dos critérios estabelecidos no art. 3, do CTN 46. Redefinindo, assim, crédito tributário, para fins do inciso II, do art. 175, do CTN, entendemo-lo como o nome dado à categoria de relações jurídicas que contemplam não só as tipicamente tributárias (strictu sensu), como também aquelas que, implicadas a estas por força da causalidade jurídica 47, decorram da jurisdicização do conseqüente da norma primária sancionatória. V - A QUESTÃO DA ALÍQUOTA ZERO POSIÇÃO DO STF Pacificada a questão de que os insumos adquiridos com isenção permitem o creditamento do IPI, o Supremo Tribunal Federal foi instado a manifestar seu entendimento acerca da possibilidade de aproveitamento de crédito de IPI na aquisição de insumos adquiridos com a alíquota zero e não tributados. A discussão veio à tona em razão da decisão da Corte Suprema com relação às operações isentas, e foi também incitada pela edição da Lei nº 9.779, de 19 de janeiro de 1999, que trata do direito ao crédito relativo aos insumos quando o produto industrializado é isento ou sujeito à alíquota zero. A par disso, entendemos ser interessante trazer o teor das manifestações sobre o assunto para mostrarmos a evolução e a construção do entendimento da Corte Suprema. 46 Estamos adotando uma das possíveis significações para o vocábulo tributo, conforme bem esclarecido pelo PROFESSOR PAULO DE BARROS CARVALHO, id. ib., pág. 19. 47 VILANOVA, LOURIVAL. Causalidade e Relação no Direito. 4ª Edição, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000, pág. 61.

23 O debate foi colocado para análise do Plenário no julgamento do Recurso Extraordinário nº 350.446-1/PR, em 18.12.2002, ficando consignado o entendimento de que a alíquota zero, assim como a isenção, é hipótese desonerativa, posto que ambas dispensam o recolhimento do tributo, sendo que as situações são similares, o que permitia a aplicação do precedente do Recurso Extraordinário nº 212.484/PR, ficando vencido somente o EXMO. MINISTRO ILMAR GALVÃO. Os fundamentos acatados pelo Plenário e que foram sustentados pelo relator, o EXMO MINISTRO NELSON JOBIM, estão representados pela seguinte passagem do voto: Por outro lado, como afirmei no RE 212.484,... o que se quer é a tributação do que foi agregado e não a tributação do anterior... A isenção, a alíquota zero ou a não-tributação em um dos elos da cadeia produtiva desapareceriam quando da operação subseqüente, se não admito creditamento. Nesta última a operação subseqüente recompor-se-ia todo o tributo, como isenção, alíquota-zero ou não-tributação não tivesse ocorrido em algum momento da cadeia produtiva. A recomposição do tributo dar-se-ia pela incidência da alíquota relativa à operação subseqüente, que atingiria as operações anteriores isentas, de alíquota-zero ou não tributadas. No referido julgado ficou explicitado que a distinção da isenção e da alíquota zero é meramente teórica, e seus efeitos são os mesmos (desoneração), implicando em tratamento igual para ambas as situações. Além disso, ambas não desqualificariam a hipótese de incidência do IPI e, em atenção ao princípio da não-cumulatividade, não poderiam ser desconsideradas na operação subseqüente. Portanto, tal como ocorre com a isenção, imprescindível que a alíquota zero também permita o aproveitamento dos créditos.

24 Confirmando tal posicionamento, destacamos alguns trechos dos votos proferidos naquele julgamento: O pronunciamento da EXMA MINISTRA ELLEN GRACIE O precedente que foi invocado pelas empresas diz respeito à isenção, e os recursos extraordinário que agora discutimos cuidam de alíquota zero. Ambos no entanto, segundo entendo, são casos de desoneração fiscal. Nada os diferencia. Já Aliomar Baleeiro, no recurso em Mandado de Segurança nº 18.191, reconhecia essa similitude e, antes de nós, o Ministro Néri da Silveira, por ocasião do julgamento do Recurso Extraordinário nº 212.484, no seu voto, fez suas as palavras do Ministro Bilac Pinto para demonstrar que não teria nenhum sentido conceder-se isenção, se não houvesse o correspondente crédito, porque, se acaso tributada a operação seguinte, o que de fato ocorreria a vingar a tese, que foi brilhantemente defendida pela Fazenda Nacional -, seria, na verdade, o diferimento de tributo, e não a desoneração pretendida. O pronunciamento do EXMO MINISTRO CARLOS VELLOSO (...) não vejo diferença substancial entre isenção e alíquota zero. O pronunciamento do EXMO MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE (...) para os que compuseram a maioria no precedente a única questão é a saber se o fato de não se tratar de isenção, mas de alíquota zero, alteraria aqui o entendimento nela manifestado. Convenci-me de que as duas hipóteses nele estão compreendidas. A opção pela isenção ou pela alíquota variável e, conseqüentemente, a possibilidade de concessão da alíquota zero, é um mero problema de política fiscal legislativa: uma para benefícios permanentes, e, outra, para adaptações à conjuntura econômica, que, a meu ver, não têm relevo nenhum na questão discutida com relação à posição do contribuinte.

