IMPLICAÇÕE DO DIAGNÓSTICO DE TDAH NA PRÁTICA PEDAGÓGICA

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Anais da Semana de Pedagogia da UEM ISSN Online: 2316-9435 XX Semana de Pedagogia da UEM VIII Encontro de Pesquisa em Educação / I Jornada Parfor IMPLICAÇÕE DO DIAGNÓSTICO DE TDAH NA PRÁTICA PEDAGÓGICA BONADIO, Rosana Aparecida Albuquerque raalbuquerque@uem.br MORI, Nerli Nonato Ribeiro (orientador) nnrmori@uem.br Instituição (por extenso) Psicologia da Educação INTRODUÇÃO Problemas de atenção, comportamento inadequado, ao contexto escolar, como inquietude, impulsividade, recusa em copiar, ou em realizar as atividades em sala, são queixas constantes que chegam aos mais variados profissionais: psicólogos, psicopedagogos, fonoaudiólogos, e especificamente ao neurologista. O número cada vez maior de encaminhamentos aumentou em grandes proporções o número de crianças diagnosticadas e medicadas por problemas de atenção. Esta informação se confirma nos encaminhamentos de queixas escolares para a Unidade de Psicologia Aplicada UPA, clínica escola de Psicologia da Universidade Estadual de Maringá PR, nos quais prevalece encaminhamento de queixas escolares, em especial o Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH). Os pais procuram as Unidades Básicas de Saúde, a UPA e demais instituições, solicitando atendimento psicopedagógico ao filho, com o diagnóstico de TDAH e que está fazendo uso do medicamento, especificamente a Ritalina. O TDAH é definido como [...] uma síndrome caracterizada por comportamento hiperativo e inquietude motora, desatenção marcante, falta de envolvimento persistente nas tarefas e impulsividade (LIMA, 2005, p. 73). Esse transtorno vem sendo objeto de estudo de muitos pesquisadores em diversas perspectivas. A maioria dos estudos referentes ao TDAH está direcionada ao diagnóstico e à identificação de um problema orgânico que deve ser tratado com o uso de medicação, como defendem Barkley (2008), Benczik (2000), Rotta (2006; 2007) e Kaefer (2006; 2007). A ênfase da questão volta-se para o sujeito que não aprende em razão de um transtorno, o qual prejudica seu desempenho escolar, comprometendo significativamente o processo ensino e aprendizagem. Em outro grupo encontramos pesquisas como as de Sucupira (1985); Collares Universidade Estadual de Maringá, 17 a 20 de setembro de 2013.

(1997); Eidt (2004) e Leite (2010) que contestam o caráter organicista pautado exclusivamente na administração medicamentosa. Em meio a esse cenário, este trabalho apresenta os resultados de uma pesquisa de Doutorado em Educação, da Universidade Estadual de Maringá, concluída em março de 2013, cujo objetivo foi compreender, em um grupo de crianças com problemas de atenção, como esses se manifestam no espaço escolar e de que modo o diagnóstico influencia a prática pedagógica do professor. Devemos considerar que mediante a expansão do ensino e de sua obrigatoriedade (não de permanência na escola), houve um contingente maior de crianças matriculadas e frequentando os bancos escolares, mesmo que precariamente. Este aumento considerável ampliou o número de crianças reprovadas, evadidas e com dificuldades e/ou distúrbios de aprendizagem, se comparado ao do início do século XX. Justifica-se, assim, o impulso das pesquisas de caráter organicistas para a compreensão do não aprender e, em especial, dos problemas relacionados ao déficit de atenção e hiperatividade. Em consonância com os ideários de igualdade, fraternidade e liberdade, essa concepção organicista reforçou no indivíduo e às suas particularidades a responsabilidade por seu sucesso ou fracasso social e escolar, visto que as mesmas possibilidades eram oferecidas a todos, e a sociedade se caracterizava como justa. Desta ótica, Patto (1996) explica como a ideologia liberal justificou a produção do fracasso escolar e contribuiu para a disseminação da prática de medicalização em razão dos problemas escolares. A Psicologia e a Medicina, autorizadas pela Pedagogia Nova, adentraram na escola e ganharam força com o Movimento Higienista. Classificaram e rotularam os menos aptos, a fim de formar classes homogêneas; o campo da educação passou a ser compreendido como fenômeno psíquica e biologicamente determinado e não um fenômeno histórico. Como discutido por Wanderbroock Júnior (2009), sob esse prisma foi estabelecida no espaço escolar, uma linha entre a normalidade e anormalidade. Essa prática, divulgada no Brasil no século XX e apoiada pela Escola Nova, pela Psicologia e pelo Movimento Higienista, ganha novas proporções no século XXI, quando a escola solicita a presença e o aval de neurologistas, psicólogos, fonoaudiólogos e psicopedagogos para solucionar questões escolares, que são, em primeiro plano, de ordem pedagógica. Por causa da dificuldade em lidar com os problemas de atenção dos alunos e com os comportamentos inadequados ao ambiente escolar, a escola passou a recorrer a especialistas, Universidade Estadual de Maringá, 17 a 20 de setembro de 2013. 2

em busca de respostas rápidas, retirando o caráter histórico da educação e tornando-a uma prática naturalizada. Guarido (2007) assinala que a invasão do campo educacional pelos especialistas, no início do século XX, contribuiu para a expansão de um discurso pedagógico normalizador, validando o atendimento às crianças nas áreas de psiquiatria, psicologia, fonoaudiologia, psicopedagogia e demais especialidades. Com isso, o discurso hegemônico da psiquiatria como referência ao sofrimento humano e às disfunções comportamentais e cognitivas das crianças aproximou ainda mais a educação dos discursos propalados pelos especialistas, afastando-a das dimensões políticas, econômicas e sociais. Souza (2008) alerta sobre a perversidade na prática daqueles que defendem as explicações organicistas, tornando um direito a patologização de crianças que não aprendem ou que não apresentam comportamentos esperados ao contexto escolar. Justificam este posicionamento, defendendo que a medicalização do aprender é um direito da criança, ou seja, o uso do medicamento, o diagnóstico e o atendimento a sua patologia devem ser garantidos por lei. Alan Sroufe 1 (2012, p. 3), em entrevista ao New York Times, aponta que o National Institute of Mental Health (Instituto Nacional de Doença Mental) financia as pesquisas direcionadas aos fatores fisiológicos e cerebrais do TDA. Apesar de existir pesquisas voltadas ao tratamento em outras vertentes, são mínimas as que focam a importância da experiência para o desenvolvimento do transtorno. A ênfase encontra-se em estudos que buscam esclarecer os componentes bioquímicos desta patologia, área de maior financiamento e adesão por parte dos cientistas. Aponta ainda que a resposta é sempre positiva, quando se questiona a existência dos problemas de atenção na infância; entretanto, desconsideram a possibilidade do TDA ou de anomalias do cérebro resultar das experiências. Da perspectiva médica, são divulgados em sites, revistas e demais meios de comunicação, questionários que podem facilmente ser preenchidos pelos pais, adolescentes ou adultos, sugestionando, muitas vezes o diagnóstico. A produção em grande escala de medicamentos como a Ritalina, para conter o comportamento, focar a atenção, aumentar o rendimento escolar acompanham o superdiagnóstico do TDAH, atrelada à urgência da escola e da família por soluções de problemas que lhes parecem, em sua maioria, não ser da sua alçada. 1 Alan Sroufe é professor emérito de Psicologia do Instituto de Desenvolvimento Infantil da Universidade de Minnessota USA, entrevista à revista New York Times pode ser acessada no link fhttp://www.comportese.com/2012/04/ritalina-nao-deu-certo.html. Universidade Estadual de Maringá, 17 a 20 de setembro de 2013. 3