25 O pronunciamento do EXMO MINISTRO SIDNEY SANCHES (...) a meu ver, enquanto o Supremo Tribunal Federal mantiver o entendimento adotado no RE nº 212.484, Relator o Ministro Nelson Jobim, admitindo o creditamento de IPI em operação isenta, não poderá deixar de fazê-lo quando se tratar de operação não tributada ou sujeita à alíquota zero. Para as mesmas conclusões figuram as mesmas razões, como admitiu, agora, o Ministro Ilmar Galvão, vencido no precedente. O pronunciamento do EXMO MINISTRO MOREIRA ALVES (...) os institutos têm diferenças intrínsecas, mas também eu não vejo, para a finalidade dos recursos presentes, como fazer distinção entre isenção e alíquota zero. Dissentiu parcialmente do posicionamento da maioria o EXMO. MINISTRO ILMAR GALVÃO que, apesar de concordar com a similitude da isenção e da alíquota zero, defendeu que a possibilidade de reconhecimento do direito ao crédito nas aquisições de insumos isentos e sujeitos a alíquota zero foi obstada a partir da Emenda Constitucional nº 3, de 1993, que alterou o parágrafo 6º do artigo 150 da Carta Magna, ao dispor que a outorga de crédito presumido está condicionada a promulgação de lei específica. Acreditou-se que com esta decisão a controvérsia havia sido pacificada, mesmo porque vários julgados seguiram os fundamentos da decisão do Plenário, inclusive nos Tribunais Regionais Federais. Contudo, a questão foi reacendida com a edição do Parecer n 405, de 2003 da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional PGFN, que exigiu um posicionamento da Fazenda Pública a respeito da questão, tendo em vista as inúmeras ações judiciais propostas para pleitear o direito ao crédito. No Parecer nº 405, de 2003, de autoria do Procurador da Fazenda Nacional Dr. Vitório Cassone, ficou consignado que a aquisição de insumos tributados à alíquota zero não confere direito ao crédito presumido do IPI, seja em razão da Lei nº 9.779/99 ou da

26 não-cumulatividade, e como os insumos não-tributados estão fora do campo de incidência do IPI, não estão submetidos ao crédito presumido do IPI. Justamente por conta dos novos argumentos da União Federal é que a Corte Suprema ficou sensibilizada e retomou a análise da questão Assim, após mais de quatro anos de discussão, em 15.02.2007, o Plenário do Supremo Tribunal Federal reviu seu posicionamento decidindo, por maioria 48, pela impossibilidade de compensação de créditos de IPI decorrente de aquisição de insumos com alíquota zero, por ofensa ao inciso II do 3º do art. 153 da Constituição Federal, sob os seguintes argumentos: A não-cumulatividade pressupõe, salvo previsão contrária da própria Constituição Federal, tributo devido e recolhido anteriormente; Na hipótese de não-tributação ou de alíquota zero não existe parâmetro normativo para se definir a quantia a ser compensada; A adoção de alíquota final relativa a operação diversa resultaria em ato de criação normativa para o qual o Judiciário não tem competência; O reconhecimento do creditamento ocasionaria inversão de valores, dada a natureza seletiva do IPI, visto que o produto final mais supérfluo proporcionaria compensação maior, cujo ônus seria indevidamente suportado pelo Estado, importando, ainda, em extensão de benefício a operação diversa daquela a que o mesmo está vinculado. Esclareceu-se que a Lei 9.779/99 não confere direito a crédito na hipótese de alíquota zero ou de não-tributação e sim naquela em que as operações anteriores foram tributadas, evitando-se, com isso, tornar inócuo o benefício fiscal. 48 Julgados em 15.02.2007 os Recursos Extraordinário 353.657/PR e RE 370.682/SC. Ficaram vencidos os Ministros Nelson Jobim, Cesar Peluzo, Sepúlveda Pertence, Ricardo Lewandowski e Celso Mello.