Eidt (2004) revela que a avaliação diagnóstica não inclui observação sistematizada da escola e de atividade em demais contextos que compõem o universo da criança. Isto é comprovado ao verificar-se que do total dos prontuários analisados, 38 crianças (33,3%) foram avaliadas em apenas uma sessão. Tais dados confirmam o constatado nesta pesquisa, ou seja, do total de oito crianças pesquisadas, 75% foram avaliadas apenas pelo neuropediatra. As avaliações psicoeducacionais em contexto escolar, não se fizeram presentes nas avaliações verificadas nas pastas dos alunos pesquisados. Em razão do alto custo dessas avaliações; e pelo fato de o município não conseguir atender uma demanda crescente, os pais recorrem aos serviços de Psicologia, oferecidos pelas Instituições de Ensino Superior, para a realização das avaliações; quando não conseguem, limitam-se à avaliação do neurologista. Como a escola não consegue resolver o problema da criança que apresenta dificuldades e não demonstra resultados semelhantes aos de seus colegas, autoriza a ciência médica a atuar diretamente com questões que quase sempre são de ordem pedagógica. O neurologista lê o relatório da escola, a avaliação psicoeducacional (quando feita), escuta os pais e, em alguns casos, solicita o eletroencefalograma e com base nessas informações conclui sua avaliação. Guarido (2007, p. 154) alerta sobre a inversão na lógica da construção do diagnóstico; o medicamento está participando da nomeação do transtorno. Não há mais historicidade ou etiologia [...] a serem consideradas, pois a verdade do sintoma/transtorno está no funcionamento bioquímico, e os efeitos da medicação dão validade a um ou a outro diagnóstico. Diagnosticar sem compreender o contexto em que a queixa escolar foi produzida, descartando o trabalho multidisciplinar é, de acordo com Eidt (2004), usar o ensaio terapêutico como instrumento de medicalização e tornar patológicas as dificuldades escolares, depositando no aluno a responsabilidade por seu fracasso escolar. Presenciamos em nossas escolas a internalização dos discursos médico-psicológicos por parte dos professores, dando voz às explicações organicistas e reducionistas do não aprender e, ao mesmo tempo, imobilizando o papel do educador como mediador entre o conhecimento científico e o aluno. Faz-se necessário entender a determinação das relações de produção sobre o comportamento das pessoas e, desse modo, retirar do sujeito o peso por seu fracasso; que as questões biológicas são perpassadas pelas dimensões econômicas, políticas e sociais, e o quanto os mediadores culturais são necessários ao desenvolvimento das funções psicológicas superiores. Universidade Estadual de Maringá, 17 a 20 de setembro de 2013. 4

DESENVOLVIMENTO Objetivos Este trabalho tem por objetivo apresentar o resultado de uma pesquisa de Doutorado em Educação da Universidade Estadual de Maringá, que teve como objeto de estudo compreender as implicações do diagnóstico de TDAH na prática pedagógica do professor. METODOLOGIA A metodologia utilizada se constituiu em estudos bibliográficos e na pesquisa de campo realizada em quatro escolas municipais da cidade de Maringá, no período compreendido entre novembro e dezembro de 2010 e fevereiro de 2011. Os participantes da pesquisa são alunos da 1ª a 4ª série (em processo de transição para o ensino de nove anos o que corresponde - 1º ao 5º ano) do ensino fundamental de escolas municipais de Maringá, diagnosticados com problemas de atenção, especificamente caracterizado por Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade. Foi realizada a caracterização das escolas, o levantamento do número de alunos com TDAH, e posteriormente a seleção dos alunos para a pesquisa com a participação da equipe pedagógica da escola. Utilizamos como técnicas de coletas de informações, observações em sala e entrevista semiestruturada, realizada com os pais e professores dos alunos selecionados com diagnóstico de TDAH. RESULTADOS Durante o processo de pesquisa foi possível compreender as implicações do diagnóstico de TDAH na prática dos professores, e como a família e a escola recebe este diagnóstico, acreditando que a criança é portadora de um transtorno, cuja etiologia é hereditária. As unidades de análise aqui apresentadas, tem por objetivo evidenciar essas discussões, destacando os resultados da pesquisa. Indicamos como primeira unidade os significados atribuídos aos diagnósticos destacando o fato de que os discursos médico-psicológicos penetram no cotidiano da escola e, ao serem internalizados, passam a fazer parte dos discursos dos professores, dando voz às explicações organicistas e reducionistas do não aprender, imobilizando o papel do educador como mediador entre o conhecimento científico e o aluno. Anula-se, dessa forma, a autoridade pedagógica que deveria ser assumida pelo professor. A autoridade médica, mesmo sem orientar os pais e professores, ainda tem o poder de dizer que aquela criança tem um transtorno e, por isso, não está aprendendo como deveria. Universidade Estadual de Maringá, 17 a 20 de setembro de 2013. 5

Quanto ao que se conhece sobre o medicamento, constatamos nesta unidade, que as mães e os professores demonstraram desconhecimento em relação ao medicamento, efeitos colaterais e a atuação no sistema nervoso central, a informação que se faz constante é o período de duração do remédio, que é de quatro horas. O medicamento geralmente é administrado antes de a criança ir para a escola, entretanto, em dois casos observados, as mães autorizaram a administração do medicamento na escola, prática que está se fazendo cada vez mais frequente e comum. Outra unidade analisada foi o fetiche da pílula, especificamente o efeito placebo. Identificamos nas falas da professora e da mãe o efeito placebo do medicamento; ambas reconhecem, na criança, melhoras assim que o medicamento é ingerido. Lewontin, Rose e Kamin (1984, p. 206) afirmam que [...] Não é só a intensidade mas também a direcção em que uma droga pode alterar o feitio e comportamento de uma pessoa dependem materialmente do contexto social. O simples fato de dizer à pessoa que aquela droga eliminará os sintomas da depressão, ou que lhe aliviará a dor, é suficiente para que ela se sinta melhor. A unidade concepção de atenção como herança genética, indica na fala das mães e professoras, a fatalidade de carregar os genes ruins herdados pelos pais. Legitimam-se as desigualdades sociais, ao identificar, no sujeito, a existência de genes bons ou ruins, como indica Sacarrão (1984), desarmando a luta por uma escola de qualidade, que, por meio da transmissão e da apropriação dos conhecimentos culturalmente elaborados, venha a oferecer condições para que a criança se desenvolva psiquicamente e supere dificuldades escolares vistas como resultado de um organismo doente. A herança genética faz-se mais forte, até porque é vista como fatalidade, como explicam Lewontin, Rose e Kamin (1984, p. 26): [...] tudo o que é biológico é dado pela natureza e provado pela ciência. Mediante esta afirmação nos questionamos: se o TDAH ainda não foi comprovado cientificamente, por que delegar ao biológico um papel mais preponderante que as relações sociais? Verificamos na unidade uso do medicamento e a aprendizagem, segundo o relato das professoras que o medicamento contribui na atenção, no controle do comportamento, na aprendizagem, na organização do caderno. Os relatos remetem mais à mudança no comportamento que aos aspectos relacionados à aprendizagem. Duas professoras não souberam dizer os benefícios que o medicamento trouxe à aprendizagem. A fala de uma das professoras ampara-se na ideia segundo a qual as leis que regem o desenvolvimento mental são leis naturais e o uso do medicamento, atrelado ao amadurecimento decorrente da idade, é considerado aspecto fundamental para a atenção e a concentração do aluno em sala de aula. Universidade Estadual de Maringá, 17 a 20 de setembro de 2013. 6

Dessa perspectiva a aprendizagem acontece de forma espontânea, natural e pode ser mobilizada especificamente pelo uso do medicamento e não por mediadores culturais. A organização da prática pedagógica mediante o diagnóstico unidade que responde especificamente a problemática investigada, indica nos depoimentos das professoras entrevistadas uma fragilidade teórico-prática (CARVALHO, 2000) para lidar com a criança diagnosticada com TDAH. Em nenhuma das escolas as professoras foram orientadas para trabalhar com esses alunos, apenas os recebem e estes são vistos como uma criança com um problema orgânico, que necessita de medicamento. O fato de receber uma criança com um quadro específico não alterou o planejamento das aulas das professoras; elas foram unânimes em relação a essa questão. As mudanças ocorridas foram referentes à forma com que passaram a olhar o aluno e a tratá-lo: uma criança mais lenta, com dificuldades, merecedora de complacência. A prática pedagógica não sofreu alteração em sua organização e estratégias didáticas; a identificação do aluno diagnosticado com TDAH apenas tornou o professor mais compreensivo frente ao problema orgânico do aluno, tendo pouco a contribuir para o desenvolvimento de sua atenção. CONSIDERAÇÕES FINAIS As questões estudadas sob a perspectiva da Psicologia Histórico-Cultural oferecem-nos um panorama dos significados atribuídos ao diagnóstico de TDAH, do poder delegado ao medicamento e da permanência de uma prática pedagógica que quase sempre pouco contribui para o desenvolvimento da atenção voluntária. Se os problemas da atenção e do controle voluntário do comportamento são entendidos pelos professores como orgânicos, não há por que alterar sua prática pedagógica. Ao entender as causas do não aprender como de origem bioquímica e decorrentes de componente hereditários, diagnosticar e medicar é suficiente. As possibilidades de aprendizagem são oferecidas pelo medicamento em primeiro plano, ele aproxima o aluno dos demais, oportunizando a tão defendida igualdade. Potencializa a atenção, controla o comportamento, prepara o aluno para aprender; ao professor cabe aproveitar os efeitos do medicamento para ensinar, nada mais. Médicos, demais especialistas, pais e professores esquecem-se de que as drogas não produzem aprendizagem, o que elas fazem é possibilitar a manutenção da atenção e a supressão dos comportamentos considerados inadequados. Por não existir um instrumento que verifique a alteração da aprendizagem mediante o uso do medicamento, Ross (1979) assinala que as avaliações ficam limitadas aos julgamentos de pais e professores, que relatam Universidade Estadual de Maringá, 17 a 20 de setembro de 2013. 7

melhora na aprendizagem, aspecto este apontado na análise dos dados, e que se revela, em sua maioria, como mudanças de comportamento. Encontramos no interior de nossas escolas professores que não recebem nenhuma orientação, nem do médico, nem da equipe pedagógica; planejamento das aulas, métodos de avaliação, atividades desenvolvidas em sala, não são alterados quando o professor recebe uma criança com o diagnóstico de TDAH. A prática pedagógica permanece a mesma, as mudanças limitam-se à forma com que os professores se posicionam frente ao aluno; as professoras passam a ser mais compreensivas com as dificuldades de atenção ou de comportamento, por acreditarem que elas resultam de uma disfunção bioquímica do cérebro, que não está no controle da criança, mas de um organismo com deficiências específicas. Entretanto, culpar o professor e sua prática pedagógica não leva a lugar algum; a formação do professor está acompanhada de precárias condições de trabalho, de baixo salário, de falta de acesso aos meios de produção, à cultura e ao lazer. Mas, resgatar o papel de figura primordial do processo ensino-aprendizagem, isso, sim, faz-se urgente, quando almejamos uma escola pública de qualidade promotora da aprendizagem e desenvolvimento. Aprendizagem não é desenvolvimento, mas quando organizada pelo professor, provoca o desenvolvimento mental da criança, mobilizando uma série de processos, que fora da aprendizagem não seriam possíveis. Esse movimento provocado pela educação escolar amplia a importância aprendizagem escolar, da escola e do professor no desenvolvimento das funções psicológicas superiores, reafirmando que a atenção e o controle voluntário do comportamento são mediados pelas inter-relações estabelecidas entre o adulto e a criança. Fundamentados nesta perspectiva o aprendizado é indispensável ao desenvolvimento de tais funções, culturalmente organizadas e tipicamente humanas. REFERÊNCIAS BONADIO, R. A. A. Problemas de atenção: implicações do diagnóstico de TDAH na prática pedagógica. 252 f. Tese (Doutorado em Educação) Universidade Estadual de Maringá. Orientador: Nerli Nonato Ribeiro Mori. Maringá, 2013 CARVALHO, Diana Carvalho de. A relação entre psicologia e alfabetização sob a óptica dos professores. 254 f. Tese (Doutorado). Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2000. online. Disponível em: www.periodicos.ufsc.br/index.php/zeroseis/thesis. EIDT, Nadia Mara. Transtorno de déficit de atenção e hiperatividade: diagnóstico ou rotulação? 2004. 216 f. Dissertação (Mestrado). Pontifícia Universidade Católica de Campinas, Programa de Pós-Graduação em Psicologia Escolar. Universidade Estadual de Maringá, 17 a 20 de setembro de 2013. 8

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